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LIÇÃO Nº 3 – A INFÂNCIA DE JESUS

lição 03

Como homem, Jesus teve um desenvolvimento como qualquer outro ser humano, mas sem pecado.


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INTRODUÇÃO

– Na continuidade do estudo do Evangelho segundo Lucas, estudaremos hoje a respeito da infância e adolescência de Jesus, o que é relatado no trecho de Lc.2:21-52.

– Lucas mostra-nos que Jesus, tendo Se feito homem, teve um desenvolvimento como qualquer outro ser humano, mas sem pecado.

I – A CIRCUNCISÃO E APRESENTAÇÃO DE JESUS

– Dando continuidade ao estudo do Evangelho segundo Lucas, estudaremos a segunda porção da primeira parte deste evangelho, que é chamado pelos estudiosos das Escrituras de “narrativa da infância”. Lucas é o evangelista que mais informações nos dá a respeito da infância e adolescência de Jesus Cristo, dentro do seu objetivo de mostra-l’O como o homem perfeito.

– Após ter nos informado a respeito da visita ao menino Jesus por parte dos pastores, Lucas faz questão de nos informar que, como qualquer criança judia do sexo masculino, Jesus foi circuncidado ao oitavo dia, ocasião em que se lhe deu o nome de Jesus, consoante a determinação do anjo Gabriel a Maria (Mateus registra-nos que tal orientação também foi dada a José – Mt.1:21) (Lc.2:21).

– A notícia de que Jesus foi circuncidado é mais um elemento que Lucas dá para mostrar que Jesus havia Se feito homem e, portanto, estava submetido à lei de Moisés como qualquer outro judeu. Tal notícia, aliás, faz-nos lembrar o que o apóstolo Paulo nos ensina, quando, ao escrever aos gálatas, diz que Jesus foi nascido de mulher, ou seja, fez-Se verdadeiro homem, tendo, ademais, nascido sob a lei (Gl.4:4). É esta submissão à lei e esta humanização que é enfatizada pelo evangelista.

OBS: “…O Menino recebe o nome de Jesus no dia da Sua circuncisão, segundo os costumes dos judeus (ver capítulo 1:59), mas de acordo com os desígnios e as revelações de Deus, comunicados pelos Seus anjos. Tudo o mais se cumpre em conformidade com a lei, porque, historicamente, achamo-nos ainda em relação com Israel. Aquele que é nascido de mulher ˂˂é nascido sob a lei˃˃(Gálatas 4:4)…” (DARBY, John Nelson. Estudos sobre a Palavra de Deus: Lucas-João. Trad. de Dr. Martins do Vale, p.26).

– Ainda dentro deste princípio de que Jesus estava submetido à lei, numa demonstração de Sua real humanidade, Lucas também registra que, como Jesus era o primogênito de José e de Maria, teve de ser cumprido o mandamento de santificação do primogênito a Deus (Ex.13:2; 22:29; 34:19; Nm.3:13; 8:17; 18:15), como também o mandamento da purificação da mãe (Lv.12:1-4), motivo por que José e Maria, quarenta dias após o nascimento do menino, levaram-n’O ao templo para ser apresentado ao Senhor, como também para que Maria fosse considerada pura segundo a lei.

– Lucas registra, ainda, que a oferta apresentada por José e por Maria para a referida purificação foi um par de rolas ou dois pombinhos (Lc.2:24), a oferta prevista para os mais pobres, que não tinham sequer um cordeiro para ofertar ao Senhor (Lv.12:6-8), a mostrar que Jesus nasceu num lar humilde, que pertencia a classe social dos menos favorecidos, mais uma vez se mostrando aqui a imensa humilhação que Jesus assumiu para vir nos salvar.

– Pois bem, quando o casal levou seu primogênito para apresentá-l’O ao Senhor e proceder à purificação de Maria, no templo de Jerusalém, Lucas nos conta que havia em Jerusalém um homem justo e temente a Deus chamado Simeão, a quem o Espírito Santo havia revelado que não morreria enquanto não visse o Cristo do Senhor. Temos aqui mais uma intervenção divina para atestar a messianidade de Jesus.

– Simeão foi levado pelo Espírito Santo ao templo e lhe foi revelado que aquela criança de apenas quarenta dias de vida era o Messias prometido. Simeão, então, num ato de fé, tomou a criança em seus braços e louvou a Deus, confirmando, assim, mais uma vez, que Jesus era realmente o Cristo, o Messias, o Salvador.

– Temos, então, nova palavra profética a respeito do menino. Simeão, após agradecer a Deus por ter visto a salvação de Deus, salvação destinada a todos os povos e não só para Israel, abençoou o casal, tendo, então, dito a Maria que Jesus seria posto para queda e elevação de muitos em Israel e, como sinal de que Jesus seria contraditado, uma espada traspassaria a própria alma de Maria, para que se manifestassem os pensamentos de muitos corações (Lc.2:29-35).

– “…Diz Robertson mui graficamente: ‘Cristo é o magneto dos séculos. Ele atrai a alguns e repele a outros’. Por esse motivo é que vemos alguns ‘caírem’ e outros se ‘levantarem’.…” (CHAMPLIN, R.N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, v.2, p.34). Esta palavra de Simeão haveria de ser confirmada pelo próprio Senhor Jesus, que atestou que viera para trazer dissensão na Terra, visto que, diante de Sua mensagem, os homens haveriam de aceitá-l’O ou rejeitá-l’O (Lc.12:49-53).

– Ninguém fica indiferente à mensagem do Evangelho e, por isso mesmo, consoante a reação que tenha a esta grande demonstração do amor de Deus, alcançará a vida eterna ou, então, a perdição eterna. Como diz R.N. Champlin: “…Jesus Se tornou o símbolo daquilo que haveria de ser odiado e zombado, ou seja, um ‘alvo de contradição’…” (op.cit., v.2, p.34).

– A palavra profética de Simeão também prepara Maria para os sofrimentos que teria como mãe do Salvador. Maria estava a guardar todas as coisas em seu coração (Lc.2:19), não compreendendo, certamente, as circunstâncias adversas que estavam a cercar a vinda do Messias ao mundo, diante das promessas messiânicas, mas, aqui, é, ainda, advertida de que sofreria grandemente por causa da obra de Cristo.

Na verdade, o Messias seria contraditado e, por causa disso, Maria haveria de sofrer grandemente, “uma espada traspassaria a sua alma”. Maria não deveria esperar uma vida régia de seu filho, por conta de ser ele o Messias, mas, sim, deveria aguardar momentos difíceis. Com efeito, esta profecia de Simeão se cumpriu cabalmente, pois Maria foi testemunha ocular de toda paixão e morte de Jesus (Jo.19:25).

OBS: “…Simeão na realidade fala de um grande evento, de um golpe mortal de espada, em decorrência do qual seu coração de mãe sangrará. Mas Simeão ainda não vê que evento é esse. O Espírito de Deus poupa-o dessa mais terrível das imagens de horror, a ignominiosa execução de Jesus como “facínora” no madeiro maldito.

Ele poupa também a mãe, mas a aflição e a gravidade do madeiro maldito já estão diante dos olhos de Simeão, quando este menciona, em lugar da cruz sofrida por Jesus, a espada que traspassa a mãe de Jesus.

O mesmo evento, porém, que penetra como uma espada na alma de Maria, serve simultaneamente para que se manifestem os (maus) pensamentos de muitos corações (v. 35b; os “maus” consta também no manuscrito encontrado sobre o Sinai).

Na cruz do Calvário manifestou-se o coração de Judas, a maléfica autoconfiança de Pedro, além da grande fraqueza dos demais discípulos. Na cruz do Calvário manifestou-se o coração hipócrita dos fariseus, cheio de inveja e ódio, o coração pusilânime de Pilatos, a volubilidade do povo de Israel entre seu “Hosana” e “Crucifica-o!”, e a rudeza dos gentios.

Na cruz do Calvário explicitou-se o que Jeremias (Jr 17.9, literalmente) diz: “Extremamente traiçoeiro é o coração, e desesperadamente corrupto; quem o sondará?” A contradição, exacerbada até a crucificação real do príncipe da vida, desmascara o íntimo do coração de todo o mundo, dos inimigos do próprio Senhor, de cada pessoa.

Lutero diz: “Não apenas eu, mas nem mesmo um apóstolo teria sido capaz de imaginar ou crer que exista uma maldade tão grande no mundo.”…” (RIENECKER, Fritz. O Evangelho de Lucas: comentário Esperança. Trad. de Werner Fuchs, pp.44-45) (destaques originais).

– É importante salientar que o sofrimento que Maria haveria de passar, como testemunha ocular da morte de Jesus, nada tem que ver com a obra redentora de Cristo.

Os mariólatras costumam utilizar esta palavra de Simeão como uma “prova bíblica” de que Maria seria corredentora, teria tido uma participação na salvação da humanidade. Pelo contrário, o que o texto nos ensina é que o sofrimento de Maria seria tão somente um sinal de que Jesus seria contraditado, seria rejeitado por Israel.

Temos aqui mais uma advertência divina a Maria para que não se iludisse com o imaginário então vigente a respeito do Messias do que qualquer anúncio de participação de Maria na redenção humana, até porque Cristo é o único que poderia salvar a humanidade, pois só Ele é o Salvador (At.4:12).

OBS: “…Portanto, devemos entender a espada que traspassou a sua alma foi aquele que se diz ‘E a espada nos lábios deles atravessou sua alma’ (Sl.58:8), isto é, referindo-se à dor da Virgem pela paixão do Senhor.

A qual, ainda quando parecia que Jesus morria por vontade própria (como Filho de Deus) e ainda quando não duvidasse que haveria de vencer a mesma morte, porém, não pôde ver crucificar o Filho de suas entranhas sem um sentimento de dor…” (BEDA apud Catena áurea, n. 9233. Cit. Lc.2:33-35. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 18 fev. 2015) (tradução nossa de texto em espanhol).

– É interessante observar que, tocante ao cumprimento desta profecia de Simeão, Agostinho diz o seguinte: “…Acaso não significou isto que também Maria (por quem se tinha realizado ao mistério da encarnação), duvidou com certo estupor na morte de Jesus, vendo ao Filho de Deus tão humilhado e que descia até a morte.

E, assim como a espada quando toca a um homem o faz temer, ainda quando não o fira, assim a dúvida produziu nela tristeza, sem matá-la, porque não tomou assento em sua alma, senão que a atravessou como uma sombra (De quaest. Novi et veteris Testamenti, cpa.73 apud Catena áurea, n. 9233. Cit. Lc.2:33-35.

Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 18 fev. 2015) (tradução nossa de texto em espanhol). Confirma-se aqui, pois, que Maria, assim como os demais, não compreendia a morte de Cristo e isto lhe causou, por ser mãe, um sofrimento grande, assim como profetizado por Simeão, a mostrar que tal sofrimento nada tinha de valor espiritual para a redenção da humanidade.

– José e Maria ficaram maravilhados com as palavras proferidas por Simeão, que serviam de mais um estímulo e incentivo à fé daquele casal, que teria o dever de criar o Messias, de educá-l’O e sustentá-l’O até que Ele pudesse exercer o Seu ministério. Ante situações tão adversas e paradoxais, era necessário mesmo que Deus viesse confirmar tudo quanto havia sido pelo anjo a José e a Maria.

– Em prosseguimento a esta intervenção divina que confirmava as promessas a respeito do menino, surge a figura de Ana, uma profetisa já anciã, que era da tribo de Aser, com quase oitenta e quatro anos de idade e que não se afastava do templo, jejuando e orando noite e dia.

O Senhor usou desta mulher para também testificar que aquele menino de apenas quarenta dias de vida era o Messias e que havia chegado o tempo da redenção (Lc.2:36-38).

– Vemos, assim, que não só Jesus foi apresentado ao Senhor no templo, mas que também o Senhor apresentou o Seu Cristo ao povo de Israel, àqueles que devotamente serviam a Deus. Isto nos traz uma importante lição:

Deus sempre está pronto a mostrar as realidades espirituais àqueles que se dispõem a servi-l’O e que cumprir a Sua vontade. Os devotos judeus, que cumpriam os mandamentos, tiveram a oportunidade de saber que havia chegado o tempo da redenção de Israel.

Nós, também, se formos fiéis ao Senhor, não ficaremos alheios ao tempo de Deus e, por isso mesmo, estaremos prontos para percebermos o templo da glorificação, quando o Senhor vier arrebatar a Sua Igreja.

OBS: “…Encontramos aqui um grupo de humildes. Não é dito se eram muitos ou poucos, contudo deve ter sido um pequeno “grupo de comunhão” em Jerusalém, em parte fruto do fiel trabalho de Simeão e Ana.

Esses dois parecem ter sido uma espécie de referência para aqueles que aguardavam a salvação. A expressão “redenção em Jerusalém” é oriunda de Is 52.9, onde se lê: “Javé tem compaixão de seu povo, ele redime a Jerusalém.”

Portanto, Jesus foi trazido ao templo e apresentado diante do Senhor, sem que o sacerdócio oficial do templo e de Jerusalém tomasse conhecimento dele. O dom da profecia, inerente ao simples israelita Simeão e a Ana, faltava completamente nesses sacerdotes. O santo de Israel é trazido para dentro do templo, e os servidores oficiais do santuário não o percebem.…” (RINECKER, Fritz. op.cit., p.45).

II – JESUS ASSUME SUA RESPONSABILIDADE PERANTE A LEI

– Após tais episódios que envolveram a apresentação de Jesus ao templo, Lucas registra que José e Maria voltaram à Galileia, para a cidade de Nazaré (Lc.2:39).

Sabemos que isto não se deu após a apresentação do menino no templo, pois, conforme nos narra Mateus, José e Maria chegaram a morar cerca de dois anos em Belém, tendo, então, fugido para o Egito, após a visita dos magos, uma vez que Herodes quis matar o menino, tendo retornado para Israel somente depois da morte daquele rei cruel, resolvendo morar na Galileia por temer serem governados por Arquelau, o filho de Herodes que havia recebido a Judeia como território para governar (Mt.2).

Lucas não registra tais fatos, provavelmente porque não tenha tido acesso a testemunhas presenciais de tais eventos.

– No entanto, Lucas traz um registro que Mateus não faz, qual seja, o do momento em que o Senhor é levado até o templo em Jerusalém para assumir a sua responsabilidade perante a lei, ato que é até hoje praticado pelos judeus e que se denomina “Bar-Mitzvah”, cujo significado é “o Filho do Mandamento”. Como diz Nathan Ausubel: “…Uma interpretação da Mishnah [tradição oral judaica —observação nossa] escrita no século I E.C. faz referência aos treze anos como sendo a idade apropriada para se começar a cumprir as 613 mitzvot ou mandamentos da Bíblia.

‘Até o décimo terceiro ano’, observou o Tana (Sábio) Eleazar, ‘é dever do pai educar seu filho’. Mas depois disso, ele deve dizer: ‘Abençoado seja Aquele que tirou de mim a responsabilidade por esse rapaz’. Em resumo, é esse todo o significado do Bar Mitzvah.…” (Bar Mitzvah. In: A JUDAICA, v.5, p.65).

– Lucas nos dá de que a infância de Jesus foi absolutamente normal, nada tendo de extraordinário. O evangelista diz-nos que “o menino crescia e se fortalecia em espírito, cheio de sabedoria e a graça de Deus estava sobre Ele” (Lc.2:40).

– Jesus havia Se humanizado e Se sujeitado a todas as vicissitudes da vida humana. Se é verdade que nunca pecou, pois, tendo sido gerado por obra e graça do Espírito Santo, não havia herdado a natureza adâmica, a ponto de, quando adquiriu a consciência, ter escolhido o bem e não o mal, ao contrário dos demais homens, como, aliás, fora profetizado por Isaías (Is.7:15,16), o fato é que, exteriormente, nada o diferençava de qualquer outro menino judeu.

– Isto é extremamente importante, pois, ao longo da história da Igreja, surgiram muitos “evangelhos da infância”, que traziam, em seus relatos, histórias fantasiosas de milagres e sinais realizados pelo menino Jesus, algo que nunca pode ser aceito ou admitido, visto que tal contraria o plano divino estabelecido para a salvação da humanidade. Jesus Se despojou da Sua glória e, portanto, não poderia usar dos Seus atributos divinos, máxime quando nem sequer havia iniciado Seu ministério.

– Lucas mostra que o desenvolvimento de Jesus seguia os mesmos passos dos demais seres humanos. Quando o evangelista fala do crescimento de Cristo, repete as mesmas palavras que utilizara para falar do desenvolvimento de João Batista: “crescia e se fortalecia em espírito” (Lc.1:80), a indicar que se tratava de algo absolutamente normal.

– Lucas, porém, realça que Jesus era cheio de sabedoria, o que já revela aqui um traço deste evangelho, qual seja, o de mostrar a Jesus como a “sabedoria de Deus”, expressão que o evangelista utilizará para o próprio Cristo em Lc.11:49. A propósito, alguns estudiosos da Bíblia entendem que Lucas é o “evangelho proverbial”, tem uma vinculação com o livro de Provérbios, tanto que é o evangelho que mais parábolas de Jesus registra.

– Jesus, sendo apresentado como a “sabedoria de Deus” e como Aquele que daria sabedoria a Seus discípulos (Lc.21:15), sendo maior que o próprio Salomão (Lc..11:31), é apresentado como aquela sabedoria personificada no livro de Provérbios, Aquele que sabe viver entre os homens e que pode ensinar como se viver entre os homens. Jesus não era um “ET” na terra, mas um verdadeiro homem, que, ainda que sem pecado, era capaz de conviver e ensinar os homens a conviverem entre si.

– Outro ponto importante enfatizado por Lucas era de que a graça de Deus estava sobre Jesus. Isto nos mostra, mais uma vez, a verdadeira humanidade de Cristo. Embora fosse Deus, o fato é que, como homem, necessitava da graça de Deus. Enquanto homem, Jesus Se desenvolvia debaixo da graça de Deus. O Senhor o estava a ampará-l’O, em todos os momentos, para que Ele pudesse, a Seu tempo, exercer o Seu ministério.

– Estes traços do desenvolvimento de Cristo mostram claramente o grave dever que têm os pais na educação de seus filhos. Como servos de Deus, devemos sempre fazer com que nossos filhos possam crescer e se fortalecer em espírito, sendo cheios de sabedoria e que vivam debaixo da graça de Deus. Para tanto, é indispensável que os criemos na doutrina e na admoestação do Senhor (Ef.6:4), ensinando-lhes o caminho em que devem andar (Pv.22:6).

– Nos dias difíceis em que vivemos, é muito triste verificarmos que muitos pais que se dizem cristãos são absolutamente negligentes na educação doutrinária de seus filhos, deixando que eles cresçam mas sem qualquer fortalecimento no espírito, sendo, infelizmente, entregues ao mundo e ao pecado, repetindo assim as abominações praticadas pelos israelitas que levavam seus filhos para ser sacrificados aos ídolos , algo abominável aos olhos do Senhor (Lv.18:21; 20:2-5).

Não há como querer que nossas crianças cresçam fortalecidas no espírito e cheias de sabedoria e que tenham a graça de Deus sobre suas vidas se não lhes ensinarmos a Palavra de Deus, se não as introduzirmos no ambiente de nossas igrejas locais, se não transformarmos nossos lares em altares de adoração a Deus.

– José e Maria eram pessoas tementes a Deus, cumpridoras dos mandamentos, tanto que iam a Jerusalém todos os anos por ocasião da festa da páscoa (Lc.2:41), o que não deixava de ser penoso para um casal humilde como era o caso deles. Vemos aqui, certamente, que Jesus crescia fortalecido em espírito em virtude da educação que lhes davam seus pais.

– Tendo atingido os doze anos e, assim, entrado no décimo terceiro ano de vida, Jesus, conforme a tradição, foi levado ao templo para que assumisse a sua responsabilidade diante da lei de Moisés. Como qualquer adolescente judeu, Jesus tinha de assumir que, a partir de então, responderia pessoalmente diante de Deus, era o verdadeiro homem que vinha para cumprir a vontade de Deus.

– Após as festividades, José e Maria, inadvertidamente, seguiram juntamente com a caravana que viera de Nazaré, de volta, sem perceber que o menino Jesus havia ficado no templo. Certamente, José e Maria achavam que encontrariam o menino no meio dos integrantes daquela caravana, mas logo viram que ele não se encontrava ali e, diante disso, voltaram para Jerusalém a fim de procurar o menino.

– Foram a todos os lugares, menos ao templo, pois não podiam imaginar que, diante de tantas atrações em Jerusalém, estaria o adolescente no templo em conversa com os doutores. Foram três dias de busca pelo menino, enquanto que o Senhor Jesus estava a conversar com os doutores.

– Lucas registra que Jesus, primeiramente, ouviu os doutores. Isto é mais uma prova de que Jesus era a Sabedoria encarnada, pois o sábio primeiramente ouve para depois falar (Pv.1:5; 18:13; Ec.5:1; Tg.1:19). Mas, após ter ouvido, passou a interrogar os doutores, demonstrando uma inteligência incomum, que causou a admiração de todos os que ali estavam (Lc.2:46,47).

OBS: “…Eles não tiveram uma única resposta para Suas aparentes sinópticas perguntas. Trocaram, imediatamente, de posição com o Menino e passaram de interrogados a interrogadores e o interrogador passou a ser objeto de interrogação. Suas precisas respostas deixaram os espectadores maravilhados.

Ninguém queria arredar os pés de onde eles estavam para não perderem o lugar. O povo de linhagem helênica tem mais fome do conhecimento do que de alimento físico, ainda que fosse a comida mais gostosa do mundo. Nada era mais importante para eles do que estar adquirindo conhecimento (…).

Era assim aquele povo dos dias de Cristo Jesus (…). Cristo Jesus suscitou naquele povo que se encontrava no templo de Jerusalém um expectativa formidável. Eles viram em Cristo a essência do saber.

Em apenas três dias, demonstrou-se que este pequeno gênio detinha o domínio do conhecimento e viram n’Ele o caminho do aprendizado. Certamente eles pagariam qualquer coisa por período, para que pudessem estar com Cristo em tempo integral (…). Imagine quantas coisas lindas Ele proferiu para os mestres e os indoutos que ali se faziam presentes nesta rara ocasião!…” (CARVALHO, Ailton Muniz de. O Cristo Desconhecido – dos judeus, da ciência, da história e até mesmo dos ‘cristãos’, pp.216-220).

– Vemos aqui, ainda, como é importante o ensino interativo, onde há um diálogo entre mestres e alunos, como é o ensino que é dado na Escola Bíblica Dominical. Jesus sempre ensinou utilizando deste método, desde a sua “estreia”, ocorrida neste final da festividade da Páscoa no templo em Jerusalém.

– Após três dias, José e Maria vão ao templo e lá encontram o adolescente Jesus no meio dos doutores. O lugar de Jesus é no templo. Jesus sempre é encontrado no templo, pois Ele é a própria presença de Deus entre nós, é o Emanuel, o “Deus conosco”.

Por isso, se, por algum motivo, em nossas vidas, perdermos Jesus de vista, não O encontrarmos, lembremos que Ele sempre está no templo e aqui não estamos a dizer a respeito dos prédios das igrejas locais e, sim, tanto de nós mesmos, que somos templos do Espírito Santo ( I Co.6:19), como também da Igreja, o corpo de Cristo (I Co.12:27).

– Perguntado pelos seus pais a respeito deste Seu comportamento, Jesus responde que estava a tratar dos negócios de Seu Pai (Lc.2:49), em mais uma manifestação a José e Maria a respeito do cumprimento de tudo quanto fora dito a eles a respeito de Cristo. O próprio Jesus Se identificava como Filho de Deus, embora fosse apenas um adolescente.

Na Sua assunção de responsabilidade perante a lei, Jesus tinha adquirido a plena consciência de Sua obra salvífica, do Seu papel no plano divino da redenção. Era ele só que estava a tratar dos negócios do Pai, em mais uma demonstração que é Ele o único responsável pela redenção do homem e ninguém mais, inclusive Maria, que é quem indaga a Jesus a respeito de Seu desaparecimento, a extirpar, pois, qualquer dúvida de que possa haver alguma corredenção por parte dela, pois, enquanto Jesus tinha plena consciência de Seu papel, José e Maria não compreenderam o que Jesus lhes dissera.

III – A ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE DE JESUS

– Apesar desta magistral e maravilhosa “estreia” no templo de Jerusalém, Jesus retornou para Nazaré na companhia de Seus pais, voltando a ter a mesma vida normal que todo adolescente judeu tinha. Lucas mostra o total desapego de Cristo e o real significado de Sua humilhação.

Não havia ainda chegado a hora do início do ministério de Jesus e, por isso, o Senhor retornou para Nazaré, para uma vida anônima e de sujeição aos pais, enquanto que Maria continuava a guardar todas estas coisas em seu coraão (Lc.2:51).

OBS: “…A casa paterna em Nazaré passou a ser para o rapaz de doze anos “aquilo que é do Pai”. Despojando-se de si mesmo, ele começa sua trajetória de renúncias e agruras, humilde e desconhecido, que poderia tornar o tempo “demorado” até mesmo para a mais despretensiosa pessoa.

Ele deveria esperar pelo chamado do Pai e permanecer calado durante dezoito anos, paciente e incógnito. O amor ao Pai celestial não aniquila o amor aos pais terrenos, mas o transfigura e santifica, de sorte que a mesma necessidade interior de “estar no que é do Pai celestial” também se reflete na necessidade de viver a jornada diária e a vontade dos pais terrenos.

Isso constitui a verdadeira liberdade para a juventude; tudo o mais é desregramento. Também a profissão terrena está situada “naquilo que é do Pai”. Lutero diz o seguinte sobre a presente passagem bíblica (“era-lhes submisso”):

“Portanto, também deve ter realizado todas as tarefas caseiras de que era incumbido, recolhendo cavacos, buscando água, pão, carne, varrendo a sala, e não se exasperando com nada, ainda que fossem trabalhos insignificantes, pequenos e pouco vistosos.

Por meio da obediência aos pais, do amor que serve, da fidelidade à palavra de Deus, do zelo com que se busca a honra de Deus, todas essas pequenas coisas se tornam grandes exercícios de obediência.

Pode parecer-nos curiosa a ideia de que Jesus, que obtivera a consciência e o ministério supremos, mais verdadeiros e indubitáveis que um ser humano jamais teve, situe esse ministério na obediência imediata às menores e menos importantes coisas.

Ele, chamado para executar uma construção cuja largura, comprimento, altura e profundidade ninguém dimensiona, carrega com paciência e serenidade a ferramenta de marcenaria do padrasto, ajudando a construir cabanas para gente pobre.” No vínculo com o Pai no céu consolida-se o vínculo com as pessoas na terra, o vínculo com a vocação terrena.…” (RINECKER, Fritz. op.cit., p.48).

– Jesus continuava sob a lei, tendo um desenvolvimento como o de qualquer outro judeu de seu tempo. Honrava seus pais, embora soubesse ser o Filho de Deus. Era-lhes sujeito em tudo, tanto que, pelo que inferimos da narrativa dos Evangelhos, aprendeu o ofício de carpinteiro de Seu pai José, passando, então, a trabalhar para ajudar no sustento de sua família que, humilde como era, dependia do esforço de todos para a sua mantença.

– Como dissemos, muitos relatos mirabolantes são feitos a respeito destes anos da vida de Jesus. Os “evangelhos apócrifos da infância” produzem uma vida repleta de sinais e maravilhas, como se Jesus, desde cedo, mostrasse Sua sobrenaturalidade, algo que é totalmente despropositado e não corresponde à verdade bíblica.

Outros chegam, mesmo, a afirmar que Jesus teria ido para o Extremo Oriente, onde teria sido iniciado na mística hinduísta ou budista, algo também sem qualquer respaldo ou comprovação.

– Na verdade, tais pensamentos advêm daqueles que não conseguem entender a simplicidade do Evangelho, a simplicidade de Cristo, o valor da Sua encarnação, a suprema demonstração do amor de Deus que fez com que Deus Se fizesse homem a fim de poder salvar a humanidade.

Como diz o escritor aos hebreus: “…convinha que Aquele, para quem são todas as coisas, e mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles. Porque, assim o que santifica, como os que são santificados, são todos de um, por cuja causa não se enverlho de lhes chamar irmãos (…).

E visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo; e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão.

Porque, na verdade, Ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão. Pelo que convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque naquilo que Ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados” (Hb.2:10,11,16-18).

– Nestas palavras do escritor aos hebreus, que muitos entendem ter sido o apóstolo Paulo, vemos o motivo por que Lucas faz questão de dizer que Jesus, mesmo diante do episódio do diálogo de três dias com os doutores, voltou para Nazaré, sendo sujeito a Seus pais, mesmo tendo plena consciência de Sua obra salvífica, de Sua condição de Filho de Deus.

– Jesus era Deus, mas havia Se feito homem e, como homem, deveria passar por todas as vicissitudes do ser humano, aprendendo a obediência por aquilo que padeceu (Hb.5:8), algo que Lhe era absolutamente novo, já que, como Senhor, era obedecido e não obedecia.

– Jesus retorna a Nazaré para aprender a obediência, obediência que começava com a sujeição a Seus pais. Outro fator importantíssimo que devemos, como pais, ter em mente: nosso filhos precisam aprender a obediência, para que possam alcançar a salvação e, como tal, devem, primeiro, aprender a nos obedecer e, para tanto, devemos ter autoridade, autoridade esta que se conquista mediante uma vida de fidelidade a Deus (Dt.6:6).

OBS: Por sua biblicidade, transcrevemos aqui o que diz o Catecismo da Igreja Romana a respeito deste período da vida de Jesus, chamada por alguns de “vida oculta” de Cristo: “…Durante a maior parte da sua vida, Jesus partilhou a condição da imensa maioria dos homens: uma vida quotidiana sem grandeza aparente, vida de trabalho manual, vida religiosa judaica sujeita à Lei de Deus (Gl.4:4), vida na comunidade.

De todo este período, é-nos revelado que Jesus era «submisso» a seus pais (Lc.2:51) e que «ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens» (Lc.2:52). A submissão de Jesus à Sua mãe e ao Seu pai legal foi o cumprimento perfeito do quarto mandamento. É a imagem temporal da sua obediência filial ao Pai celeste.

A submissão diária de Jesus a José e a Maria anunciava e antecipava a submissão de Quinta-Feira Santa: «Não se faça a minha vontade […]» (Lc.22:42). A obediência de Cristo, no quotidiano da vida oculta, inaugurava já a recuperação daquilo que a desobediência de Adão tinha destruído (Rm.5:19).

A vida oculta de Nazaré permite a todos os homens entrar em comunhão com Jesus, pelos diversos caminhos da vida quotidiana: «Nazaré é a escola em que se começa a compreender a vida de Jesus, é a escola em que se inicia o conhecimento do Evangelho […]

Em primeiro lugar, uma lição de silêncio. Oh! se renascesse em nós o amor do silêncio, esse admirável e indispensável hábito do espírito […]! Uma lição de vida familiar Que Nazaré nos ensine o que é a família, a sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado e inviolável […].

Uma lição de trabalho, Nazaré, a casa do “Filho do carpinteiro”! Aqui desejaríamos compreender e celebrar a lei, severa mas redentora, do trabalho humano […] Daqui, finalmente, queremos saudar os trabalhadores de todo o mundo e mostrar-lhes o seu grande modelo, o seu Irmão divino» (Paulo VI, Alocução na igreja da Anunciação à bem-aventurada Virgem Maria em Nazaré, 5 de Janeiro de 1964).

O reencontro de Jesus no templo (Lc.2:41-52) é o único acontecimento que quebra o silêncio dos evangelhos sobre os anos ocultos de Jesus. Nele, Jesus deixa entrever o mistério da sua consagração total à missão decorrente da sua filiação divina: «Não sabíeis que Eu tenho de estar na casa do meu Pai?».

Maria e José «não compreenderam» esta palavra, mas acolheram-na na fé, e Maria «guardava no coração todas estas recordações», ao longo dos anos em que Jesus permaneceu oculto no silêncio duma vida normal” (§§ 531-534 CIC).

– É importante frisar que a maior parte da vida de Jesus se deu em Nazaré. Dos trinta e três anos que viveu sobre a face da Terra, Jesus passou cerca de 25 anos em Nazaré. Isto nos mostra que a maior parte de nossas vidas sobre a Terra deve ser dedicada à obediência, à sujeição aos nossos superiores, à piedade e ao anonimato.

Nenhum sucesso, nenhuma evidência nasce e pode subsistir se não for precedida de anos de preparação e de arraigamento na Palavra de Deus e na vida piedosa.

– Hoje, no mundo da mídia e da facilidade nas comunicações, costumamos valorizar aqueles que se sobressaem, almejamos ser pessoas famosas e de destaque, mas não podemos nos esquecer que todo destaque e fama têm de ser precedidos de uma real preparação, de uma vida de anonimato em que possamos nos preparar convenientemente para os dias de “celebridade”.

Jesus teve, sim, a Sua fama (Mt.4:24; Mc.1:28; Lc.4:14,37; Lc.5:15; 7:17), mas, além de ser sido ela efêmera e que logo foi suplantada pelo ódio que lhe devotaram os maiorais de Israel, foi ela precedida por anos de trabalho anônimo, de preparação para o ministério que Lhe estava reservado.

– Como diz o ex-chefe da Igreja Romana Paulo VI (1963-1978) em alocução proferida quando de sua visita a Nazaré: “…Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho. Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado, tão profundo e tão misterioso, dessa mani-festação tão simples, tão humilde e tão bela, do Filho de Deus. Talvez se aprenda até, insensivelmente, a imitá-lo.

Aqui se aprende o método que nos permitirá compreender quem é o Cristo. Aqui se descobre a necessidade de observar o quadro de sua permanência entre nós: os lugares, os tempos, os costumes, a linguagem, as práticas religiosas, tudo de que Jesus se serviu para revelar-se ao mundo. Aqui tudo fala, tudo tem um sentido.

Aqui, nesta escola, compreende-se a necessidade de uma disciplina espiritual para quem quer seguir o ensinamento do Evangelho e ser discípulo do Cristo. Oh, como gostaríamos de voltar à infância e seguir essa humilde e sublime escola de Nazaré!

Como gostaríamos(…) de recomeçar a adquirir a verdadeira ciência e a elevada sabedoria das verdades divinas. Mas estamos apenas de passagem. Temos de abandonar este desejo de continuar aqui o estudo, nunca terminado, do conhecimento do Evangelho.

Não partiremos, porém, antes de colher às pressas e quase furtivamente algumas breves lições de Nazaré. Primeiro, uma lição de silêncio. Que renasça em nós a estima pelo silêncio, essa admirável e indispensável condição do espírito; em nós, assediados por tantos clamores, ruídos e gritos em nossa vida moderna barulhenta e hiperssensibilizada.

O silêncio de Nazaré ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a necessidade e o valor das preparações, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração que só Deus vê no segredo. Uma lição de vida familiar.

Que Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza simples e austera, seu caráter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré o quanto a formação que recebemos é doce e insubstituível: aprendamos qual é sua função primária no plano social. Uma lição de trabalho.

Ó Nazaré, ó casa do “filho do carpinteiro”! É aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei, severa e redentora, do trabalho humano; aqui, restabelecer a consciência da nobreza do trabalho; aqui, lembrar que o trabalho não pode ser um fim em si mesmo, mas que sua liberdade e nobreza resultam, mais que de seu valor econômico, dos valores que constituem o seu fim.

Finalmente, como gostaríamos de saudar aqui todos os trabalhadores do mundo inteiro e mostrar-lhes seu grande modelo, seu divino irmão, o profeta de todas as causas justas, o Cristo nosso Senhor.…” (PAULO VI. Alocução em Nazaré. 5 jan. 1964. Disponível em: http://outeirodagloria.org.br/archives/844 Acesso em 18 fev. 2015).

– Nestas palavras do ex-chefe da Igreja Romana, vemos que o registro de Lucas nos ensina que o ministério de Jesus foi precedido de uma vida anônima mas de profunda e grande preparação para o exercício da obra que Ele realizaria em prol da humanidade.

Uma vida marcada pelo silêncio, pelo desenvolvimento de uma intimidade para com Deus; uma vida que se desenvolveu num ambiente familiar, num lar que era, sobretudo, um altar de comunhão com o Senhor em uma vida dedicada ao trabalho como meio de sustento e sobrevivência sobre a face da Terra, uma vida em que se assumia a própria determinação divina estabelecida ao primeiro casal para que se vivesse neste planeta.

– São lições muito profundas que nos dá o Senhor Jesus neste quarto de século de vida anônima em Nazaré. Por primeiro, devemos lembrar que jamais poderemos ser testemunhas de Cristo para o mundo, como é o Seu desejo para conosco (At.1:8), se, antes, não desenvolvermos uma profunda intimidade com Deus, de antes não nos dedicarmos a nos aproximarmos de Deus.

– O evangelista é claro ao afirmar que Jesus, enquanto estava em Nazaré, “crescia em sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens” (Lc.2:52). O desenvolvimento de Jesus era sobremodo equilibrado, tanto no aspecto biológico e social, como também sob o aspecto espiritual.

– Em nossos dias, temos descurado grandemente desta realidade, deixando que nossos jovens e adolescentes tenham tão somente um desenvolvimento biológico e social, mas fracassem no desenvolvimento espiritual.

Não são poucos os que, em sua frágil educação doutrinária, têm deixado seus filhos se envolverem com o mundo em idade precoce, achando que somente quando atingirem a maturidade poderão se decidir por Cristo, permitindo uma vida de laxidão espiritual sob o pretexto de que “se trata de coisas da juventude”. Nada mais antibíblico e nefasto!

– Salomão é claro ao dizer que devemos nos lembrar do Criador nos dias de nossa mocidade (Ec.12:1), também afirmando que todo o vigor da juventude não pode obnubilar a realidade de que teremos de prestar contas a Deus de tudo o que fizermos (Ec.11:9).

O sábio rei de Israel, então, diante desta realidade, aconselha os jovens e adolescentes a afastar a ira de seu coração e a remover o mal da sua carne, porque adolescência e juventude são vaidade (Ec.11:10).

– Jesus cresceu em sabedoria e em estatura e em graça para com Deus e os homens. Jamais perdeu de vista a soberania divina, conduzindo Sua vida na vontade de Deus, ainda que, como todo ser humano, tenha sofrido as transformações físicas e biológicas atinentes à puberdade e, como tal, tenha sido tentado para ter uma vida baseada na carnalidade e no instinto.

– Que bom seria que os pais cristãos, devidamente ajudados pelas igrejas locais, se esforçassem para dar a seus filhos jovens e adolescentes uma educação doutrinária tal que levassem estes a ter uma mocidade equilibrada, responsável, onde houvesse, sim, a alegria própria do vigor desta idade, mas dentro de um contexto de intimidade com Deus, de renúncia ao pecado e à carnalidade, para que haja crescimento não só em estatura, mas, também, em sabedoria e em graça tanto para com Deus como para com os homens.

– Este silêncio a respeito da vida de Cristo, como bem retratou Paulo Vi no texto supramencionado, mostra-nos que não há como desempenharmos a contento a obra de Deus se não criarmos um ambiente de profunda intimidade com Deus na oração e no recolhimento.

É na juventude e adolescência que temos de aprender a nos aproximar de Deus e a conter a nossa natureza pecaminosa mediante práticas como a meditação nas Escrituras, a oração e o jejum, para que, desde cedo, possamos produzir o fruto do Espírito, que tem, entre suas qualidades, a temperança.

– Lamentavelmente, em nossos dias, porém, o que se tem praticado entre os sedizentes cristãos é a adaptação aos ambientes ditos evangélicos, de toda uma mentalidade de desenvolvimento da “adrenalina”, da apologia ao instinto e à irracionalidade, a ponto que se têm transformado reuniões que deveriam ser de incremento da espiritualidade em manifestação pura e simples de carnalidade, com a promoção de shows em vez de cultos; de momentos de entretenimento e entretenimento puramente carnal em vez de retiros propriamente espirituais, cujo resultado tem sido a completa apostasia espiritual que vivem os jovens e adolescentes filhos de sedizentes cristãos em nossos dias. Que aprendamos a lição do silêncio de Jesus em Nazaré!

– Outro ponto importante que se verifica neste registro de Lucas a respeito da infância e adolescência de Jesus é a referente ao que Paulo VI chama de “lição da vida familiar”. Jesus, sendo Deus, não prescindiu de um ambiente familiar piedoso para se desenvolver. O convívio familiar é fundamental para que se tenha um crescimento em sabedoria, em estatura e em graça para com os Deus e os homens.

– Jesus era o Filho de Deus, mas, para que fosse o homem perfeito que foi, tinha de ter um desenvolvimento em família. É a família o ambiente propício e adequado para o desenvolvimento da comunhão com Deus e da comunhão com os homens, foi o local criado por Deus para que o homem pudesse aprender a amar a Deus e a amar ao próximo, enfim, para que pudesse fazer a vontade de Deus.

– Nos dias em que vivemos, como bem observou o pastor batista norte-americano Paul David Washer (1961 – ), em pregação muito difundida na internet (Dez acusações contra a igreja moderna. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mTGDg_jbRFQ Acesso em 18 fev. 2015), temos cometido o erro de achar que jovens e adolescentes devem se desenvolver espiritualmente, nas igrejas locais, em grupos referentes à sua faixa etária, quando, na verdade, é em família que deverão se desenvolver, sendo certo que, nas igrejas locais, devem estar integrados a todos os demais membros, pois a igreja deve ser “a família de Deus” (Ef.2:19).

– Não se está a dizer que não deva haver grupos de jovens e de adolescentes nas igrejas locais, mas, sim, que não é este o local apropriado e adequado para que se tenha crescimento em sabedoria, em estatura e em graça para com Deus e os homens.

Tais grupos devem ser instrumentos secundários e auxiliares para o desenvolvimento da espiritualidade, para a construção da necessária base para a vida espiritual, mas não, como tem ocorrido na atualidade, os pilares de tal crescimento.

O resultado é que, como diz o pastor Paul Washer, acabamos por entregar nossos jovens e adolescentes à mentalidade mundana, pois, indevidamente alicerçados, serão laçados pelo mundo, que tem, precisamente, apregado este “modus vivendi” de isolamento e fora do ambiente familiar.

– Por fim, Jesus, em Nazaré, dá-nos a lição do trabalho. Jesus, mesmo sabendo ser o Salvador do mundo, voltou para Nazaré a fim de aprender o ofício de carpinteiro, para ser carpinteiro assim como o seu pai social, José.

Neste ofício, aliás, tudo indica que promoveu o sustento de Sua família, após a morte de José, que não é mais mencionado após o encontro de Jesus com os doutores, o que nos permite inferir que, quando do início de Seu ministério público, era Jesus já o arrimo de família.

– Enquanto não iniciou Seu ministério, Jesus trabalhou como carpinteiro, obedecendo, assim, à ordem divina de obter o próprio sustento com o suor do seu rosto. Esta é uma lição importantíssima para aqueles que entendem ter chamada para o ministério e que, por isso, não querem aprender uma profissão, não querem trabalhar com suas próprias mãos.

– Nos dias de hoje, muitos querem “viver da obra”, um eufemismo para traduzir uma vontade de viver às custas dos outros, de serem verdadeiros “parasitas” junto aos irmãos em Cristo. Jesus ensina-nos que o fato de sermos chamados para o ministério não nos isenta de trabalharmos com nossas mãos para sustentar a nós e a nossas famílias, quando não há condições de a igreja local fazê-lo, lição, aliás, que também é dada pelo apóstolo Paulo (I Co.4:2; II Co.11:8), algo que, por fazer, o apóstolo podia ensinar às igrejas (Ef.4:28; I Ts.4:11).

– Se o Salvador do mundo, Aquele que tinha uma obra sublime a realizar, durante um quarto de século trabalhou como carpinteiro para sustentar a Si e a Sua família, por que meros mortais querem viver às custas dos outros sob o pretexto de fazer a obra de Deus? Lembremos, então, daquele ensino que Paulo disse aos tessalonicenses:” Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto: que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também” (II Ts.3:10).

– O crescimento equilibrado de Jesus, que é exemplo para todos nós, envolvia, assim, tanto o crescimento espiritual, da intimidade para com Deus; como o desenvolvimento social a partir do ambiente familiar e, por fim, uma vida social baseada no trabalho e na obtenção sincera do pão de cada dia. Se levarmos nossos jovens e adolescentes a este caminho, certamente estaremos a preparar vigorosas testemunhas de Jesus Cristo no meio da sociedade.

Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco

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