Lição 01 – A Sobrevivência em Tempos de Crise
A) INTRODUÇÃO AO TRIMESTRE
Damos graças a Deus por estarmos a terminar mais um ano letivo da Escola Bíblica Dominical, ano particularmente difícil para os brasileiros, ante a gravíssima crise sócio-político-econômico-financeira que se abateu sobre a nossa Nação, a maior de toda a nossa história.
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Em virtude desta mesma crise, entendemos que o Setor de Educação Cristã da CPAD se viu impelido a escolher o tema a ser tratado neste trimestre, intitulado “O Deus de toda provisão”, a nos indicar que teremos mais um trimestre temático, onde abordaremos o que se costuma denominar de “teologia da provisão” ou “doutrina da provisão”, o ensino bíblico a respeito do cuidado de Deus para com os Seus servos enquanto eles estão aqui na dimensão terrena, aguardando a glorificação.
Muito oportuno é este estudo, não só em virtude das circunstâncias por que estamos a passar em nosso país, mas, também, para que, nestes momentos de escassez e de dificuldades econômico-financeiras, possamos fazer do “limão” uma “limonada”, mostrando a fragilidade do pensamento materialista, consumista e ganancioso que, em meio aos tempos de fartura, ganhou muitos adeptos entre os que cristãos se dizem ser, com a profusão e proliferação dos ensinos da famigerada “teologia da prosperidade”, que tanto mal tem causado para a saúde espiritual de muitos.
O fato é que o relacionamento do homem com os bens materiais tem sido alvo de três entendimentos diversos, dos quais apenas um tem base bíblica, o que se costuma denominar das “teologias dos 3 P”, a saber:
“teologia da Prosperidade”,
“teologia da Pobreza” e a
“teologia da Provisão”.
A “teologia da prosperidade” é aquela que associa, indevidamente, o bem-estar espiritual ao bem-estar material, com uma falsa mensagem de que o sucesso espiritual tem de ser traduzido em enriquecimento material, algo que não tem qualquer respaldo bíblico.
Confunde-se fé com ganância, esquecidos do ensino do Senhor Jesus de que é excludente o amor a Deus e o amor às riquezas materiais (Mt.6:24).
A “teologia da pobreza”, por sua vez, é aquela que associa, indevidamente também, a posse de bens materiais ao pecado.
Para os defensores desta teologia, a pobreza material significa riqueza espiritual, cria-se uma excludente entre ter bens e ser salvo, algo que também não tem qualquer respaldo bíblico, pois se ter bens fosse pecado, Deus jamais enriqueceria Salomão, por exemplo (Cf.I Rs.3:13).
Além do mais, o Senhor Jesus foi claro ao dizer que, embora as riquezas materiais possam ser um obstáculo a mais para a salvação, não a impossibilitam (Mt.19:23-26; Mc.10:23-26; Lc.18:24-27).
Por fim, temos a “teologia da provisão”, esta, sim, o verdadeiro ensino bíblico a respeito do tema do nosso relacionamento com os bens materiais, que nos ensina que o Senhor sustenta os Seus servos, tem o compromisso de lhe dar o que é materialmente necessário para a sua sobrevivência sobre a face da Terra, a fim de que possamos aqui glorificar o Seu nome diante dos homens e realizar a Sua obra.
Deus é o “Deus que provê” (Javé-Jirê), o que dá o necessário, o bastante para nossa jornada neste mundo.
Será esta doutrina, esta “teologia” que haveremos de estudar neste trimestre.
Depois de duas lições introdutórias, em que estudaremos:
– a sobrevivência em tempos de crise (lição 1) e a
– provisão de Deus em tempos difíceis (lição 2),
entraremos no único bloco do trimestre, em que estudaremos alguns casos bíblicos em que se demonstra a provisão divina,
– começando por Abraão (lições 3 e 4),
– Abraão e Ló (lição 5),
– Isaque (lição 6),
– José (lição 7),
– Rute (lição 8),
– a viúva do profeta (lição 9),
– Josafá (lição 10) ,
– Ester (lição 11),
– os dias finais do reinado de Davi e a escolha de Salomão (lição 12) e as
– adversidades sofridas pelo apóstolo Paulo (lição 13).
A capa do trimestre mostra-nos um campo de trigo, dando ideia de uma colheita abundante, mas, ao fundo deste campo, vemos u’a mão, que está a colher algum trigo.
O campo de trigo é uma imagem bíblica da fartura, que nos faz lembrar o Salmo 65, um cântico de Davi em que o rei salmista louva a Deus pelo cuidado divino para com os Seus servos, para com os Seus escolhidos, onde os “vales vestidos de trigo” são uma demonstração desta provisão divina (Sl.65:13).
Deus sempre provê o necessário para cada um dos homens, não apenas dos Seus servos, mas é Ele quem sustenta todas as coisas pela Palavra do Seu poder (Hb.1:3), que dá o sol e a chuva para justos e injustos (Mt.5:45).
Deus mostra a Sua fidelidade e o Seu amor para com todos os homens, embora o pecado, que é iniquidade, ou seja, injustiça (I Jo.3:4), faça com que esta provisão divina não seja justamente distribuída e, em virtude disto, surjam as carências, as fomes e a tremenda injustiça social que hoje presenciamos com cada vez maior intensidade.
O comentarista deste trimestre é o pastor Elienai Cabral, que há muitos anos tem colaborado com as Lições Bíblicas da CPAD.
É membro do Conselho da FAETAD, da Academia Evangélica de Letras do Brasil e da Casa de Letras Emílio Conde.
B) LIÇÃO 1 – A SOBREVIVÊNCIA EM TEMPOS DE CRISE
Deus garante a sobrevivência do homem sobre a face da Terra, mas o pecado a ameaça.
INTRODUÇÃO
– Deus criou o homem para que ele vivesse sobre a face da Terra.
– Deus garante a sobrevivência do homem, mas o pecado a ameaça.
I – O HOMEM FOI CRIADO PARA VIVER SOBRE A FACE DA TERRA
– Estamos a iniciar o estudo deste trimestre que abordará a chamada “teologia da provisão” ou “doutrina da provisão”, ou seja, o ensino bíblico a respeito de como Deus provê o homem sobre a face da Terra.
– “Prover” significa, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, “abastecer(-se) do que for necessário”, palavra que vem do latim “provideo”, cujo significado é “’perceber, descobrir antes, prever, pressentir, precaver-se, acautelar-se, olhar por, fazer provisão, prover”.
Nas Escrituras Sagradas, encontramos a palavra “prover” em Gn.22:8, quando Abraão diz a seu filho Isaque que o Senhor “proveria” o cordeiro, palavra que, em hebraico, é “yir’eh” (יראה ), cuja raiz primitiva é “raah”, cujo significado é aconselhar-se, aparecer, aprovar, contemplar, prever, fazer ver, prover.
– Toda a doutrina da provisão é construída dentro da circunstância de que o Senhor criou o homem para viver sobre a face da Terra.
Quando o Senhor expõe Seu plano de criar o ser humano, diz que o faria para que “dominasse sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra” (Gn.1:26), ficando evidenciado, pois, que o homem deveria viver sobre a Terra, sendo o administrador de Deus de toda a criação terrena.
– Por isso mesmo, o Senhor plantou um jardim no Éden, que ficava na Terra (Gn.2:8), jardim onde Deus criou todas as condições necessárias para que o homem pudesse ter uma vida de plena satisfação sobre este planeta, eis que fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e boa para comida, e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal, sem falar que do Éden saía um rio para regar o jardim, rio que se dividia e se tornava em quatro braços (Gn.1:9,10).
– Observamos, portanto, que o Senhor criou, de antemão, todas as condições necessárias e suficientes para que o homem pudesse sobreviver sobre a face da Terra.
Havia toda árvore agradável à vista, ou seja, foi criado um ambiente que fazia bem à mente do ser humano, criavam-se condições psicológicas favoráveis para que o homem tivesse uma sensação de bem-estar, uma saúde mental que o mantivesse animado, com tranquilidade e sem qualquer estresse, a fim de que,
com moderação e equilíbrio, exercesse sua missão de domínio sobre a criação terrena, tendo plenas possibilidades de executar com excelência o seu trabalho de guarda e modificação do meio-ambiente que a ele foi cometido, como vemos em Gn.2:15.
– Também havia toda árvore boa para comida, ou seja, o Senhor garantiu ao homem, no Éden, todo o necessário sustento para a alimentação física do ser humano.
Não havia como o homem passar fome, pois Deus já providenciara toda a alimentação necessária no jardim.
– Deus também plantou, no meio do jardim, a árvore da vida, a fim de criar condições para que o homem não tivesse qualquer corrupção em seu organismo físico e pudesse viver para todo o sempre.
O acesso à árvore da vida mantinha o homem em uma situação de incorruptibilidade, sem qualquer risco de degradação.
Tratava-se de uma providência para se manter em vida para se perpetuar a comunhão com o Senhor e para se ter o cumprimento da tarefa a ele cometida de administrar a Terra.
– Deus plantou a árvore da ciência do bem e do mal para que houvesse uma condição de obediência para que o homem mantivesse seu relacionamento com o Senhor.
Tendo sido criado com o poder de escolha entre obedecer a Deus, ou não, o homem foi submetido a uma condição para poder usufruir de tudo quanto o Senhor lhe proporcionou.
A comunhão com o Senhor dependeria do fato de não comer do fruto daquela árvore, um fator que manteria, ou não, as condições amplamente favoráveis que foram criadas para a sua sobrevivência.
– Por fim, o Senhor fez um rio que mantinha a vida tanto para o homem como a vida no jardim, pois, como todos sabemos, a água é indispensável para a manutenção da vida biológica.
– Desde a criação, portanto, vemos que o Senhor já havia previsto as necessidades que o ser humano teria para sobreviver sobre a face da Terra.
Ora, “sobrevivência” é o “ato ou efeito de sobreviver, de continuar a viver ou a existir”, tendo como sinônimos “continuidade, persistência”, de modo que, quando falamos em “sobrevivência”, falamos em “continuidade de vida”, em “persistência em viver”.
– O Senhor não somente criou o homem mas, também, criou condições para que o homem continuasse a existir sobre a face da Terra.
Deus não apenas dá a vida, mas quer que o homem “viva com abundância”, ou seja, tenha uma vida plena, uma vida em todos os segmentos, não apenas materiais, mas também psíquicos e espirituais, como vemos nos cuidados tomados por Deus ao plantar o jardim no Éden para ali pôr o homem que havia formado (Gn.2:8).
II – A SOBREVIVÊNCIA DO HOMEM APÓS O PECADO
– Vistas as condições em que o homem foi criado, onde notamos claramente a provisão divina, contemplemos, agora, as modificações decorrentes da queda da humanidade, quando o homem rompeu com aquela condição de obediência que, conforme já dito, mantinha o acesso do ser humano a todas as benesses postas no Éden para que o homem tivesse uma vida plena, abundante e satisfeita.
– Com o pecado, o homem, por primeiro, perdeu o livre acesso que tinha à árvore da vida.
O próprio Deus disse que ele não mais poderia tomar do fruto daquela árvore (Gn.3:22-24), inclusive expulsando o homem do jardim e pondo uma guarnição que o impedia de ir até àquela árvore.
Isto mostra, claramente, que o ser humano não mais tinha comunhão com o Senhor e, mais do que isto, estava sujeito à corruptibilidade do seu organismo, devendo, assim, tornar à terra de onde havia sido tomado (Gn.3:19).
– Apesar de estar ordenado que o homem deveria morrer fisicamente, a partir de então, vez que não tinha mais acesso à árvore da vida, isto não se daria de imediato,
dar-se-ia em momento ignorado pelo próprio homem, que, até então, deveria sobreviver, ou seja, continuar vivendo, e esta vida biológica se daria mediante um trabalho penoso, trabalho este que se fazia necessário, a partir de então, para que o homem sobrevivesse:
“No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra, porque dela foste tomado, porquanto és pó e em pó te tornarás” (Gn.3:19).
– Notamos, portanto, que o homem, agora, teria, ele próprio, de batalhar pela sua própria sobrevivência, exercendo um trabalho penoso para poder continuar vivendo.
É certo que o trabalho já existia antes do pecado, mas este trabalho não condicionava a sobrevivência do homem e, mais, era exercido numa natureza que estava em plena harmonia com o ser humano.
Não é o caso, porém, depois da queda do homem, porque a terra foi amaldiçoada e passou a produzir espinhos e cardos, sendo, pois, um empecilho, um obstáculo ao próprio esforço humano para sobreviver.
– No entanto, apesar desta mudança substancial de condições, Deus não deixou de cuidar do homem, mesmo sendo ele, doravante, um pecador, alguém que se rebelou contra o Senhor.
O Criador mostrou que continuava a dar condições para que o homem pudesse sobreviver.
– Por primeiro, se o homem, no suor do seu rosto, deveria comer o seu pão, o certo é que Deus continuou a dar a chuva e o sol, sem o que não seria possível o exercício da atividade agropecuária e extrativista, ou seja, o chamado “setor primário da economia”, de onde surge toda a vida econômica das sociedades humanas.
– O Senhor Jesus disse que o Senhor dá chuva e sol tanto a justos quanto a ímpios, tanto a bons quanto a maus (Mt.5:45), pois Seu objetivo não é matar o homem, mas criar a oportunidade para que ele seja restaurado e volte a ter comunhão com Deus, tanto que foi este o sentido de sua expulsão do Éden, para evitar que, em situação de pecado, tivesse acesso à árvore da vida e ficasse numa situação irreversível de perdição, como ocorre com o diabo e seus anjos.
– O Senhor continua dando as condições “sine qua non”, ou seja, as condições indispensáveis para que o ser humano possa sobreviver sobre a face da Terra, apesar da pecaminosidade humana.
Tanto isto é assim que, por exemplo, quando vemos a produção de alimentos na atualidade é ela suficiente para alimentar uma vez e meia a população da Terra.
Apesar de todas as circunstâncias climáticas adversas em virtude da degradação cada vez maior do meio-ambiente, motivada pela ganância de alguns, o Senhor cumpre a Sua parte, dá condições que permitam ao homem ter o suficiente para a alimentação de todos os seres humanos, mas o pecado é o grande responsável pelo fato de, apesar disto, sete pessoas morrerem de fome a cada minuto.
OBS: “…Bastaria, no entanto, ater-se a dados da Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas para perceber que tais cenários não são plausíveis.
Já foi demonstrado que a produção global de alimentos excede o crescimento da população.
As calorias dos cereais produzidos hoje são suficientes para alimentar de 10 a 12 bilhões de pessoas. Então por que a fome e a desnutrição persistem em tantas partes do planeta?
De acordo com Cohen, o problema se deve às desigualdades sociais e econômicas e não ao nascimento de um suposto ‘excesso’ de crianças.…” (AQUINO, Felipe. Superpopulação? Um mito pseudocientífico. 05 jan. 2016. Disponível em: http://cleofas.com.br/superpopulacao-um-mito-pseudocientifico/ Acesso em 22 ago. 2016).
– Como se isto fosse pouco, o Senhor ainda deu ao homem a inteligência, com a qual o homem produz ciência, descobrindo as leis que regem a natureza e o universo (Ec.1:13) e,
a partir daí, criando mecanismos e técnicas que aumentam a produtividade e melhoram as condições de vida, gerando ainda mais condições favoráveis para a sobrevivência do homem sobre a face da Terra e fazendo com que ele continue a ter supremacia sobre a natureza,
mesmo esta tendo se tornado hostil e não estar mais sob seu pleno controle, como o Senhor, aliás, deixou claro a Jó quando fala a respeito da figura do leviatã naquele célebre interrogatório em que é demonstrada a pequenez do homem em relação ao seu Criador (Jó 41).
– Assim, embora o pecado tenha tornado a condição de vida muito mais precária do que em relação ao período anterior à queda, o fato é que o Senhor não deixou de dar condições indispensáveis para que o homem pudesse sobreviver, pois o objetivo de Deus não é o de matar o ser humano, pois não tem Ele prazer na morte do ímpio (Ez.18:23; 33:11) e,
por isso, gera circunstâncias que tornam possível a vida do homem, não só no aspecto material, mas também psíquico e espiritual, pois, por isso mesmo, levantou, ao longo da história da humanidade, profetas (Hb.1:1), até Se fazer homem, na pessoa de Cristo Jesus, a fim de trazer a salvação para os seres humanos.
Ora, quem quer salvar o homem tem de dar condições para que o homem venha a ter existência material e psíquica, a fim de poder também alcançar a vida espiritual.
– Isto é importante observarmos porque não podemos compreender a provisão divina senão como a criação de condições para que se torne possível a missão salvífica de Cristo Jesus.
O Senhor não tem interesse algum em dar ao ser humano uma vida regalada que esteja dissociada da salvação e da tarefa cometida ao homem de ser um instrumento da glória de Deus.
Jesus, o homem perfeito, o nosso exemplo (I Pe.2:21), teve o suficiente para a Sua sobrevivência durante o Seu ministério público, quando, forçosamente, teve de deixar de trabalhar como carpinteiro, porque tinha por finalidade glorificar o Pai sobre a Terra, consumando a obra que Lhe havia sido dada a fazer (Jo.17:4).
Não foi por outro motivo que o Senhor disse que a Sua comida era fazer a vontade d’Aquele que Lhe havia enviado e realizar a Sua obra (Jo.4:34).
– Uma “vida regalada” dissociada deste objetivo de glorificação do nome do Senhor, algo a ser produzido pelas obras de fé que venhamos a praticar, não é algo que agrade a Deus, como deixa claro a história do rico e Lázaro (Lc.16:19-31), contada pelo Senhor Jesus, onde o rico teve toda esta opulência material mas acabou perdido, precisamente porque não soube discernir o sentido daquela prosperidade que lhe havia sido dada.
Salomão, que foi o homem mais rico de seu tempo (I Rs.3:13), no final de seus dias, certamente arrependido dos pecados cometidos, fez questão de sublinhar que uma vida dissociada de Deus é tão somente “vaidade de vaidades” (Ec.1:2; 12:8) e que o mais importante é temer a Deus e guardar os Seus mandamentos (Ec.12:13).
– Aqui é importante, também, observar que a palavra “vida”, em grego, abrange duas palavras, ambas encontradas nas Escrituras: “bios” (βίος) e “dzoé” (ζωή).
A primeira refere-se à “vida biológica”, à “existência presente”, referindo-se à vida física, material, como, v.g., em Lc.8:14;
a segunda, por sua vez, refere-se à “vitalidade”, “duração da vida”, “existência”, algo que vai além do mero aspecto físico e que inclui, também, a vida psíquica e espiritual.
– Ora, é evidente que o propósito divino é que tenhamos vida e vida com abundância (Jo.10:10) e “vida” aí é “dzoé” na língua original, a nos mostrar, com absoluta clareza, que o Senhor está interessado em propiciar ao homem uma existência digna, ou seja, uma existência em que esteja em comunhão para Deus para sempre, a “vida eterna”, “vida” que também é “dzoé”.
– Concluímos, portanto, que o pecado trouxe enormes transtornos para o homem, que teve de trabalhar penosamente para poder sobreviver, para manter a sua vida biológica, mas estas dificuldades não significaram, em absoluto, que Deus deixou de cuidar do homem.
Pelo contrário, todo esforço humano seria vão se o Senhor não mantivesse as condições indispensáveis para que houvesse a sobrevivência, condições que foram mantidas precisamente porque o objetivo divino é que o homem alcance a salvação e não há como se falar em salvação se a vida física não for possível.
– No entanto, este cuidado divino tem um objetivo: o de permitir ao homem a salvação e somente neste sentido deve ser entendido.
Deus quer dar ao homem uma vida plena, abundante, a “dzoé” e não apenas uma existência material opulenta mas desgarrada da restauração da comunhão com o Criador.
III – A SOBREVIVÊNCIA DO HOMEM QUE SERVE A DEUS: AS CRISES
– Deus dá, indistintamente, a justos e a ímpios, a bons e a maus, as condições para a sua sobrevivência, visando a salvação do ser humano, a obtenção de uma “vida eterna”, a restauração do “status” perdido com a queda, com o ingresso do pecado no mundo.
– No entanto, ao longo do desenrolar do plano divino para a redenção do homem, vemos que o Senhor escolheu homens que levassem ao mundo a mensagem da salvação, utilizando dos profetas e, depois, do Filho Jesus Cristo, que é a máxima revelação divina ao ser humano, já que é o próprio Deus Se revelando às Suas mais amadas criaturas sobre a face da Terra (Hb.1:1).
– Pois bem, cedo vemos Deus abençoando aqueles que resolveram servi-l’O, para que eles pudessem executar a tarefa que lhes fora confiada pelo Senhor.
Quando o Senhor chama Abrão em Ur dos caldeus para dele fazer surgir a nação de Israel, através da qual o Senhor queria Se manifestar a todos os povos, fez questão de mostrar ao povo que cuidaria da Sua subsistência, traria condições para que o povo pudesse sobreviver e, assim, cumprir a Sua missão de ser “reino sacerdotal e povo santo”.
– Nas páginas sagradas, vemos como o Senhor deu aos patriarcas peregrinos Abraão, Isaque e Jacó condições materiais para que pudessem sobreviver na terra de Canaã, que foi prometida a seus descendentes.
Nenhum dos patriarcas chegou a possuir a terra, com a exceção do túmulo que Abraão comprou de Efrom, filho de Zoar, heteu, que estava em frente de Manre, a cova de Macpela (Gn.23:3-20).
– Conquanto não tenha o Senhor dado a nenhum dos patriarcas a terra que prometera dar, é importante observar que Deus não deixou que lhes faltasse coisa alguma, pelo contrário, viveram eles com alguma opulência, pois o Senhor lhes dava o necessário para não só sobreviver mas ter até um certo conforto.
– Isto, entretanto, não significou que os patriarcas não tenham enfrentado crises, momentos de dificuldade na sua própria subsistência.
A terra de Canaã era local de secas sazonais e, não demorou muito, Abraão sofreu com uma grande fome na terra (Gn.12:10), o que também ocorreu com Isaque (Gn.26:1) e Jacó (Gn.42:1,2).
– Notamos, portanto, que os patriarcas também passaram por circunstâncias difíceis, angustiantes, precisamente porque estavam no mundo e, como disse o Senhor Jesus, no mundo teremos aflições (Jo.16:33).
Estas situações decorrem da própria circunstância de que estamos num mundo físico amaldiçoado em virtude do pecado e sob um sistema espiritual mundano que está no maligno (I Jo.5:19) e do qual não fomos tirados (Jo.17:15).
– Estas situações aflitivas são, por vezes, denominadas de “crises”. O que é uma “crise”?
Diz o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa que “crise” é um termo médico que, “segundo antigas concepções, o 7º, 14º, 21º ou 28º dia que, na evolução de uma doença, constituía o momento decisivo para a cura ou para a morte”.
É “o momento que define a evolução de uma doença para a cura ou para a morte., “situação socioeconômica repleta de problemas; conjuntura desfavorável à vida material, ao bem-estar da maioria”; “momento histórico indefinido ou de riscos inquietantes”.
– A crise aparece, então, como um instante em que há a manifestação de um desajuste, em que se percebe um desequilíbrio, uma instabilidade, uma precariedade, onde se percebe a insuficiência e limitação do ser humano para bem conduzir as coisas sobre a face da Terra.
– Na língua chinesa, a palavra “crise” é a junção de duas outras palavras, “perigo” e “oportunidade”, uma sábia conclusão, vez que, realmente, a “crise” representa um instante em que se tem o risco de destruição (ou de morte, na linguagem médica originária da palavra) ou de novas perspectivas, de uma solução que traga uma nova etapa na existência.
– Pelo que percebemos na vida dos patriarcas, estes instantes aflitivos foram, realmente, de perigo e de oportunidade.
Na fome que enfrentou, Abrão desceu ao Egito sem consultar a Deus, pondo em risco o plano do Senhor para a sua vida.
Deus precisou intervir para impedir a destruição do casamento do patriarca e que o levou à expulsão do Egito.
Depois desta intervenção divina, porém, Abrão reconciliou-se com o Senhor e pôde, assim, prosseguir sua jornada vitoriosa.
– Com Isaque, não foi diferente. Diante da crise, o patriarca acatou a ordem divina para não ir ao Egito e, apesar da fome, pôde experimentar um momento singular de prosperidade material na terra de Canaã, que o consolidou naquela terra.
– Com Jacó, a crise acabou por levá-lo ao Egito, onde o Senhor iniciou a etapa da multiplicação do povo de Israel, um novo momento no cumprimento da promessa dada a Abraão.
– Este lado ambivalente da crise mostra-nos que a “crise”, de um lado, mostra o perigo da humanidade viver sem Deus e sem salvação.
As sucessivas crises que o mundo tem vivido e que se estão a intensificar a cada dia, aliás, como já predito pelo Senhor Jesus em Seu sermão escatológico, ao aludir ao “princípio das dores” (Mt.24:8), revelam como é urgente que as pessoas creiam que Jesus Cristo é o único e suficiente Senhor e Salvador para que possam escapar da ira de Deus que se aproxima celeremente, mas, também, ao mesmo tempo, é uma oportunidade para aqueles que estão servindo a Cristo e O estão aguardando possam exclamar com o Espírito Santo, com alegria e determinação:
“Ora vem, Senhor Jesus” (Ap.22:20), mais uma oportunidade, ante o cabal cumprimento das profecias, para que nos santifiquemos mais e mais (Ap.22:11).
– Deus não livra os Seus servos das crises, como podemos ver com os patriarcas, mas, em meio às crises, cria oportunidades. Através da crise, podemos alcançar a cura de tudo aquilo que pode nos impedir de chegar aos céus.
A crise é sempre uma “oportunidade” para os servos do Senhor, uma oportunidade para nos aproximarmos ainda mais d’Ele, de desviarmos nosso foco para as coisas realmente relevantes, que são as “coisas de cima” (Cl.3:1-3), não nos prendendo a este mundo, que nada tem que nos oferecer.
– O escritor aos hebreus mostra-nos, com acuidade, que os patriarcas superaram as crises porque tinham como esperança não a terra de Canaã, onde havia a fome que tanto os fazia sofrer, mas, sim, a pátria celestial, a comunhão com o Senhor (Hb.11:8-10,13-16), esperança que não será frustrada, pois estarão, juntamente conosco, na ceia das bodas do Cordeiro (Mt.8:11; Lc.13:28).
– Para superarmos as crises deste mundo, temos de ter a mesma mentalidade que tinham os patriarcas, ou seja, termos como alvo a pátria celestial, termos como objetivo as “coisas de cima”, o “reino de Deus e a sua justiça” (Mt.6:33), que é a característica do discípulo de Cristo, segundo o próprio Senhor Jesus deixou claro no sermão do monte, o Seu sermão doutrinário.
– Mais do que nós mesmos, Deus sabe que temos necessidades para a nossa sobrevivência física sobre a face da Terra, que temos de comer, beber e vestir (Mt.6:31,32), mas não é nisto que devemos prender nossos corações nem pôr como razão de nossa existência.
Estamos em Cristo Jesus e, ao contrário do que se diz por aí, também podermos estar em crise. Estar em Cristo é ter a esperança da glória (Rm.5:2; Cl.1:27), ter como alvo o trono que Cristo nos prometeu e que se encontra à direita do Pai (Hb.12:1-3; Ap.3:21), é aguardar a cidade que está nos céus, a nossa glorificação (Fp.3:20,21).
– Estamos no mundo e este mundo vive em crises, cada vez mais frequentes, em todos os segmentos da vida.
Temos crises políticas, econômicas, sociais, morais, espirituais, religiosas e tantas outras e, como estamos no mundo, também as vivenciamos e as experimentamos, mas, ao contrário dos que não têm esperança, estas crises não nos impedem de continuar marchando para os céus.
– Deus também sustenta o Seu povo e ainda faz com que as crises sirvam para o propósito de aperfeiçoar todos quantos O servem, bem assim para mostrar o Seu poder para aqueles que Lhe obedecem.
Assim ocorreu com Israel que, ante a escassez no deserto, pôde experimentar o poder provedor do Senhor durante quarenta anos!
– De igual modo, porém, aos Seus servos, o Senhor deixa bem claro que a obediência, assim como foi no Éden, é um fator que condiciona este “status” diferenciado do Seu povo em meio às crises.
Ninguém está livre da crise, mas a crise sempre nos serve de “oportunidade”. Todavia, isto somente se dá quando estamos em comunhão com o Senhor, quando Lhe somos obedientes.
É por isso que o apóstolo Paulo diz que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus e são chamados pelo Seu decreto (Rm.8:28).
– Amar a Deus nada mais é que guardar os Seus mandamentos, como deixou claro o Senhor Jesus em Jo.14:21 e 15:14. Os que realmente pertencem ao povo de Deus, os que Lhe são obedientes, sofrerão, sim, crises, mas estas crises serão “oportunidades” para que cresçam espiritualmente, para que prossigam seu crescimento e desenvolvimento até atingirem a estatura completa de Cristo, a condição de varão perfeito (Ef.4:12,13).
– Ser chamado pelo decreto de Deus é ter atendido favoravelmente ao convite da salvação, é ter crido em Cristo Jesus e, em Lhe dando crédito, passar a ser instrumento da Sua glorificação.
Não se trata, como alguns equivocadamente interpretam, de uma predestinação incondicional, mas, sim, de um atendimento do indivíduo ao chamado do Evangelho, que é para toda criatura (Mc.16:15).
– Por isso mesmo, situações há em que, a exemplo do que ocorreu com o primeiro casal, a desobediência faz com que se tenha uma crise provocada pelo próprio desobediente.
No chamado “pacto palestiniano” (Dt.27 e 28), vemos bem como a manutenção do povo de Israel na terra de Canaã dependia de Sua obediência à lei de Moisés e de como, em virtude da infidelidade, o Senhor iria atacar todas as condições de sobrevivência do povo na Terra, até retirá-lo de lá.
– Quando desobedecemos a Deus, a crise passa a perder esta característica unilateral de “oportunidade”, passando a ser tão somente um “perigo” para aquele que está a passar por ela.
Mesmo assim, a imensa misericórdia e graça do Senhor faz com que este momento aflitivo sempre tenha a possibilidade de arrependimento do impenitente, para que ele possa transformar este “perigo” em “oportunidade” uma vez mais.
– Somente podemos, pois, superar as crises se tivermos uma visão que vá além das perspectivas humanas, se tivermos a mesma visão que teve o Senhor Jesus enquanto esteve neste mundo, divisando o trono que Lhe aguardava à direita do Pai e, assim, tendo o bom ânimo necessário para suportar a cruz, as contradições dos pecadores contra Si mesmo e desprezar a afronta, a mesma visão que tiveram os patriarcas que, além da fome e da perseguição, aguardavam a pátria celestial.
Estamos em Cristo e, se assim é, passaremos sim, por crises, mas elas sempre serão para nós “oportunidades” para nos aproximarmos ainda mais das mansões celestiais.
Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco
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