LIÇÃO Nº 9 – O PERIGO DA INDIFERENÇA ESPIRITUAL
(A PARÁBOLA DOS DOIS FILHOS – MT. 21:28-32)
Na parábola dos dois filhos, Jesus mostra que o reino de Deus é fazer a vontade do Senhor.
INTRODUÇÃO
– Na parábola dos dois filhos, Jesus, diante da alta cúpula da elite religiosa judaica, retoma a lição da parábola dos dois alicerces, que havia concluído o sermão do monte, reiterando que o importante, na vida espiritual, não são as intenções ou as palavras, mas as atitudes, o comportamento real do indivíduo.
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– Nesta parábola, o Senhor mostra a necessidade de se obedecer à Sua Palavra e o nenhum valor que tem a religiosidade aparente, desmascarando a cúpula da elite religiosa judaica, mas revelando qual será o fim daqueles que, nos nossos dias, se apegam a um formalismo religioso e vazio.
I – AS CIRCUNSTÂNCIAS DA PARÁBOLA E A PARÁBOLA PROPRIAMENTE DITA
– A parábola dos dois filhos é registrada apenas por Mateus, sendo a primeira de três parábolas que se encontram nos capítulos 21 e 22 deste evangelho, que seguem a narrativa do apóstolo concernente à entrada triunfal de Jesus e da consequente purificação do Templo, episódios que marcam a última viagem de Cristo a Jerusalém, onde morreria para nos salvar.
– Nesta passagem, Mateus, cujo evangelho, como já sabemos, foi dirigido aos judeus, mostra os eventos que demonstram a rejeição de Jesus por Israel (Jo.1:11), rejeição esta que se inicia pela própria cúpula religiosa do país, que, teoricamente, deveria ser a primeira a reconhecer Jesus como o Messias, já que o Senhor estava a cumprir tudo o que havia sido registrado nas Escrituras a Seu respeito (Jo.5:39).
Esta temática do evangelho segundo escreveu Mateus terá seu clímax no capítulo 23, onde Jesus proferirá o seu mais duro discurso contra os fariseus.
– Após ser aclamado como rei pelos judeus ao entrar em Jerusalém (Mt.21:1-10), episódio que põe fim à sexagésima nona semana de Daniel, o Senhor entrou no templo e de lá expulsou os vendilhões (Mt.21:12,13), demonstrando, assim, que a aclamação de Cristo como rei exige, antes de tudo, a purificação, a santificação.
O Templo de Jerusalém era apenas o símbolo de cada um dos salvos, que viriam a ser o templo do Espírito Santo (I Co.6:19) e que, assim como o Segundo Templo, tem de ser purificado pelo Senhor Jesus.
OBS: “…a 69ª semana terminou no dia 10 de Nisã (abril) — segunda-feira, quando Jesus entrou em Jerusalém montado em um jumentinho e ‘chorou sobre ela’ (ver Lc.19.41)…” (SILVA, Severino Pedro da. Daniel versículo por versículo, p.181).
– Em seguida a este ato corajoso de enfrentamento das distorções existentes no local mais sagrado do povo judeu, Jesus curou várias pessoas (Mt.21:14), o que causou admiração do povo, que passou a aclamar o Senhor (Mt.21:15).
Tudo isto motivou a reação das autoridades religiosas que, primeiramente, pediram a Jesus que mandasse o povo se calar, com o que o Senhor não consentiu.
– Mateus, então, descreve a narrativa da figueira infrutífera (Mt.21:18-22), a única ocasião em que o Senhor amaldiçoou algo durante todo o Seu ministério e, logo a seguir, relata novo encontro entre Jesus e as autoridades religiosas(Mt.21:23-27), muito provavelmente da cúpula, membros do Sinédrio que, diante dos fatos ocorridos, resolvem interpelar Jesus, indagando d’Ele com que autoridade fazia todas aquelas coisas.
O Senhor não lhes respondeu, devolvendo-lhes a pergunta, pedindo para que dissessem se o batismo de João era dos céus ou dos homens.
As autoridades religiosas, melindradas, recusaram-se a responder e Jesus, então, disse que não lhes falaria com que autoridade fazia o que fazia e, a seguir, contou a parábola dos dois filhos, objeto do nosso estudo.
OBS: “…Quando proferiu o ensino ora em estudo, Jesus encontrava-Se em Jerusalém, no Templo, onde os líderes religiosos pensavam estar no centro da vontade de Deus, mas foram desmascarados pelo Senhor.…” (LIMA, Elinaldo Renovato de. Parábolas de Jesus: ensinos que edificam. Lições bíblicas: mestre, jovens e adultos. 4. trim. 1994, p.14).
– Percebemos, portanto, que a parábola dos dois filhos está inserida neste contexto da rejeição de Cristo por Israel, notadamente da cúpula religiosa.
Desde que entrou em Jerusalém, nesta última vez, o Senhor mostra o descompasso entre o Seu ministério e o povo de Israel.”…Vemos o Senhor entrar em Jerusalém como Rei — Jehovah, o Rei de Israel — e em seguida o Julgamento pronunciado sobre a nação.
Seguem-se então os pormenores do Julgamento sobre as diversas classes que formavam esse povo. Em primeiro lugar, vêm os principais sacerdotes e os anciãos, que deveriam ter guiado o povo; chegam-se ao Senhor e põem em questão a Sua autoridade(…).
O Senhor, na Sua infinita sabedoria, faz-lhes uma pergunta que põe à prova a sua competência e, segundo a sua própria confissão, eles eram incompetentes. Então, como julgá-lO ?!(…).
Então, a partir do verso 28 [do capítulo 21, observação nossa] até o verso 14 do capítulo 22, o Senhor põe claramente diante dos olhos deles a sua conduta e os caminhos de Deus a seu respeito.
Em primeiro lugar, tendo a pretensão de fazerem a vontade de Deus, não a faziam; enquanto que os que eram manifestamente maus se haviam arrependido e a tinham feito.…” (DARBY, John Nelson. Estudos sobre a Palavra de Deus: Mateus-Marcos. Trad. de Martins do Vale, pp.146-7).
– A parábola dos dois filhos, portanto, cuida da visão divina, da visão de Cristo sobre a humanidade ante a resposta, a reação pelo arrependimento, pela pregação do evangelho.
Mostra-nos, uma vez mais, a realidade do reino de Deus e de uma forma bem clara e explícita, porquanto temos aqui uma expressão que é raríssima no evangelho segundo escreveu Mateus: “reino de Deus”.
Nesta parábola, a expressão aparece duas vezes, sendo que, no evangelho todo, ela só é utilizada cinco vezes.
De uma forma bem clara, Jesus, já no final do Seu ministério terreno, faz questão de mostrar o que é realmente servir a Deus. Suas palavras, que permanecem para sempre (I Pe.1:25) são uma advertência extremamente atual para todos quantos desejam desfrutar da comunhão eterna com Jesus.
– A parábola dos dois filhos, portanto, deve ser entendida como uma ilustração que Jesus faz às autoridades religiosas, para demonstrar como eles haviam perdido a oportunidade de alcançar a salvação e o que havia motivado esta circunstância tão deplorável, que, inclusive, fizera o Senhor chorar sobre Jerusalém pouco antes (Lc.19:41).
É uma importante lição para nós, pois, como diz o poeta sacro Manuel Sabino Bezerra, Jesus ainda hoje “chora, por causa do pecador, que não quer Seu evangelho, proclamado com amor” (parte final da 3ª estrofe do hino 89 da Harpa Cristã).
OBS: “…Segundo os estudiosos, tratava-se de ‘certos representantes do Sinédrio, que foram nomeados, para interrogar a Jesus’ e, entre eles, estariam o presidente da Corte e o próprio Sumo Sacerdote.
Era gente que se julgava muito importante!…” (LIMA, Elinaldo Renovato de. Parábolas de Jesus: ensinos que edificam. Lições bíblicas: mestre, jovens e adultos. 4. trim. 1994, p.14).
– Na parábola dos dois filhos, Jesus afirma que o pai tinha dois filhos e pediu ao primeiro que fosse trabalhar naquele dia na sua vinha. Ele, porém, disse, secamente, que não iria, mas, depois, arrependido, foi.
Em seguida, pediu ao outro filho que o fizesse e o filho, embora tenha dito prontamente que iria, não foi. Jesus, então, perguntou aos religiosos que o interpelavam quem havia feito a vontade de Deus e eles responderam que o primeiro filho.
Concluindo, Jesus disse que, por terem crido, os publicanos e meretrizes entrariam adiante deles no reino de Deus, já que haviam crido em João, que havia vindo no caminho de justiça e, mesmo assim, os religiosos não haviam se arrependido para crer.
– Esta parábola não foi diretamente interpretada por Jesus, mas, tendo em vista a Sua conclusão e o próprio contexto da parábola, temos uma explicação indireta por parte do Senhor, que pode ser estendida, tomados os devidos cuidados de que já temos nos cercado ao longo do trimestre.
II – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA
(I) : O PAI E A VINHA
– O primeiro elemento da parábola é o pai que tinha dois filhos, “um homem que tinha dois filhos”, para se utilizar da expressão do próprio texto bíblico. Este pai representa o nosso Deus. É interessante observar que a religião judaica (Ml.2:10) e, depois, o cristianismo (Mt.5:16; Ef.4:6), são as religiões que dão à figura divina este papel de pai com maior intensidade.
Nos credos disseminados pelo mundo afora, desde as mais priscas eras, difícil é a consideração da divindade como um ser paternal.
Se os deuses pagãos são, normalmente, tratados como seres dotados de todos os sentimentos e defeitos humanos, ainda quando se lhes são dadas uma posição paterna, esta paternidade é muito mais relacionada com o fato de serem considerados criadores do mundo e do homem, do que seres que estabeleçam uma relação afetiva e de cuidado com a humanidade.
É uma singularidade da revelação de Deus ao homem a sua conceituação como pai, como alguém que tem afeto e amor pelos seus filhos, no caso, os homens.
– A consideração de Deus como Pai é uma característica ênfase que o Senhor faz quando fala do relacionamento espiritual entre Deus e o homem. Assim, a partir de Mt.5:16, mostra, claramente, que, se servirmos a Deus de verdade, teremos a Deus como nosso Pai.
Considerar a Deus como Pai era algo comum entre os judeus, tratava-se de um ensino corriqueiro entre os rabinos e escribas de Israel, mas implicava, também, em uma necessidade de honrar a Deus, pois os pais, como indicava um dos mandamentos, deveriam sempre ser honrados para que os dias fossem prolongados na Terra.
Assim, se de um lado esta expressão demonstrava que o relacionamento entre Deus e o homem era pautado pelo amor, também revelava a necessidade que o homem tinha de respeitar, reverenciar e obedecer a Deus.
– O pai tinha dois filhos. Isto nos mostra, claramente, que, diante de Deus, os homens estão divididos em apenas dois grupos.
A expressão “filhos”, aqui, não pode ser interpretada como sendo os salvos, aqueles que foram transformados por Jesus e que, por terem crido no Senhor, receberam o poder de serem feitos filhos de Deus (cfr. Jo.1:12).
Jesus está tratando na parábola a respeito do problema da rejeição do evangelho, da rejeição da Palavra de Deus, diante das autoridades religiosas judaicas e, portanto, não faz sentido entendermos por “filhos” aqui apenas aqueles que aceitaram a Cristo, o que ocorreu somente depois da rejeição, como lemos em Jo.1:11,12.
– Na verdade, temos que entender aqui como “filhos” toda a humanidade, todos os homens que, por terem sido criados por Deus, são, neste sentido, Seus “filhos” (Ml.2:10). Os filhos, aqui, portanto, representam as criaturas divinas.
É certo que, depois da obra vicária de Cristo, com a edificação da Igreja, não podemos mais considerar, como costumam dizer por aí, que “todos os homens são filhos de Deus”. O ensino bíblico é bem diverso.
Afirma que somente são filhos de Deus aqueles que creram em Jesus (Jo.1:12), que andam segundo o espírito, porque estão em Cristo Jesus (Rm.8:1,16). As demais pessoas são apenas “criaturas de Deus” (Tg.1:18).
Entretanto, no contexto da parábola, estes filhos são as criaturas, englobados todos os seres humanos, portanto.
– Este pai, além de ser pai e, portanto, dever ser honrado por parte dos filhos, diz-nos a parábola, tinha uma vinha.
Era, portanto, proprietário, era dono do campo. Mais uma vez, vemos aqui o Senhor Jesus reafirmando que Deus é dono deste mundo físico, pois a vinha representa o mundo onde vivemos, que é do Senhor (Sl.24:1).
Em mais uma parábola, Jesus elimina qualquer possibilidade de ter respaldo bíblico a falsa doutrina de que, com o pecado, o diabo tornou-se senhor deste planeta.
A vinha era do pai, pertencia a ele, apesar de os filhos se mostrarem rebeldes em um determinado instante da parábola.
A rebeldia dos filhos não eliminou o fato de a vinha ser do pai, como a mostrar que a existência do pecado e do mal em momento algum retiraram a soberania de Deus, o senhorio de Deus sobre este mundo físico.
– A vinha, que nada mais é que uma plantação de uvas, era, como já tivemos ocasião de ver em lições anteriores, um lugar bem protegido e cuidado em Israel. “…Em nível pessoal, todo judeu queria ter a sua própria vinha.
Ela era plantada e crescia numa treliça ao longo da casa, provendo sombra durante o calor do verão (I Rs.4.25). Ter uma vinha fazia parte da vida estabelecida …” (GOWER, Ralph. Usos e costumes dos tempos bíblicos. Trad. Neyd Siqueira, pp.103-4).
A consideração do mundo físico como uma vinha, portanto, revela que, sobretudo, que Deus tem o completo controle da situação, que é um proprietário bem estabelecido, já que este era o sonho de grande parte dos agricultores judeus: o de ter a sua própria vinha.
– Embora fosse um local almejado e desejado pelos judeus, a vinha exigia um cuidado constante e proteção contra os inimigos e amigos do alheio. Isaías, na parábola da vinha, que está no capítulo 5 do seu livro, bem revela quanto deveria ser empreendido para que se tivesse uma vinha digna deste nome.
Jesus, ao considerar o mundo como uma vinha, revela, também, que Deus não apenas criou a Terra, mas a sustenta com o Seu poder, dela cuidando incessantemente, um Deus muito diferente daquele concebido pelos deístas, que acham que Deus tão somente criou o Universo e o abandonou à própria sorte.
– Toda vinha tinha, assim, constante necessidade de ser cuidada e protegida, durante todo o tempo, motivo por que costumeiro que aldeias tivessem vinhas coletivas, para que, desta forma, se tornasse economicamente viável a atividade.
Além de todos os cuidados com o solo e a plantação propriamente dita, era mister construir-se uma torre, “…que servia de casa de verão, um lugar para a família passar o verão enquanto as uvas estavam sendo colhidas.(.). O andar de cima da torre era usado como um lugar de vigia…” (GOWER, Ralph. op.cit., p.105).
– A consideração do mundo como uma vinha também nos informa que o mundo, embora tenha sido criado por Deus e seja por Ele sustentado, deve ser preservado também pela comunidade de criaturas de Deus.
Assim como a vinha exigia a comunhão senão de uma aldeia, pelo menos dos familiares, pois impossível que alguém sozinho cuidasse de uma vinha, assim também o mundo físico deve ser preservado e cuidado também pelos homens, para que a criação de Deus seja mantida.
– Já na criação do homem, ele recebeu a incumbência de lavrar e guardar o jardim onde foi posto (Gn.2:15). Deus constituiu o homem como mordomo sobre a face da Terra, com uma missão de preservar e guardar a criação terrena, tarefa que sempre lhe será cobrada pelo Senhor, visto ser o seu dever diante de Deus.
Os “filhos” da parábola, portanto, são, sobretudo, mordomos do pai e, como tal, tanto faz se sejam salvos ou perdidos, o fato é que toda a humanidade deve servir a Deus, pois por Ele foi criada e com tarefas bem delineadas e definidas.
– A consideração do mundo como uma vinha dá a dimensão do serviço como uma consequência da nossa própria humanidade.
Fomos criados para servir a Deus e para cumprir as tarefas que Ele nos cometeu pelo simples ato da criação.
Neste aspecto, inclusive, a consciência ecológica, que hoje tanto se tem alardeado, é uma verdade bíblica, pois cabe ao homem o dever de preservar a criação terrena.
Todavia, esta consciência somente se dará dentro de um contexto de um relacionamento espiritual entre Deus e o homem e não como uma demonstração de autossuficiência humana e, muito menos, de adoração da natureza.
– O pai chamou indistintamente os filhos para que fossem trabalhar na sua vinha. Deus chama todos os homens para que cumpram as suas tarefas, para que sirvam a Deus. O pai tomou a iniciativa de chamar os filhos.
Deus é quem toma a iniciativa de chamar o homem para o desempenho de suas tarefas, para o seu serviço.
Temos aqui uma mostra de que o serviço ao qual somos chamados é decorrente de um mandamento divino, é fruto da soberania de Deus e, portanto, não nos cabe indagar se devemos, ou não, servi-l’O. É-nos imposto um dever e a atitude que se espera de nós é uma só: a obediência.
– O pai chamou os filhos, ou seja, a oferta é dada pelo próprio Deus. Não é o homem que obtém, por sua conta e risco, o estabelecimento de um canal de comunicação com Deus.
Não é o homem que, por uma evolução espiritual, por uma purificação própria, que atingirá um nível de comunhão com Deus, uma espiritualidade superior, mas, sim, é Deus quem, por Sua graça e misericórdia, vai ao encontro do homem, a fim de oferecer-lhe um patamar digno no campo espiritual.
O pai chamou os filhos e continua chamando, através da pregação do Evangelho, através do anúncio de que existe solução para o homem, que é se arrepender dos pecados e crer em Jesus Cristo como único e suficiente Senhor e Salvador.
III – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA (II): A MENSAGEM DO PAI AOS FILHOS
– Na continuação da parábola, Jesus diz que o pai fez o mesmo pedido aos dois filhos: vai trabalhar hoje na minha vinha (Mt.21:28,30). Esta mensagem do pai aos filhos mostra bem o propósito de Deus para com a raça humana.
– Por primeiro, vemos que o pai fala aos filhos de igual modo, ou seja, para Deus não há acepção de pessoas (Dt.10:17). Deus é justo e, por isso, não privilegia uns em detrimento de outros. Os dois pedidos do pai foram idênticos.
O pai tratava a seus filhos de igual maneira, de igual forma. Deus não faz acepção de pessoas e, portanto, não podemos tolerar, em absoluto, que se defenda que este ou aquele povo, esta ou aquela raça, este ou aquele segmento religioso tem privilégios diante de Deus.
– Quando assim falamos, logo há quem se levante e objete esta afirmação, dando o exemplo de Israel, que é “o povo escolhido de Deus”.
Sem dúvida alguma, a Bíblia revela-nos que Deus escolheu Israel para ser a Sua propriedade peculiar dentre todos os povos (Ex.19:5), mas isto, em absoluto, significa que Israel seja melhor do que os demais povos.
Pelo contrário, o próprio Moisés mostrou a Israel que eles nada tinham para se considerar superiores às demais nações, embora tivesse sido dentre elas escolhido por Deus para ser o Seu porta-voz no mundo (Dt.9:4-29).
A escolha de Deus decorre da Sua soberania, mas não eleva Israel a uma condição de superioridade, tanto que, por ter rejeitado a Jesus, aberta foi uma oportunidade para as demais nações (Rm.9-11).
– A igualdade das mensagens mostra, claramente, que Deus tem um plano para todos os homens, independentemente de raça, tribo ou nação. A igualdade das mensagens revela-nos o caráter universal do Evangelho.
Por isso, é dito que Deus amou o mundo para a salvação de todo aquele que crê (Jo.3:16; Rm.1:16), que toda criatura deve ser evangelizada (Mc.16:15; At.1:8). O evangelho é para ser pregado a todo o mundo, a toda a criatura, é uma mensagem universal e totalizante.
Este é o verdadeiro universalismo bíblico e não a errônea ideia de que todos serão salvos ao final, como alguns têm defendido.
– Por segundo, a mensagem do pai aos filhos é uma mensagem de trabalho. “Filho, vai trabalhar”.
Muitos, por não conhecerem as Escrituras, acham que o trabalho é uma penalidade que foi imposta ao homem quando do pecado.
Não são poucos os que, inclusive, fazem questão de afirmar que uma das coisas que caracterizará a vida eterna é o “descanso eterno”, a ausência do trabalho, “que foi imposto ao homem por causa do pecado”. Que ignorância bíblica !
– O trabalho foi criado por Deus ANTES do pecado. O trabalho não pode ser uma consequência do pecado pelo simples motivo de que se trata de uma característica divina: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo.5:17b).
Jesus não somente revelou que o trabalho é uma nota característica da divindade, como também, nas Suas equiparações a Deus (que é o tema principal do evangelho segundo escreveu João), fez questão de mostrar que umas das provas de Sua deidade era o fato de ser um incansável trabalhador.
– O trabalho é uma característica divina, que é apresentado, no limiar da revelação, no livro do Gênesis, como um trabalhador, como o responsável pela Criação.
O homem, feito à Sua imagem e semelhança, outro destino não haveria de ter senão o de também ser um trabalhador e, por isso, foi posto no Éden para o lavrar e o guardar.
Sendo um trabalhador, não só braçal como também intelectual, o homem teve de nomear todos os seres sexuados do planeta (Gn.2:19) e para parar um pouquinho de trabalhar, a fim de que pudesse ser formada a mulher, foi-lhe dado um pesado sono (Gn.2:21).
– O trabalho apresenta-se, portanto, como uma das mais eloquentes semelhanças entre Deus e o homem, como um ponto de contacto entre as naturezas divina e humana.
O trabalho, portanto, é um elemento que mostra a dignidade da pessoa humana e não é por acaso que o nosso adversário tem procurado, ao longo da história da humanidade, aviltá-lo em todos os aspectos.
– O trabalho é o conjunto de todas as atitudes, de todas as ações, de todas as atividades que o homem venha a realizar sobre a face da Terra para atender a este chamado divino.
Não se trata apenas de um trabalho físico, como também não é apenas um trabalho intelectual, muito menos um simples trabalho espiritual, mas toda e qualquer ação que for feita com o intuito de lavrar a vinha do Senhor, de guardar a vinha do Senhor, ou seja, de contribuir para que o propósito divino estabelecido para o mundo seja cumprido, teremos, sem sombra de dúvida, o cumprimento dos desígnios divinos nas nossas vidas.
– Deus não quer homens ociosos. Deus exige que os homens trabalhem e os chama ao serviço, à ação de servir.
Como diz conhecido provérbio: quem não vive para servir, não serve para viver. Deus exige que sejamos Seus servidores, que trabalhemos na Sua vinha.
– Esta palavra, fazemos questão de insistir, não se circunscreve apenas à “obra do Senhor”, ou seja, ao trabalho de evangelização e aperfeiçoamento dos santos na Igreja, como muitas vezes vemos em aplicações em estudos e escritos bíblicos.
Não resta dúvida de que os salvos, membros da Igreja do Senhor Jesus, têm esta responsabilidade indelegável, este dever imperativo e irrenunciável (como tivemos ocasião de verificar no estudo da parábola da grande rede), mas o dever de trabalho foi apresentado pelo pai a todos os homens, indistintamente, de modo que se trata de um dever que supera os deveres impostos aos salvos, alcançando também os que não pertencem à Igreja.
Todos os homens são mordomos de Deus e, por isso, deverão todos prestar contas ao Senhor.
– A ociosidade não é uma característica que se deva encontrar no ser humano. Certo é que, em virtude da desobediência, os homens todos não estão trabalhando para o Senhor. Encontram-se, em sua maior parte, sem ter o que fazer, assim como os homens que estavam na praça na parábola dos trabalhadores na vinha.
A ordem de Deus é para que os homens sirvam, que os homens trabalhem e quem não o faz, certamente está fora da vontade de Deus, está imerso na desobediência, é servo do pecado.
OBS: Embora se refira à parábola dos trabalhadores na vinha, esta reflexão de Matthew Henry é assaz oportuna para o que estamos aqui a tratar:
“…De onde eles são contratados? De fora do mercado, onde, até eles serem contratados para o serviço de Deus, eles permanecem ociosos (v.3) [Mt.20:3, observação nossa], todo o dia ociosos (v.6) [Mt.20:6, observação nossa].
Notemos, primeiro, que a alma do homem permanece pronta para ser contratada para um serviço ou outro, foi criada para o trabalho (todas as criaturas foram) e é também um servidor para a iniquidade, ou um servidor para a retidão, Rn.6:19.
O diabo, por suas tentações, está contratando trabalhadores para o seu campo, para alimentar porcos. Deus, por Seu evangelho, está contratando trabalhadores para a Sua vinha, para lavrá-la e guardá-la, o trabalho do Éden.
Nós fomos postos para nossa escolha, mas contratados devemos ser : escolhei hoje vós a quem sirvais (Js.24:15).
Em segundo lugar, até nós sermos contratados para o serviço de Deus, nós permanecemos ociosos durante todo o dia: um estado pecaminoso, embora um estado de trabalho penoso para Satanás, pode realmente ser chamado de um estado de ociosidade, pois os pecadores não fazem coisa alguma, coisa alguma para o propósito, coisa alguma do grande trabalho para o qual foram comissionados para o mundo, coisa alguma que lhes favorecerá na prestação de contas.
Em terceiro lugar, o chamado do evangelho é dado àqueles que permanecem ociosos no mercado. O mercado é o lugar do concurso e lá a Sabedoria clama (Pv.1:20,21), é um lugar de esporte, onde as crianças brincam (Mt.11:16) e o evangelho nos chama da vaidade para a seriedade; é um lugar de negócio, de barulho e pressa e de que nós somos chamados para nos retirar. “Venham, venham do mercado”.
Nós somos contratados para fazer o quê? Para trabalhar na Sua vinha. Notemos, primeiro, que a Igreja é a vinha de Deus, é Seu o plantar, regar e cercar e os frutos dela devem ser para Sua honra e louvor.
Em segundo lugar, nós todos somos chamados a ser trabalhadores na Sua vinha. O trabalho da religião é o trabalho da vinha, poda, lavoura, escavação, aguar, cerca e limpeza de ervas daninhas. Cada um de nós tem sua própria vinha para guardar, sua própria alma, que é de Deus e deve ser cuidada e lavrada para Ele.
Neste trabalho nós não devemos ser preguiçosos, nem ociosos, mas trabalhadores, trabalhando e realizando nossa própria salvação. O trabalho para Deus não admitirá superficialidade.
Um homem pode ir ocioso para o inferno, mas aquele que irá para o céu deve ser ocupado…” (HENRY, Matthew. Comentário bíblico completo. http://bible.crosswalk.com/Commentaries/MatthewHenryComplete/mhc-com.cgi?book=mt&chapter=020 Acesso em 19 abr. 2005) (tradução nossa de texto em inglês)
– A ordem do trabalho foi dada por Deus a todos os homens, mas, ainda que Deus seja o pai, seja o dono da vinha, ainda que os destinatários desta ordem sejam os filhos, ou seja, pessoas que se encontram sob sua autoridade, o pai, bondosamente, permite-lhes que exerçam a sua vontade, ou seja, é dada a ordem mas fica a critério de cada um, de seu livre-arbítrio, a sua observância ou não.
Temos aqui, mais uma vez, em uma parábola, a demonstração de que Deus deu o livre-arbítrio ao homem e que, por decisão Sua, por Sua soberania, deixa que o homem decida obedecer-Lhe, ou não.
– A ordem de Deus ao homem, ademais, não é apenas para que haja trabalho, mas que o trabalho seja realizado hoje. “Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha”. Há um tempo para que se faça o trabalho e este tempo é “hoje”.
“Hoje” significa que não há tempo a perder, “hoje” revela a urgência para a obediência, para o atendimento do mandamento do pai. “Hoje” é o tempo de Deus, pois para Deus não há futuro nem tampouco passado, mas tudo se resume a um eterno presente.
– Desde o início da história da humanidade, Deus trata com o homem em termos de “hoje”. Assim foi com Caim. O próprio assassino primeiro da história da humanidade admitiu que o Senhor o sentenciou no dia chamado “hoje” (Gn.4:14).
Esta arguta observação do primogênito do casal primordial após a queda, do criador da primeira civilização rebelde da humanidade, não deixou de considerar que, mesmo sendo do maligno, Deus o tratou “hoje”.
– Quando Eliezer quis receber um sinal de Deus, pediu que o fosse feito “hoje” (Gn.24:12) e Deus assim lhe respondeu, tanto que fez questão de também no dia chamado “hoje” retirar-se daquela terra e levar a prometida a seu senhor (Gn.24:42,56).
No relacionamento de Deus com Israel, a respeito da lei, sempre foi enfatizado que a guarda dos mandamentos deveria ser feita “hoje” (Ex.34:11; Dt.5:1; 6:6; 7:11; 8:1;11:26). O tempo de ouvir a voz de Deus é “hoje” (Sl.95:7-9; Hb.3:7-9).
O ministério de Jesus sempre foi anunciado e demonstrado como algo que tem de ser feito e aceito para “hoje” (Lc.2:11; 4:21; 19:9; 23:43). Jesus chamou de hipócritas aqueles que querem entendê-l’O fora da dimensão do “hoje” (Mt.16:3).
– “Hoje” é o tempo de Deus, até porque o homem não tem garantia de qualquer outro tempo. O ontem já passou, não pode ser modificado.
O amanhã não nos pertence (Mt.6:34). O tempo de servir a Deus é “hoje”, o tempo previamente determinado por Deus, como se vê na parábola (Hb.4:7).
Quando temos consciência deste tempo de Deus e hoje nos lançamos ao Seu serviço, garantimos a nossa salvação, porque estaremos servindo a Deus “hoje”, e, quando assim fazemos, como diz o autor aos hebreus, ainda resta um repouso para o povo de Deus (Hb.4:9).
– A percepção de que o tempo de Deus é “hoje” leva-nos à obediência (Hb.4:11). Josué e Calebe entraram na Terra Prometida porque creram que “hoje” era o dia de servir a Deus.
Não ficaram olhando para o passado, como seus irmãos israelitas, que passaram a ter nostalgia da escravidão, nem encararam um futuro sombrio, de derrotas, mas, confiando em Deus, viram um “hoje” do cumprimento das promessas de Deus.
Por isso, obedeceram a Deus e foram galardoados com a entrada na Terra Prometida e a premiação com uma cidadã cada um. Os demais, por perderem a perspectiva do “hoje”, morreram no deserto.
Deus quer que O sirvamos hoje, que trabalhemos na Sua vinha e isto só será possível se Lhe obedecermos.
IV – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA
(III): OS FILHOS
– Chegamos, agora, às duas outras personagens desta parábola: os dois filhos, que, como já vimos, simbolizam os seres humanos, a humanidade como um todo.
Assim, embora sejam filhos na parábola, representam as criaturas humanas, ou seja, tanto os filhos de Deus, que são aqueles que aceitaram a Cristo como seu Senhor e Salvador, quanto os pecadores, os ímpios que rejeitaram a mensagem do Evangelho.
– Entendemos que os filhos representam todos os homens, precisamente porque são dois os filhos. Toda vez que as Escrituras dividem os homens em dois grupos, está nos alertando a respeito da existência de dois caminhos na eternidade: o caminho da salvação e o caminho da perdição (Mt.7:13,14).
O salmista diz serem duas as qualidades dos homens: os justos e os pecadores (Sl.1): “porque o Senhor conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá” (Sl.1:6).
– Nos dias em que vivemos, esta cristalina verdade bíblica é ridicularizada e considerada como sendo de um enorme simplismo.
Não são poucos os que se arvoram em autoridades das mais questionáveis para defender que não há esta divisão entre justos e pecadores, entre santos e ímpios.
Insistem, no alto de sua pseudossabedoria, em caminhos intermediários, em remédios para a salvação de todos ou, até mesmo, na total inexistência de todo e qualquer caminho.
Entretanto, não é isto que nos ensinam as Escrituras Sagradas e, por isso, devemos rejeitar todo e qualquer ensino que procure acrescentar qualquer coisa ao que está explícito na Bíblia: são dois os caminhos e somente um, que é Jesus (Jo.14:6), conduz à vida eterna.
– Eram dois os filhos, assim como eram dois os homens mencionados pelo Senhor ao término do sermão do monte.
Na parábola do joio e do trigo, eram duas as espécies de gramíneas existentes no campo, também foram duas as reações à semeadura do semeador, bem assim eram dois os grupos de peixes apanhados pela grande rede.
Em diversas oportunidades, as Escrituras revelam, de forma cristalina, que não há meio-termo, não há paliativos no nosso relacionamento com Deus: ou aceitamos a Cristo ou O rejeitamos. Esta é mais uma verdade espiritual que é ilustrada pela parábola dos dois filhos.
– O primeiro filho chamado deveria ser o primogênito. Isto não é explicitado na parábola de Jesus, mas, diante dos costumes judaicos vigentes, onde o primogênito tinha nítida proeminência, até porque considerado como verdadeira propriedade do Senhor (Ex.13:2; Nm.3:13).
Este foi chamado em primeiro lugar e, ao receber a ordem do pai, surpreendentemente foi ríspido e expressou uma atitude de rebeldia, simplesmente dizendo: “não quero”(Mt.21:29).
– Que petulância deste filho! O pai não lhe fez um pedido, mas lhe deu uma ordem e, como tal, ainda mais porque era o primogênito e, por conseguinte, o principal herdeiro da vinha do pai, seria natural que o filho, de imediato, atendesse ao pedido do pai.
Entretanto, desconsiderando que se tratava de uma ordem, de um comando, onde não havia sequer espaço para discussão ou debate, o filho tão somente disse: “não quero”.
– A primeira lição que tiramos daqui é que, embora o pai tenha dado a ordem, embora seja o dono, deixou, por sua livre e espontânea vontade, que o filho a atendesse ou não.
Isto, conforme já vimos supra, revela que os homens foram dotados do livre-arbítrio da parte de Deus e que, embora Deus seja soberano e o verdadeiro dono de tudo e de todos, por Sua livre e espontânea vontade, permite que o homem atenda, ou não, ao Seu chamado, às Suas ordens.
– A segunda lição extraída desta circunstância da parábola é a de que o fato de o filho ser o primeiro, ter vindo antes, ser mais velho, não retira a realidade de que tudo somente se fará por intermédio de um exercício de vontade.
Conquanto se estivesse diante de uma ordem, que, no fundo, beneficiaria muito mais este filho do que qualquer outro (não nos esqueçamos de que, como primogênito, seu direito à herança era superior aos dos demais filhos – Dt.21:17), tudo não passou de uma questão de vontade.
Aceitar, ou não, o senhorio de Deus é uma questão de vontade e, portanto, diante do livre-arbítrio, é uma decisão absolutamente individual, sobre a qual ninguém tem poder. Por isso, na evangelização, não queiramos convencer as pessoas, mas nos limitemos a pregar o Evangelho, não desanimando se as pessoas não se decidem por Cristo, pois cabe tão somente a elas este exercício da vontade.
– A terceira lição extraída desta circunstância é a de que, por ser a aceitação a Cristo um mero exercício de vontade, de nada adiantam e nada significam as justificativas e desculpas.
Muitos perdem muito tempo tentando justificar ou se desculpar porque não estão vivendo de acordo com a Palavra de Deus.
Não percamos tempos com isto. Sejamos, naturalmente, polidos e tentemos, ante os argumentos apresentados, encontrar um viés que nos permita confrontar com a verdade do Evangelho, mas saibamos que o que importa é o exercício da vontade.
O filho foi bem claro: “não quero”.
Quando uma pessoa não quer, não adianta insistirmos em demasia, pois, como já dissemos, Deus deu o livre-arbítrio ao homem.
OBS: A falta desta perspectiva da vontade própria do homem tem levado muitos a situações embaraçosas e, não raro, a escândalos e meninices que não servem senão para que os objetivos do adversários sejam atingidos.
Isto é muito comum no que se refere à libertação de pessoas endemoninhadas. Jesus liberta o homem, os demônios são expulsos em nome de Jesus, mas é preciso que a pessoa queira ser liberta.
Quando isto não ocorre, e precisamos ter o devido discernimento, não adianta insistirmos.
Não se trata de falta de poder de Deus, mas de uma atitude da vontade da pessoa. Se ela se comporta como o filho rebelde da parábola, nada teremos que fazer, a não ser pedir a Deus que surja esta vontade de libertação.
– Esta ríspida resposta do primeiro filho fez com que o pai se dirigisse ao outro filho. O pai, observemos, não se revoltou com a negativa do primeiro filho, nem o ameaçou ou tomou qualquer atitude que, como pai, poderia fazer.
Basta lembrar que, na lei de Moisés, uma desobediência deliberada contra o pai por parte de um filho permitia que o pai chamasse a comunidade e, comprovando o fato, determinasse o apedrejamento do filho rebelde (Dt.21:18-21).
Este gesto do pai revela-nos o comportamento misericordioso e longânimo de Deus (Rm.3:25) em relação ao homem que, mesmo diante da rebeldia e do pecado, ainda oferece um tempo para que o homem se arrependa dos seus pecados.
Esta é a mensagem do evangelho: o tempo está cumprido, mas ainda há chance de arrependimento (Mc.1:15).
– Este primeiro filho representa os gentios, ou seja, todas as nações do mundo com exceção de Israel.
Com efeito, os gentios, quando unidos em uma só nação, depois do dilúvio (Gn.11:1,2), ao em vez de serem gratos a Deus pela sua existência, vez que eram filhos de Noé, cuja família havia sido preservada do juízo divino (Gn.10:32), optaram por se rebelarem contra o Senhor e O desafiaram, querendo construir uma torre que simbolizasse a sua autossuficiência, o seu desprezo em relação a Deus (Gn.11:4).
Esta rebeldia representa, precisamente, o “não quero” do primeiro filho. O pai, então, não querendo destruir o filho, simplesmente se dirigiu ao outro filho, deixando o filho primeiro em sua rebeldia, dando-lhe tempo para o arrependimento.
– Este primeiro filho, também, representa aqueles que haviam sido considerados como gentios pelos judeus apesar de serem judeus de nascimento, ou seja, as pessoas que, por seu comportamento de vida em desacordo com a lei de Moisés, eram considerados como tendo decaído da nação judaica, como tendo sido extirpados, excluídos da comunidade de Israel, em especial, os publicanos e as meretrizes.
Os publicanos, “…cobradores de impostos, a serviço do Império Romano, que ocupava a Palestina ao tempo do ministério terreno de Jesus, eram odiados, considerados traidores (Lc.3.12,3, 19.8) e grandes pecadores (Mt.9.10,11)…” (LIMA, Elinaldo Renovato de. op.cit., p.17).
“…O Talmude classifica os publicanos como salteadores e assassinos e declara que para tais homens não há chance de arrependimento. Ocupavam a posição de gentios, apesar de serem judeus de raça[cfr. Mt.18:17, observação nossa]…” (CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.5, p.505).
OBS: É interessante notar que a repugnância que os publicanos e as meretrizes causavam aos religiosos judeus perpetuou-se mesmo entre os cristãos.
A Bíblia de Estudo de Genebra de 1599, por exemplo, chega mesmo a dizer que não se deve considerar a expressão do evangelista de que “publicanos e meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus” de modo literal, já que “…nenhum deles seguiu a Cristo…”, postura que tenta conciliar a expressão do evangelho com o preconceito social ainda existente em relação aos excluídos.
– Com relação às meretrizes, a situação não era diversa. “…Assim como hoje, eram mulheres que vendiam o corpo em troca de dinheiro. No tempo da parábola em estudo, eram consideradas praticantes de atividade vil, desprezível, abominável até.
No Antigo Testamento, não se aceitava o salário da prostituta na casa do Senhor (Dt.23.18)…” (LIMA, Elinaldo Renovato de. op.cit., p.17), ou seja, era considerada como uma pessoa impossibilitada de comparecer perante o Senhor, tão abominada era a sua atividade, tanto que não poderia haver prostituta no meio do povo de Israel (Dt.23:17a). Destarte, a meretriz era considerada, também excluída do povo, tida, pois, como gentia.
– Este primeiro filho, portanto, refere-se aos homens rebeldes, àqueles que, num primeiro instante, diante da oferta divina, recusaram-se a obedecer a Deus, preferindo tomar o seu próprio caminho, desconsiderando, desprezando a Deus.
O Senhor, entretanto, não os destruiu de pronto, mas abriu um tempo para que eles pudessem se arrepender. OBS: Oportuna, aqui, aliás, a observação feita pelo novo chefe da Igreja Romana, Bento XVI, na sua homilia na missa de início oficial de seu pontificado, uma reflexão que, por sua biblicidade, merece ser aqui transcrita:
“…Não é o poder que redime, mas o amor. Este é o distintivo de Deus: Ele mesmo é amor. Quantas vezes desejaríamos que Deus se mostrasse mais forte! Que atuasse duramente, derrotasse o mal e criasse um mundo melhor.
Todas as ideologias do poder se justificam assim, justificam a destruição do que se oporia ao progresso e à liberação da humanidade.
Nós sofremos pela paciência de Deus. E, não obstante, todos necessitamos de Sua paciência. O Deus, que se fez cordeiro, nos diz que o mundo se salva pelo Crucificado e não pelos crucificadores.
O mundo é redimido pela paciência de Deus e destruído pela impaciência dos homens…” (tradução nossa de texto oficial em espanhol do site do Vaticano).
– O segundo filho foi chamado depois da recusa do primeiro. Era, pelo que tudo indica, mais novo, menor em qualidades e em direitos.
Foi chamado pelo pai assim como o primeiro e as palavras que lhe foram dirigidas foram as mesmas. Este segundo filho, ao ser chamado, de imediato, respondeu: “Eu vou, senhor”.
– Aqui, como no primeiro caso, vemos que o pai também deixou que a vontade do filho prevalecesse. Não o forçou, fez uma oferta, assim como havia feito para o primeiro filho.
O segundo filho, talvez querendo agarrar esta oportunidade, que talvez não viesse caso o primeiro filho tivesse aceitado o chamado do pai, não titubeou em dizer que iria. “Eu vou” foi a sua resposta, uma demonstração de disposição plena de servir ao pai. Que alegria tal atitude não deve ser gerado no pai que, há pouco, havia sido tão rispidamente tratado.
– Mas o segundo filho foi além. Não se limitou a dizer “eu vou”, mas, num gesto de submissão, de reverência e de respeito, fez questão de tratar o pai de “senhor”. Revelava-se, assim, uma disposição de servir, uma obediência exemplar, uma reverência e uma honra sem iguais.
– Enquanto no campo das palavras, tudo indicava que o segundo filho, que não era o primogênito, que não tinha a condição superior, estava prestes a ganhar tudo: o afeto do pai, os direitos decorrentes da obediência e da submissão ao pai. “Eu vou, senhor”, era o seu lema. Entretanto, para surpresa de todos, diz Jesus na parábola, ele não foi.
– A rebeldia manifestou-se não no dizer, mas, depois, no fazer. O segundo filho não vacilou em responder de acordo com o desejo do pai, não deixou sequer de reconhecer o papel e o lugar do pai como dono da vinha, como senhor seu, mas, num gesto de rebeldia, simplesmente não foi servir.
Disse que iria trabalhar na vinha, mas não o fez. Limitou-se a prometer, mas não cumpriu o que havia prometido.
– Este segundo filho representa a nação de Israel. Israel, este novo povo, surgiu depois das nações gentílicas.
Diante da recusa de servir a Deus, em Babel, o Senhor espalhou todas as nações pelo planeta (Gn.11:9), tendo, a partir de então, começado a formar uma nova nação, um povo que fosse Sua propriedade peculiar.
A partir da chamada de Abrão (Gn.12:1-3), Deus começa, então, a formar este novo povo, cuja formação duraria cerca de quatrocentos anos (Gn.15:13).
– Formado este povo, Deus o retira do Egito, onde se multiplicara e o leva até o monte Sinai, onde propõe um pacto, onde apresenta o chamado para que Israel fosse trabalhar na Sua vinha (Ex.19:3-7).
Israel não pensou duas vezes: imediatamente prometeu ir trabalhar, naquele dia mesmo, na vinha do Senhor (Ex.19:8), mas a promessa ficou apenas nas palavras.
Cedo Israel se desviou dos caminhos do Senhor (Ex.32:7,8), a ponto de toda a geração que havia pactuado com Deus, com exceção de Josué e Calebe, ter perecido no deserto por causa da sua incredulidade (Hb.3:18,19).
– A desobediência foi a tônica de Israel, ao longo de sua história, seja nos dias de Moisés e de Josué, nos dias dos juízes, dos reis, depois do cativeiro de Babilônia e nos dias de Jesus, quando, então, esta desobediência, esta rebeldia se consumava na rejeição do Messias.
Apesar de terem prometido ir trabalhar na vinha do Senhor, os judeus só fizeram criar um sistema baseado no formalismo religioso, no vazio apego a uma religiosidade externa, que não se traduzia num verdadeiro serviço a Deus.
OBS: “…O filho que prometia obedecer, mas não cumpria sua palavra, era um retrato dos judeus da época. Diziam que queriam fazer a vontade de Deus, mas constantemente desobedeciam.
Eram impostores, só representavam. É muito perigoso fingir que obedecemos a Deus, quando nosso coração está longe dEle, porque Deus conhece nossas verdadeiras intenções. Nossas ações devem estar de acordo com nossas palavras.” (BÍBLIA DE ESTUDO APLICAÇÃO PESSOAL, nota a Mt.21.30, p.1262).
– Como Jesus deixaria claro no seu contundente discurso contra os fariseus, que foi registrado por Mateus no capítulo 23, a disposição de Israel em servir a Deus não tinha passado das palavras, não tinha sido senão uma simples expressão de lábios, mas com um coração distante da vontade do Senhor (Is.29:13; 59:3; Mt.15:8; Mc.7:6).
– Assim como o primeiro filho havia demonstrado rebeldia logo de pronto, quando lhe havia sido feito o chamado, o segundo filho também revelou rebeldia e desobediência, uma vez que, embora tivesse falado que iria e até reverenciado o pai como senhor, simplesmente deu de ombros ao mandamento, não cumprindo a promessa que havia feito.
Ambos os filhos se mostraram rebeldes, ambos os filhos se mostraram desobedientes. Por isso, esta parábola ilustra vem a verdade espiritual que seria explicitada pelo apóstolo Paulo em sua carta aos romanos: “porque todos pecaram e destituídos foram da glória de Deus.” (Rm.3:23).
“Não há ninguém que entenda, não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só.” (Rm.3:11,12).
– Jesus mostra aqui que de nada adianta as boas intenções, a boa vontade, se ela é desacompanhada de ações concretas, de atitudes reais. Entre os judeus, naquela época, talvez por influência do pensamento filosófico grego, havia a crença de que as boas intenções eram suficientes para justificar uma determinada ação.
Entretanto, como diz famoso provérbio popular, “de bem intencionados o inferno está cheio”. Somente a disposição, a boa intenção não justifica uma atitude. O que importa não é o que é dito, mas o que é feito.
O segundo filho falou bonito e até demonstrou uma reverência e submissão elogiáveis, mas não fez o que o pai havia pedido e, por isso, era tão desobediente e rebelde quanto o primeiro.
Não há diferença alguma na atitude deste em relação a do outro com respeito ao pai. Jesus enfatizava, assim, que os judeus não mereceriam nenhuma atitude distinta da dos gentios caso O rejeitassem como o Messias.
OBS: Deixamos aqui consignado que alguns intérpretes, como John Gill, entendem que a parábola dos dois filhos refere-se apenas à receptividade pela mensagem de João Batista.
O primeiro filho simbolizaria os publicanos e as meretrizes que, tendo rejeitado a mensagem de João, receberam-na em seguida, enquanto que os fariseus e saduceus, que, de início, teriam aceito a pregação do Batista, a teriam, posteriormente rejeitado. Embora achemos interessante este argumento, cremos que não teria sido este o objetivo de Cristo, pois a parábola teria até esta aplicação imediata, mas somente esta.
– No Seu discurso com os judeus, que se encontra registrado no capítulo 8 do evangelho segundo escreveu João, o Senhor também reafirma esta circunstância.
Ali os judeus acham que, por serem descendentes biológicos de Abraão, estavam com sua salvação garantida, tinham resguardada a sua filiação divina (Jo.8:33).
Todavia, Jesus mostrou-lhes que não bastava a origem étnica para que se alcançasse a salvação, mas, sim, o essencial era saber o que estavam fazendo, a quem estavam servindo e, eles, como serviam ao pecado, não passavam de filhos do diabo (Jo.8:39-44).
– Vivemos dias em que as pessoas se arrogam o direito de ser chamadas filhas de Deus, só porque pertencem a uma determinada denominação religiosa, ou , ainda, porque vivem segundo critérios próprios de pureza e de santidade.
São “crentes ao seu modo” (para aqui usarmos de expressão recente em que um cardeal da Igreja Romana procurou justificar a religião católica a seu modo de um importante político brasileiro), que, fazendo o que querem e como querem, acham que, com isto, terão pleno direito a serem considerados como herdeiros e merecedores da salvação.
É o predomínio do “self-service” religioso, onde cada pessoa vive uma religiosidade própria, ditada pela sua própria vontade.
OBS: “…’Na Europa, o interesse na Igreja Católica diminuiu porque, cada vez mais, as pessoas encaram a fé religiosa como algo individual e privado, que dispensa a intermediação de uma instituição’, disse a VEJA o teólogo alemão Christian Schmidtmann.
Segundo ele, em lugar de aceitar como verdadeira uma única linhagem religiosa, os europeus atuais constroem verdadeiras ‘religiões de retalhos’, costuradas apenas com os elementos que lhes interessam, descartando o resto.…” (SCHELP, Diogo e COSTAS, Ruth. Declínio na casa do Papa. Veja, ano 38, n.17, edição 1902, 27 abr. 2005, p.81).
Estas palavras mostram-nos quão preciso foi Cristo ao dizer que, em virtude deste comportamento, facilmente estas pessoas aceitariam o Anticristo (Jo.5:43).
V – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA
(IV): O ARREPENDIMENTO DO PRIMEIRO FILHO
– O segundo filho, reverente e obediente nas palavras, rebelou-se posteriormente e não cumpriu a vontade do pai, simplesmente não atendendo à sua ordem.
É a figura de Israel que, tendo prometido ser a propriedade peculiar de Deus entre os povos, desviou-se espiritualmente, não cumpriu a lei que lhe fora dada pelo Senhor e, culminando com esta rebeldia, rejeitou o Messias.
– O primeiro filho, porém, diz Jesus, depois de ter sido rude de pronto, de ter se negado a atender ao chamado do pai, depois, arrependeu-se e foi. Este arrependimento é retratado no texto original grego pela palavra “metamelomai” (μεταμέλομαι), que não é a palavra mais comum para expressar este sentimento no Novo Testamento grego.
Com efeito, a palavra mais comum usada no texto bíblico é “metaneuo” (μετανοέω), que significa “mudança de mente”, “mudança de ideia”.
O verbo usado nesta passagem, por duas vezes (Mt.21:29, 32), significa mais um “sentir tristeza”, um “entristecer-se”, conquanto, como defende Russell Norman Champlin, seja uma palavra que possa ser tida como sinônima de “metaneuo”, ainda que haja uma maior ênfase ao aspecto sentimental do que intelectual.
– O tempo dado pelo pai ao primeiro filho que, como vimos, pela lei, poderia ter sido legal e legitimamente executado assim que foi ríspido para com seu pai, gerou o seu devido efeito.
O pai partiu em busca do segundo filho, mas o primeiro filho, certamente, passou a observar a bondade do pai, a sua prestatividade em suprir-lhe todas as necessidades, o cuidado que sempre tinha tido com ele, o cuidado que sempre devotara à vinha.
O primeiro filho também relembrou a condição excelente que possuía e, portanto, viu que havia sido ingrato e insolente para com o pai.
Sem que o pai o exigisse, sem que o pai o forçasse, viu que era momento de aproveitar a oportunidade dada pelo diferimento da condenação e posterior execução da sentença de morte e, ante a tristeza e a vergonha decorrente deste sentimento, foi trabalhar na vinha.
OBS: “…Não sabemos que influências tenham levado o moço desobediente a mudar de parecer. Sabendo a vontade do pai e refletindo sobre ela, sua natural preguiça foi corrigida. Ele pode ter refletido sobre a urgência do caso, observando o estado de abandono da vinha; sobretudo ele pode ter refletido na bondade e sabedoria do pai, que não daria uma ordem desnecessária. Felizmente, teve oportunidade de mudar de plano.
Alguns se arrependem tarde demais, quando não há mais tempo para remediar a sua desobediência…” (McNAIR, Samuel. A Bíblia explicada. 4.ed., p.325).
– Assim ocorreu com os gentios. Depois de terem orgulhosamente rejeitado o senhorio divino, aproveitaram do tempo que o Senhor lhes deu e, arrependidos, atendendo assim ao chamado do evangelho, resolveram servir na vinha do Senhor, resolveram iniciar o seu serviço ao pai.
Com este gesto, iniciado com a conversão dos samaritanos através da pregação de Filipe (At.8), o evangelho sai dos domínios do povo judeu e alcança os gentios, que, assim, ganham e aproveitam esta nova oportunidade que se lhes é lançada, que era o grande mistério de Deus oculto através dos séculos (Ef.3:1-6).
– Os gentios chegavam, assim, à frente dos judeus no reino de Deus. Embora isto estivesse na iminência de ocorrer, já havia, de certo modo, sido antecipado por ocasião do ministério preparatório de João Batista, que foi usado como exemplo pelo Senhor Jesus.
Diante das autoridades religiosas, o Senhor mostra que a rejeição se iniciara com a vinda do Precursor, que havia sido aceito pelos excluídos, pelos publicanos e pelas meretrizes que, de bom grado, embora tivessem sido equiparados aos gentios, haviam aceitado a pregação do último profeta do tempo da lei (Mt.3:2,5,8,9; Lc.3:7,8,12-14).
Os fariseus e saduceus, entretanto, ainda que tivessem tentado, não tinham conseguido crer na pregação do batizador (Mt.3:7-10).
– Em sua pregação, João Batista enfatizou a necessidade de um real arrependimento dos pecados, de uma mudança de vida e não apenas de um formalismo externo, de uma religiosidade oca e sem sentido real.
O profeta só permitia o batismo a quem havia dado frutos dignos de arrependimento, não se tratava de mais um ritual, como tantos os que havia na lei e na tradição judaicas, mas de uma verdadeira transformação de vida.
Era o prenúncio do evangelho, que também exige esta mudança de comportamento, esta mudança de atitude.
OBS: “…Jesus profere a parábola do julgamento. Os pecadores arrependidos da pior espécie entrarão no céu, mas não os falsos religiosos.” (BÍBLIA DE ESTUDO PLENITUDE, nota Mt.21.28-32, p.979).
– Um dos grandes perigos que se abatem sobre a vida espiritual é, precisamente, o da religiosidade, o do formalismo, o do predomínio da aparência sobre a justiça.
Assim como os judeus transformaram a lei dada por Deus em um conjunto de regras externas e de aparências, há, também, o risco de se tornar o cristianismo em uma simples religião.
Aliás, se formos bem sinceros, veremos que, nos nossos dias, temos o cristianismo e a cristandade, dois fenômenos bem distintos e que são, vez por outra, confundidos pelos servos de Deus.
– “…[O fermento, observação nossa] não se trata do poder regenerador da Palavra no coração de um indivíduo, trazendo-o de novo a Deus, nem tampouco é simplesmente um poder que atua por força exterior, tal como Faraó, Nabucodonosor e outros apresentados como grandes árvores da Escritura.
Mas é um sistema de doutrina que, penetrado por toda a parte, caracterizará a massa. Não é a fé propriamente dita, nem a vida: é uma religião — é a Cristandade.
É a profissão de uma doutrina em corações que não suportam nem Deus, nem a verdade e se ligam sempre ao estado de corrupção da própria doutrina.…”( DARBY, John Nelson. op.cit., p.95).
OBS: A atualidade da questão é tanta que transcrevemos aqui observações feitas pelo vaticanólogo Giancarlo Zizola, entrevistado pela revista Veja no recente período de vacância do Vaticano:
“…o que também está em jogo no próximo conclave [a reunião dos cardeais onde se elege o Papa, “in casu”, a reunião que elegeu Bento XVI) é liberar o cristianismo da cristandade. Veja –
O que significa liberar o cristianismo da cristandade? Zizola – Significa desatá-lo dos regimes de cristandade – nos quais a religião cresce apenas vegetativamente, protegida por uma rede social e estatal.
A assimetria entre cristianismo e cristandade revela-se na discrepância entre pessoas que se dizem católicas, mas não vão à missa, nem se casam na Igreja ou batizam seus filhos.
O cristianismo não poderá existir no futuro como religião de sociedade, e sim como religião de testemunho.” (Mario SABINO. A Igreja precisa de oficina.
Entrevista com Giancarlo Zizola. Veja, ano 38, n.15, edição 1900, 13 abr. 2005, p.15). Esta realidade não é só católica.
Muitos crentes, na atualidade, também vivem uma “religião social”, totalmente descomprometida com um padrão comportamental de vida. São os filhos que dizem “eu vou, senhor”, mas não vão.
– Temos ido trabalhar na vinha do Senhor? Temos servido ao Pai? Ou temos dito em alto e bom som “eu vou, senhor” e temos preferido ficar onde sempre estivemos, fazendo a nossa própria vontade, simplesmente querendo enganar a nós mesmos e aos outros (pois a Deus ninguém engana).
Só pode ir trabalhar na vinha, e hoje, quem se arrepende, quem muda de vida, quem é transformado por Jesus. A vida cristã representa uma indispensável mudança de caráter.
“…Não andeis mais como andam também os outros gentios, na vaidade do seu sentido, entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração, os quais, havendo perdido todo o sentimento, se entregaram à dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza.
Mas vós não aprendestes assim a Cristo, se é que O tendes ouvido e nEle fostes ensinados, como está a verdade em Jesus, que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso sentido, e vos revistais do novo homem, que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade.”(Ef.4:17-24).
– Ser salvo, pertencer à Igreja, este novo povo, surgido da reunião dos arrependidos, é fazer a vontade do Pai, é fazer aquilo que Jesus nos manda. Assim mostraremos que realmente amamos a Jesus e somos Seus amigos (Jo.15:14).
O que contará na hora da prestação de contas, é se fizemos, ou não, a vontade de Deus (Mt.7:21).
Os próprios religiosos tiveram de assinar a própria sentença, ao admitirem que foi o primeiro filho quem fez a vontade de Deus, o gentio arrependido (Mt.21:31 “in medio”).
Temos feito a vontade de Deus? Será que não pertencemos àquele grupo do “…deixar-se levar ‘ para lá e para cá e para lá por qualquer vento doutrinário’, [que] aparece como a única atitude à altura dos tempos atuais, [que se] vai constituindo [n]uma ditadura do relativismo, que não reconhece nada como definitivo e que deixa como última medida somente o eu e as suas vontades…” (BENTO XVI. O manifesto de Ratzinger. Veja, ano 38, n.17, edição 1902, 27 abr. 2005, p.76)?
Não são poucos os que estão a viver conforme suas próprias vontades, dizendo-se cristãos, dizendo-se servos de Deus e que são desmascarados até mesmo por uma liderança religiosa como é a do chefe da Igreja Romana.
É este o padrão aprovado por Deus? Vemos, claramente, pela parábola, que não é isto que agrada o pai.
OBS: “…A autoridade está com aqueles que realmente procuram e praticam a vontade de Deus, por mais ignorantes e pecaminosos que tenham sido no passado.
Não está com aqueles que, apesar de terem sido estabelecidos como autoridades eclesiásticas, rejeitam a mensagem de Deus, o evangelho do Reino.” (BÍBLIA VIDA NOVA, nota a Mt.21:28-32, p.32).
– Se somos o zambujeiro, enxertado na oliveira, ante a rejeição do Messias por Israel (Rm.11:17), não nos gloriemos, como aconselha o apóstolo, mas nos esforcemos para nos arrepender dos nossos pecados e, perdoados por Jesus, fazermos a Sua vontade, pois só estes poderão ingressar no reino celestial. “Pra fazer a Tua vontade, quero de Ti mais poder, dá-me a Tua santidade, quero só pra Ti viver.” (refrão do hino 339 da Harpa Cristã).
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: http://portalebd.org.br/classes/adultos/3149-licao-9-o-perigo-da-indiferenca-espiritual-i