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LIÇÃO Nº 8 – A TEOLOGIA DE ZOFAR: O JUSTO NÃO PASSA POR TRIBULAÇÃO?

INTRODUÇÃO

Na sequência do estudo do livro de Jó, analisaremos os discursos de Zofar.

– Para Zofar, Deus é distante e não se preocupa em fazer companhia ao homem.

I – QUEM FOI ZOFAR

– Zofar, o terceiro amigo de Jó, fez apenas dois discursos, nos quais volta a se utilizar dos argumentos relativos ao dogma da retribuição.

– Mas, em seu discurso, com maior ênfase do que nos discursos de seus amigos, notamos a presença do que viria a ser conhecido como “deísmo”, a crença num Deus distante e que não se preocupa em fazer companhia ao homem.

– Ao estudarmos os dois discursos de Zofar, veremos que este amigo de Jó enfatiza a supremacia divina, que é um dos pontos que Jó empregara para rebater as acusações e argumentos de Elifaz e de Bildade.

– Porém, nesta ideia de supremacia divina estava embutida uma noção de que Deus está distante do homem, o que será vigorosamente combatido por Jó, que, como ninguém em seu tempo, desfrutava de uma profunda intimidade com o Todo-poderoso.

– Zofar é o terceiro amigo de Jó, provavelmente, o mais novo dos três que são mencionados em Jó 2:11.

A Bíblia diz-nos que ele era natural de Naamá, região que é identificada como sendo um dos pequenos reinos que havia, na época, no território da atual Arábia Saudita.

– Fez apenas dois discursos, nos quais notamos a mesma ideia de que o sofrimento advém do pecado.

– Entretanto, em seu discurso, notamos (mais pronunciado em Zofar mas presente também nos discursos de Elifaz e de Bildade) a noção de um Deus distante, muito superior aos homens, que não intervém na vida humana.

Esta é a base da doutrina denominada pelos teólogos de “deísmo”, um dos perigos para a saúde doutrinária da Igreja.

– O significado do nome de Zofar é objeto de polêmica entre os estudiosos da Bíblia. Gregório Magno1, um dos mais antigos comentaristas do livro de Jó, entende que seu nome significa “destruição da torre de vigia”1 Gregório Magno (540-604).

Nascido em uma rica família de senadores em Roma, foi prefeito da cidade com apenas 30 anos de idade, quando abandonou a vida pública e se tornou monge. Aproveitado pelo bispo romano Pelágio II, acabou se tornando o seu sucessor em 590. Antes, em 585, escreveu “Magna Moralia”, um dos mais antigos comentários cristãos do livro de Jó.

nome que revelaria o seu objetivo, qual seja, o de destruir a fé de Jó em Deus através de seus discursos que demonstravam um Deus inacessível.

– Já para outros estudiosos, Zofar significaria “animador”, “chilreio”, “coroa” e “homem de ação” ou “homem madrugador”. Como se percebe, não há consenso sobre o significado do nome deste amigo de Jó.

– Já o nome de seu país é o mesmo nome de uma das filhas de Caim (Gn.4:22) e significa “agradável”, “atraente”, o que, para Gregório Magno, representa exatamente a natureza do discurso de Zofar: é um discurso atraente e que agrada aos ouvidos, embora seja destruidor.

II – O PRIMEIRO DISCURSO DE ZOFAR

– O primeiro discurso de Zofar está contido no capítulo 11 do livro de Jó. Inicia seu discurso repetindo os dizeres de Bildade, no sentido de que o patriarca Jó estava se utilizando de argumentos vazios, sem qualquer base doutrinária.

– Mais uma vez, vemos alguém que, dizendo-se versado nas coisas relativas a Deus, não admite discuti-las nem verificar que os fatos desmentem seus argumentos. Chega, mesmo, a afirmar que Jó era um “homem falador” e que é impossível que possa tentar obter o reconhecimento de sua justiça (Jó 11:2-4).

– Para Zofar, não há dúvida alguma: é impossível que o homem possa ter uma doutrina pura e ser limpo aos olhos do Senhor. Assim sendo, Jó estava mentindo (Jó 11:3), era um hipócrita e o seu sofrimento era a prova de que não poderia ser alguém puro diante de Deus.

– Como podemos perceber, Zofar estava redondamente enganado, mas as “evidências” lhe davam razão.

Será que, se não soubéssemos o que havia ocorrido naquela reunião entre Deus e Satanás, não estaríamos concordando com o raciocínio simplista mas vigoroso de Zofar?

Como temos agido diante de irmãos na fé que têm padecido semelhantemente? Temos lhes dado a presunção da inocência ou temos sido tão vigorosos como Zofar?

Lembremo-nos, porém, que, quem tem o verdadeiro amor cristão, o amor descrito em I Co.13, diz-nos as Escrituras, “não trata com leviandade(…) não suspeita mal” (I Co.13:4,5).

Zofar procura fundamentar a sua acusação contra Jó no fato de que Deus está acima dos homens, que nós, humanos, não podemos desvendar os Seus segredos e a Sua sabedoria (Jó 11:5-9).

– Entretanto, logo no limiar de seu discurso sobre a grandeza de Deus (algo, aliás, que o patriarca não ignorava, como podemos ver de suas respostas a Elifaz e a Bildade, principalmente Jó 7:17-21 e 9), Zofar apresenta uma noção de Deus bem diversa da de Jó. Diz Zofar:

” …oxalá que Deus falasse e abrisse os Seus lábios contra ti.” (Jó 11:5), ou seja, para ele, Deus é um ser tão superior que não se preocupa com o homem.

– Zofar trata um diálogo entre Deus e Jó como algo hipotético, como uma simples hipótese, mas de improvável implementação, pois Deus está muito acima dos homens para lhes ouvir as palavras.

– Esta é a primeira ideia que caracteriza o chamado “deísmo”, que é a crença em um Deus, mas um Deus tão distante, um Deus que não intervém no dia-a-dia dos seres humanos, um Deus que criou o Universo que,

como uma máquina, funciona sozinho, sem que o Criador esteja fazendo algo que não seja mantê-lo funcionando, segundo as regras e normas por Ele soberanamente estabelecidas. É um Deus existente, mas ausente.

– Zofar não vê como possível um contacto íntimo e contínuo entre Deus e o homem. Deus é muito superior e sublime para se preocupar com uma criatura tão desprezível como é o homem.

– Deus, dizia Zofar, é quem possui os segredos da sabedoria, é quem tem uma eficácia múltipla e que exige dos homens menos que merecem, diante de sua iniquidade.

É impossível querer se aproximar de Deus, afirma Zofar, pois jamais alcançaremos a Sua perfeição ou alcançaremos os Seus caminhos (Jó 11:6,7). Deus é maior do que possamos imaginar e ninguém pode impedir a Sua operação (Jó 11:8-10).

– Para Zofar, Deus conhece os caminhos dos homens e considera os gestos praticados pelos homens, mas é uma consideração distante, uma observação contemplativa, ou seja, Deus vê a iniquidade do homem, mas não Se compadece dessa maldade, antes espera que o homem, por si só, arrependa-se,

a fim de obter os benefícios deste gesto de arrependimento, pois, caso não o faça, Deus, certamente, fará cair sobre o pecador os danos do seu pecado, pois assim estabeleceu ao ordenar e criar todas as coisas (Jó 11:11). Vemos, pois, que, segundo Zofar, Deus apenas olha, apenas vê a Sua criação, mas nela não intervém.

– Diante de um Deus distante e ausente, para o homem só haverá salvação se ele próprio se arrepender, se ele próprio endireitar os seus caminhos, pois, caso contrário, Deus somente poderá lhe punir, ante as leis que Ele mesmo estabeleceu (Jó 11:12-20).

– Na verdade, como diz o teólogo Russell Norman Champlin (1933-2018), para os “deístas”, as leis naturais, as leis estabelecidas por Deus acabam sendo uma divindade substituta, pois não é, propriamente, Deus quem irá agir na distribuição de justiça, vez que está distante e sem qualquer interesse pela criação, mas as leis que Ele criou.

II – O SEGUNDO DISCURSO DE ZOFAR

– No segundo discurso de Zofar, contido no capítulo 20 do livro de Jó, o naamatita procura caracterizar o discurso de Jó como irracional, dizendo que é falto de entendimento e que gera vergonha nos seus ouvintes (Jó 20:3).

– Será uma característica, ao longo da história da humanidade, que os chamados “deístas” privilegiem o uso da razão e busquem, mesmo, fazer as pessoas desacreditar da revelação divina.

Deus é apreendido pela razão e as leis naturais que criou são as que governam o Universo, pois Deus, após a Criação, abandonou o Universo à sua própria sorte.

É este o pensamento “deísta”, totalmente contrário às evidências das Escrituras, Escrituras, aliás, que, não raro, são atacadas e menosprezadas pelos seguidores do “deísmo”.

OBS: ” A palavra (deísmo, observação nossa) vem do latim Deus, ‘deus’. Os socinianos introduziram o termo no século VI.

Porém, veio a ser aplicado a um movimento dos séculos XVII e XVIII, que enfatizava que o conhecimento sobre questões religiosas e espirituais vem através da razão, e não através da revelação, que sempre aparece como suspeita e como instrumento de fanáticos e de pessoas de estabilidade mental questionável. 1.

Essa circunstância outorga-nos a característica básica do deísmo: um conhecimento adquirido através da razão, e não através da revelação. A isso chamamos de religião natural, em contraste com a religião sobrenatural…” (CHAMPLIN, R.N. Deísmo. In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.2, p.38).

– Zofar afirma que o “…o homem foi posto sobre a terra…” (Jó 11:4), mais uma expressão que denota que Deus agiu com certo desprezo em relação ao homem, já que a expressão utilizada por Zofar revela um distanciamento, uma criação seguida de um abandono por parte de Deus.

– Em seguida, volta a insistir que o ímpio tem um júbilo muito breve e que, ainda que alcance o máximo da glória e da opulência, será irremediavelmente abatido por força das próprias leis estabelecidas por Deus (Jó 20:6-29).

– Tudo funciona automaticamente, como se o Universo fosse um relógio, não havendo qualquer necessidade para uma intervenção divina.

Por isso, Zofar, que afirma ter “o espírito do entendimento” (Jó 20:3), que já descobriu quais são as regras disciplinadoras do Universo, pode dizer o que acontecerá a Jó, caso ele não se arrependa, pois “…é esta a herança que Deus lhe reserva.” (Jó 11:29b).

IV – A RESPOSTA DE JÓ

– Jó começa a sua resposta a Zofar (capítulos 12 a 14), com uma ironia, afirmando que só os seus amigos eram sábios na face da Terra (Jó 12:2).

Afirma que ele, Jó, também tinha a mesma capacidade de pensamento de seus amigos, não podendo ser considerado inferior.

Assim, demonstra, num primeiro momento, que, realmente, pela razão, que é existente em todos os homens, podem todos chegar ao conhecimento de Deus (a chamada “religião natural” pelos deístas a partir do século XVII), mas, se de um lado isto representaria uma demonstração de que os “deístas” tinham razão ao advogar a tese de que Deus pode ser conhecido pela razão, por outro lado,

retiraria o argumento de superioridade que seus amigos estavam tentando demonstrar para que Jó pudesse aceitar que eles estavam certos e que, portanto, deveria reconhecer-se como pecador e se arrepender para retornar ao estado anterior.

Deus é acessível a todos os homens não porque todos os homens sejam dotados de razão, mas porque Deus tem prazer em descer ao nível do homem e a ele Se revelar.

– Imediatamente após já demonstrar que o argumento de superioridade de seus amigos sucumbe pela própria concepção deísta, Jó afirma, com convicção, que Deus não é um ser distante e que, após criar o mundo, abandonou-o, pois “… eu, que invoco a Deus, e Ele me responde…” (Jó 12:4).

– Jó afirma que Deus está, sim, interessado em ter uma convivência com o homem e que ele, Jó, desfrutava desta convivência, tinha comunhão com o Senhor, tanto que ele o invocava e era correspondido por Deus.

A existência de um diálogo entre Deus e o homem faz sucumbir o argumento “deísta” e é por isso que os deístas acabam por renegar as Escrituras, porque a Bíblia é , ela própria, um diálogo entre Deus e os homens.

– Jó chama a própria natureza para ser testemunha de que Deus é o Criador e o sustentador de todas as coisas, e não leis naturais que estariam substituindo a Deus (Jó 12:7-10).

Muito pelo contrário, os “superiores e iluminados” amigos de Jó poderiam, muito bem, ser substituídos pela criação irracional do Senhor, que são testemunhas vivas e muito mais sábias até da contínua presença do Senhor junto à Sua criação.

– Contrariando a visão de Zofar, Jó afirma que Deus intervém continuamente na ordem das coisas que criou. Diz que a vida humana está em Suas mãos (Jó 12:10), que Ele é quem determina as ascensões e quedas (Jó 12:14), bem como está presente em todas as manifestações naturais (Jó 12:15), bem como está presente em todas as decisões humanas, fazendo coisas que o homem não pode compreender (Jó 12:22-25).

O patriarca tinha a vivência de um Deus participante, que não abandonara a Sua criação, mas, bem ao contrário, presente estava em todo o seu transcurso. É um Deus distinto da Sua criação, mas um Deus presente, bem diverso do concebido por Zofar.

OBS: “…Na filosofia, o termo (deísmo, observação nossa) é usado em contraste com o teísmo. Nesse caso, afirma que houve um deus ou força cósmica de algum tipo que deu origem à criação, mas que, ato contínuo, abandonou a sua criação, deixando-a entregue ao controle das leis naturais.

Assim sendo, Deus não teria qualquer interesse por Sua própria criação, não intervindo, nem galardoando ou castigando. Isso significa que Deus está divorciado de Sua criação.

Em contraste, o teísmo ensina a presença de Deus na criação, intervindo, galardoando ou punindo. O homem é responsável diante dos princípios divinos, e será devidamente galardoado ou punido, segundo suas ações;

mas, segundo o deísmo, isso dar-se-ia por meio de leis naturais, as quais, para todos os propósitos práticos, tornam-se uma divindade substituta.” (CHAMPLIN, R.N. Deísmo. In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.2, p.38).

– Jó cria tanto na participação de Deus no transcorrer da criação que, uma vez mais deixando de lado as elucubrações dos seus amigos, dirige-se diretamente a Deus para apresentar o seu pedido e a sua queixa, demonstrando, assim, claramente, que Deus está disposto a nos ouvir e a nos acompanhar em todos os momentos de nossa vida (Jó 13:3).

– Afirma o patriarca que seus amigos não estão com a correta concepção de Deus e que suas palavras são mentirosas a este respeito, nada produzindo de remédio para o mal que estava sofrendo (Jó 13:4,7-13).

Como tem sido o nosso discurso a respeito de Deus para os nossos semelhantes? Temos sido médicos que não valem nada, como os amigos de Jó?

Qual tem sido o resultado de nossos discursos, de nossas pregações, de nossos testemunhos? Têm eles gerado saúde espiritual para o povo? Será que temos cumprido o nosso mister de, como corpo de Cristo aqui na Terra, sermos os médicos para os doentes (Cf. Mt.9:12,13)?

OBS: Esta noção de um Deus participante está umbilicalmente ligada à própria noção de Igreja em nossa atual dispensação, como nos mostra o documento “Chamados para viver e anunciar o Evangelho” oriundo da Conferência Anglicana de Lambeth em 1998, cujo trecho vale a pena transcrever:

” … Nós cremos em um Deus que chama os seres criados para um futuro maior que aquele que eles pudessem fazer por si mesmos. Desde o começo do registro bíblico para diante, a voz de Deus é ativa, provocando os homens a se movimentar e a mudar, a reconhecer quem eles são e em que – com a ajuda de Deus – eles podem se tornar.

O próprio nome “igreja”, “ekklesia”, significa uma comunidade que tem sido convocada, não uma comunidade que, por si só, veio a se formar.

Mas quanto mais nos aprofundarmos no significado do chamado de Deus, como ele nos é apresentado, mais veremos que ele nos diz algo sobre o que Deus é. Deus não apenas chama, mas Deus manda.

Deus expressa e faz real o nosso chamado nas vidas e na realidade histórica das pessoas tocadas por Ele. O chamado de Moisés ou de Isaías é mais do que simples convocações para estarem com Deus ou de viverem segundo as leis divinas. É um mandado para os outros.

A vida de um profeta deve ser ela própria uma mensagem. (CONFERÊNCIA de Lambeth 1998. Chamados para viver e anunciar o Evangelho. anglicancommunion.org/lambeth/2/report6.html) (tradução nossa).

– Em sua súplica ao Senhor, Jó revela toda a sua convicção de que Deus não abandonou Sua criação, pois revela ter esperança em Deus, ainda que Ele estivesse contra o patriarca, fazendo-o sofrer (Jó 13:15). Ademais, mostra ter consciência de que somente os justos podem estar em comunhão com o Senhor (Jó 13:16).

Na sua crença de que Deus atua no universo, Jó chega a pedir ao Senhor que retire a Sua mão e que não o espante (Jó 13:20,21). Crê que possa haver diálogo entre Deus e o homem (Jó 13:22,23) e lança sua queixa diante de Deus (Jó 13:24-28, 14:15-22).

– Apesar de crer num Deus participante e presente no transcurso da Sua criação, Jó não comete o mesmo erro dos defensores da confissão positiva ou da teologia da prosperidade, que atribuem a Deus uma posição que não a de Senhor, mas de verdadeiro empregado, pronto a satisfazer os caprichos de qualquer crente.

Jó reconhece que Deus é superior aos homens, cuja existência é um nada ante a grandeza do universo (Jó 14:1,2,5-12), inclusive revela que ao homem é dada apenas a oportunidade de uma só vida, ao contrário das mentiras ensinadas há séculos por hinduístas, budistas e kardecistas, a respeito de reencarnações (Jó 14:14).

Esta grandeza, entretanto, não impede o Senhor de manter contacto com a Sua criação (Jó 14:3). A soberania de Deus não O torna um ser distante e inacessível, como defendia Zofar.

OBS: “… Jó cria que, depois de morto, estando no Seol (v.13), Deus o traria à vida de novo (v.15; cf. 1 Co 15.20; 1 Ts.4.16,17); noutras palavras, Jó expressou sua esperança numa ressurreição pessoal…” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, com. a Jó 14.14, p. 784).

– Na resposta ao segundo discurso de Zofar, Jó volta a insistir com seus amigos de que tem contacto direto com Deus e que é com Ele que está se queixando e não com algum homem (Jó 21:2-4).

– Ataca, uma vez mais, o dogma da retribuição, defendido por Zofar com vigor em seu segundo discurso, apresentando fatos, a saber, a existência de homens ímpios prósperos, apesar de sua impiedade e de sua deliberada recusa de servir a Deus, e cujos funerais, inclusive, são repletos de pompa (Jó 21:7-15), embora reconheça que, apesar desta felicidade aparente, não conseguirão escapar do juízo divino, que não é, necessariamente, o tipo de juízo presumido por Zofar (Jó 21:16-26).

– Jó denuncia que seus amigos estão tão somente aumentando seu sofrimento, que não trazem palavras de conforto ou de consolo, acabando por entender que seus discursos, por não estarem estribados em fatos verídicos, são apenas falsidade (Jó 21:27-34).

– Pelo que verificamos, portanto, a visão de Jó sobre Deus, que é a correta (Jó 42:8), considera que Deus é superior ao homem e, portanto, o homem não pode querer esquadrinhar os Seus pensamentos ou entender os Seus propósitos, a não ser pela própria revelação divina.

– Conquanto a natureza possa nos fazer inferir que haja um Deus, não permite que nós, através dela ou da razão, possamos descobrir os mistérios e as profundidades do pensamento divino, pois Deus é Deus e nós, meros homens. A esta superioridade, os filósofos e teólogos denominam de transcendência. Para Jó, pois Deus é transcendente.

OBS: “…Deus é transcendente – Ele é diferente e independente da Sua criação (ver Ex.24.9-18; Is.6.1-3; 40.12-26; 55.8,9). Seu ser e Sua existência são infinitamente maiores e mais elevados do que a ordem por Ele criada ( I Rs. 8.27; Is.66.12; At. 17.24,25). Ele subsiste de modo absolutamente perfeito e puro, muito além daquilo que Ele criou.

Ele mesmo é incriado e existe à parte da criação(…). A transcendência de Deus não significa, porém, que Ele não possa estar entre o Seu povo como Seu Deus (Lv.26.11,12; Ez. 37.27; 43.7; 2 Co 6.16). (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL. Os atributos de Deus, p.915) (grifo nosso).

Apesar desta superioridade, Deus não é um ser distante, inacessível, que, depois de criar o mundo, abandonou a Sua criação à sua própria sorte ou segundo leis naturais que estabeleceu, mas, bem ao contrário, é um ser que tem prazer em participar do transcurso da Sua criação, participando dele ativamente e desejando manter um relacionamento direto e de convivência com o homem.

Diante destas idéias apresentadas por Jó, vemos que Deus é imanente, ou seja, está presente na criação, não Se confundindo com ela.

Deste modo, Jó nega que Deus seja tudo e tudo seja Deus, como defendem os panteístas, numa visão que tem sido simpática aos envolvidos com o movimento Nova Era. Deus é distinto da Sua criação, como deixa bem claro o primeiro versículo da Bíblia:

“No princípio, criou Deus os céus e a terra.” (Gn.1:1), demonstrando que Deus pré-existia à criação e que permaneceu existindo depois que a criação foi feita, pois “…viu Deus tudo quanto tinha feito e eis que era muito bom…” (Gn.1:31).

OBS: “… um princípio fundamental no judaísmo, o de que o Todo-Poderoso não deixou o mundo abandonado às ‘leis naturais’, mas que o destino das pessoas e nações obedece Seu próprio sistema de ‘leis’, chamado hashgachá, vigilância cuidadosa (ou Divina Providência, em uma tradução livre).…” (Irving M. BUNIM. A ética do Sinai, p.354).

– A visão de Jó, portanto, é a que se denominou de visão teísta, que é a visão bíblica de Deus, segundo a qual Deus existe e é um Ser participante de Sua criação, um Deus que intervém, segundo a Sua vontade, na ordem das coisas, até porque é soberano e tem o direito e o poder de intervir na Sua criação.

Um Deus supremo, criador, que não Se confunde com a Sua criação e que participa ativamente do seu transcurso. Este é o Deus revelado pela Bíblia Sagrada. Este é o Deus apresentado pelo patriarca Jó em testemunho que teve de Deus agrado (Jó 42:8).

– O Deus apresentado por Jó é um Deus que ouve o homem e que Se compadece do ser humano. É um Deus que mostra o Seu profundo amor para com os homens, a ponto de por eles ter compaixão, ou seja, sentir o que eles estão sentindo e Se movimentar em prol daqueles que O buscam.

– Neste sentido, aliás, é se afirma muito propriamente, que Deus é condescendente, ou seja, um ser que está disposto a satisfazer a vontade do homem, a cumprir os seus desejos, embora o homem seja de existência tão efêmera, seja tão insignificante ante a grandeza divina.

– Aqui reside a misericórdia do Senhor: apesar de merecermos tão somente a destruição, pela nossa natureza pecaminosa, Deus tem Se esforçado para abençoar o homem e para restaurar a convivência entre Ele e o homem, vital para que o homem possa reaver a sua situação primeira.

– Apesar de ser Deus, de ser transcendente e imanente, o Senhor é um “Deus que trabalha por aquele que n’Ele espera ” (Is.64:4), um Deus disposto a ajudar o homem (Is.41:10), um Deus que promete estar conosco todos os dias até a consumação dos séculos (Mt.28:20).

– Por isso, desprezando as ásperas palavras de seus amigos, Jó podia tentar consolo na presença do Senhor, a Ele se dirigindo, mesmo entendendo que Deus havia Se feito seu inimigo (Cf. Jó 13:24).

– Jó sabia que, mesmo sendo seu inimigo, Deus era bem mais misericordioso e amoroso do que seus amigos acusadores.

Daí porque ter pedido ao Senhor que não usasse de Sua soberania para destruí-l’O (Jó 13:20,21), pois, se tivesse tal garantia, sabia que estaria em melhores condições do que em ouvir seus amigos. Cria, ademais, que Deus é amoroso, tanto que é capaz de Se afeiçoar à Sua criação (Cf. Jó 14:15).

OBS: “…A base dessa sólida expectativa era o intenso amor de Deus pelo Seu povo, como diz o versículo 15: ‘afeiçoa-Te à obra de Tuas mãos”. Por um momento, Jó estendeu a mão a Deus numa grandiosa expressão de fé.” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, com. a Jó 14.14, p.784).

– Qual será a visão que temos do Senhor? Será que O consideramos um ser existente, mas distante, ausente, inacessível aos homens?

Será que, ao contrário, esquecemo-nos de que Ele é Deus e, portanto, embora esteja perto de nós (Cf. Sl.145:18), continua sendo Deus, cujos caminhos e pensamentos jamais poderemos entender com nossas mentes e a quem devemos obediência e não o contrário?

O entendimento que tenhamos da pessoa de Deus, como se pode observar, não é uma mera discussão filosófico-teológica, como pode parecer, mas é uma atitude fundamental para a estruturação de nossas vidas espirituais.

– Os grandes homens de Deus sempre tiveram uma noção correta do Senhor. Sempre Lhe devotaram a necessária e indispensável obediência, pois reconhecem que Ele é o Senhor, que Ele está acima de nós, mas também sempre tiveram consciência de que Ele pode ser invocado,

que Ele pode ser buscado e que está pronto a estabelecer um diálogo conosco, a nos orientar, a nos conceder toda sorte de bênçãos espirituais e materiais, um Deus que quer nos dar do Seu imenso amor. Que tal termos, a partir de hoje, a correta visão a respeito de Deus?

OBS: “…Jó faz uma acusação severa: a teologia de seus amigos, pretendendo defender a Deus, acaba condenando o homem que sofre.

É o grande perigo de qualquer teologia que pretenda dar a última palavra sobre Deus e sobre o homem. Desse modo, a teologia se torna idolatria, colocando um obstáculo à fé e à experiência de Deus.

Por isso, Jó pede que os amigos, representantes da teologia oficial, se calem. A concepção que se tem de Deus pode ser o maior empecilho para o encontro com o próprio Deus. Assim, correndo todos os riscos, Jó quer se confrontar diretamente com Deus.” (BÍBLIA SAGRADA, Edição Pastoral, com. a Jó 13:1-16, p.648).

Ev. Caramuru Afonso Francisco

Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/5961-licao-8-a-teologia-de-zofar-o-justo-nao-passa-por-tribulacao-i

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