LIÇÃO Nº 8 – SENDO VERDADEIROS
INTRODUÇÃO
– Na continuação do estudo do sermão do monte, veremos o início da análise que Cristo faz da vida relacional do cristão.
– A verdade deve nortear a conduta do cristão.
I – A VIDA RELACIONAL DO DISCÍPULO DE JESUS
– Depois de fazer a comparação entre a Sua doutrina e a lei de Moisés na interpretação que era dada pelos escribas e fariseus, o Senhor Jesus como que faz um desdobramento de Sua argumentação, demonstrando como deve se comportar o Seu discípulo em relação ao próximo e a Deus.
Acesse Apêndice: “Os Ais do Sermão da Planície”
– O discípulo de Jesus é sal da terra e luz do mundo e, portanto, por estar no mundo, deve se relacionar tanto com Deus quanto com o próximo. O critério de seu relacionamento é o amor, já que está em comunhão com o Senhor, que é amor (I Jo.4:8).
– Diante desta afirmação, o Senhor Jesus vai nos mostrar como o Seu discípulo se relaciona com Deus e com o próximo e, para tanto, tratará de quatro temas, de quatro assuntos onde mostrará como é diferente o proceder dos Seus discípulos em relação aos demais homens, notadamente os escribas e fariseus, tidos e havidos como os “mais santos” dentre os filhos de Israel: a esmola, a oração, o jejum e o perdão.
– O Senhor Jesus acabara de falar na perfeição dos Seus discípulos, esta exigência divina que, a princípio, parece ser inexequível, mas que revela a necessidade da extrema comunhão e dependência contínua que os discípulos devem ter com o Pai.
– A perfeição somente é possível mediante a continuidade da comunhão com o Pai, possível por causa da fé no Filho, e isto faz com que se estabeleça um relacionamento entre o discípulo e o Pai, relacionamento este que é feito no amor e na verdade.
– Quando temos nossos pecados perdoados, quando alcançamos a salvação por Cristo Jesus, a um só tempo passamos a viver em amor e na verdade, porque Deus é tanto amor (I Jo.4:8) quanto verdade (Jr.10:10).
– Assim, o Senhor Jesus irá ensinar que nossos relacionamentos devem ser pautados, doravante, no amor e na verdade.
Por sua biblicidade, vale a pena aqui transcrever o início da encíclica “Caritas in veritate” do Papa Emérito Bento XVI, ex-chefe da Igreja Romana, que bem sintetiza esta dupla dimensão da vida cristã:
“…A caridade na verdade, que Jesus Cristo testemunhou com a Sua vida terrena e sobretudo com a Sua morte e ressurreição, é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira.
O amor — « caritas » — é uma força extraordinária, que impele as pessoas a comprometerem-se, com coragem e generosidade, no campo da justiça e da paz. É uma força que tem a sua origem em Deus, Amor eterno e Verdade absoluta.
Cada um encontra o bem próprio, aderindo ao projecto que Deus tem para ele a fim de o realizar plenamente: com efeito, é em tal projecto que encontra a verdade sobre si mesmo e, aderindo a ela, torna-se livre (cf. Jo 8, 32).
Por isso, defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhá-la na vida são formas exigentes e imprescindíveis de caridade. Esta, de facto, « rejubila com a verdade » (1 Cor 13, 6).
Todos os homens sentem o impulso interior para amar de maneira autêntica: amor e verdade nunca desaparecem de todo neles, porque são a vocação colocada por Deus no coração e na mente de cada homem.
Jesus Cristo purifica e liberta das nossas carências humanas a busca do amor e da verdade e desvenda-nos, em plenitude, a iniciativa de amor e o projecto de vida verdadeira que Deus preparou para nós.
Em Cristo, a caridade na verdade torna-se o Rosto da Sua Pessoa, uma vocação a nós dirigida para amarmos os nossos irmãos na verdade do seu projecto. De facto, Ele mesmo é a Verdade (cf. Jo 14, 6).…”(Caritas in veritate 1,1. Disponível em: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate.html Acesso em 04 mar. 2022).
– Dentro deste escopo, Jesus diz a Seus discípulos que não devem fazer a sua esmola diante dos homens, para serem vistos por eles (Mt.6:1).
– O primeiro ensino é que devemos ter as nossas atitudes com o objetivo de agradar a Deus e não aos homens. O discípulo de Jesus é alguém que está em comunhão com o Senhor e que é Seu servo e que, portanto, a ninguém tem de agradar a não ser ao seu Senhor, ao seu Deus.
– Somos sal da terra e luz do mundo, mas, antes de tudo, somos servos do Senhor e, portanto, nosso objetivo nesta vida deve ser fazer a vontade divina.
Não é por outro motivo que o próprio Cristo disse que Sua comida era fazer a vontade d’Aquele que O havia enviado e realizar a Sua obra (Jo.4:34).
– Estamos neste mundo única e exclusivamente para fazer a vontade de Deus, a razão de ser de nossa sobrevivência sobre a face da Terra é agradar ao Senhor, é fazer-Lhe a vontade.
Quando cremos em Jesus e renunciamos a nós mesmos, tomamos a cruz, e a cruz nada mais é que a tarefa, a obra que o Senhor põe em nossas mãos para realizá-la.
– Não há como sermos servos se não estivermos decididos a agradar-Lhe (Gl.1:10). Não se pode, de modo algum, servir a Cristo, ser Seu discípulo se nosso único objetivo não seja o de fazer-Lhe a vontade.
– Na glosa da Cátena Áurea (compilação dos comentários dos Pais da Igreja a respeito dos Evangelhos, feita por Tomás de Aquino) a respeito de Mt.6:1, há um interessante argumento ao mostrar que, a fim de que o discípulo de Jesus mantivesse seu patamar espiritual superior,
recomenda Cristo que se estabelecesse um objetivo superior ao da lei e, portanto, se deveria deixar de lado a glória humana e as riquezas materiais, que eram as principais promessas dadas pelo cumprimento da lei. Ao contrário, o discípulo tinha outro alvo, que é o céu.
OBS: Veja o que diz a referida glosa: “Depois que Jesus Cristo aperfeiçoou a lei quanto aos preceitos, ele começou a aperfeiçoar as promessas, para que cumpramos os preceitos de Deus pelo prêmio celestial, não pelas recompensas da terra que a lei prometia.
Todas as coisas terrenas são principalmente reduzidas a duas, a saber, a glória e as riquezas humanas, e parece que ambas são prometidas na lei. Quanto à glória humana, diz-se em Deuteronômio: “O Senhor te fará o maior de todos os povos da terra” (Dt 28,1).
Da abundância dos bens temporais diz no mesmo livro: “O Senhor vos fará abundantes em toda a espécie de bens” (Dt 6,11), e por isso o Senhor exclui estes dois bens da intenção do fiéis, ou seja, as glórias e abundância dos bens terrenos.” (Cátena áurea. Mt.6:1. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c64.html, Acesso em 04 mar. 2022) (tradução Google de texto em espanhol).
– Não só não podemos mais satisfazer o nosso “eu”, como também não podemos igualmente satisfazer a vontade de outros homens, de nos submetermos a seus caprichos e dominações (Mt.23:8-10; I Co.7:23).
– O discípulo é alguém que está diretamente ligado ao Pai, por Jesus Cristo, o único mediador entre Deus e os homens (I Tm.2:5).
– É evidente que tal ensinamento, em absoluto, seja um “anarquismo cristão”, como chegaram a defender alguns pensadores, como León Tolstói (1828-1910), segundo o qual Cristo, no sermão do monte, estaria a defender a negação de qualquer governo, a não ser o “reino de Deus”.
– Cristo jamais foi anarquista, tendo sempre defendido a existência de um governo humano, como se verifica da conhecida passagem a respeito do pagamento do tributo a César (Mt.22:15-22; Mc.12:13-17; Lc.20:19-26) ou mesmo o explícito reconhecimento da autoridade de Pilatos inclusive para mandar matá-l’O (Jo.19:10,11).
– Entretanto, a autoridade dada seja ao governo seja a lideranças religiosas jamais pode ultrapassar os limites estabelecidos pelo próprio Deus, pois a mediação é feita única e exclusivamente por Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, não havendo qualquer outro nome pelo qual possamos ser salvos (At.4:12).
– Em nossos dias, muitos querem se assenhorear dos discípulos Jesus, mediante falsos conceitos de “autoridade espiritual”, “cobertura apostólica”, “mediação sacerdotal” e tantas outras invencionices, que procuram relativizar ou, mesmo, anular a única e exclusiva mediação .
– No entanto, Jesus é bem claro ao mostrar que devemos única e exclusivamente, em nossas ações, buscar o agrado do Pai e somente agradaremos o Pai se tivermos o Filho como Mestre e Senhor, porque é em Cristo que o Pai Se compraz, Se agrada (Is.42:1; Mt.3:17; Lc.3:22), pois “qualquer que nega o Filho também não tem o Pai e aquele que confessa o Filho tem também o Pai” (I Jo.2:23).
– Já temos aqui uma clara distinção entre quem é e quem não é discípulo de Jesus. O discípulo de Jesus procura agradar somente a Deus, enquanto que os meramente religiosos querem ser vistos pelos homens, querem a própria glória, querem se fazer agradáveis e reconhecidos pelos outros.
– A religião é uma atividade que busca estabelecer a “religação” entre Deus e os homens, que foi rompida pelo pecado. Em toda tribo, raça, nação ou sociedade vemos a religiosidade do ser humano. Não há lugar em que não se tente, de alguma maneira, se fazer a religação entre Deus e os homens.
– Pois bem, só há duas maneiras de se tentar religar o homem a Deus. A primeira é partindo do homem, o que sabemos que é algo impossível de se fazer, pois os caminhos e pensamentos de Deus são superiores aos caminhos e pensamentos do homem (Is.55:8,9).
– Como resultado desta impossibilidade, surgiram milhares, quiçá milhões de frustradas tentativas humanas de se religar a Deus, as mais diversas religiões que existiram e ainda vão existir na história da humanidade.
– Tais religiões, por terem origem nos homens, fazem com que as pessoas, naturalmente, busquem ser vistos pelos homens, aprovados pelos homens, daí porque a religiosidade seja sempre um comportamento que se apresente de forma exterior, de modo perceptível, a fim de provocar a atração e a própria aprovação do semelhante, até porque “…o homem vê o que está diante dos olhos…” (I Sm.16:7).
– A outra maneira de se religar o homem com Deus é a partir de Deus que, por ser único e imutável, naturalmente criará uma única forma de religação, dando origem à religião verdadeira.
É esta a religião revelada pelas Escrituras Sagradas, primeiramente a Israel e, depois, à Igreja.
– Pois bem, os israelitas também construíram a sua religião. Desde quando se puseram longe do Senhor no monte Sinai (Ex.20:18,21), passaram a construir uma religião, onde não só distorceram o sentido e significado dos mandamentos recebidos de Deus, como também criaram uma tradição, que chegou mesmo a querer invalidar mandamentos divinos (Mt.15:3).
– Agora, ao mostrar que Seus discípulos devem ser perfeitos, o Senhor Jesus diz como deve ser a verdadeira religião, dizendo aos Seus servos como devem se comportar no seu relacionamento com Deus e com o próximo.
– Tiago, mesmo, iria sintetizar, anos mais tarde, o que é a verdadeira religião: “a religião pura e imaculada com Deus, o Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do mundo” (Tg.1:27).
– Vemos, portanto, que um aspecto importante da verdadeira religião é a ajuda aos necessitados, que o irmão do Senhor representa pelos órfãos e viúvas, que são os exemplos mais recorrentes dos que precisam de ajuda para sua própria sobrevivência na sociedade antiga, já que eram as pessoas que não tinham um provedor.
– É a estes que se deveria dar a “esmola”, ou seja, “a dádiva caridosa feita aos pobres”, palavra que significa “piedade, compaixão”. Por meio da esmola, a pessoa demonstra sua compaixão para com a necessidade do outro, procura minorar-lhe a carência, mostra importar-se com o próximo, suprir-lhe as faltas.
– Não resta dúvida de que o gesto de dar esmolas é uma amostra de amor, de compaixão, de sentimento altruísta.
E ajudar os necessitados é um dever de todo homem, inclusive prescrito na própria lei de Moisés, que tinha diversos preceitos que determinavam a ajuda aos órfãos, às viúvas e aos estrangeiros (Ex.22:22; Dt.10:18; Dt.14:29; 24:17-21; 26:12,13; 27:19).
Mesmo antes da lei de Moisés, era atitude que caracterizava o justo, como se vê na conduta de Jó a respeito (Jó 31:19-21).
– No entanto, o discípulo de Jesus não deve apenas dar esmolas, mas fazê-lo com o intuito de agradar a Deus e de receber o galardão do Pai que está nos céus.
O discípulo de Jesus está num patamar superior aos dos meramente religiosos, não busca qualquer recompensa entre os homens pelo bem que faz, mas visa tão somente ser agradável ao Senhor, de quem espera a recompensa.
– Por isso mesmo, o Senhor Jesus repugna uma prática muito comum entre os fariseus que era o de dar esmolas publicamente, à vista de todos, com o objetivo de serem considerados e reputados pelos homens como pessoas santas e cumpridoras da lei.
– Havia o costume de os fariseus, quando iam dar esmolas, chamarem a atenção dos circunstantes, a fim de que todos vissem que estavam a ajudar a algum necessitado.
Havia mesmo aqueles que se faziam acompanhar de pessoas que tocavam trombeta diante daquele que ira dar esmola, a fim de que se obtivesse o louvor dos que estavam à sua volta.
– Como afirma o Pseudo-Crisóstomo: “…Entenda-se por trombeta toda ação ou palavra com a qual se manifesta a jactância de alguma boa ação, como acontece quando se dá esmola, olhando para alguém à sua frente, ou quando a diz a outro, ou quando a dá a alguém que pode devolver.
Se não fosse por esses motivos, ele não o faria, ainda mais quando o faça em um lugar secreto, mas com o propósito de que lhe sirva de elogio, ele ainda está a tocar trombeta.…” (Opus imperfectum in Matthaeum, homilia 13. In: Catena urea. Mt.6:2-4. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c65.html Acesso em 04 mar. 2022) (tradução Google de texto em espanhol).
– Jesus chama esta atitude de “hipocrisia”. Diz o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa que “hipocrisia” é “característica do que é hipócrita; falsidade, dissimulação; ato ou efeito de fingir, de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções; fingimento, falsidade; caráter daquilo que carece de sinceridade”.
– Originalmente, a palavra grega “hypocrisia” significava “’resposta, resposta de oráculo; ação de desempenhar um papel, uma peça, uma pantomima; desempenho teatral, declamação; simulação, dissimulação, falsa aparência”.
– “Hipócrita” era a pessoa que, em nome de um deus ou um espírito, dava a resposta a alguém que viera pedir alguma informação e passou também a designar os atores que representaram nas peças teatrais, os quais usavam uma “máscara” enquanto representavam, precisamente para mostrar ao público que o que diziam ou faziam não eram eles próprios mas sim as personagens da peça teatral.
– De pronto, portanto, vemos que a ideia de “hipocrisia” está associada ao exercício das faculdades de uma outra pessoa, de um outro ser. Aquele que traz a mensagem do deus não é o próprio deus; aquele que representa a personagem na peça teatral não é a personagem, é outra pessoa.
– O hipócrita é aquela pessoa que se passa por outra, que não é aquele que diz ser, que representa um “papel”, que faz da sua própria identidade uma falsidade, uma mentira. É alguém que faz parecer ser algo que não no é.
– O saudoso pastor Ailtom Muniz de Carvalho (1958-2020) chegou a afirmar em uma obra que não chegou a ser publicada, “…a hipocrisia é uma triste realidade operante e aparente entre os ministros religiosos seja em qual for a religião…”.
– Ao procurarem a glória para si quando estavam aparentemente a ajudar um necessitado, a demonstrar amor ao próximo, os fariseus negavam que estivessem tendo compaixão ou piedade de alguém, que amassem o outro, mas, sim, que se amavam, queriam ser glorificados pelo próximo, que eram egoístas e amantes de si mesmos, que se consideravam perfeitos, o próprio parâmetro da justiça e do bem. Em outras palavras: achavam-se dignos de glorificação, como se deuses fossem.
– Deste modo, num gesto em que aparentavam ser religiosos, ter relacionamento com Deus, estarem
“religados” ao Senhor, queriam, isto sim, ser tidos como “deuses”, como pessoas que, em essência, nem sequer dependiam do Criador, pois eram boas o suficiente para que não necessitassem de qualquer ajuda divina para a sua espiritualidade.
– A hipocrisia gera uma ilusão para o hipócrita: ele pensa ser o que não é e acaba acreditando na falsidade que ele mesmo forjou.
– Ao dar esmola e criar uma situação segundo a qual, ao praticar este ato, passe a ser glorificado pelos homens como se fosse um deus, um ser perfeito e bom, o hipócrita, por primeiro, quer aparentar ser quem ele não é, pois ele não é um deus, nem perfeito nem bom, mas um pecador miserável que depende da graça divina para se salvar.
– Por segundo, finge ser quem não é, porque não está a dar esmola para amenizar a situação de quem precisa, mas para ser glorificado. Ele não sente qualquer compaixão, até porque somente ama a si mesmo e a mais ninguém.
– Há, portanto, aí um duplo engano: tanto os homens se enganam ao glorificar o hipócrita pela esmola que deu, pois este ser bom e perfeito simplesmente não existe; quanto o próprio hipócrita é enganado, porque se considera um homem bom por causa do louvor que recebe, quando, na verdade, não é a pessoa que diz ser.
– O saudoso pastor Ailton Muniz de Carvalho dizia que a hipocrisia corrompia o intelecto do ser humano, precisamente porque fazia com que o homem não percebesse quem realmente era e, nesta ilusão, construísse uma personagem fictícia, que pensava ser ele próprio e, neste engano, acabava por encontrar a perdição eterna.
– Tiago, o irmão do Senhor, bem mostra que esta falta de noção da sua própria identidade é um fator extremamente complicador para a vida espiritual de alguém, pois é a situação de quem é ouvinte mas não praticante da Palavra, que o pastor da igreja de Jerusalém compara com o varão que contempla ao espelho o seu rosto natural, porque se contempla a si mesmo, e foi-se, e logo se esqueceu de como era (Tg.1:23,24).
– O hipócrita é alguém que até ouve a Palavra, mas não a pratica, precisamente porque esquece quem é, acaba crendo ser a personagem que construiu e que representa perante os outros, vivendo de uma ilusão que, cedo ou tarde, esboroará e lhe revelará a verdadeira miséria espiritual em que se encontra.
– Jesus condena a prática da hipocrisia. Seus discípulos não são hipócritas, querem agradar ao Pai que está nos céus e, portanto, o que fazem, fazem de modo verdadeiro, autêntico e sincero, não querendo o louvor ou a glorificação de quem quer que seja, mas tão somente agradar a Deus.
– O discípulo ama o próximo e espera ser recompensado por Deus e não pelos homens no bem que realiza. Não deve a sua mão esquerda saber o que faz a sua mão direita, devendo dar a sua esmola ocultamente e o Pai, que vê o que é secreto, recompensá-lo-á publicamente (Mt.6:3).
– O discípulo de Jesus sabe perfeitamente que Deus vê todas as coisas. Ele é “Laai-Roí” (Gn.16:14), ou seja, “Aquele que vive e que me vê”.
Hoje, vivemos num tempo em que nossos passos são grandemente controlados pela sociedade. Estamos cercados de câmeras por todos os lados e já há o reconhecimento facial capaz de identificar cada pessoa nos lugares que ela frequenta.
– Todo este controle hoje existente é, porém, muito diminuto frente ao controle que Deus tem sobre todas as coisas.
Ele é “Aquele que vive e que me vê” em todos os lugares, em todas as ocasiões, em tempo real, de modo que precisamos ter a consciência de que devemos ser autênticos e sinceros, pois não se pode enganar o Senhor em momento algum.
– O discípulo do Senhor Jesus tem a mesma convicção e certeza de Davi que reconheceu que o Senhor o sondava e o conhecia (Sl.139:1-5).
E, tendo esta certeza, em vez de representar um papel diante dos homens, quer ter uma vida autêntica e verdadeira, de modo que pede ao Senhor que visse nele algum caminho mau e o guiasse pelo caminho eterno (Sl.139:24), até porque, em outro salmo, o mesmo Davi pediu ao Senhor que o fizesse entender os seus próprios erros e o expurgasse dos que lhe eram ocultos (Sl.19:12).
– O discípulo de Jesus, em vez de querer ser quem não é, busca entender quem é, sabendo que não tem como compreender profunda e totalmente a sua própria identidade e, por isso, quer se relacionar com quem o criou com cada vez maior intensidade precisamente para que possa ser sondado pelo Senhor, tenha conhecimento dos erros que lhe são ocultos e, assim, possa ser cada vez mais parecido com seu Senhor, se conforme à imagem do Filho de Deus, como verdadeiro irmão Jesus (Rm.8:29).
– O discípulo de Jesus, em vez de querer ser glorificado pelos homens, de querer parecer ser perfeito e bom, tem consciência de que é um miserável pecador que foi alcançado pela graça de Deus e que sem Ele nada poderá fazer (Jo.15:5) de sorte que procura sempre depender de seu Senhor e pedir-Lhe que, a cada dia, o aprimore para que possa caminhar para a perfeição.
– O discípulo , em vez da ilusão da glorificação humana pela prática de uma ação boa, em vez do reconhecimento dos homens com base em uma hipocrisia, prefere o autoexame, a introspecção e o desenvolvimento de uma intimidade com o Senhor, a fim de que possa crescer espiritualmente, possa verdadeiramente caminhar em direção a varão perfeito, a estatura completa (Ef.4:13).
– O discípulo ama o próximo como a si mesmo e, portanto, busca o bem do próximo, mas também o próprio bem e este bem somente se dará se, a cada dia, de modo contínuo e ininterrupto, ele agradar ao Senhor, mas reconhecendo quem realmente é e que sem o Senhor nada poderá fazer.
– Por isso, tudo quanto faz para agradar a seu Senhor fá-lo de modo secreto, discreto, oculto aos homens, pois é fruto desta intimidade que está construindo com seu Senhor e Salvador, algo resultante deste sondar profundo que é realizado pelo nosso Criador, que vai nos moldando a cada dia nesta nossa caminhada para o céu.
Como diz conhecido cântico cristão: “A cada passo que eu dou na vida é um degrau a mais que subo ao céu! (…)
A cada passo vou me aproximando daquele lar que Cristo prometeu e, passo a passo, sigo caminhando, a cada instante mais perto de Deus!”
– O discípulo faz o bem não visando qualquer recompensa, a não ser agradar ao seu Senhor. Sabe que precisa praticar o bem para que o nome do Senhor seja glorificado e esta a glorificação que busca e nada mais.
– O discípulo age como Mefibosete que estava contente tão somente em saber que o rei Davi estava bem e havia se livrado são e salvo da rebelião de Absalão (II Sm.19:30), pois lhe bastava comer e beber na mesa do rei (II Sm.9:13). Assim também o genuíno e autêntico servo se contenta em saber que está em comunhão com seu Senhor.
– Ainda que o discípulo não busque a vanglória nem a recompensa, Cristo diz que, pelo bem que praticou, será ele recompensado publicamente (Mt.6:4).
– Esta recompensa pública tem, por vezes, levado alguns, que não são discípulos de Jesus mas enganadores e falsos mestres, a prometer “prosperidade material” e “riquezas terrenas” para os que fizerem o bem, para os que praticarem atos filantrópicos, como a esmola.
– Existem mesmo aqueles que consideram que a prática da esmola traz o perdão de pecados, baseando, inclusive, numa passagem do livro apócrifo de Tobias, que diz assim:
“Porque a esmola livra do pecado e da morte e preserva a alma de cair nas trevas.” (Tb.4:11 Bíblia Ave Maria).
OBS: A Igreja Romana, inclusive, diz que a prática de esmola pode beneficiar os que estão no Purgatório: “…Igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as obras
de penitência em favor dos defuntos…”(§ 1032 CIC).
– Além do texto apócrifo de Tobias, este ensino busca basear-se na fala do profeta Daniel ao rei Nabucodonosor, segundo o qual ele poderia se livrar da sentença divina caso usasse de misericórdia com os pobres (Dn.4:27), o que estaria em consonância com que disse Salomão ao afirmar que “a justiça livra da morte” (Pv.11:4), o que seriam “textos” que confirmariam que a esmola traria salvação às pessoas.
– A tradição judaica considerava que a prática de dar esmolas era equivalente a todos os outros mandamentos. Daí porque os fariseus gostassem tanto de serem vistos dando esmolas, porquanto davam a impressão de que eram cumpridores de toda a lei.
OBS: Eis o que diz o Talmude, segundo livro sagrado do judaísmo, a respeito desta concepção: “…E Rav Asi diz: Caridade é equivalente a todas as outras mitsvot [mandamentos] combinadas, como é declarado nesse verso: “Nós também estabelecemos mitsvot sobre nós mesmos”.
Uma mitsvá não está escrita aqui, mas sim mitsvot, no plural, ensinando assim que esta mitzva é equivalente a todas as outras mitsvot.…Baba Bathra 9a. Disponível em: https://www.sefaria.org/Bava_Batra.9a?ven=William_Davidson_Edition_-_English&vhe=William_Davidson_Edition_-_Vocalized_Aramaic&lang=bi Acesso em 04 mar. 2022) (tradução Google de texto em inglês).
– A tradição judaica, também, considerava que a doação de esmolas era como que um “mediador” entre Deus e os homens, a fim de beneficiá-los diante do Senhor, ensino, evidentemente, que não tinha respaldo bíblico.
OBS: Veja como tal ensinamento era oriundo de uma distorção das Escrituras constante do Talmude: “…É ensinado em um baraita que Rabi Elazar, filho de Rabi Yosei, disse: Todos os atos de caridade e bondade que os judeus realizam neste mundo fazem grande paz e são grandes
intercessores entre o povo judeu e seu Pai Celestial, como é afirmado : “Assim diz o Senhor: Não entres em casa de luto, nem vá pranteá-los, nem lamentá-los, porque tirei a minha paz deste povo, diz o Senhor, bondade e misericórdia” (Jeremias 16:5). “Gentileza”; isso está se referindo a atos de bondade.
“Misericórdia”; isso se refere a atos de caridade. Isso indica, que quando há bondade e misericórdia, Deus está em paz com Seu povo.…” (Baba Bathra 10-a. Disponível em: https://www.sefaria.org/Bava_Batra.10a.11?ven=William_Davidson_Edition_-
_English&vhe=William_Davidson_Edition_-_Vocalized_Aramaic&lang=bi Acesso em 04 mar. 2022) (tradução Google de texto em inglês).
– Os muçulmanos, também, põem a prática da esmola como um dos pilares de sua religião, e, com base nesta prática, creem que poderão ir para o Paraíso, na medida em que tal prática purifica o coração.
OBS: “Zakat é uma palavra árabe que não tem uma outra correspondente na língua portuguesa. Dentre os seus significados possíveis estão aumento, crescimento, purificação.
O zakat diz respeito à responsabilidade social que o muçulmano deverá ter em relação ao seu semelhante.
Temos a consciência de que todos os bens materiais que possuímos na verdade são dádivas de Deus, o Altíssimo, para conosco, que nos agraciou e nos capacitou para conseguir obtê-los. Portanto, temos uma obrigação com as pessoas menos favorecidas.
Por isso, ao final de um ano, após o muçulmano ter utilizado seu dinheiro para comprar o que desejar e satisfazer as suas necessidades, do valor que sobrar para ser guardado deverá observar se o montante está acima ou abaixo do correspondente a 85g de ouro ou 595g de prata.
Caso esteja acima, deverá retirar 2,5% do valor que iria poupar e destinar a uma das categorias beneficiárias desse dinheiro que estão indicadas no Alcorão, como por exemplo: os pobres, os necessitados, os endividados, entre outros.(…).
Quando aplicamos corretamente este pilar inúmeros benefícios podem ser alcançados. Dentre eles, podemos citar: 1- Purifica o coração de quem paga o zakat da avareza e do apego demasiado aos bens materiais, enquanto que elimina do coração de quem recebe a inveja, o rancor e o ódio dos que são mais favorecidos do que ele, diminuindo assim o chamado conflito de classes.…(ISBELLE, Sami. 06 abr. 2011. O Zakat: terceiro pilar do Islam. Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/religiao-e-fe/sami-isbelle/o-zakat-terceiro-pilar-do-islam-1522278.html Acesso em 04 mar. 2022).
– Entretanto, não é isto que ensinam as Escrituras. Por primeiro, devemos observar que a prática da esmola é o cumprimento de um dever e, quando se faz algo que é determinado, isto não é mais do que uma obrigação e isto nos faz lembrar a parábola dos servos inúteis (Lc.17:7-10).
– O discípulo de Jesus, como está em comunhão com seu Senhor, como não é hipócrita e, portanto, tem plena consciência da sua identidade, ao dar esmola, sabe que apenas está a fazer o que lhe foi mandado e, portanto, não aguarda, por causa disso, qualquer outra coisa senão o agrado do Senhor, que é o que busca em seu serviço.
– Ora, se se está tão somente a cumprir o dever, tem-se que a esmola é um ato que revela a nossa condição de servo do Senhor, nada mais do que isto.
A propósito, o próprio Romanismo admite tal circunstância ao afirmar em seu Catecismo: “A esmola dada aos pobres é um testemunho de caridade fraterna; é também uma prática de justiça que agrada a Deus” (§ 2462 CIC).
– Assim, a prática da esmola pelo discípulo é resultado da sua salvação, é uma boa obra decorrente da fé que tem em Jesus.
Dizer que a esmola livra do pecado seria admitir a salvação pelas obras, mas a salvação não vem das obras para que ninguém se glorie (Ef.2:8,9).
– Deste modo, quem espera ser recompensado por estar a dar esmolas, crê numa inexistente salvação pelas obras, o que torna a glória que recebe dos homens uma vanglória, e faz com que o seu ato, inclusive, se torne mau, já que baseado numa autoglorificação, num desprezo da própria obra salvadora do Senhor.
OBS: Aqui mais uma vez o Catecismo da Igreja Católica mostra a contradição romanista ao afirmar que “…Por sua vez, acrescentada uma intenção má (como, por exemplo, a vanglória), o ato em si bom (como a esmola) torna-se mau” (§ 1753 CIC).
– Os mestres da lei ensinavam que o mandamento de ajuda ao necessitado (Dtr.15:7,8) tinha como fiador o próprio Deus. Isto porque o proverbista diz que quem se compadece do pobre empresta a Deus e Ele lhe pagará o benefício (Pv.19:17), bem como que quem dá ao pobre não terá necessidade (Pv.28:27).
– Assim, como é seguro emprestar a alguém quando se tem uma garantia, é igualmente seguro ajudar o necessitado, pois o garantidor de tal ajuda é o próprio Deus.
– Mas, além da restituição do que foi dado e da garantia de que não se teria necessidade, os mestres judaicos ainda afirmavam que havia uma recompensa completa para aquele que desse esmolas no mundo vindouro.
Para tanto, baseavam-se no Sl.112, que afirma que é bem-aventurado o homem que teme ao Senhor (v.1) e que bem irá ao homem que se compadece e empresta, disporá as suas coisas com juízo (v.5) e, por ser liberal e dar aos necessitados, a sua justiça permanece para sempre e a sua força se exaltará em glória (v.9).
– O Senhor Jesus confirma a ideia de que haveria uma recompensa pública pelo bem realizado. Esta recompensa, entretanto, não é a glorificação diante dos homens, porque, como se disse acima, o alvo do cristão não é este mundo passageiro, mas, sim, a cidade que está nos céus (Fp.3:14,20), pois é ali que temos uma possessão melhor e permanente (Hb.8:34).
– O Senhor, como diz o escritor aos hebreus, não é injusto para se esquecer da obra e do trabalho de amor que, para com o Seu nome, mostrou o discípulo enquanto serviu aos santos (Hb.6:10). Por isso mesmo é dito que Nosso Salvador tem conSigo o Seu galardão para dar a cada um segundo a sua obra (Ap.22:12).
– Esta recompensa pública, pois, dar-se-á nos céus, quando compareceremos perante o Tribunal para que recebamos o que tivermos feito por meio do corpo, ou bem, ou mal (Rm.14:10; II Co.5:10), onde cada um receberá o louvor do Senhor (I Co.4:5).
E, como afirma o príncipe dos pregadores britânicos, Charles Haddon Spurgeon (1834-1892): “…pois se Deus nos recompensar, que recompensa há de ser!
Qualquer louvor de Seus lábios, qualquer recompensa de Suas mãos será de valor inestimável.…” (Exposição Mt.5:43-6:4 anexa ao sermão A quarta bem-aventurança, pregado na noite de 14/12/1873 no Tabernáculo Metropolitano. Disponível em: https://www.spurgeongems.org/sermon/chs3157.pdf, p.9. Acesso em 04 mar. 2022( (tradução Google de texto em inglês).
OBS: Como afirma a Declaração de Fé das Assembleias de Deus: “…Após o arrebatamento da Igreja, receberemos as boas-vindas de Jesus. Nessa ocasião, será estabelecido do Tribunal (…). Esse evento será realizado no Céu e diz respeito à recompensa de nossas obras em favor da causa na terra.…” (Cap. XXII.2, p.186).
– É interessante observar que a justiça divina não permite que alguém seja galardoado duas vezes pela mesma obra.
Ou bem a pessoa recebe a glória humana, como queriam os fariseus, uma vanglória, passageira e que, como tudo proveniente do mundo, é maligno e não traz senão condenação; ou bem o reconhecimento divino, a inserção na glória divina.
– Como bem afirmou Spurgeon: “Você não pode esperar ser pago duas vezes. Se, portanto, você receber sua recompensa no aplauso dos homens, que lhe dão um alto caráter pela sua generosidade, você não pode esperar receber qualquer recompensa de Deus.
Deveríamos ter um único olho para Deus aceitar o que damos, e ter pouco ou nenhum pensamento sobre o que o homem pode dizer sobre nossas doações de caridade” (ibid.)
Pr. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/7380-licao-8-sendo-verdadeiros-i