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APÊNDICE Nº 1 – OS AIS DO SERMÃO DA PLANÍCIE

O discípulo de Jesus não tem por objetivo as coisas terrenas

Texto áureo

“Ai de vós quando todos os homens falarem bem de vós, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas!” (Lc.6:26)

INTRODUÇÃO

– Em apêndice ao estudo do sermão do monte, analisaremos os “ais” do sermão da planície.

– O discípulo de Jesus não tem por objetivo as coisas terrenas.

I – O SERMÃO DA PLANÍCIE

– Em meio ao estudo do sermão do monte, registrado nos capítulos 5, 6 e 7 do evangelho segundo Mateus, pareceu-nos oportuno, a título de apêndice ao trimestre, trazer um aspecto do “sermão da planície” que não se encontra no sermão do monte.

– Denomina-se “sermão da planície”, o sermão de Jesus registrado no capítulo 6 do evangelho segundo Lucas, a partir do versículo 17, logo após a eleição dos doze apóstolos, que contém boa parte dos ensinos constantes do sermão do monte.

Verdade é que neste sermão não se encontra todo o conteúdo do sermão da montanha, o que se encontra registrado no capítulo 11, nos seus quatro primeiros versículos, quando se fala da oração dominical e, por fim, no capítulo 12, entre os versículos 4 e 12 e, depois, 22 a 33, quando fala a respeito do relacionamento dos Seus discípulos com os bens materiais.

– Este sermão é chamado de “sermão da planície” porque Lucas diz que Jesus o proferiu quando parou num lugar plano (Lc.6:17), a indicar, portanto, que tal sermão se deu numa ocasião distinta do sermão registrado por Mateus, pois, antes de proferir este, Jesus subiu a um monte (Mt.5:1).

– Tal circunstância faz-nos observar que Jesus repetiu, por várias vezes, ao longo de Seu ministério, a Sua doutrina, nem poderia ser diferente, pois estava a pregar o evangelho do reino a todos os israelitas (Lc.4:43,44).

O próprio Senhor dá a entender que sempre falava as mesmas coisas ao povo (Mc.14:49). Pode-se, pois, aplicar a Nosso Senhor e Salvador as palavras ditas pelo apóstolo Paulo:

“Não me aborreço de escrever-vos as mesmas coisas, e é segurança para vós” (Fp.3:1b), apenas fazendo-se a adaptação que Jesus não escrevia, mas falava.

– Notemos, ainda, que este sermão também foi proferido na Galileia, pois estamos na parcela do evangelho segundo Lucas em que se registra o ministério de Jesus na Galileia, sendo certo que este sermão também foi ouvido por gentios, já que fazia parte da multidão pessoas vindas da costa marítima de Tiro e de Sidom (Lc.6:17).

O comentarista bíblico Willian Hendriksen (1900—1982) vê, inclusive, neste sermão o cumprimento do Sl.87:4.

– Neste sermão da planície, temos o tratamento de diversos temas que também estão presentes no sermão do monte.

Assim como o sermão do monte, o Senhor Jesus inicia Sua prédica com as bem-aventuranças, mas, e aí vem uma grande diferença com relação ao outro pronunciamento, faz seguir as bem-aventuranças dos chamados “ais”, que é, precisamente, o tema que estudaremos neste apêndice.

– Após mencionar os “ais”, o Senhor Jesus, então, fala do ensino do amor aos inimigos, a respeito do julgamento do próximo e, por fim, sobre o conhecimento dos Seus discípulos pelos frutos, terminando com a parábola dos dois edificadores.

– O que se percebe, pois, é que, neste sermão da planície, o Senhor Jesus não faz a comparação entre a Sua doutrina e a lei de Moisés, até diante do auditório, que, ao contrário da ocasião do sermão do monte, não era exclusivamente de judeus, tendo, também, alguns gentios, o que, aliás, explica porque é ele registrado em Lucas, um evangelho cujo público alvo eram os gentios, e não em Mateus, cujo público alvo são os judeus.

– Talvez, por isso mesmo, estejam presentes neste sermão os “ais”, ausente no sermão do monte, já que aqui tem o Senhor Jesus a oportunidade de mostrar que todos, tanto gentios quanto judeus, estão condenados à perdição se não crerem em Cristo, algo que, para uma plateia exclusivamente judaica, seria incompreensível de se explicar ou de se dizer, já que os israelitas se consideravam “filhos de Abraão” e, como tal, imunes a uma condenação, ao contrário dos gentios, que já eram de antemão considerados perdidos por esta condição.

– Se falasse dos “ais” aos israelitas, Jesus poderia ser mal interpretado, no sentido de estar a dar algum valor aos gentios, negando, assim, a condição de Israel como “propriedade peculiar dentre os povos” (Ex.19:5), tendo, então, reservado para falar dos “ais” quando ambos os povos que careciam de crer n’Ele estivessem reunidos, como ocorreu no lugar plano.

II – O AI DOS RICOS

– Entendidas as circunstâncias diversas do sermão da planície, passemos, então, a estudar a porção deste sermão que é o objeto de nosso estudo, os chamados “ais”, que estão registrados em Lc.6:24-26.

– A palavra “ai” está presente tanto no Antigo quanto em o Novo Testamento. Nas Escrituras hebraicas, aparece, pela vez primeira, em Nm.21:29, sendo a palavra hebraica “’ôy” (יוא), “…lamentação, também a interjeição Oh!: ai, ai de mim” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Dicionário do Antigo Testamento, verbete 188, p.1512).

– Em o Novo Testamento, é a palavra grega “ouai” (ουαί), “…uma exclamação primária de pesar, “ai”:- ai.” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Dicionário do Novo Testamento, verbete 3759, p.2328).

– Nota-se, portanto, que, em ambas as línguas bíblicas, a palavra “ai” é uma interjeição, ou seja, uma palavra que expressa um sentimento uma exclamação, e, “in casu”, uma expressão de pesar, de lamentação, de dor.

Quando se fala em um “ai”, se está a falar de um lamento, de uma dor a respeito do infortúnio, do sofrimento de alguém, da aplicação de uma penalidade.

– Estes “ais”, de pronto, mostram que Deus não tem prazer na morte do ímpio (Ex.18:23; 33:11), de modo que, quando se aplica a justiça divina, em virtude da impenitência humana, isto se dá em virtude da retidão do Senhor, do fato de Ele ser justiça, da Sua santidade e da Sua imparcialidade, mas jamais por um desejo vingativo, por um sentimento de crueldade.

– O Senhor nunca sente prazer no castigo do ímpio. Muito pelo contrário, Seu prazer é na benignidade (Mq.7:18), ou seja, no querer bem ao homem, no lhe tratar com misericórdia, com bondade, com o perdão.

– De qualquer maneira, quando o Senhor apresenta o caráter dos Seus discípulos, por meio das bem-aventuranças, mostrando que os que n’Ele creem estão em um “status” espiritual diferenciado, desfrutam da comunhão com Deus e, por isso mesmo, são alvos de bênçãos tanto sobre a face da Terra (Lc.6:20-22) quanto nas mansões celestiais, que lhes estão reservadas (Lc.6:23), também não omite que os que não forem Seus discípulos, terão um destino tenebroso na eternidade.

– Jesus, ao tratar dos “ais” em Seu sermão, mostra-nos que a genuína pregação do Evangelho e o genuíno ensino da Palavra de Deus trata, sim, da condenação eterna, do inferno, tema que, por ser “politicamente incorreto”, tem sido evitado e omitido por muitos nestes dias de apostasia espiritual.

– Se é verdade que não devemos seguir o conselho do arcebispo de Armagh, John Bramhall (1594-1663), de que se deveria pregar sobre o inferno pois, assim, temerosos, as pessoas buscariam servir a Deus para dele escapar, pois isto é antibíblico, já que o amor a Deus não é compatível com o medo (I Jo.4:18), também não se pode omitir esta realidade dos ouvintes.

– Observemos que, no sermão da planície, há quatro bem-aventuranças e a estas quatro bem-aventuranças correspondem quatro “ais”. Eis a correlação feita por William Hendriksen: “…Correspondência entre Beatitudes e Ais como narrados por Lucas

Beatitude N° 1

Bem-aventurados [são] vocês pobres, porque de vocês é o reino de Deus.

Ai N° 1

Mas ai de vocês que são ricos, porque já receberam sua consolação em plenitude.

Beatitude N° 2

Bem-aventurados [são] vocês que ora têm fome, porque serão plenamente saciados.

Ai N° 2

Ai de vocês que ora estão bem alimentados, porque irão famintos.

Beatitude N° 3

Bem-aventurados [são] vocês que ora choram, porque vocês rirão.

Ai N° 3

Ai [de vocês] que ora gargalham, porque lamentarão e chorão.

Beatitude N° 4

Bem-aventurados são vocês quando os homens os odeiam porque justamente da mesma forma seus pais
costumavam tratar os profetas.

Ai N° 4

Ai [de vocês] quando os homens falarem bem de vocês, porque justamente da mesma forma seus pais costumavam tratar os falsos profetas.…” (op.cit., pp.457-8).

– O Senhor Jesus, depois de ter mostrado o caráter dos Seus discípulos, começa a descrever quem são as pessoas que, lamentavelmente, ficarão de fora da comunhão com Deus, aqueles que não herdarão o reino de Deus. Como ensina Cirilo de Alexandria (375 ou 378-444):

“Esta expressão: “ai de vós”, é sempre colocada nas Sagradas Escrituras, quando se trata daqueles que não podem escapar da perdição eterna.” (In Catena áurea. Lc.6:24-26. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c473.html Acesso em 20 mar; 2022) (tradução Google de texto em espanhol)

– Os primeiros a ser apontados por Jesus são os ricos (Lc.6:24). Isto, certamente, causou grande admiração, pois o conceito religioso daquele tempo era de que os ricos eram pessoas queridas de Deus, pessoas abençoadas pelo Senhor e que, naturalmente, estavam mais próximas da salvação do que as demais.

– Observemos que este conceito estava presente mesmo entre os discípulos de Jesus, como se verifica na reação que tiveram eles quando, após o diálogo com o jovem rico, o Senhor disse que dificilmente os ricos entrariam no reino dos céus (Mt.19:23-25; Mc.10:23-26; Lc.18:24-26).

– Assim, como entender que os ricos são os primeiros a se lamentar, os primeiros a vermos com pesar que não herdariam o reino de Deus?

– Por primeiro, cumpre observar aqui que a palavra grega em foco é “plousios” (πλουσιος), “… (de modo figurado) abundar com: – rico” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Dicionário do Novo Testamento, verbete 4145, p.2359). Tem-se, pois, que a ideia de “riqueza” aqui não está propriamente relacionada com a posse de bens materiais, embora também a inclua.

– O que o Senhor Jesus está a dizer é a respeito daqueles que se sentiam “plenos” (veja que a palavra utilizada é derivada de uma palavra que significa “riqueza” no sentido de “plenitude”, “abundância”), ou seja, pessoas que confiam nas posses que têm, não só nos bens, mas na posição social, na fama, no poder, enfim, pessoas que, pelo que possuem neste mundo, desprezam e desconsideram completamente a sua necessidade de Deus ou das coisas espirituais.

– O Senhor Jesus que estas pessoas já se sentem “consoladas”, ou seja, entendem que o que possuem neste mundo lhes é suficiente, bastante, têm uma noção de autossuficiência, de modo que entendem não precisar de Deus, nem tampouco do Seu amor ou de salvação.

– Tais pessoas, por deixarem Deus de lado, por não entenderem ser necessitadas da graça divina, do amor divino, da misericórdia divina, rejeitam a salvação na pessoa Jesus, não se importam com a eternidade, com o mundo-do-além e, por causa disso, infelizmente, viverão sem Deus por toda a eternidade, estarão perdidas, sofrerão o dano da segunda morte. São pessoas que, embora se sintam ricas, não são ricas para com Deus (Cf. Lc.12:21).

– Nos dias em que vivemos, muitos são os que se enquadram neste “ai” do sermão da planície. Vivemos o que se costumou denominar de “ateísmo prático”, de “secularização”, comportamentos em que as pessoas vivem como se Deus não existisse, não levam o Senhor em consideração na tomada de suas atitudes, no seu modo de viver.

Desprezam solenemente a oferta da salvação na pessoa de Jesus Cristo e só se importam com as coisas desta vida, com as coisas terrenas, sendo, no dizer do apóstolo Paulo, verdadeiros inimigos da cruz (Fp.3:18,19).

– Estes “ricos” são aqueles que confiam nas riquezas que possuem, que têm por suficiente a posse de tais bens, que nelas se estribam com relação a sua existência. São os que ignoram o conselho dado pelo apóstolo Paulo constante de I Tm.6:17-19:

“Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos, que façam o bem, enriqueçam em boas obras, repartam de boa mente e sejam comunicáveis, que entesourem para si mesmos um bom fundamento para o futuro, para que possam alcançar a vida eterna”.

– São pessoas que já se encontram consoladas, que entendem não precisar da vida eterna e que, por isso mesmo, são altivas, põem sua esperança nas riquezas que possuem, não se preocupam em realizar boas obras nem a ajudar os outros, desconsiderando completamente o futuro, notadamente a eternidade.

– Tais pessoas, lamentavelmente, terão um triste fim, porque, optando por viver longe de Deus aqui, estarão para sempre longe do Senhor na eternidade, esquecendo-se da realidade de que nada levarão do que possuem para lá.

Como disse Jó, que, ao seu tempo, era o homem mais rico do Oriente (Jó 1:3) e, portanto, do mundo, já que a civilização oriental era muito mais avançada que a ocidental à época: “…nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá…” (Jó 1:21a).

OBS: “…Jesus pronuncia um Ai sobre o rico, ou seja, sobre aqueles que confiavam nas riquezas (Mc 10.24). Ele faz isso porque a obtenção de riqueza terrena, de que tipo for, era sua única ambição. Era sua paixão, a busca que absorvia todo seu ser. Bem, obtiveram o que buscavam.

Em um recibo podem escrever as palavras: “pagamento plenamente recebido”. Essa era sua única “consolação”. Para seu futuro eterno já se muniram de … exatamente nada! Não têm nada de valor real a receber. Veja Lucas 12.16-21; 16.25.…” (HENDRIKSEN, William. op.cit., p.463).

– Por isso, aliás, Tiago, em sua epístola, ao se referir aos ricos, condena-os não por serem ricos, mas por angariarem suas riquezas com injustiça (Tg.5:1-6).

OBS: Como bem ensina Ambrósio de Milão (340-397): “Embora na abundância de riquezas haja muitos incentivos ao pecado, também há muitos meios para praticar a virtude.

Embora a virtude não necessite de opulência, e a generosidade do pobre seja mais louvável do que a liberalidade do rico, a autoridade da sentença celestial não condena os que têm riquezas, mas aqueles que não sabem como usá-las.…” (In Cátena áurea. Lc.6:24-26. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c473.html Acesso em 20 mar. 2022) (tradução Google de texto em espanhol).

III – O AI DOS FARTOS

– Depois de falar dos ricos, o Senhor Jesus, contrapondo a bem-aventurança dos famintos com o ai dos fartos.

Aqui, quando o Senhor Jesus fala nos que têm fome, não está se referindo aos que não tinham o que comer, mas, sim, como vemos no sermão do monte, a quem tinha fome e sede de justiça, ou seja, quem se sentia carente e necessitado do Senhor.

– Tanto assim é que Davi, já rei de Israel, vai se dizer “pobre e necessitado” (Sl.40:17), ainda que, segundo os cronologistas bíblicos Edward Reese e Frank Klassen, este salmo tenha sido composto durante o tempo em que Davi se encontrava destronado em virtude da usurpação de Absalão e temporariamente privado de suas posses e de sua posição real.

– Ao contrário dos discípulos de Jesus, que reconhecem a sua carência de Deus, que têm sede de Deus (Sl.42:2), estes a quem Cristo dirige este segundo “ai” são pessoas “autossuficientes”, pessoas que se consideram bastantes, que não sentem qualquer necessidade de se relacionar com Deus ou, mesmo, de ter o auxílio de quem quer que seja. São pessoas que, como costuma dizer o povo, “têm o rei na barriga”, consideram-se, para se utilizar de outra expressão vulgar, “o rei da cocada preta”.

– Tais pessoas são as que creem na mentira satânica proferida ao primeiro casal e que os levou à queda, qual seja, a de que seriam “iguais a Deus, sabendo o bem e o mal” (Gn.3:5), que poderiam viver independentemente do Senhor.

– A palavra grega do texto é “empleplesmenoi”, forma conjugada do verbo “empliplemi” (εμπίπλημι), “…preencher, encher, i.e., (consequentemente) satisfazer (literal ou figurado):— encher.” (Bíblia de Estudo

Palavras-Chave. Dicionário do Novo Testamento, verbete 1705, p.2185).

– Nota-se, portanto, que são pessoas que se acham “satisfeitas”, “preenchidas”, “cheias”, “plenas”, ou seja, pessoas que não entendem que não precisam de Deus, que podem viver independentemente d’Ele, que nada devem a Ele. São pessoas “autossuficientes”.

– Entretanto, tais pessoas apresentam uma soberba que é idêntica ao de Satanás, que, como vimos, foi quem introduziu este falso conceito, esta mentira entre os homens, talvez a mais antiga “fake news”.

São pessoas que se põem no lugar de Deus, que imaginam ser iguais ou superiores ao Senhor, quando, na verdade, tudo não passa de uma ilusão, como pôde o primeiro casal constatar ainda na viração daquele fatídico dia.

– Cristo foi claríssimo aos Seus discípulos quando de Suas últimas instruções: “sem Mim, nada podeis fazer” (Jo.15:5 “in fine”).

O profeta Isaías bem mostrou qual a nossa situação: “Ai daquele que contende com o seu Criador, caco entre outros cacos de barro! Porventura, dirá o barro ao que o formou: Que fazes? Ou a tua obra: Não tens mãos?” (Is.45:9).

– Por isso, quem assim pensa está, simplesmente, a decretar a sua perdição, a sua condenação eterna, seguindo o mesmo caminho de Satanás que, por ter assim pensado e agido, está destinado ao lago de fogo e enxofre (Mt.25:41).

– Como afirma William Hendriksen, ao comentar esta passagem: “… No umbral da eternidade, os que puseram sua confiança nos bens terrenos descobrem de repente quão desesperadamente pobres são. Semelhantemente, os que puseram o coração nos prazeres terrenos descobrirão no fim que ficaram tão empanturrados que todo seu desejo se desvanece.

Não obstante, não havendo jamais demonstrado qualquer apreço pelos valores mais elevados da vida, esses glutões, a menos que se convertam, seguem rumo ao futuro sem fim que lhes provocará um anseio enlouquecedor que jamais poderá ser mitigado; uma sede ardente que jamais poderá ser saciada; uma fome voraz que jamais poderá ser aliviada e que jamais será saciada.…” (op.cit., p.463).

– Também é o ensino de Beda (673-735): “…Se são bem-aventurados aqueles que têm fome de ações justas, ao contrário, devem ser considerados infelizes aqueles que, satisfazendo todos os seus desejos, não têm fome do verdadeiro bem.…” (In: Catena áurea. Lc.6:24-26. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c473.html Acesso em 20 mar. 2022) (tradução Google de texto em espanhol).

– Quando falamos deste “ai”, impossível não nos lembrarmos do anjo da igreja em Laodiceia, que é reprovado por Cristo.

Sua expressão é: “Rico sou e estou enriquecido, e de nada tenho falta” (Ap.3:17), diagnóstico que não correspondia à realidade já que, aos olhos do Senhor, ele não passava de um “desgraçado, miserável, pobre, cego e nu”, que, se não se arrependesse, seria vomitado por Jesus (Ap.3:16).

– Como bem diz o comentarista bíblico Matthew Henry (1662-1714): “…Eles estão cheios de si mesmos, sem Deus e sem Cristo.

Ai dos tais, porque eles terão fome, eles brevemente serão despojados e esvaziados de todas as coisas das quais tanto se orgulham; e, quando deixarem para trás, neste mundo, todas as coisas que são a sua plenitude, eles levarão consigo tais desejos e luxúrias, pois o mundo para o qual vão não satisfará as suas vontades.

Porque todos os prazeres dos sentidos, dos quais eles estão repletos agora, no inferno serão negados, e no céu serão substituídos.…” (Comentário bíblico. Edição completa. Novo Testamento: Mateus a João. Trad. de Degmar Ribas Júnior, p.565).

IV – O AI DOS QUE RIEM

– Na sequência dos ais, o Senhor Jesus, no sermão da planície, contrapondo à bem-aventurança dos que choram, apresenta o “ai” dos que riem, o que, à evidência, causou espanto e admiração, pois o riso é sinal de alegria, de contentamento, de que se está numa boa situação, em uma circunstância agradável, que se está em estado de felicidade.

– Como pode ser ruim ser feliz? Afinal de contas, todos estão em busca da felicidade e é este um direito que cada ser humano possui sobre a face da Terra, como, aliás, se considerou solenemente na Declaração dos Direitos da Virgínia, de 12 de junho de 1776, que foi o documento que deu origem à Declaração de Independência dos Estados Unidos da América.

OBS: Referida declaração, já em seu início, afirma: “Artigo 1º – Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, pôr nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade:

tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança” (Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1776.htm Acesso em 20 mar. 2022).

– Ora, se todos têm direito a serem felizes, como, então, os que acham a felicidade, tanto que estão sorridentes, podem ser considerados pessoas que devem ter o pesar divino, serem alvo de um “ai”?

– Mais uma vez nos valemos do ensino do comentarista bíblico William Hendriksen:

“…O mesmo vale para os que ora se deleitam em diversões extravagantes enquanto rejeitam a Deus e Sua Palavra e jamais choram por sua condição pecaminosa. Na eternidade seu lamento jamais cessará. Suas lágrimas jamais serão enxugadas.…” (op.cit., p.464).

– Os ridentes são aqueles que não admitem a sua condição pecaminosa, que consideram que são felizes, mesmo não tendo comunhão com o Senhor. São pessoas que não reconhecem a sua triste condição espiritual e a necessidade que têm de se arrepender dos seus pecados e receberem a Cristo como seu Senhor e Salvador.

– São as pessoas que se contentam com as circunstâncias favoráveis que cercam a sua vida. Têm uma boa posição social, fama, dinheiro, acesso fácil a todo e qualquer prazer. Contentam-se com as coisas desta vida, não conseguem compreender que tudo neste mundo é vaidade (Ec.1:2), como concluiu Salomão, o homem que teve acesso a tudo isto por vontade divina (I Rs.3:11-13; II Cr.1:11,12).

– Tais pessoas terão a mesma sorte do rico da história contada por Jesus. Terão uma vida regalada, “bem vivida” segundo os padrões humanos, mas, na eternidade, só lhes resta o tormento eterno (Lc.16:19,23-25).

Tardiamente perceberão que deveriam ter dado ouvidos ao que disse Salomão em Ec.2:1,2: “Disse eu no meu

coração: Ora, vem, eu te provarei com a alegria; portanto, goza o prazer; mas eis que também isso era vaidade.

Do riso disse: Está doido; e da alegria: De que serve esta?”

– Não se pode buscar a alegria nas circunstâncias da vida, nas condições exteriores a nós mesmos. Devemos, isto sim, ter um olhar introspectivo, verificar a nossa triste condição espiritual, a nossa natureza pecaminosa, a nossa escravidão sob o pecado e buscar a Deus, que poderá nos livrar do pecado por meio de Jesus Cristo.

Somente os que chorarem as suas próprias misérias, alcançarão a consolação, a alegria da salvação (Sl.51:12), a alegria do Senhor, que é a nossa força (Ne.8:10).

– Matthew Henry bem define quem são estes ridentes, aqueles “…que têm sempre disposição para estar alegres, e sempre algo com o que se divertir; que não conhecem outra alegria senão daquela que é carnal e sensual, que não conhecem nenhum outro uso dos bens deste mundo senão meramente ceder àquela alegria sensual carnal que expulsa de seus pensamentos a tristeza, até mesmo a tristeza que vem de Deus, e estão sempre se entretendo com o riso dos tolos.…” (ibid.).

– Ora, como diz o apóstolo Paulo, a tristeza segundo Deus opera arrependimento para salvação (II Co.7:10) e, portanto, estes ridentes perdem a oportunidade de se salvar. Que lástima!

– O discípulo de Jesus não deve sentir prazer nas coisas deste mundo, não deve buscar a satisfação na leviandade da vida mundana, mas, sim, buscar a alegria interna, que provém da comunhão do Salvador.

Vivemos dias em que muitos que cristãos se dizem ser não têm este cuidado e estão em verdadeiras rodas de escarnecedores, fazendo coro com os risos profanos e vis, não raras vezes compartilhando e participando de sessões de irreverência e falta de pudor que promovem gargalhadas.

Já há, até, amados irmãos, quem utilize os templos para disseminar o “stand-up gospel”, como se as “casas de oração” tivessem se transformado em teatros ou picadeiros de circo. Que Deus nos guarde!

– Basílio de Cesareia (330-379), talvez um pouco rigoroso demais, para evitar este estado de coisas, chegava a dizer que o discípulo de Jesus não deveria ficar a gargalhar ou a sorrir, mas que deveria estampar a sua alegria por meio de seu semblante, exatamente para não se confundir com este sentimento frívolo e mundano que o Senhor Jesus aqui considera um “ai”.

OBS: Assim se expressa Basílio: “Quando o Senhor repreende aqueles que riem, deixa claro que o verdadeiro crente não deve rir em momento algum e, especialmente, enquanto vive entre aquela multidão dos que morrem em pecado, por quem convém chorar.

O riso supérfluo é sinal de desordem e movimento desenfreado da alma; mas é conveniente expressar a alegria das emoções da alma pelo rosto.” (In: Cátena áurea. Lc.6:24-26. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c473.html Acesso em 20 mar. 2022) (tradução Google de texto em espanhol).

V – O AI DOS QUE SÃO LOUVADOS PELOS HOMENS

– Chegamos, então, ao último “ai” do sermão do planície. Nosso Senhor e Salvador diz: “ai de vós quando todos os homens falarem bem de vós, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas” (Lc.6:26).

– Aqui temos novamente um espanto, porquanto o que mais se procura ter, em uma sociedade, é o respeito, a consideração, o louvor, o reconhecimento de todos.

O ser humano é um animal gregário, ou seja, vive em sociedade e nada mais prazeroso para alguém do que se dar bem com todos os que estão à sua volta.

– Em nossos dias, aliás, este “status” de popularidade, de ser benquisto e ser bem falado por todos talvez seja ainda mais buscado e almejado pelas pessoas do que nos dias do Senhor Jesus, até por causa do desenvolvimento que teve os meios de comunicação, que fazem com que as pessoas estejam hoje numa verdadeira “aldeia global”, podendo manter contato com todo o mundo ao mesmo tempo.

– No mundo do predomínio das redes sociais, na atualidade, quantos não querem ser “celebridades”, ter “milhões de seguidores” em seus perfis nas redes sociais, serem “simpáticos”, serem “populares”, “famosos” e “agradáveis” ao maior número de pessoas.

– No entanto, se é verdade que Deus disse que não é bom que o homem esteja só (Gn.2:18), também nos mostra que não devemos jamais querer agradar aos homens, mas, sim, a Ele. Paulo foi bem claro ao dizer que, se seu objetivo fosse agradar aos homens, jamais poderia dizer que era um servo (Gl.1:10).

– O discípulo é alguém que será odiado pelo mundo (Jo.15:18-20). Se se é discípulo de Jesus, trata-se de alguém que não pertence mais ao mundo, porque o mundo está no maligno (I Jo.5:19), sob o governo do diabo, que é o príncipe deste mundo, ser que nada tem em Jesus ou Jesus nele (Jo.8:44; 14:30).

– O apóstolo João foi claríssimo ao dizer que, ou se é filho de Deus, ou se é filho do diabo (I Jo.3:7-10), não há meio termo, não é possível sermos ambas as coisas ao mesmo tempo.

– Por isso, quem agrada aos homens, quem se torna popular e simpático ao mundo é alguém que está desagradando a Deus, é alguém que não está servindo a Deus e, portanto, alguém que não tem comunhão com o Senhor e que, por conseguinte, será condenado, que sofrerá a perdição eterna.

– O Senhor Jesus lembra que os falsos profetas, apesar de serem uma farsa, de não terem qualquer compromisso com Deus, eram populares e ouvidos pelo povo. Isto fica evidenciado em toda a história de Israel, mas, principalmente, nos dias imediatamente anteriores ao cativeiro da Babilônia, como nos retratam os livros dos profetas Jeremias, Ezequiel, Miqueias, entre outros.

– Os profetas verdadeiros, fiéis mensageiros do Senhor, ao contrário, sempre foram perseguidos e Cristo Jesus também diz que Seus discípulos terão o mesmo tratamento (Mt.5:12), o que, aliás, foi lembrado por Estêvão que viu na própria pele a confirmação do que havia pregado, tornando-se o primeiro mártir da igreja (At.7:51-60).

– Não se pode querer ser agradável aos homens e ao mundo. Vivemos numa época em que predomina o chamado “politicamente correto”, que não pode ser adotado por quem serve a Jesus, uma vez que este comportamento procura, simplesmente, tornar normal o pecado, tornar admissível e tolerada a prática pecaminosa.

O discípulo de Jesus não só é santo em toda a sua maneira de viver (I Pe.1:15), tendo sido resgatado da maneira vã de viver do mundo (I Pe.1:18), é alguém que combate o mal e o pecado, estando sempre a lutar contra as hostes espirituais da maldade, resistindo ao mal (Ef.6:12,13).

– Se formos elogiados pelo mundo, é porque estamos nos comportando de forma agradável a este sistema maligno, ou seja, vivendo em pecado, o que é totalmente incompatível com quem serve a Jesus e quer ir morar no céu.

Como afirma Beda: “Como é a bajulação que alimenta o pecado, assim como o óleo alimenta a chama e administra encorajamento àqueles que queimam de culpa, ele acrescenta: “Ai de você quando os homens te abençoarem” (In: Cátena áurea. Lc.6:24-26. Disponível: https://hjg.com.ar/catena/c473.html Acesso em 20 mar. 2022) (tradução Google de texto em espanhol).

– Matthew Henry deixa também seu ensino a respeito: “…Eis aqui um “ai” para aqueles de quem todos os homens falam bem, isto é, que fazem de ganhar elogios e aplausos dos homens sua única e maior preocupação, que se valorizam por isso mais do que pelo favor e pela aceitação de Deus (v. 26):

“Ai de vós”; ou seja, se você pregar de forma que ninguém fique aborrecido, será um mau sinal indicando que você não é fiel à sua crença, e às almas dos homens. Pois o seu propósito deverá ser falar às pessoas sobre as suas falhas, e, se você o fizer como se deve, obterá aquela má vontade que nunca elogia.

Os falsos profetas que elogiavam os pais de vocês em suas maldades, que profetizavam coisas agradáveis para eles, eram afagados e deles se falava bem; e, se vocês forem da mesma maneira exaltados, serão merecidamente suspeitos de proceder desonestamente como eles o faziam.

Nós devemos desejar ter a aprovação daqueles que são sábios e bons, e não ser indiferentes ao que as pessoas dizem de nós; assim como devemos desprezar as afrontas, do mesmo modo devemos desprezar os elogios dos tolos em Israel.…” (ibid.)

– Termina, assim, o Senhor a relação dos “ais” no sermão da planície, bem discriminando quem é e quem não é Seu discípulo. Que não nos enquadremos em qualquer destes “ais” para que possamos ingressar na cidade celestial pelas portas.

Pr. Caramuru Afonso Francisco

Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/7380-licao-8-sendo-verdadeiros-i

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