Sem categoria

LIÇÃO Nº 11 – SENDO CAUTELOSOS NAS OPINIÕES

INTRODUÇÃO

– Na sequência do estudo do sermão do monte, veremos o ensino de Jesus a respeito dos julgamentos.

– Deus é o reto e justo juiz.

I – O ENSINO DE JESUS SOBRE OS JULGAMENTOS

– Na sequência do estudo do sermão do monte, dando início à quarta e última parte do sermão, que ocupa o capítulo 7 do evangelho segundo Mateus, em que o Senhor nos falará a respeito da vigilância e prudência que devem nortear a peregrinação terrena do discípulo de Jesus.

– Depois de ter assinalado como devemos nos relacionar com Deus, o próximo e os bens materiais, o Senhor Jesus Se encaminha para a conclusão do sermão, mostrando agora que cuidados deve ter o Seu discípulo ao longo desta jornada terrena rumo aos céus.

– E, para tanto, começa falando a respeito dos julgamentos, dos juízos que fazemos em relação às outras pessoas.

– O discípulo de Jesus desfruta de uma posição singular neste mundo. Tem um patamar espiritual superior, porquanto está em comunhão com Deus, por ter tido os seus pecados perdoados. É filho de Deus, tem seu nome escrito no livro da vida do Cordeiro.

– Diante desta circunstância amplamente favorável, não é difícil que lhe venha surgir um ar de superioridade, uma “pontinha de soberba”, que pode pôr tudo a perder, que pode levá-lo à perdição, pois a soberba foi o pecado que resultou na queda do querubim ungido e de uma terça parte dos anjos.

– A primeira característica que Jesus apontou em Seus discípulos foi a “pobreza de espírito” (Mt.5:3), ou seja, a humildade, a autoconsciência de que se é servo de Deus e que devemos obedecer-Lhe e nos amoldarmos à Sua vontade, o que nos faz lembrar da nossa pequenez, da nossa condição de pó (Gn.3:19).

– Jamais podemos nos esquecer de que somos homens e, como tal, imperfeitos, falhos e pecadores. Ainda que redimidos pelo Senhor Jesus, não deixamos de ser tais criaturas e nunca devemos de ficar despercebidos desta realidade. Como diz o salmista, o Senhor nos põe em medo para que saibamos que as nações são constituídas de meros homens (Sl.9:20).

– Na própria descrição do caráter dos Seus discípulos, o Senhor Jesus já demonstra que, apesar do patamar espiritual superior em que se encontravam, eram falíveis e totalmente dependentes do Senhor.

– Assim, além de ser dizer que eram “pobres de espírito”, o Senhor diz que eram “pessoas que choravam” e que seriam consoladas (Mt.5:4), ou seja, pessoas que precisariam de consolação, de um Consolador (Cf. Jo.14:16; II Co.1:3,4).

– O discípulo de Jesus, portanto, não seria alguém autossuficiente, que se bastaria, mas alguém que precisaria de alguém ao seu lado (“consolador” em grego é “paráclito”, aquele que foi chamado para estar ao lado), para o assistir em suas fraquezas (Cf. Rm.8:26).

– O discípulo de Jesus é manso (Mt.5:5), ou seja, alguém “domesticado” pelo Senhor, que está pronto a fazer a vontade de Seu dono, não a própria vontade, que é “herdeiro da terra” e, portanto, não pode desagradar ao “dono da herança”, sob pena de ser deserdado. É, pois, alguém que vive em função de Deus, não de si próprio.

– O discípulo de Jesus é alguém que tem fome e sede de justiça (Mt.5:6), ou seja, percebe que é carente, incapaz de gerar justiça, é alguém que precisa da justiça de outrem para poder se satisfazer.

É um ser incapaz de promover justiça, pois justiça não tem em si mesmo. Precisa ser justificado e ter imputada a justiça a si. É, no dizer de Davi, um pobre e necessitado (Sl.40:17).

– O discípulo de Jesus é misericordioso (Mt.5:7), porque precisa alcançar misericórdia, ou seja, é alguém que merece sofrer o castigo pela sua maldade, mas, por confessar o seu pecado e deixá-lo (Pv.28:13), não sofre aquilo que merece e consiste nisto a misericórdia. O discípulo de Jesus, portanto, é um pecador confesso, convertido, mas um pecador.

– O discípulo de Jesus é limpo de coração (Mt.5:8), mas esta limpeza não foi feita por ele, mas, sim, pelo sangue que o purificou de todo o pecado (I Jo.1:7; Ap.22:14). Ele precisa se manter limpo a todo instante, sendo lavado pela Palavra de Deus (Jo.15:3; Ef.5:26).

– O discípulo de Jesus é pacificador (Mt.5:9), porque é filho de Deus, mas esta filiação divina é resultado da fé em Cristo (Jo.1:12), sendo algo feito para ele, não que ele tenha feito para si. Nós somos adotados por Deus (Rm.8:15), somos alvo do Seu amor, nada fizemos para merecer tal condição.

– O discípulo de Jesus sofre perseguição por causa da justiça (Mt.5:10), ou seja, necessita, para suportar toda a oposição que o mundo lhe faz da graça divina (II Co.12:9), pois por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus (At.14:22). As perseguições sofridas servem para que o discípulo de Jesus entenda que sem Cristo nada pode fazer (Jo.15:5).

– O discípulo de Jesus é injuriado (Mt.5:11), precisamente para que entenda que está num estágio passageiro e temporário, que deve se esforçar para chegar aos céus, onde será galardoado, sendo, pois, alguém que ainda caminha para a perfeição, que ainda não pode se considerar completo.

– Como se pode observar, pois, ao mostrar o caráter de Seus discípulos, Jesus já adiantou que eles não poderiam, apesar de estar num patamar espiritual superior aos demais homens, arrogar-se uma superioridade e uma condição supraumana, com direito a menosprezar o próximo.

– Na sequência do sermão, ao falar da necessária conciliação com o próximo para poder cultuar legitimamente ao Senhor (Mt.6:23-25), Jesus mostra, mais uma vez, que o Seu discípulo segue sendo imperfeito, pois, quando se fala em “conciliação” se utiliza da palavra grega “dialage”, que pressupõe o acordo entre duas pessoas imperfeitas, acordo feito por pessoas que têm ambas as suas falhas.

– Nesta oportunidade, a propósito, o Senhor Jesus mostra claramente que Seus discípulos, caso recorram aos tribunais, não sairão de lá sem pagarem o último ceitil, ou seja, se um cristão quiser que se faça justiça em alguma causa sua deve estar consciente que a justiça divina fará com que a justiça dos homens também seja aplicada ao cristão, que terá, igualmente, de ser devidamente justiçado como deseja que seja o seu próximo.

– Trata-se de mais um ensino para que os Seus discípulos não se sintam superiores aos outros e que considerem que são falhos e imperfeitos.

– Ao fazer a comparação entre a lei do reino de Deus e a interpretação que era dada por escribas e fariseus à lei de Moisés, o Senhor Jesus mostrou, claramente, que o padrão que se exige do discípulo Seu é muito mais superior que o exigido pela justiça dos escribas e fariseus, o que deve fazer com que os cristãos sejam conscientes da sua pequenez e da impossibilidade que têm de, por si sós, atingir este grau exigido por Deus.

– Deus está a exigir nada mais, nada menos que a perfeição (Mt.5:48) e esta perfeição somente é possível no exato instante em que nos pomos em comunhão com o Senhor, mantemo-nos unidos a Ele, obedientes à Sua Palavra, precisamente porque não passamos de varas da videira verdadeira, que não podem dar fruto se não estiverem na videira, pois sem Cristo nada podemos fazer (Jo.15:4,5).

– Jesus não cessa, ao longo do sermão do monte, de nos ensinar que somos impotentes, hipossuficientes e que necessitamos única e exclusivamente d’Ele para poder chegar ao final da nossa peregrinação terrena em condições de entrar nas mansões celestiais.

– Por isso mesmo, ao falar dos julgamentos, o Senhor Jesus foi claro ao dizer que não deveríamos julgar para que não sejamos julgados (Mt.7:1).

– Muitos têm interpretado equivocadamente este ensino, dizendo que Jesus nos proibiu de julgar o próximo. Isto não faz sentido algum, porquanto se Deus nos criou seres racionais, com capacidade para pensar, é simplesmente impossível que deixemos de julgar, pois julgar nada mais é que perceber a realidade, fazer um juízo, dar um parecer a respeito daquilo que está à nossa volta.

– A lógica e a filosofia nos ensinam que o homem, ao ter contato com o mundo que o cerca, cria imagens, ideias destes seres, que são os “conceitos” e, depois, compara estes conceitos, dando origem aos “julgamentos” ou “juízos”.

Por fim, estes juízos são relacionados entre si e dão origem aos “raciocínios” ou “argumentos”. Como se pode observar, portanto, não há como pensar sem fazer juízos ou julgamentos.

– Quando Adão deu nome aos seres, por ordem divina, estava a fazer julgamentos, apreciando a realidade de cada animal e, com base nisso, dando-lhe um nome.

Ora, Deus quis, com tal determinação, mostrar ao homem que ele era racional e, por isso mesmo, superior aos demais seres da face da Terra, tendo a tarefa de administrar tal criação para o Senhor.

– Ora, se Deus fez o homem racional, não iria, à evidência, pois não é nem pode ter contradição, impedir que o homem fizesse julgamentos.

– O que Jesus está a ensinar é que, conscientes de nossas imperfeições, devemos entender que o critério de julgamento que fizermos será o mesmo que será utilizado a nosso respeito. O Senhor é bem claro:

“porque com o juízo com que julgardes sereis julgados e com a medida com que tiverdes medidos vos hão de medir a vós” (Mt.7:2).

– Ao tratar da lei de talião, o Senhor disse que não deveria ser este o padrão a ser adotado pelo discípulo , que, por estar num patamar espiritual superior, teria de ser como seu Mestre, ou seja, bom, retribuindo tanto o bem quanto o mal com o bem, pois é assim que Deus age em relação aos homens, tanto que dá o sol e a chuva tanto a justos como injustos.

– No entanto, como ainda estamos no mundo, devemos ter a plena consciência de que o padrão que utilizarmos para julgar os outros, será este mesmo o padrão com que nos julgarão a nós.

Não podemos achar que somos perfeitos e que podemos estabelecer a nós mesmos como critério de bem e de mal, mas, antes, devemos sempre seguir a reta justiça e jamais a aparência (Jo.7:24) quando formos fazer nossos julgamentos.

– Neste tema, lembramos do ensino de Salomão que diz: “Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?

Não sejas demasiadamente ímpio nem sejas louco; por que morrerias fora de teu tempo? Bom é que retenhas isso e também disso não retires a tua mão, porque quem teme a Deus escapa de tudo isso.” (Ec.7:16-18).

– Não somos perfeitos, estamos caminhando para a perfeição, porque cremos em Cristo e n’Ele vivendo, a cada dia nos aperfeiçoamos, para que alcancemos a condição de varão perfeito, cheguemos à medida da estatura completa (Ef.4:13), o que somente se dará ao término do processo da salvação, na glorificação (Rm.8:29,30; I Co.13:10-12; I Jo.3:1-3).

– Diante deste quadro, não podemos exigir dos outros o que mesmo nós não temos. Por que exigirmos a perfeição do próximo, se nós mesmos somos imperfeitos?

Por que usarmos de um rigor excessivo no julgamento do próximo, se nós mesmos não fomos assim julgados, bem ao contrário, fomos alcançados pela misericórdia do Senhor, a ponto de sermos feitos filhos de Deus por termos crido em Jesus?

– Veja, amados irmãos, que este ensino de Jesus não tem a ver com a aceitação do erro ou do pecado. Não estamos a falar aqui de atos, mas, sim, de pessoas.

O que é certo, é certo; o que é errado, é errado. O profeta Isaías bem disse: “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal! Que fazem da escuridade luz, e da luz, escuridade, e fazem do amargo doce, e do doce, amargo!” (Is.4:20).

– Não se trata de consentir com o pecado, de deixar de dar a devida punição a quem errou, nem de censurar e repreender aquele que peca.

– Não se trata de se pôr no lugar de Deus e dizer o que é certo ou errado, como se tem feito e defendido nos dias hodiernos, mas, sim, de entender que a pessoa que errou é tão imperfeita quanto nós e que, se nós devemos punir quem errou, não podemos querer a destruição da pessoa errada, mas a sua conversão, a sua mudança de atitude.

– O mesmo Isaías diz, em seguida à condenação daqueles que se põem como “deuses”, dizendo o que é certo ou errado, que “ai dos que são sábios a seus próprios olhos e prudentes dentro de si mesmos!” (Is.4:21), como que a nos ensinar que não devemos nos tomar como parâmetro, como critério de julgamento, seja para definir o que é certo ou errado, seja para queremos nos dizer perfeitos e sermos inclementes, insensíveis ao próximo.

– Se formos excessivamente rigorosos no julgamento do próximo, seremos apanhados nos nossos próprios erros, nas nossas próprias falhas e, como diz Salomão, acabaremos nos destruindo a nós mesmos.

– Quem não se lembra do episódio que envolveu o rei Davi? (II Sm.12:1-12). Quando o profeta Natã lhe relatou a história fictícia, o rei, indignado, imediatamente condenou o homem mau mencionado pelo profeta e o homem condenado era ele mesmo e é interessante notarmos que a pena aplicada pelo rei lhe foi imposta por Deus. Senão vejamos.

– Davi disse que o homem por ele condenado deveria morrer. Davi foi também sentenciado à morte, mas a morte não lhe foi imposta porque ele se arrependeu, como disse o profeta (II Sm.12:13). Vemos, logo de início, que a inclemência humana só foi superada pela misericórdia divina.

– Davi disse que o homem por ele condenado deveria retribuir em quádruplo o que havia subtraído. Pois bem, Davi matou Urias com a espada dos filhos de Amom e, por causa disto, acabou ocorrendo a morte violenta de quatro filhos:

o primogênito dele com Bate-Seba, o seu primogênito Amnom, Absalão e Adonias (ainda que este último tenha sido morto após o falecimento de Davi). Como disse o rei em seu julgamento, quatro por um.

– Para que se tenha um julgamento perfeito, ele deve provir única e exclusivamente de Deus. Com efeito, somente Deus tem todos os elementos para sopesar cada situação e aplicar corretamente a justiça.

Diz o profeta Jeremias que o Senhor esquadrinha o coração e prova os pensamentos e isso para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações (Jr.17:10).

– Ora, se só Deus conhece o que há no coração do homem (I Sm.16:7), não há qualquer dúvida que só Ele tem condições de fazer um correto julgamento e, portanto, devemos ter consciência de que nossos julgamentos são falhos e, portanto, devemos sempre ser cuidadosos ao julgar o próximo, sabendo que não temos condições de proferir um juízo perfeito e, por isso mesmo, devemos sempre conjugar a justiça com a misericórdia.

– O discípulo de Jesus é imitador (I Co.11:1) e, deste modo, não pode deixar de agir com justiça e misericórdia, como o faz o próprio Deus. O Senhor é o juiz (Sl.75:7), mas as Suas misericórdias sem fim são a causa de não sermos consumidos e se renovam a cada manhã (Lm.3:22,23).

– Por isso mesmo, os discípulos precisam ser misericordiosos, pois assim alcançarão misericórdia, como já temos mencionado.

Por isso, João Crisóstomo (347-407) afirmava: “…não seja um juiz amargo. Corrija, sim, mas não como um inimigo que busca vingança, mas como um médico que fornece remédios” (Homiliae in Matthaeum, hom 23,2. In: Cátena aurea. Mt.7:1,2. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c84.html Acesso em 11 mar. 2022) (tradução Google alterada por nós de texto em espanhol).

– O Senhor Jesus determina, então, que, ao proferirmos julgamentos em relação ao próximo, devemos, antes, verificar as nossas próprias falhas, os nossos próprios erros, as nossas próprias imperfeições. O autoexame é um elemento indispensável para que profiramos julgamentos contra o próximo.

– Jesus é bem claro ao dizer que, antes de repararmos no argueiro no olho do outro, devemos ver a trave que se encontra em nosso próprio olho (Mt.7:3-5).

“…O argueiro, talvez um fragmento de serragem, representa uma falta leve.

A trave, uma grande peça de madeira, representa uma grave falta moral. Aquele que corrige as faltas leves dos outros sem dar atenção às próprias faltas graves é um hipócrita.

Os cristãos têm a responsabilidade de ajudar uns aos outros e se arrependerem de pecados, mas somente depois de, primeiro, lidar com as próprias faltas graves…” (Bíblia de Estudo Holman, nota a Mt.7:3-5, p.1497).

– Como se não bastasse isso, devemos sempre ter em mente que nossa imperfeição nos impede de proferirmos juízos perfeitos.

Por isso afirma Agostinho (354-430):

“…Deus nos permite julgar aquelas coisas que não podem ser feitas com boas intenções, como blasfêmias, estupros e outras coisas semelhantes.

Mas dos fatos médios, que podem ser feitos com bom ou mau fim, temerário é o julgamento, principalmente para condená-los.

Há duas coisas em que devemos evitar julgamentos imprudentes: quando não temos certeza do fim proposto por quem fez a coisa, ou quando não sabemos qual será aquele que agora parece bom ou mau.

Não repreendamos aquelas coisas que não sabemos com que propósito foram feitas, nem repreendamos de tal maneira aqueles que publicamente fazem coisas ruins que desesperemos de sua correção.

O que o Senhor diz pode nos levar a isso: “Pois com o julgamento com que você julga, você será julgado.” Se julgarmos precipitadamente, seremos julgados por Deus da mesma maneira?

Ou se medirmos com uma medida ruim, Deus nos julgará com outra do mesmo tipo? Acredito que o nome de medida significa o mesmo julgamento.

Mas isso foi dito porque é necessário que a imprudência com que você castiga o outro, por sua vez, castigue você, pois a iniquidade muitas vezes não prejudica quem sofre a injúria, mas é necessário que prejudique quem a faz.…” (De sermone Domini 2,18. In: Cátena áurea. Mt.7:1,2. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c84.html Acesso em 11 mar. 2022) (tradução Google alterada por nós de texto em espanhol).

– Agostinho ainda diz: “…Quando somos chamados a repreender os outros, vamos primeiro pensar se já cometemos o pecado que estamos prestes a repreender. E se não o cometemos, pensemos que somos homens e que somos capazes de cometê-lo.

Ou se o cometemos em outro tempo, mesmo que não o cometemos agora, então a fragilidade comum toca a memória, de modo que a misericórdia, não o ódio, precede essa correção.

Mas se nos encontramos com o mesmo pecado, não repreendamos, mas clamemos, movidos a nos emendar, com esforços mútuos.

Raramente, e por grande necessidade, devem ser feitas repreensões, nas quais não devemos insistir para nosso interesse pessoal, mas para servir ao Senhor.…” (De sermone Domini 2,19.In: Cátena áurea. Mt.7:3-5. end. cit.) (tradução Google de texto em espanhol).

II – O ENSINO DE JESUS COM RELAÇÃO AO SAGRADO

– Além de nos ensinar a respeito dos julgamentos, o Senhor Jesus, nesta parte do sermão em que se preocupa com a vigilância e prudência de Seus discípulos, também vai falar com o tratamento que devemos dar ao sagrado, às coisas sagradas.

– O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define sagrado como “relativo ou inerente a Deus, a uma divindade, à religião, ao culto ou aos ritos; sacro, santo”. Então, o sagrado é aquilo que foi separado para servir a Deus ou para o serviço dos assuntos referentes a Deus.

– As coisas atinentes ao serviço divino sempre têm de ser tratadas com distinção, com a devida discriminação com relação às demais coisas, pois não se pode dirigir ao Senhor de qualquer maneira, como se tratasse de algo comum. É preciso diferenciarmos o Criador da Sua criação.

– Foi, este, aliás, o grande equívoco de Caim, que ao tornar algo comum e corriqueiro a oferta que faria ao Senhor (o texto fala em “uma oferta ao Senhor” – Gn.4:3), acabou tendo sua ação rejeitada por Deus.

– O discípulo de Jesus, sendo filho de Deus, estando em patamar espiritual superior aos demais homens, não pode ter outro comportamento senão o da distinção e da valorização das coisas sagradas.

– Deste modo, determina que não se dessem as coisas santas aos cães (Mt.7:6a). Por primeiro, saliente-se que se deve ter cuidado com as coisas santas, ou seja, tudo que é relacionado ao Senhor e ao culto a Ele deve ser tratado com reverência e com distinção. Não é à toa que Salomão recomenda que guardemos nossos pés quando adentrarmos na casa de Deus (Ec.5:1).

– Quando o Senhor Jesus fala em “cães”, não se está se referindo ao animal, que, inclusive, era imundo segundo a lei de Moisés, já que não tinha unhas fendidas nem remoía (Lv.11:2,3).

Mas não era só isso: a carne despedaçada no campo não podia ser consumida pelos israelitas, por serem homens santos, devendo ser lançada aos cães (Ex.22:31).

– Nota-se, portanto, que o cão, além de ser considerado um animal imundo, era um símbolo da ausência de santidade, tanto que a ele deveria ser lançada a carne despedaçada no campo.

– Por isso, o cão passou a ser, desde cedo, o símbolo da impureza e da imundície, razão pela qual os israelitas passaram a considerar os gentios como “cães”, comparação que, inclusive, foi adotada pelo próprio Senhor Jesus no seu diálogo com a mulher siro-fenícia (Mt.15:26,27; Mc.7:27,28).

– Os cães passaram a simbolizar todos quantos se rebelavam contra o Senhor, todos os que O desafiam ou desconsideravam Seu senhorio, tanto que alguns juízos divinos contra pessoas impenitentes incluía o fato de que suas carnes seriam consumidas e seu sangue lambido por cães, como, por exemplo, ocorreu com Jezabel (II Rs.9:10,36), bem como as casas de Jeroboão e de Baasa, respectivamente a primeira e segunda famílias reais do reino de Israel, o reino do norte, o reino das dez tribos (I Rs.14:11; 16:4).

– Deste modo, percebe-se que o Senhor Jesus está ensinando que não devemos dar as coisas santas a quem é contumaz rebelde contra Deus, quem deliberada, consciente e voluntariamente se põe contra o Senhor e a Sua doutrina, os Seus mandamentos e o Seu povo.

– Aquilo que é reservado aos filhos de Deus, que deve ser ministrado e concedido a quem pertence ao povo do Senhor não pode, de forma alguma, ser entregue a quem faz questão de desobedecer ao Senhor, de se rebelar contra a Palavra de Deus.

Como afirma o comentarista bíblico Matthew Henry (1662-1714):

“…Entre a geração dos pecadores, existem alguns que chegam a tal ponto de iniquidade que são considerados como cães e porcos. São impudentes e notoriamente depravados.

Caminham por muito tempo no caminho dos pecadores e se colocam no lugar dos zombadores. Eles claramente odeiam e desprezam os conselhos e se opõem a eles, pois são irrecuperáveis e obstinadamente perversos.

Estes são como os cães que voltam ao seu próprio vômito, e como a porca lavada que volta ao espojadouro de lama.…” (Comentário bíblico. Edição completa. Novo Testamento: Mateus a João. Trad. Degmar Ribas Júnior, p.95).

– Pseudo-Crisóstomo é muito feliz ao afirmar:” O Senhor havia ordenado, antes, amar nossos inimigos e fazer o bem àqueles que nos odeiam e fazem o mal; e para que os sacerdotes não pensem que eles também devem conceder-lhes coisas divinas, ele os advertiu sobre essa ideia, dizendo:

“Não deem o que é sagrado aos cães”, como se dissesse: “Eu ordenei a vocês que amem seus inimigos e façam o bem a quem os prejudica com seus bens materiais”.

Mas não com seus bens espirituais, porque seus inimigos são iguais a você em termos de natureza, não em termos de fé.

Deus concede benefícios terrenos tanto aos dignos como aos indignos, mas não as graças espirituais.…” (Opus imperfectum in Matthaeum, hom. 17. In: Cátena áurea. Mt.7:6. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c86.html Acesso em 11 mar. 2022) (tradução Google de texto em espanhol).

– O mesmo ensino de Jesus também é reproduzido pela expressão “não deiteis aos porcos as vossas pérolas, para que não as pisem e, voltando-se, vos despedacem”.

O porco, também, é um animal imundo, já que tem uma fendida mas não remói (Lv.11:7).Há, porém, quem faça distinção entre os cães e os porcos, como, por exemplo, Agostinho, “in verbis”:

“…Os cães são aqueles que lutam contra a verdade, e consideramos como porcos aqueles que a desprezam.

Como os cachorros se atiram para morder, e como eles destroem o que mordem, não deixando tudo inteiro como antes, ele disse:

“Não dê o que é sagrado aos cachorros”, porque assim que puderem, se estiver dentro de suas alcance, eles se esforçam para destruir a verdade.

Os porcos, embora não tenham tanto instinto de morder como os cães, andam na lama e sujam tudo, e por isso acrescenta: “

Nem joguem as suas pérolas na frente dos porcos”.…” (De sermone Domini 2,20. In: Cátena áurea. Mt.7:6. end cit. Acesso em 02 mar. 2022) (tradução Google de texto em espanhol).

– Neste mesmo sentido, Pseudo-Crisóstomo: “…O cão e o porco são animais impuros. O cão o é em caráter absoluto, porque não rumina nem tem as unhas partidas; mas o porco o é em parte, porque tem unha rachada, mas não rumina.

Por isso creio que, por cães, os gentios devem ser entendidos, inteiramente impuros, tanto pela fé como pelos seus atos. Os porcos representam os hereges, porque parecem invocar o nome de Deus. Portanto, o que é sagrado não deve ser dado aos cães (…)

Além disso, os mistérios da fé, isto é, as pérolas, devem ser dados apenas àqueles que desejam a verdade e vivem com sua inteligência perfeitamente subserviente.

Se os lançarmos diante dos porcos (isto é, aqueles que vivem enlameados nas indulgências impuras da vida), eles não compreendem sua preciosidade, e os estimam como semelhantes a fábulas mundanas e os confundem com suas ações impuras.…” (Opus imperfectum in Matthaeum, hom. 17. In: Cátena áurea ibid.) (tradução Google de texto em espanhol).

– As coisas santas são despedaçadas pelos cães e as pérolas, pisadas pelos porcos. Cães e porcos, portanto, não dão valor algum ao que vem da parte de Deus e deve ser este um ponto importante para podermos discernir quem são cães e porcos a fim de que não ministremos a eles o que é santo, o que é sagrado.

Este mesmo ensino Paulo dará a Tito, quando diz que, depois de uma ou outra admoestação, se deve evitar o homem herege (Tt.3:10).

– Notamos, pois, que, no próprio ensino de Jesus a respeito do que é sagrado, vemos como não há como o discípulo deixar de fazer julgamentos.

Devemos saber quem é cão e quem é porco para que não demos coisas santas nem deitemos pérolas e isto só é possível mediante um julgamento.

– Todavia, e aqui vem um discrímen importante entre este ensino e o anterior, temos que o cuidado que se deve ter com o que é santo exige de nós uma perfeita comunhão com o Espírito Santo, que é Quem nos há de guiar em toda verdade (Jo.16:13), nos ensinar todas as coisas e nos fazer lembrar de tudo o Jesus disse (Jo.14:25).

– Percebemos, pois, que, nesta cautela quanto ao sagrado seremos tão somente instrumentos do Espírito Santo, receberemos d’Ele o devido discernimento, pois somos, como discípulos de Jesus, homens espirituais, para que possamos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus (I Co.3:12-16).

– Deste modo, não há como nos enganarmos, porque o Espírito Santo é o Espírito da verdade (Jo.16:13), que, no Seu papel de glorificar a Jesus e nos levar a glorificá-l’O (Jo.16:13,14), não permitirá que sejamos confundidos e contribuamos para que haja o desprezo ou menosprezo do nome de Jesus e de Sua Palavra. Deus tem um cuidado todo especial com a Sua Palavra (Sl.138:2; Jr.1:12).

– Nos tempos trabalhosos em que vivemos, os homens são profanos (II Tm.3:1,2), ou seja, homens que estão separados das coisas sagradas, pois a palavra “profano” vem de “pro+fanus”, ou seja, “aquele que está diante do templo, que não pode entrar no local onde estão as coisas sagradas”.

– Esaú foi um homem profano (Hb.12:16), porque vendeu ele o seu direito de primogenitura, que era algo sagrado, já que vinculado à promessa dada por Deus a Abraão, por um prato de lentilha, para saciar a sua fome, não dando valor algum à bênção espiritual que recebera (Gn.25:31-34).

– A palavra grega aqui é “bebelos” (βέβηλος), “…derivado da raiz de 939 (“basis”) e de βηλος (“belos”, uma soleira de porta), acessível (como quem atravessa por uma porta), i.e., (por implicação, segundo a noção judaica) pagão, ímpio:-profano (pessoa). Adjetivo de baino (verbo) ir, e belos (s.f.), uma soleira de porta.

Em sentido mais específico, referindo-se a lugar: acessível a todos; por isso, comum, profano, antônimo de hagios (40), santo, separado…” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Dicionário do Novo Testamento, verbete 952, p.2113).

– A estes homens profanos, não podemos dar as coisas santas nem tampouco as pérolas. São pessoas que trocam as coisas de Deus pelas coisas terrenas, os inimigos da cruz , como diz o apóstolo Paulo, cujo deus “…é o ventre e a glória deles é para confusão deles mesmos, que só pensam nas coisas terrenas” (Fp.3:19).

– São aqueles que, a exemplo do mau servo, trocam o serviço mandado pelo Senhor pela comunhão com os mundanos (Mt.24:48-51).

São pessoas que, por primeiro, não creem mais na volta do Senhor ou a consideram longínqua; são pessoas que demonstram falta de amor para com os irmãos, tornando-se homicidas, ou seja, pessoas que odeiam seus irmãos em vez de amá-los (I Jo.3:14,15); são pessoas que têm prazer em ter comunhão com os incrédulos, com os ímpios e pecadores.

– Muitos, em nossos dias, não têm tomado o devido cuidado e têm, lamentavelmente, dado as coisas santas aos cães e as pérolas aos porcos, na medida em que permitem que pessoas ímpias e pecadoras, com as características de maus servos, se misturem e participem do serviço a Deus, seja nas reuniões da igreja local, seja na realização da obra de Deus.

– Tais pessoas estão a trazer a irreverência e a banalização para a adoração a Deus, o que leva, evidentemente, à rejeição da parte do Senhor de todas estas práticas.

Assim, já há quem ministre a ceia do Senhor a todas as pessoas, independentemente de que seja, ou não, batizadas nas águas; já há quem introduza na liturgia da igreja práticas nitidamente mundanas, como danças, prática de esportes, ambientes típicos de locais conhecidos por serem lugares destinados a práticas pecaminosas (como, v.g., as “igrejas de preto” que transformam os templos em verdadeiras boates e/ou cabarés), o que nada mais é que dar coisas santas aos cães e pérolas aos porcos.

– A irreverência toma conta de tudo e de todos e já não há qualquer diferença entre os locais de cultos e os lugares mundanos, como também entre os frequentadores sedizentes discípulos e os que não dizem professar fé no Senhor Jesus.

– O discípulo de Jesus, no entanto, não tem esta conduta. Muito pelo contrário, guiado e dirigido pelo Espírito Santo (Rm.8:14), faz diferença entre o santo e o profano, pois é um sacerdote real Jesus (I Pe.2:9; Ap.1:6) e é missão precípua dos sacerdotes fazer tal distinção (Lv.10:8-11: Ez.22:26; 44:23).

– Ao mesmo tempo que o discípulo de Jesus deve ter consciência de que não tem condições de julgar perfeitamente o próximo, que não é mais infalível ou perfeito que ele, tem, também, de ter o devido discernimento espiritual para saber quem é santo e quem não no é, a fim de que não dê as coisas santas, as pérolas, aos homens profanos.

– Com relação ao próximo, saber que não se é Deus para saber todas as coisas; com relação à santidade, ser guiado pelo Espírito para ter o devido discernimento. Temos feito isso?

Pr. Caramuru Afonso Francisco

Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/7383-licao-11-sendo-cautelosos-nas-opinioes-i

Deixe uma resposta

Descubra mais sobre Iesus Kyrios

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading