Lição 4 – Ídolos na família
O lar deve ser um altar de adoração exclusiva a Deus.
INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo dos relacionamentos familiares, analisaremos o problema da idolatria na família.
– A casuística bíblica escolhida foi a dos ídolos na família de Jacó e a família de Mica.
I – LAR: ALTAR DE ADORAÇÃO EXCLUSIVA A DEUS
– “Lar” é uma palavra latina cujo significado primeiro é o de um local, nas antigas residências romanas, em que se procedia à adoração dos antepassados familiares.
Normalmente, como nos ensina o historiador francês Foustel de Coulanges em seu livro “A Cidade Antiga”, havia um compartimento nas casas romanas onde somente poderiam entrar os membros da família, onde eram cultuados os antepassados familiares, os chamados “deuses lares”.
Normalmente, havia um altar em honra a estas divindades e um fogo que nunca se apagava, onde se realizava tal adoração.
– Vê-se, portanto, que a ideia do “lar” está vinculada a ideia de uma ligação espiritual entre os membros de uma mesma família, ou seja, o lar é a própria unidade espiritual dos integrantes de uma família.
Para os romanos, a família possuía, sobretudo, um vínculo sobrenatural entre os seus membros, tendo sido os próprios juristas romanos que tornaram célebre a famosa definição de casamento, atribuída a Modestino, segundo a qual o casamento estabelece a “união divina e humana que gera uma vida em comum entre um homem e uma mulher”, definição que foi parcialmente acolhida pelo nosso novo Código Civil no seu artigo 1511.
– Estas noções romanas estão perfeitamente consonantes com o que a Bíblia Sagrada fala a respeito da família.
Ao criar a família, Deus estabeleceu que o papel do homem como dominador sobre toda a criação sobre a terra estava indissociavelmente relacionado com a vida em família.
Quando observamos que Deus determinou que o homem dominasse sobre a criação na terra (Gn.1:26), logo percebemos que este papel estava destinado a um ser sexuado, que fosse macho e fêmea (Gn.1:27), assim como verificamos que este domínio somente se tornaria possível na medida em que o homem frutificasse e se multiplicasse sobre a face da terra (Gn.1:28).
A vida familiar, portanto, não se restringiria a aspectos físicos ou naturais, mas estava relacionada com a própria sobrenaturalidade do homem, representada aqui pela noção de domínio sobre a natureza.
– A vida familiar, ademais, estava destinada a suprir um sentimento de solidão que Deus observou em Adão, quando este nomeou todos os seres viventes (Gn.2:18-20).
A família, portanto, tinha um papel de suprimento de necessidades existenciais e afetivas do homem, sendo ela uma solução de Deus para o ser humano e não um problema, como, infelizmente, tem sido nos nossos dias.
– O lar, portanto, é o ambiente afetivo, emocional e espiritual que deve existir entre os integrantes de uma família.
O que faz gerar uma família é, precisamente, a existência deste clima de fraternidade, de amor e de afeto. Os próprios juristas (estudiosos do direito) têm reconhecido que o elemento que deve ser considerado como gerador de uma família é a afeição.
– O plano divino para a família, portanto, é que cada família seja um lar, ou seja, um grupo de pessoas que estejam unidas, que tenham supridas suas necessidades existenciais, emocionais, afetivas, psicológicas,
como também lhes sejam dadas as condições mínimas para que possam sobreviver até que possam se sustentar materialmente, bem como viver, por si sós, em sociedade, tudo isto sem deixar de considerar que a família deve ser um altar, não a falsas divindades, como faziam os pagãos romanos, mas, sobretudo, um altar onde Deus possa ser adorado e louvado, como vemos, por exemplo, ocorrer na família do patriarca Josué ( Js.24:14,15).
OBS: “…A família delineia-se, no desígnio do Criador, como ‘”lugar primário da “humanização” da pessoa e da sociedade’ e ‘berço da vida e do amor’ (Compêndio da Doutrina Social da Igreja Católica, n.209)
– No lar, devemos ter, em primeiro lugar, a presença de Deus, que deve ser uma constante desde o momento em que um homem e uma mulher passam a ter intenção de formar uma família. Deus deve sempre ocupar o primeiro lugar em todas as ações de nossa vida (Mt.22:37,38).
Devemos amar a Deus sobre todas as coisas e isto inclui, também, as nossas preferências pessoais com respeito a quem consideramos que seja a “nossa cara metade”, o que entendamos seja “o par ideal”.
– Mesmo tendo pecado e sido expulsos do jardim do Éden, nossos primeiros pais perceberam a necessidade de haver um contacto entre sua família e Deus.
Habituados que estavam pela presença constante do Senhor na viração do dia (Gn.3:8), Adão e Eva, certamente, ensinaram a seus filhos que era necessário aproximar-se de Deus e isto aprendemos ao vermos Caim e Abel trazendo ofertas ao Senhor (Gn.4:3,4), sem que houvesse qualquer determinação específica a este respeito por parte de Deus no texto sagrado.
Havia uma espécie de comunicação entre Deus e os filhos do primeiro casal, tanto que tanto Caim quanto Abel tiveram percepção da recepção divina a respeito de suas ofertas, sendo certo que o próprio Deus Se comunicou com Caim mesmo não tendo atentado para a sua oferta.
Verificamos, assim, que, mesmo decaída, a primeira família demonstrou a importância de haver um culto, de haver uma busca a Deus por parte de cada membro da família, ainda que, como recentemente ponderou um irmão em Cristo em nosso atual estudo sobre a família, as instruções de Adão e de Eva terem uma mácula relevante, qual seja, a falta de um exemplo, de uma autoridade moral, o que foi crucial para a tragédia que se seguiu na vida familiar, a saber, o primeiro homicídio.
OBS: “…Aqueles dois homens, Caim e Abel, foram levados a oferecer em holocausto os resultados dos seus trabalhos porque aprenderam, ou
foram ensinados, ou ainda porque viram seus pais fazerem o mesmo. Assim admitimos que Adão também costumava oferecer ao Senhor ofertas de gratidão, em adoração, ou ainda como uma súplica pela necessidade de bênção a ser alcançada…” (SILVA, Osmar José da. Liturgia: rituais, símbolos, cerimônias, doutrinas, costumes, histórias, p.30)
– No entanto, entendemos que algo semelhante a um culto doméstico somente surgiu um pouco tempo, quando se inicia a terceira geração humana após a expulsão do jardim do Éden, ou seja, quando nasceu o primogênito de Sete, Enos, quando, então, nos diz o texto sagrado, se começou a invocar o nome do Senhor (Gn.4:26).
Com o nascimento de Enos, iniciou-se a prática de se buscar a presença do Senhor no seio familiar, pois só assim se entende o texto bíblico, uma vez que, individualmente, tal busca já fora relatada nas Escrituras.
O que compreendemos é que a descendência zelosa e fiel de Sete, que chegou a ser chamada de “filhos de Deus” (Gn.6:2), teve seu início com a instalação do culto doméstico, de uma vida devocional familiar.
– Em todas as épocas e dispensações da história humana, somente tivemos a formação de um povo fiel e zeloso ao Senhor a partir de uma vida devocional familiar, de famílias que, no seu seio, cultuavam a Deus.
Assim foi no período antediluviano, como também na lei e tem sido na nossa dispensação. Não é, portanto, gratuita a ação do inimigo ao torpedear e tentar demolir a vida devocional familiar, pois, assim agindo, estará matando pela raiz a possibilidade do surgimento de uma nação santa, de um povo que tenha comunhão e contacto direto com o Senhor, através do qual se possa anunciar o amor de Deus à humanidade.
– Esta vida devocional familiar, entretanto, não se manteve uma constante do período antediluviano. A humanidade perdeu-se, precisamente, quando a descendência de Sete, lamentavelmente, misturou-se com a descendência de Caim, iniciando a formação de famílias com jugo desigual e que levou ao menosprezo dos valores familiares e, consequentemente, de uma vida devocional familiar.
– Como nos mostra o próprio Jesus, nos dias de Noé, os homens daquele tempo eram pessoas que não tinham o mínimo respeito e consideração pela vida familiar, a ponto de “se casarem e se darem em casamento” (Mt.24:38).
A mistura das duas descendências teve um impacto imediato na vida devocional familiar e os efeitos desta falta de busca a Deus no lar foram nefastas, a ponto de ter sido comprometida a própria humanidade da época.
– O mesmo se dará nos dias do arrebatamento da Igreja, sendo certo que já vivemos estes dias, motivo pelo qual não podemos ceder, como cederam todos os homens e mulheres dos dias de Noé, com exceção apenas deste servo de Deus, cuja vida devocional familiar foi evidenciada nas Escrituras e o principal motivo pelo qual se alcançou a salvação do juízo divino do dilúvio e se permitiu a perpetuação da espécie humana e das espécies animais terrestres.
– Neste instante triste da história da humanidade, temos o exemplo de Noé. Noé achou graça diante dos olhos do Senhor e um dos aspectos de sua vida que agradaram ao Senhor foi, precisamente, o de manter, na sua família, um altar de adoração ao Senhor.
Podemos afirmar isto porque, apesar de Deus ter Se dirigido somente a Noé, quando lhe anunciou o dilúvio, prometeu a salvação tanto para Noé quanto para a sua família (Gn.6:13,18), numa clara demonstração de que havia uma comunhão, um compromisso entre Deus e a família de Noé, a demonstrar que, apesar dos tempos difíceis vividos pelo patriarca, em sua casa havia se preservado o culto doméstico que havia sido iniciado por Sete quando do nascimento de Enos.
– O segredo da salvação da família de Noé estava, portanto, na sua vida devocional, no fato de ter havido a preservação e manutenção da invocação ao Senhor, algo que já havia sido abandonado pelos demais descendentes de Sete naquele tempo e isto apesar de Enoque e de suas profecias, inclusive o fato de o filho deste, Metusalá (ou Matusalém), cujo nome significa “homem do dardo” ou “homem de Deus”, ter mantido o ensinamento de seu pai a respeito da maldição que haveria de vir sobre a Terra, tanto que seu neto recebeu o nome de “Noé”, que quer dizer “repouso” (Gn.4:29).
– Aliás, verificamos que Metusalá, o homem que mais tempo viveu sobre a Terra, morreu, exatamente, no ano do dilúvio, tendo sido, por isso, um sinal de Deus para a sua geração. Assim como nos dias de Noé, hoje precisamos manter o culto doméstico e, em nossas famílias, manter vivas as promessas de Deus, nelas confiando, para que, pela confiança nelas, alcancemos a nossa redenção.
– Infelizmente, após o dilúvio, vemos que não houve a mesma continuidade da vida devocional familiar na casa de Noé.
Pelo contrário, verificamos que, depois da oferta de gratidão pelo salvamento, não se vê mais Noé ou seus filhos se dedicando a Deus, buscando a Sua presença, mas, pelo contrário, vemos a família preocupada com afazeres puramente materiais, legítima preocupação, já que o Senhor lhes ordenara que repovoassem a Terra, mas que não poderia assumir a prioridade nas vidas daquela família, que começava a crescer, abençoada pelo Senhor.
– Noé toma uma postura semelhante a de Caim (Gn.9:20). O resultado disto foi o episódio em que vemos Noé amaldiçoando o seu neto Canaã, por causa do erro de seu filho Cão (Gn.9:25), bem como o estabelecimento de inimizade e intriga no seio da família.
Quando o culto doméstico cessa, quando a devoção familiar dá lugar a preocupações materiais que, embora legítimas, não podem tomar o lugar de Deus no grupo familiar, temos a maldição, temos a divisão, temos o fracasso.
– Quando cessa o “fogo da adoração” no lar, as consequências são extremamente funestas para a família e para todo o povo de Deus (II Cr.29:6-9).
Porventura não é esta a situação de muitos lares de crentes que, até pela necessidade da sobrevivência, tomaram o tempo do culto doméstico pelo trabalho secular ou que, por causa do trabalho secular, chegam cansados e não se dispõem a cultuar a Deus em família, preferindo fazer as tarefas domésticas ou descansar?
– A partir desta escolha infeliz de Noé e de seus descendentes, chegamos ao momento em que a idolatria se instala no próprio seio familiar, numa atitude de rebeldia contra o Senhor.
Conforme os estudiosos das Escrituras, foi nesta dispensação, a do governo humano, que se inicia o culto idolátrico, o culto da rebeldia contra o Senhor e Seu senhorio, que tem seu primeiro ponto culminante em Babel, que causou a rejeição das nações e o juízo da confusão das línguas (Gn.11:1-9).
– Diz-nos a Bíblia que, nesta oportunidade, Ninrode era poderoso sobre a Terra (Gn.10:8-10) e é lugar comum entre os especialistas que foi com este primeiro imperador a ser nomeado no texto sagrado que se instituíram as bases do culto idolátrico que, como demonstrou o pastor Abraão de Almeida em sua obra Babilônia ontem e hoje é, em linhas gerais, o cerne de todas as grandes religiões do mundo até nossos dias.
OBS: Nestes trechos que se transcrevem, Abraão de Almeida, em sua obra Babilônia ontem e hoje, publicada pela CPAD, mostra -nos como a idolatria e o paganismo surgiram no seio da família de Ninrode (a paginação é da 1ª edição):
“…Babel é a forma grega de Babilônia e significa Porta de Deus, título que se apropria por haver influenciado poderosamente o desenvolvimento da religião pagã no mundo antigo durante dezessete séculos.
A famosa torre de Babel, cujos restos a Arqueologia tem desenterrado nas cercanias da cidade propriamente dita, ficou como símbolo da confusão religiosa, da rebelião contra Deus e do orgulho humano: ‘ e façamo-nos um nome’.
A memória de Ninrode, perpetuada na gravura e na escultura, ‘ embelezou-se pela lenda que o transformou em divindade, a quem as gerações futuras dirigiam súplicas’(nota 3 – Gênesis 11:4; John D. Davis, Dicionário da Bíblia, Casa Publicadora Batista, Rio de Janeiro, 1965, pág.421) (op.cit., p.16,17).
(…) Foi em Babilônia, após o dilúvio, que a mesma atitude de negação a Deus se manifestou, particularmente através de Ninrode e Semíramis. Era o mistério da injustiça, referido pelo apóstolo Paulo, mais uma vez operando desde a expulsão de Adão e Eva do Éden.
O objetivo era a organização de uma igreja falsa, estruturada dentro de um sistema religioso no qual fosse adorada uma falsa trindade.
Dentro dessa organização, o próprio Satanás estava (e está) preparando o mundo para a sua manifestação futura, quando reinará por um pouco de tempo sob a forma do Anticristo. O princípio é a glorificação do ser humano, divinizador de reis e imperadores, o culto à personalidade.
Somente dentro de tal sistema compreende-se a deificação dos césares e dos grandes homens, aos quais se erigiam templos e em sua honra se ofereciam sacrifícios e libações (op.cit.,p.19) (…) Marduque, Melkart, Kemosh (deus de Moabe) seriam apenas algumas das várias representações pagãs de Ninrode.
Afirma-se que o centauro, deus grego – um cavalo com uma cabeça de homem e com uma arca na mão – era adorado em memória de Ninrode, que foi o primeiro caçador e o primeiro homem a usar o cavalo para a caça e para a guerra.
O famoso rei de Babilônia, segundo a religião desta ímpia cidade, casou-se com Semíramis, a mesma Astarte, Asotorete, Ísis, Ishtar, Afrodite, Vênus, Diana etc.(nota 1 – Gênesis 10.7,8) (op.cit., p.25,26)(…) Da união Ninrode-Semíramis, nasceu Tammuz, mas com um detalhe significativo: a deusa permanecera ‘virgem’.
Aqui está, talvez, a primeira tentativa satânica de dar um falso cumprimento à profecia bíblica relativa ao nascimento de Jesus de uma virgem (nota 6 – Isaías 7.14), anunciada uns setecentos anos antes de Cristo.(…).
Tammuz é o tipo do deus que morre e ressuscita, personificando as forças vivas da natureza. Morre com os calores estivais e ressuscita com a primavera. Era conhecido em Sumer, segundo alguns, cerca de três mil anos antes de Cristo, mas consta, todavia, como filho do casal fundador de Babilônia, logo após o dilúvio.…” (op. cit., p.29)
– Não é por outro motivo que, após a rejeição das nações e seu espalhar pela Terra, Deus resolve criar um outro povo e, para tanto, manda que Abrão saia com sua família (à época, sua mulher Sara e seus servos) da sua terra, da sua parentela e da casa de seu pai, a fim de formar, a partir dele, um novo povo, que começaria por uma família (Gn.12:1).
É elucidativo que Deus tenha reforçado a necessidade de Abrão deixar a sua família de então, ou seja, a casa de seu pai, numa clara evidência de que não se pode servir a Deus se a vida familiar estiver comprometida com a idolatria e o paganismo. Era este o sentido do chamado divino e Deus é o mesmo, pois Ele não muda e n’Ele não há sombra de variação (Tg.1:17).
– Deste modo, não é possível servirmos a Deus nos nossos dias se não separarmos nossas famílias da idolatria e do mundo. Deus quer que O sirvamos, mas para que isto seja uma realidade é mister que também separemos nossas famílias para que haja, em nossos lares, um altar de adoração exclusivo ao Senhor.
A vida de Abrão, que depois passou a se chamar Abraão, sempre foi uma vida pontilhada de altares, numa prova de que sempre foi um homem que, com a sua casa, adorava continuamente a Deus.
Temos saído do mundo ou nossas famílias ainda estão misturadas com o paganismo, com a idolatria, com aquilo que não agrada a Deus? Há culto doméstico em nossos lares? Deus não começou a trabalhar com Abraão enquanto ele não deixou a casa de seu pai!
– O cuidado de Abraão com o culto doméstico é demonstrado em alguns episódios que envolvem a sua vida.
Embora Ló tenha ido com seu tio (o que estava em desacordo com a ordem divina), é certo que não havia mistura entre os servos de Abraão e os servos de Ló, tanto que a Bíblia nos revela que passou a haver contenda entre uns e outros (Gn.13:7), o que revela que havia uma distinção nítida entre eles.
– Os servos de Abraão eram ensinados segundo os costumes e as crenças do velho patriarca, como se verifica de Gn.14:14, quando vemos que os servos levados para a peleja eram apenas os “nascidos em sua casa”, ou seja, aqueles que eram formados e treinados conforme os preceitos acolhidos pelo patriarca, que, por sua vida diferente, era identificado pelos demais moradores de Canaã como “o hebreu” (Gn.14:13). Quando vemos
Abraão angustiado pela demora no cumprimento da promessa, ele apresenta a Deus como seu herdeiro o damasceno Eliezer, por ser “nascido em sua casa” (Gn.15:3).
– Por fim, quando observamos a narrativa bíblica do sacrifício de Isaque, percebemos que o moço já havia sido ensinado pelo velho patriarca o que era sacrificar e adorar a Deus, a ponto de Isaque ter, inclusive, percebido que faltava o cordeiro dentre os apetrechos necessários para o ato (Gn.22:7).
Todos estes fatores demonstram, com clareza, que, conforme a ordem divina, Abraão instituiu um culto doméstico a Deus e pautava pela sua manutenção e conservação e foi graças a este culto que pôde se distinguir, com os seus, dentre os demais moradores. A formação de um povo peculiar por Deus, portanto, iniciou-se com uma família, que se manteve graças ao culto doméstico.
– Ora, Abraão é chamado nas Escrituras de “nosso pai” (Rm.4:12,16; Tg.2:21), cuja bênção chegou até nós por intermédio de Cristo Jesus (Gl.3:29), devemos agir como ele agiu, ou seja, instituir, em nossas famílias, um culto doméstico de modo que ensinemos a nossos filhos quem é o Deus a quem servimos, adoremos-Lhe e não permitamos que nossos familiares se misturem com os que não conhecem a Deus.
– A presença do culto doméstico foi fundamental para que, apesar até da escravidão, Israel se formasse como uma nação destinada a adorar ao Senhor.
Quando Deus Se apresenta a Moisés no meio da sarça ardente, identificou-Se como sendo o “ Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (Ex.3:6).
É interessante observar que Deus, em primeiro lugar, identificou-Se como sendo o Deus do pai biológico de Moisés, ou seja, o fundamento da fé de Moisés, de toda a sua formação espiritual, jamais esquecida a despeito de toda a ciência do Egito que lhe foi posteriormente ministrada, estava no culto doméstico, nos ensinamentos que lhe foram ministrados por seus pais ainda na tenra infância, quando, pela Providência Divina, pôde ser criado por seus pais biológicos (Ex.2:9,10).
– Através de seus pais, Anrão e Joquebede (Ex.6:20), Moisés obteve a formação que o permitiu, já grande, abandonar tudo o que o mundo lhe ofereceu (e, observemos, era o suprassumo do que havia naquela época, ou seja, o mais excelente que se poderia ter em termos de poder, conhecimento e fama), para servir a Deus (Hb.11:24-27).
Vemos, pois, que a presença de um culto doméstico é a principal arma que temos na vida familiar para impedir que o mundo e o pecado seduza os integrantes de nossa família.
– A propósito, devemos ver que isto não ocorreu apenas com Moisés. Toda a sua geração havia sido, igualmente, ensinada no temor do Senhor nas casas, através do culto doméstico, já que Israel se encontrava cativo no Egito e ainda não havia sido criada qualquer estrutura cerimonial ou similar para a adoração a Deus.
Temos condição de isto afirmar porque não houve dificuldade para que o povo entendesse a mensagem de Moisés, quando este, após quarenta anos distante de seu povo, retornou com a missão de libertação do povo.
– O povo de Israel clamava a Deus, pedindo libertação (Ex.3:7). Como tinham aprendido a clamar a Deus?
Naturalmente, por força do ensino que haviam recebido dos seus pais, conheciam a Deus e a Ele adoravam nos cultos domésticos que realizavam em seus lares, a única forma pela qual poderiam servir ao Senhor.
Tanto assim é que o próprio Deus orientou a Moisés, apesar de Se ter revelado pelo Seu próprio nome (algo que jamais ocorrera até então), que O identificasse como o “Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (Ex.3:15), ou seja, exatamente como Se fez conhecer a Moisés.
– A geração contemporânea de Moisés alcançou a liberdade e a redenção porque era uma geração que cultuava a Deus nos seus lares.
Se queremos alcançar a Canaã celestial, de igual modo teremos de ter uma vida devocional familiar, teremos de construir, em nossos lares, um altar. Sem esta base, não há como livrarmos nossas famílias do jugo, do tacão de Faraó!
– Quando foi entregue a lei a Israel, a importância do culto doméstico não diminuiu. Muito pelo contrário, a observância da lei ficou relacionada à preservação e manutenção da adoração doméstica a Deus, tendo sido cometido aos pais o ensino da lei a seus filhos (Dt.6:7-9; 18:18-21; Sl.78:1-8).
– O culto doméstico, como se pode ver, portanto, continuou a ser a mola mestra, o pilar de sustentação da adoração a Deus na dispensação da lei e, quando vemos os fracassos espirituais do povo de Israel, sempre contemplamos que o fracasso nacional se iniciou por causa da negligência na adoração doméstica, negligência esta que se expandiu para toda a nação. Senão vejamos:
a) nos dias de Josué
– Josué chamou o povo para a realização de um pacto com Deus, ao perceber que o povo já se iniciava a se desviar dos caminhos do Senhor. Sua disposição de servir a Deus foi peremptória: “eu e a minha casa serviremos ao Senhor” (Js.24:15 “in fine”), ou seja, Josué não só se dispunha a servir a Deus mas a levar a sua família a servi-l’O, numa clara demonstração de que não pode haver continuidade na adoração a Deus se não existir uma vida devocional familiar.
– O que nos chama a atenção aqui, entretanto, é que o povo, ao resolver servir a Deus, deitou fora os deuses estranhos que havia no meio deles (Js.24:23). Ora, como tem mostrado a arqueologia seguidamente nos achados na Palestina, estes “deuses estranhos” eram, quase sempre, ídolos mantidos pelas famílias em suas casas, ou seja, a idolatria em Israel começou nos lares e, depois, se expandiu por todo Israel.
b) nos dias dos juízes
– O período dos juízes é um período de grande instabilidade espiritual, como nos mostra o texto de Jz.2. O povo logo se desviava dos caminhos do Senhor e era objeto de servidão, até que se voltava para Deus e Este enviava um libertador. Mas como começou este período tão triste da história de Israel?
– Começou com a negligência familiar na adoração a Deus, como nos dá conta Jz.2:10,11: “ E foi também congregada toda aquela geração a seus pais, e outra geração após deles se levantou, que não conhecia ao Senhor, nem tampouco a obra que fizera a Israel.
Então fizeram os filhos de Israel o que parecia mal aos olhos do Senhor, e serviram aos baalins.” O texto é claro: não cumpriram os pais de família em Israel a missão de ensinar a lei do Senhor a seus filhos.
– O resultado disso foi o surgimento de uma geração que não tinha conhecimento do Senhor, que não sabia quem era Deus, e, por causa disto, apesar de estarem já instalados em Canaã, na terra que mana leite e mel, de terem relativa estabilidade sócio-político-econômica, o povo fracassou espiritualmente, passando a ser um povo idólatra, idolatria esta, como já vimos, que se iniciava no lar.
– Porventura, não é este o perigo que vive a igreja, mormente os pentecostais e, entre os pentecostais, as Assembleias de Deus, que vivem um momento de mudança de geração nas suas fileiras?
A falta do culto doméstico, a falta da adoração a Deus no lar provocará os mesmos efeitos que provocou na geração subsequente a Josué no povo de Israel: o aparecimento de homens e mulheres que, embora nominalmente pertencentes ao povo de Deus, não conhecem ao Senhor e serão presa fácil da idolatria e do mundo, que, aliás, se introduzirão nas vidas destas pessoas a partir dos seus lares.
– Tanto assim é que a primeira tribo a, coletivamente, apostatar e deixar a Deus em troca dos ídolos foi a tribo de Dã, como nos contam os capítulos 17 e 18 do livro de Josué e tudo começou com uma família desmantelada, a família de Mica.
c) na instituição da monarquia
– A Bíblia diz-nos que o pedido dos israelitas para terem um rei, a instituição da monarquia como regime político em Israel, não foi algo que tenha agradado a Deus (I Sm.8:7,8).
Mas como o povo chegou a desejar, coletivamente, algo que não era do agrado do Senhor, apesar de ser o povo escolhido, a propriedade peculiar de Deus entre os povos (Ex.19:5,6)?
– Ao analisarmos o contexto em que foi feito este pedido, chegaremos à conclusão de que se deixou a direção divina de forma coletiva por causa da ausência de um culto doméstico seja nos lares dos governados, seja nos lares dos governantes.
Os dois últimos juízes de Israel, Eli e Samuel, foram negligentes na vida devocional familiar, embora tenham sido homens de Deus.
– Eli foi tolerante e consentiu com os pecados e crimes de seus filhos Hofni e Fineias, a revelar que não havia, no lar, uma adoração contínua. Sem ter servido a Deus em sua casa, estes dois filhos de Eli não tiveram qualquer pudor ou temor em tornar a casa do Senhor em ambiente de corrupção e prostituição.
– Samuel, que a tudo assistiu, parece que também não aprendeu a lição e, de igual modo, não deu uma boa formação a seus filhos que, constituídos como juízes de Israel, mostraram-se corruptos, sem que seu pai tenha feito qualquer advertência ou admoestação.
– Enquanto isto, como afirmou o próprio Deus, o povo também se corrompia em seus lares, por onde ingressava a idolatria, que o Senhor disse ser o fator responsável pela rejeição do reinado direto de Deus sobre Israel. Vemos, mais uma vez, a falta do culto doméstico como a responsável por mais um fracasso espiritual.
d) no término do reino do norte, o reino de Israel
– O profeta Oseias, que foi testemunha dos últimos dias do reino do norte, o reino de Israel, que abrangia as dez tribos que haviam seguido Jeroboão, foi taxativo ao afirmar, da parte de Deus, que o seu povo foi destruído por falta de conhecimento (Os.4:6, parte inicial).
– Esta falta de conhecimento, caracterizada pela idolatria, tem seu início exatamente na vida familiar, como bem ilustra não só o próprio casamento do profeta (Os.1:2) como também a mensagem trazida ao povo naqueles dias, onde as famílias eram vitimadas pela prostituição e pelo adultério (Os.4:13,14).
– Como já dissemos, a idolatria começava nos lares israelitas e, quase sempre, estava relacionada com a adoração aos baalins, ou seja, ídolos familiares representativos de Baal e Asera, cujo culto era feito mediante a chamada “prostituição cultual”, já que estes deuses eram tidos como deuses da fertilidade. Os lares foram a porta de entrada do pecado e a brecha que se abriu para a destruição de Israel.
– Um exemplo disto vemos no episódio que envolveu o profeta Eliseu e alguns “rapazes pequenos”, que zombavam do profeta quando este ia de Jericó para Betel (II Rs.2:23-25).
Aqueles adolescentes insolentes eram o resultado de lares onde não mais se servia a Deus, mas, sim, a Baal. A consequência disto foi a maldição vinda sobre o profeta sobre eles e a morte de quarenta e dois deles.
– Porventura, não é isto que está a acontecer em muitos lares de servos de Deus que, por terem deixado seus filhos serem doutrinados pelo inimigo de nossas almas, estão hoje, também, a exemplo dos pais daqueles
“rapazes pequenos”, a lamentar a maldição que veio sobre eles e a sua destruição espiritual e física por causa do envolvimento dos filhos com prostituição, drogas e criminalidade?
e) no término do reino do sul, o reino de Judá
– Se a idolatria foi a causadora da destruição do reino do norte, coisa diferente não aconteceu com o reino do sul, o reino de Judá.
Também vemos o povo, nos dias de Jeremias, cultuando a “rainha dos céus”, fazendo- lhes bolos, culto este que Abraão de Almeida, na sua obra já mencionada, também identifica como sendo o culto a Asera, um culto que tinha início no próprio lar, como se vê de Jr.7:18 e 44:19.
Mais uma vez vemos que a idolatria se infiltrou no reino do sul a partir dos lares, a partir do descuido e da negligência de se cultuar a Deus nos lares.
– Se é nos lares que a idolatria e o pecado se introduziram em Israel, foi também através dos lares que Deus curou este mal do meio do seu povo, durante o cativeiro da Babilônia, cuja principal função terapêutica foi a de eliminar, para sempre, o mal da idolatria do meio do povo de Israel.
– Durante o cativeiro da Babilônia, criou-se, entre os judeus, um sistema e uma estrutura familiar de adoração a Deus que foi a grande responsável pela manutenção e preservação da nação judaica até os nossos dias.
– Em Babilônia, os judeus criaram a “sinagoga”, local onde se reuniam, aos sábados, para cultuar a Deus, já que o templo fora destruído e eles estavam em terra estranha, ao mesmo tempo em que as famílias passaram a cumprir com seu dever de ensinar a lei aos seus filhos, para que estes não perdessem o contacto com as promessas divinas, apesar de não mais poderem sacrificar no templo.
– Mesmo com o término do cativeiro, nem todos os judeus voltaram para a Palestina e grandes colônias judaicas se formaram ao redor do mundo, tendo sido mantida esta estrutura de sinagogas, como complemento da educação familiar, durante todo o período do chamado “Segundo Templo”, tanto que, com a sua destruição, no ano 70 d.C., nem por isso os judeus perderam a sua identidade.
– A identidade do povo judeu mantém-se até hoje, nos quatro cantos da terra, havendo, ainda hoje, mesmo depois do restabelecimento de Israel como nação, mais judeus fora da Palestina do que judeus na Palestina.
Tudo isto fruto de uma educação familiar, que tem preservado a observância da lei judaica. Os judeus rejeitaram Jesus mas não deixaram de transmitir, nos seus lares, geração após geração, os ensinos de Moisés.
– Verdade é que isto só se tornou possível porque, logo após o retorno do povo do cativeiro, Esdras e Neemias foram rigorosos e cuidaram de impedir que as famílias dos judeus abrissem, novamente, brecha para o pecado e para a idolatria.
– O zelo e o cuidado destes homens de Deus para com as famílias de seu tempo, retratados, principalmente, nos capítulos 9 e 10 de Esdras, 9 e 10 e 13:23-27 de Neemias, tendo sido fundamental para que não se retornasse à mesma situação anterior ao cativeiro da Babilônia. Devemos ter esta mesma atitude que tiveram estes homens de Deus, impedindo que nossas famílias sejam tomadas pelo nosso adversário.
– Na dispensação da graça, a importância do culto doméstico não é em nada diferente. Jesus nasceu numa família regularmente constituída segundo os preceitos de Sua época, para nos mostrar que o fundador da Igreja também veio de uma família, ou seja, que a igreja depende da estrutura familiar.
– Não bastasse isso, vemos a preocupação de nosso Senhor com a Sua própria família, à qual salvou antes de subir aos céus, tanto que Seus irmãos e Sua mãe que n’Ele não criam durante o Seu ministério público (Jo.7:5), aguardaram e receberam o batismo com o Espírito Santo no dia de Pentecostes (At.1:14).
– A preocupação com a existência de um culto doméstico é uma constante na vida da igreja primitiva. Logo no início, vemos que havia cultos tanto no templo de Jerusalém como nas casas (At.5:42), numa clara demonstração de que as famílias também cultuavam a Deus, ainda que acompanhadas de outros irmãos em
Cristo, algo bem diferente do que os defensores do “movimento celular” têm ensinado nos nossos dias.
– As reuniões domésticas eram reuniões sobretudo familiares, com a participação, inclusive, de crianças e jovens (cfr. At.12:13-16) e não reuniões de “células” de iniciados, que não podem ultrapassar o número de 12 discípulos, como têm alguns, erroneamente e contra os princípios bíblicos, ensinado.
Eram cultos domésticos, que se constituíam numa prática importantíssima da igreja. Foi graças a esta prática que a igreja não foi destruída quando da perseguição, quando, então, não pôde mais se reunir no templo, nem tampouco ter a orientação direta dos apóstolos (At.8:1).
– Todos os discípulos que, dispersos, passaram a pregar o Evangelho por toda parte eram homens e mulheres que, antes de tudo, tinham verdadeiras igrejas em suas próprias casas (cfr. Rm.16:5a).
– Tanto assim é que passou a ser requisito para a separação de um obreiro a sua conduta em sua própria casa (I Tm.3:4,5,12), o que nos permite concluir que os lares não eram apenas lugares onde se podia ver a conduta secular, o comportamento do candidato a obreiro enquanto cidadão ou homem social, mas também porque os lares eram verdadeiros altares de adoração a Deus, de forma que se poderia ali mesmo observar como se portava o candidato a obreiro como um sacerdote, como um ministro de oração e da Palavra.
– Não é por outro motivo que encontramos na casa do diácono e evangelista Filipe um ambiente altamente espiritual (At.21:8,9).
Lamentavelmente, o mesmo já não podemos dizer da maior parte dos lares dos obreiros dos nossos dias, cujos ministérios se desenvolvem em apartado de suas famílias, o que não é bom nem agrada a Deus.
Muitos estão a precisar de Jetros que venham trazer-lhes suas famílias, para que estes sirvam a Deus com estas famílias e não as desamparando, como se arriscou a fazer Moisés (Ex.18:2-6). Moisés só pôde liderar o povo depois que estava com a sua família.
– A história da Igreja tem sido, sempre, a história de famílias abençoadas, que são verdadeiros altares de adoração a Deus e que se constituem nas vigas mestras, nas colunas de todo o trabalho de evangelização. O culto doméstico é essencial para que as famílias se mantenham assim e, por conseguinte, para que a igreja cumpra o seu papel até a volta do Senhor.
II – A CASUÍSTICA BÍBLICA: OS ÍDOLOS NA FAMÍLIA DE JACÓ
– Para ilustrar os males da idolatria na família, nosso comentarista traz dois exemplos bíblicos: o primeiro, a presença de ídolos na família de Jacó.
– Como vimos na lição anterior, Jacó, ao ir para Padã-Arã, não teve firmeza espiritual. As próprias circunstâncias de ter de ir para uma terra estrangeira e de ficar sob a autoridade de seu tio contribuíram para que Jacó tivesse esta vacilação.
– Como se não bastasse isso, guiado que foi pela atração física a Raquel, envolveu-se com o trabalho material, deixando um pouco de lado a sua vocação espiritual e acabou por formar uma família nos moldes gentílicos, ao aceitar a bigamia precisamente para não perder de desposar Raquel.
– Dentro deste quadro, seus filhos foram todos criados num ambiente idólatra, pois os arameus, como de resto todos os gentios, eram idólatras, desde antes mesmo da rebeldia ocorrida em Babel.
– Assim, mesmo depois que Jacó iniciou uma jornada de renovação espiritual, atendendo à voz divina para retornar a Canaã (Gn.31:3), havia uma nítida mistura de sua família com o “modus vivendi” de
Padã-Arã e, tanto é assim que, mesmo tendo todos decidido ir para Canaã, ante a situação de difícil convivência que se instalara com Labão, Raquel furtou os ídolos de seu pai (Gn.31:19).
– Notemos que este gesto de Raquel revelava bem onde estava o seu coração. Jacó havia dito a suas mulheres o que Deus lhe havia dito e que era necessário sair da parentela e ir para a terra que o Senhor lhe havia prometido dar (Gn.31:13), mas Raquel, embora aceitasse partir, mostrou que queria ainda servir os deuses de seus pais, sendo que os arqueólogos e historiadores atestam que tais ídolos eram, também, uma prova de propriedade da terra.
– Raquel estava partindo de Padã-Arã mas não queria que Padã-Arã partisse dela. Queria manter os seus deuses, numa prova indelével de que a família de Jacó fora construída sem o temor a Deus, sem a devida educação doutrinária, misturada que estava com os habitantes arameus.
– Ao contrário de seu pai Isaque, que cedo influenciara Rebeca a servir a Deus, Jacó, em sua inatividade espiritual de vinte anos (veja que, em momento algum, é dito, neste período que Jacó tivesse erigido um altar ao Senhor ou tivesse orado), permitiu que toda a sua família fosse contaminada com a idolatria.
– Em nossos dias, não é diferente. Muitos pais de família, a exemplo de Jacó, estão a dar prioridade às coisas materiais, ao sustento do lar, ao enriquecimento do ouro e da prata, descuidando de sua vida espiritual e, por conseguinte, não sendo referência para o cônjuge e para os filhos, deixando de exercer o necessário sacerdócio no lar.
O resultado disto é o envolvimento dos integrantes da família com o mundo, com o pecado, fazendo com que, a exemplo do pai de família inativo espiritualmente, tenham seus corações presos às coisas desta vida, gerando idolatria, pois substituem Deus por outros deuses, como Mamom (as riquezas) ou os prazeres deste mundo.
– Esta triste realidade, aliás, é vista cada vez mais nos países ditos cristãos, alguns até já se intitulando “pós-cristãos”, com as igrejas locais fechando suas portas, precisamente porque a membresia está falecendo e os filhos e netos se perderam no mundo, tendo adotado uma vã maneira de viver, já que não foram devidamente ensinados na Palavra de Deus.
E já se nota isto acontecer entre nós, brasileiros, não é algo mais apenas que esteja acontecendo nos Estados Unidos e na Europa.
– Raquel fez isto deliberadamente, às escondidas e, ainda mais, mentiu ao seu pai Labão, para poder conseguir levar os ídolos para Canaã, como efetivamente os levou (Gn.31:32-35).
– Raquel conseguiu levar os ídolos para Canaã, mas a família de Jacó jamais poderia seguir a Deus enquanto esta idolatria vigorasse naquele lar.
Estabelecidos perto de Siquém, logo Diná se envolveu com Hamor, príncipe de Siquém, perdendo a sua virgindade. Isto acabou por gerar um conflito entre os siquemitas e a família de Jacó, que acabou em grande mortandade promovida por Simeão e Levi.
– Este estado de coisas fez Jacó perceber que havia a necessidade de uma verdadeira conversão de sua família a Deus. Estava ele em Siquém, quando deveria ter ido a Betel. Estava ele a tolerar a idolatria em seu lar, o que havia causado não só a imoralidade de Diná como a matança patrocinada por Levi e Simeão.
– Não podemos querer participar da mesa do Senhor e da mesa dos ídolos (I Co.10:21). Deus exige exclusividade e não há lugar para outros deuses em nossos lares. Jacó caiu em si e exigiu uma postura de toda a sua família.
– O Senhor lhe aparece e lhe manda ir a Betel para ali edificar um altar ao Senhor (Gn.35:1). Jacó sabia que não podia se apresentar a Deus com sua família em situação de idolatria e toma uma postura: manda tirar os deuses estranhos que havia no meio deles, purificar-se e mudar as suas vestes (Gn.35:2).
– Jacó chama sua família ao arrependimento e à santidade e, fazendo assim, conseguiu com que, finalmente, sua família se inserisse no propósito divino de ser o núcleo do povo que seria propriedade peculiar de Deus dentre os povos (Ex.19:5).
– Pode dizer que foi neste dia que a casa de Jacó se tornou os “filhos de Israel”, quando a conversão, que já havia ocorrido na vida do patriarca, chegou até a sua família.
Seus familiares atenderam à convocação de Israel e deram todos os deuses estranhos que tinham em suas mãos e as arrecadas que estavam em suas orelhas e Jacó os escondeu debaixo do carvalho que estava junto a Siquém (Gn.35:4).
– A família, então, poderia seguir, agora, ao encontro de Deus em Betel, porque havia abandonado a idolatria, havia resolvido servir só ao Senhor.
Em Betel, Jacó edificou um altar, toda a família adorou a Deus e o Senhor abençoou a Jacó (Gn.35:6-12), revelando-Se ao patriarca como o Deus Todo-Poderoso.
– Não há como ter a bênção divina em nossas famílias, não há como recebermos o propósito divino enquanto não abandonarmos a idolatria, a maneira mundana de se viver.
III – CASUÍSTICA BÍBLICA: A FAMÍLIA DE MICA
– O outro caso trazido pelo comentarista é o da família de Mica. Esta família é mencionada no capítulo 17 de Juízes, precisamente porque é uma espécie de protótipo do estado espiritual das famílias de Israel no período dos juízes, uma parte da história do povo de Deus onde se tem uma verdadeira tragédia espiritual.
– Com esta narrativa doméstica, o escritor sagrado mostra que a origem de todo este estado de coisas caótico do ponto de vista espiritual era a família.
– A desagregação familiar é o fator mais poderoso e condição necessária para que se tenha a derrocada de uma sociedade e a própria desestruturação tanto do indivíduo quanto do tecido social.
– O próprio Deus, através de Moisés, não deixou de registrar que o fator que permitiria a continuidade do povo de Israel como um reino sacerdotal e uma propriedade peculiar de Deus dentre os povos (Cf.Ex.19:5,6) seria a vida familiar, onde seria possível a transmissão, a todo tempo, dos mandamentos do Senhor (Dt.6:7-9), não tendo a sensibilidade do salmista deixado escapar que a fonte da destruição seria, exatamente, a falha nesta transmissão (Sl.78:1-8).
– Mica morava na montanha de Efraim, lugar dos melhores da Terra Prometida, recentemente ocupada pelos hebreus.
– Era um local extremamente fortificado, cujos moradores se notabilizavam pela qualidade de seus carros de guerra (Cf.Js.17:17,18), sendo um lugar de exuberante vegetação, chamada de bosque, isto em meio a uma terra desértica, como é a Palestina.
– Era, também, uma região de clima mais ameno, diante da altitude e que, portanto, combinava elementos plenamente favoráveis para uma vida material próspera e agradável.
– Mas Mica não só morava num lugar próspero, como também era de uma família próspera, pois é dito que sua mãe havia perdido mil e cem moedas de prata, uma das maiores quantias mencionadas na Bíblia que estivessem em poder de uma família comum, como era a família de Mica.
– Lembremo-nos de que um bom escravo valia trinta moedas de prata (Ex.21:32) e, portanto, a mãe de Mica perdeu uma quantia que permitia comprar trinta e oito escravos.
– Vejam, ainda, que isto foi o que a mãe de Mica pensou ter perdido, ou seja, a fortuna da família era bem maior do que isto.
– Vê-se, portanto, que a família morava num lugar bom e possuía uma condição econômico-financeira muito boa, mas, nem por isso, era uma família que pudesse ser tomada como exemplo para o país.
Muito pelo contrário, ela é inserida nas Escrituras Sagradas exatamente para nos mostrar como uma família pode desencadear um mal eterno e perpétuo para um povo, mesmo um povo escolhido por Deus, como era Israel, precisamente por não se estruturar debaixo .
– A família de Mica será a ilustração do escritor sagrado do livro dos Juízes de que não basta uma boa situação econômico-financeira, uma boa posição social, uma boa educação para que uma família seja bem estruturada e possa contribuir para a melhoria das condições de vida da sociedade, mas que o fundamento de uma família deve ser, sempre, a submissão à Palavra de Deus.
– Apesar de toda a situação econômico-financeira favorável, Mica era um ladrão. Com efeito, as mil e cem moedas de prata que haviam se perdido, na verdade, haviam sido furtadas por Mica (Jz.17:17:2). Mica era, pois, um ladrão e não poupava sequer a sua mãe!
– Para Mica chegar a esta situação, a de ser um ladrão apesar de toda a sua boa condição econômico-financeira, havia de existir uma razão, um motivo determinante, pois isto não se dá à toa, sem qualquer motivo ou razão. Aliás, ensinam os estudiosos do direito penal, que não há crime sem motivo.
– O principal motivo de Mica ter se tornado ladrão foi a má perfomance de sua mãe no seu papel de educadora. Como podemos demonstrar que a mãe de Mica falhou na formação espiritual e moral de seu filho?
– Em primeiro lugar, vemos que a mãe de Mica, a segunda personagem que surge neste texto que estamos estudando, era uma mulher que não dava exemplo de serva de Deus. Diz a Bíblia que, quando perdeu as moedas, não cansava de “deitar maldições” por esta perda (Jz.17:2).
– Ora, a Palavra nos ensina que a boca fala do que o coração está cheio (Mc.7:20-23) e, deste modo, se aquela mãe amaldiçoava incessantemente, a ponto de seu filho dizer que era o que ouvia de sua mãe constantemente (Jz.17;2), vemos que o coração daquele mulher estava cheio de maldade e de avareza.
– A mãe de Mica era uma pessoa costumada a amaldiçoar, a maldizer, a desejar o mal dos outros, preocupando-se com a vida alheia e nem sequer sabendo o que se passava na sua própria casa.
– Outra característica que percebemos na vida desta mulher é que, além de ter um coração cheio de maldade, era uma mulher muito preocupada com as coisas materiais e com a vida alheia, mas totalmente ausente na sua própria casa.
– Podemos afirmar isto porque a mulher resolveu amaldiçoar a tudo e a todos pelo desaparecimento de suas mil e cem moedas de prata mas não se deu conta de que o ladrão era o seu próprio filho. Aliás, só o soube porque Mica, cansado de ouvir tantas maldições, resolveu confessar o crime para a sua mãe.
– Isto demonstra que a mãe de Mica estava completamente alheia ao que se desenvolvia na sua casa e que nem sequer desconfiava de que seu filho era um ladrão.
– Mica havia crescido num ambiente avesso à realidade . Sua mãe, ao invés de edificar a casa e de dirigir seus filhos no caminho da retidão, tinha seu coração cheio de maldade e de avareza, de forma que seu filho acabou apreendendo este péssimo exemplo e se enveredou pelo caminho da cobiça material, diríamos hoje, do consumismo desenfreado, passando a desprezar os mais elementares princípios morais, a ponto de furtar a sua própria mãe.
– Porém, cansado das imprecações e das “pragas” irrogadas por sua mãe, acabou confessando o delito e devolvendo as mil e cem moedas de prata para sua mãe.
– E aí vemos outra característica lamentável desta senhora, qual seja, diante da constatação nua e crua de que seu filho era um ladrão, a mãe de Mica nem sequer repreendeu seu filho, mas, bem ao contrário, diz-nos o texto sagrado, quis devolver o dinheiro ao filho (Jz.17:3).
– Vemos aqui a que ponto chega alguém destituído de qualquer autoridade moral como era a mãe de Mica. Diante da confissão do delito por parte de seu filho, a mãe não só não o disciplinou como ainda ratificou o gesto errôneo de seu filho, decidindo devolver o dinheiro a ele.
– A disciplina, ao contrário do que muitos têm entendido, não é uma ação senão de correção, não tem outro objetivo senão a restauração do errado. Trata-se de medida que tem como propósito apontar o erro mas com o objetivo de que o seu autor não volte mais a errar.
– A mãe de Mica não tinha como disciplinar seu filho, que se revelara tão avarento quanto a mãe. A mãe de Mica não tinha como dar um conselho ao seu filho, de dizer que queria o seu bem, já que tanto o amaldiçoara.
A mãe de Mica não tinha como dizer que sempre se preocupara com seu filho, já que nem sequer percebera que tinha sido ele o ladrão. Em suma: a mãe de Mica não tinha qualquer autoridade e, portanto, não havia naquele lar espaço para qualquer disciplina.
– Sem disciplina, não se tem a plenitude do amor na família. Sem disciplina, não se sente a filiação. Sem disciplina, a destruição e a morte são certas.
– Mica, que não podia ser senão desobediente, simplesmente não aceitou a “compensação” de sua mãe, que, então, ficou com as moedas mas perdeu, ainda mais, a sua autoridade.
– Mas temos, ainda, ainda um triste defeito da mãe de Mica: a vida dupla. Recusada a doação por Mica, sua mãe revela uma outra faceta de sua personalidade corrompida.
Diz-nos o texto sagrado que a mãe resolveu dedicar integralmente as moedas para o Senhor e, assim, mandou que um ourives fizesse uma imagem de escultura e fundição (Jz.17:4).
– Esta afirmação da mãe de Mica bem demonstra que aquela mulher, como tantas outras nos seus dias (e nos nossos dias), tinha uma vida dupla diante de Deus.
Falou em dedicação integral ao Senhor das moedas, mas usa apenas duzentas delas (eram mil e cem, lembram-se?) e para que? Para a elaboração de um ídolo, de uma imagem de escultura e fundição!
– Aquele gesto contrariava totalmente o segundo mandamento do Decálogo, que era, exatamente, o de não se ter imagens de escultura representativas de qualquer ser ou objeto existente nos céus e na terra (Ex.20:4-6).
– Entretanto, para o “modus vivendi” daquela mulher, era algo extremamente natural, visto até como uma forma de se agradar a Deus, tamanha era a sua cegueira espiritual.
– A mãe de Mica pensou estar fazendo uma dedicação integral a Deus quando ofereceu apenas parte da quantia e, ainda por cima, para a elaboração de uma imagem de escultura e fundição.
– Muitos, nos nossos dias, têm o mesmo procedimento. Dizem estar integralmente dedicados a Deus, mas mantêm parte de sua vida longe do senhorio de Cristo. Dizem ser integralmente dedicados a Deus, mas ousam selecionar o que devem, ou não, seguir, das Escrituras. Dizem ser integralmente dedicados a Deus, mas querem fazer o que desejam, quando desejam e como desejam.
– São estes, assim como a mãe de Mica, nada mais, nada menos que idólatras! Podem até não ter mandado fazer uma imagem de escultura e fundição, mas por que não o mandaram fazer?
Exatamente, porque já o fizeram, eles mesmos, em seus corações. E quem são estes ídolos? Eles próprios.
O famoso “EU”, que se constitui no maior adversário de nós mesmos, tanto que o autor de conhecido cântico da Harpa Cristã diz que temos de vencer a nós mesmos nesta batalha contra o mal.
– A “dedicação integral” da mãe de Mica, na realidade, é dedicação nenhuma. Quanto daquelas mil e cem moedas de prata foram dedicadas ao Senhor? Nenhuma! Portanto, a chamada “dedicação integral” não existia senão na autojustificação e na religiosidade vazia e hipócrita daquela mulher.
– Sem um coração voltado para Deus, sem disciplina, sem amor, aquele lar não poderia senão ser um lugar de idolatria, senão um lugar dedicado aos ídolos e ao culto de falsos deuses.
– Percebamos que aquele lar não se tornou um centro de idolatria quando o ourives entregou a encomenda para a mãe de Mica, mas já bem antes disto, havia ali se dedicado aquele lugar para o culto a falsos deuses.
– Bem antes da entrega da imagem de escultura e fundição, já se tinha o dinheiro como deus desta casa, como se percebeu, como já dissemos, pela própria conduta daquela mulher ao perder aquela quantia, como pela própria ganância e cobiça de Mica que o levaram ao furto daquelas mil e cem moedas de prata.
– Bem antes da entrega da imagem de escultura e fundição, já se tinha a egolatria naquela casa, em que cada um agia conforme o seu parecer e a sua vontade, em total desatenção aos mandamentos do Senhor e de Sua Palavra.
– Ah, como há diversas casas em que o Senhor é apenas citado nominalmente, talvez em orações mecânicas e automáticas (que são verdadeiras rezas), nas horas de refeição ou pouco antes das horas de dormir, mas onde, há muito, outros têm sido os verdadeiros deuses da casa! Ah, quantos lares ditos cristãos em que, na verdade, há muito o Senhor deixou de ser o Rei!
– Era uma família desmantelada, totalmente divorciada e do genuíno culto a Deus. Era uma família totalmente alheia à vontade do Senhor, uma família visceralmente dominada pelo mal e escravizada pelo pecado.
– Uma família desta natureza é uma chaga, é um mal não só para si e para seus membros, mas para toda uma sociedade. Tanto é que foi, por intermédio desta família, que a tribo de Dã se tornaria a primeira tribo a adotar coletivamente a idolatria, como nos mostra a sequência da narrativa do livro de Juízes.
– Que não sejamos uma família de Mica e que, agasalhando a idolatria, venhamos a perturbar a saúde espiritual de toda a igreja local a que pertencemos. Deus nos guarde!
Pr. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/9046-licao-4-idolos-na-familia-i