LIÇÃO Nº 9 – A IGREJA E O SUSTENTO MISSIONÁRIO
INTRODUÇÃO
-Na sequência do estudo sobre missões transculturais, hoje abordaremos a questão do sustento missionário.
-A normalidade é o missionário ter dedicação integral na obra de Deus.
I– O TRABALHO
-Continuando o estudo a respeito das missões transculturais, abordarem hoje um tema sensível que, aliás, não está circunscrito às missões transculturais mas que também tem seus desdobramentos na própria igreja local, que é a questão das atividades cotidianas dos ministros do Evangelho e, no caso específico, do próprio missionário.
-Devem os obreiros, e, em especial, os obreiros em tempo integral serem assalariados pelas igrejas locais e terem dedicação exclusiva para a obra de Deus, ou, pelo contrário, devem eles trabalhar secularmente, como todos os demais membros, nada recebendo por seu trabalho ministerial?
-Esta discussão tem permeado toda a história da Igreja. Nos escritos do apóstolo Paulo vemos que foi um dos assuntos que serviu de debate já nos tempos apostólicos, havendo quem questionasse a possibilidade de sustento dos obreiros por parte da membresia e, nos dias hodiernos, é este um dos temas mais recorrentes, notadamente por conta dos inimigos do Evangelho, que sempre procuram criar uma imagem do que chamam genericamente de “pastor”, como alguém que nada faz e vive às custas dos membros de sua igreja.
-Antes de mais nada, precisamos mostrar o que a Bíblia fala a respeito do trabalho e de que como ele é uma figura essencial da humanidade.
-Ao criar o homem, Deus o criou com o objetivo de que fosse este ser uma criatura que trabalhasse, um trabalhador. Assim que foi formado, Adão já foi posto no jardim do Éden para o lavrar e guardar (Gn.2:15).
-Não tem, pois, qualquer fundamento bíblico a ideia de que o trabalho tenha sido um dos castigos criados por Deus depois do pecado, como uma consequência do pecado. Adão não havia pecado, aliás, tinha acabado de ser formado, quando o Senhor lhe incumbe de lavrar e guardar o jardim que havia plantado no Éden.
-Devemos lembrar que Deus fez o homem à Sua imagem e semelhança (Gn.1:26,27) e um dos aspectos do caráter divino é, precisamente, o trabalho. Jesus disse que tanto o Pai quanto Ele são trabalhadores (Jo.5:17), de modo que, ao ter posto o homem para trabalhar no jardim, estava o Senhor impondo mais um aspecto de semelhança divina para o ser humano.
-Com o pecado, o trabalho passou a ser penoso e necessário à sobrevivência (Gn.3:17-19), sendo, portanto, o único modo correto pelo qual um ser humano consegue obter o necessário à sua manutenção, tanto que quem não trabalhar não tem direito de querer comer (II Ts.3:10).
-Esta concepção auspiciosa do trabalho foi sempre observada entre os judeus, até por conta do ensino das Escrituras Sagradas, ao contrário da maior parte dos demais povos, em que o trabalho sempre foi visto como algo menor, a ponto de haver quem defendesse que os escravos (que eram os trabalhadores nas sociedades gentílicas, que se construíram sobre o trabalho escravo) eram portadores de almas inferiores.
-Como afirma Nathan Ausubel: “…A opinião judaica era que Deus havia feito o homem à Sua própria imagem, e o homem era, em consequência, um colaborador de Deus; a dignidade do trabalho eram também a sua medida da importância no esquema do mundo.
Daí vinha a antiga máxima rabínica: ‘Aquele que é produtivo de forma a que o trabalho do mundo continue, participa do labor da criação de Deus. Essa elevada avaliação do trabalho como um ato religioso-moral — e uma necessidade social ainda por cima — está expressa em inúmeras máximas do Talmud.
Algumas das mais conhecidas, que atraíam a atenção das muitas gerações de judeus na história, são as seguintes: ‘Deus permite que a Shechinah [Presença Divina] pouse sobre Israel somente quando ele trabalha’ ‘Eu te abençoarei e aumentarei a tua semente’, disse Deus ao Patriarca Isaac. Não obstante, Isaac pôs-se a trabalhar e plantar.
Ele sabia muito bem que as bênçãos caem somente sobre o trabalho de nossas próprias mãos!’. Foi seguindo esta conclusão realista que os primeiros mestres rabínicos estabeleceram uma notável tradição.
Ela glorificava o trabalho como o sustentáculo da vida e o preservador dos objetivos ideais da Torah.
Com raras exceções, todos os Sábios Talmúdicos trabalhavam em ofícios, e nenhuma profissão era considerada desprezível para eles contanto que lhes permitisse ser socialmente úteis e honrados. ‘Adquira uma ocupação ao lado de sua dedicação a Torah’, aconselhavam eles.
O Patriarca do século II, Raban Gamaliel, explicou a sabedoria desse conselho da seguinte forma: ‘O estudo da Torah ´realmente uma coisa boa quando combinado com uma ocupação, porque o esforço exigido pelos dois não deixa mais tempo nem pensamentos para o pecado’. …” (Trabalho, dignidade do. In: A JUDAICA. Conhecimento judaico II, v.8, pp.893-4).
-Notamos, portanto, que, no início da história da Igreja, existia toda uma cultura de que os doutores da lei, os mestres deveriam, concomitantemente ao estudo da Torah, dedicar-se a algum trabalho, entendido aqui trabalho como trabalho manual, pois esta atividade laboral seria uma demonstração de seu bom testemunho diante de Deus.
-Paulo foi criado dentro desta mentalidade. Discípulo de Gamaliel (At.22:3) (cujo filho ou neto, provavelmente, foi quem deu o ensino acima mencionado), Paulo aprendeu o ofício de fazer tendas precisamente para que, como todo mestre em Israel, ao lado do estudo da Torah pudesse ter uma atividade de trabalho manual, algo que era indispensável para ser considerado um Rabi em Israel.
-Este “background” cultural judaico é importantíssimo para que nós possamos discutir a questão de o apóstolo ter trabalhado fazendo tendas em algumas ocasiões durante o Seu ministério apostólico (At.18:3; II Co.11:8,9; 12:13,14,16).
-Não resta dúvida de que, ao longo do seu ministério, houve ocasiões, e não poucas, talvez na maior parte das vezes, em que o apóstolo trabalhou para se sustentar (At.20:33,34; I Co.4:12; I Ts.2:9).
-Por vezes, muitos citam esta situação para defender, a um só tempo, que os obreiros, os ministros do Evangelho não sejam, em hipótese alguma, remunerados, como também que tenham todos uma ocupação secular para que possam sustentar a si mesmos e a suas famílias, considerando um desvio doutrinário o assalariamento ou a dedicação integral do ministro à obra de Deus.
-Entretanto, como vimos, esta concepção se originou não nas Escrituras Sagradas mas na tradição judaica, na qual, repitamos, foi formado o apóstolo Paulo que, mesmo tendo compreendido o caráter universal do Evangelho, tendo sido mesmo escolhido pelo Senhor Jesus para levar o Evangelho aos gentios (At.9:15), nunca deixou de ser um israelita (Rm.11:1).
-Só por isso devemos entender que não se trata de uma conduta que seja obrigatória e que deva ser seguida por todos, como defendem alguns, porque o próprio Paulo diz que havia coisas que ele havia recebido do Senhor e que, portanto, são doutrina e coisas que ele fazia por seu próprio entendimento, e que, portanto, não são vinculativos (I Co.7:6-12).
-E é o próprio apóstolo Paulo quem nos ensina que o normal é que o ministro que tenha dedicação exclusiva e integral à obra de Deus seja sustentado pela igreja local. Vemos isto nos seus ensinos a seu filho na fé, Timóteo, quando afirma que os presbíteros que trabalhassem na palavra e na doutrina eram dignos do seu salário (I Tm.5:17).
-Aqui o apóstolo faz menção daqueles que, a exemplo dos apóstolos na igreja de Jerusalém (At.6:2,4), tinham todo o seu tempo voltado para o anúncio do Evangelho aos incrédulos e para o ensino da Palavra aos crentes, não tendo, pois, como se sustentar.
Estes, quem diz é o próprio Paulo, deveriam ser sustentados pela igreja local, pois são dignos de um assalariamento.
-Notemos que o apóstolo Paulo, para trazer este ensino a Timóteo (ele próprio um presbítero dedicado integralmente à obra de Deus na igreja de Éfeso, para onde fora mandado pelo próprio apóstolo – I Tm.1:3) baseou-se nas Escrituras, pois faz menção de Dt.25:4, como também de ditos do próprio Senhor Jesus durante o Seu ministério terreno (Mt.10:10 e Lc.10:7).
-Paulo, ao citar Dt.25:4, estava repetindo um ensino dado aos crentes em Corinto, em I Co.9:1-14, onde abertamente, e não como pensamento seu, já que se estriba nas Escrituras, defende o direito de os obreiros em tempo integral viverem do Evangelho.
-O raciocínio do apóstolo é o de que, se, na lei de Moisés, o Senhor considera que os bois podem comer daquilo que debulham, como dizer que não podem os seres humanos, criaturas que são dominadoras dos bois, não poderem comer também daquilo que trabalham, e, no caso, do que lhes for dado pela membresia da igreja local para quem dedicam as suas vidas?
-A superioridade do homem com relação aos animais é atestada não só pelo fato de o homem ter sido criado para dominá-los (Gn.1:28), como pelo próprio ensino do Senhor Jesus que usou este mesmo raciocínio para mostrar que não se poderia entender que não se podia curar no sábado, dizendo, quando curou um hidrópico, que ninguém ousaria deixar, num dia de sábado, um animal num poço, não podendo, portanto, deixar de fazer o bem a um ser humano (Lc.14:1-6).
-No sermão do monte, também, o Senhor Jesus mostrou que temos mais valor que os animais e que os vegetais, que são por Ele cuidados, inclusive (Mt.6:28-30).
-Além deste argumento, o apóstolo também se socorre da questão da própria natureza do que é feito pelos obreiros. Estes são despenseiros dos mistérios de Deus (Cf. I Co.4:1), ou seja, são pessoas que fornecem aos irmãos bens espirituais, pois, como disse Paulo a Timóteo, “trabalham na palavra e na doutrina”. Estão, pois, entregando a todos aquilo que lhes é dado pelo Senhor (I Co.11:23).
-Ora, se estão a entregar bens espirituais, provenientes diretamente dos céus e que são, à evidência, bens eternos, de valor imensurável (Cf. II Co.4:18), como não mereceriam receber, em retribuição, coisas materiais, que são de valor inferior e, ademais, temporárias?
-Neste raciocínio, o apóstolo tem, também, em seu auxílio, ensinos do Senhor Jesus, que disse que devemos buscar primeiramente o reino de Deus e a sua justiça e que todas as coisas materiais nos serão acrescentadas (Mt.6:33).
-Aliás, o próprio salmista diz que a alma de um só indivíduo vale mais do que todas as coisas materiais do universo (Sl.49:8).
Assim, como considerar que o obreiro não possa receber um salário para se manter com sua família, se fornece e distribui à membresia as riquezas espirituais do Senhor, dos “tesouros do céu” (Cf. Mt.6:20), “dos tesouros da sabedoria e ciência escondidos em Cristo” (Cf. Cl.2:3)?
-Mas há um terceiro argumento apresentado pelo apóstolo, que são as palavras do próprio Senhor Jesus quando comissionou os setenta discípulos, quando lhes disse que digno era o obreiro do seu salário, dizendo que eles deveriam comer e beber daquilo que lhes fosse oferecido durante as suas idas de cidade em cidade, aldeia em aldeia, inclusive hospedando-se sempre em alguma casa ali (Lc.10:7).
-Interessante observar que, naquela ocasião, o Senhor disse que eles não deveriam levar dinheiro (Lc.10:4), a mostrar que não deveriam confiar em seus próprios recursos, mas, sim, na Divina Providência.
Aliás, foi assim que o próprio Cristo agiu em Seu ministério terreno, já que não mais estava a trabalhar como carpinteiro, andando por todo o Israel para pregar o evangelho do reino de Deus, sendo sustentado, inclusive por mulheres que Lhe traziam as suas fazendas (Lc.8:1-3).
-O próprio Jesus, mesmo neste verdadeiro “estágio de evangelização” que deu aos Seus discípulos, ainda durante Seu ministério terreno, exigiu deles dedicação integral, a nos mostrar que este é o meio normal pelo qual deve atuar alguém que for chamado para trabalhar na palavra e na doutrina à frente do rebanho do Senhor.
-Nota-se, portanto, que o ensino do apóstolo Paulo é bem claro, ou seja, o obreiro, e o missionário transcultural em especial, tem o direito de ser assalariado, a fim de que se possa dedicar integralmente à obra de Deus.
II– O TRABALHO SECULAR DOS MISSIONÁRIOS
-Verificado qual é o ensino bíblico a respeito da questão do sustento do missionário, analisemos, porém, o exemplo deixado pelo apóstolo Paulo que, como já dissemos, por mais de uma ocasião, ou, quem sabe, na maior parte das ocasiões, trabalhou com suas próprias mãos, para se sustentar e, deste modo, não ser “pesado” aos irmãos.
-Cumpre observar, de início, que o fato de Paulo ter trabalhado, em hipótese alguma significa que não tenha recebido recursos financeiros de igrejas locais. Não, não e não!
-O próprio apóstolo reconhece que, desde quando saiu de Filipos, no início de sua segunda viagem missionária, a igreja que ele implantou naquela colônia romana sempre lhe enviou ofertas, durante todo o seu ministério e, mui especialmente, por ocasião de sua primeira prisão em Roma (Fp.4:15-19).
-Deste modo, não corresponde à realidade dizer que nenhuma igreja ajudava o apóstolo Paulo, que, com seu trabalho secular, conseguia se sustentar.
Trabalhou, sim, mas jamais deixou de receber ajuda de igrejas locais, de modo que seu trabalho permitia parte do seu sustento.
-Isto nos mostra que o apóstolo, mesmo quando trabalhava, não o fazia durante todo o dia, não ficava dia e noite fabricando tendas para poder sobreviver, mas que procurou não ser pesados aos irmãos do local onde estava a evangelizar e que a ajuda recebida de igrejas locais, em especial Filipos, lhe permitia ter uma parte do tempo apenas envolvido no trabalho secular, de modo que pudesse se dedicar o máximo possível na obra de Deus.
-Não é o apóstolo Paulo, pois, exemplo de descomprometimento das igrejas locais com a obra missionária, tanto que o próprio Paulo escreve a carta aos romanos com o nítido propósito de conscientizá- los da necessidade de se envolver na obra missionária e até o enviarem para a Espanha (Rm.15:23,24) e, pelo que ficamos a saber, tal conscientização efetivamente ocorreu, senão para enviar Paulo, pelo menos para evangelizar (Fp.1:14-18).
-Entretanto, apesar de tudo isto, o fato é que Paulo trabalhou com as próprias mãos em muitas ocasiões, e sabemos que seu ofício era fazer tendas, como nos relata At.18:3.
-O primeiro local onde o apóstolo trabalhou foi Tessalônica. Ao escrever sua primeira epístola àquela igreja, o apóstolo lembra que, enquanto lá esteve, trabalhou noite e dia para não ser pesado aos irmãos (I Ts.2:9).
-Por que Paulo agiu assim? Quando vemos o histórico da ida de Paulo a Tessalônica, observamos que ele acabara de partir de Filipos, que ainda tinha uma igreja incipiente, tendo de lá saído meio que repentinamente, já que, apesar de terem as autoridades se desculpado de o terem açoitado sendo ele cidadão romano, pediram que se retirasse de lá (At.15:38-40).
-Nota-se, portanto, que, embora a igreja de Filipos já o tenha ajudado quando ele estava em Tessalônica, num primeiro momento, até porque não havia ainda sequer uma organização naquela colônia romana, Paulo não tinha mesmo com quem contar para poder se sustentar.
-Foi, por este motivo, tendo de se sustentar para poder realizar a obra missionária para a qual tinha sido chamado, começou a trabalhar com as próprias mãos, fazendo tendas.
-Tessalônica era (e até hoje ainda é) uma cidade onde havia a presença de judeus (At.17:1), que, naturalmente, eram os primeiros que eram evangelizados pelo apóstolo em suas atividades missionárias transculturais (Cf.At. 13:14,46; 14:1), até porque eram os judeus um “elo de ligação” do apóstolo com a própria cidade em que estava.
-Em sendo assim, ante a tradição cultural judaica existente, ao trabalhar no ofício de fabricação de tendas, o apóstolo, além de subsistir, estava a se credenciar junto a colônia judaica tessalonicense como um doutor da lei genuíno, porquanto, a exemplo dos outros, também primava pelo exercício do trabalho.
-Desta maneira, vemos que, logo de início, o fato de o apóstolo estar a exercer a sua profissão para poder realizar a obra missionária era decorrência de circunstâncias, não o que era normal ou o que tem de ser seguido.
-Quando o apóstolo começa a pregar aos judeus, há a conversão de muitas pessoas, mas, em especial, de gregos religiosos e de não poucas mulheres principais (At.17:4), ou seja, a pregação do apóstolo alcançou guarida principalmente entre pessoas que eram prosélitas do judaísmo, como também mulheres da camada mais alta da sociedade.
-Ora, diante deste quadro, vemos que o apóstolo não poderia deixar de trabalhar com as próprias mãos, pois não teria como manter o sustento com uma membresia que não era portadora de recursos suficientes, cuja condição social as impedia de ajudar o apóstolo, seja porque se tratavam de pessoas que, de certo modo, por terem se convertido ao judaísmo ficaram à mercê da sociedade tessalonicense, seja porque eram “mulheres principais”, ou seja, mulheres que tinham pouco ou nenhum meio de prover ao apóstolo, ante a condição feminina vigente no mundo grego.
-Ademais, ainda que as mulheres pudessem ter algum meio de transferir rendimentos de sua casa para o apóstolo, isto não seria bem visto na sociedade, bem como não era conveniente, sendo Paulo uma pessoa sem mulher (I Co.7:8,9), que tivesse sustento por parte de mulheres casadas , o que poderia causar escândalo não só entre os cristãos, mas também entre os judeus e os gentios, o que deve ser evitado (I Co.9:12; 10:32).
-Portanto, as vezes em que o apóstolo se dedicou ao exercício da profissão para seu próprio sustento decorreram do fato de a ajuda das igrejas locais ser insuficiente ou ausente (ainda que temporariamente, pois sabemos que a igreja de Filipos procurou sempre prover o apóstolo) como também por circunstâncias locais, que fizeram com que o apóstolo não quisesse ser sustentado para que isto não fosse um motivo de escândalo ou de impedimento à salvação das almas, por conta da cultura local.
-É este fator, também, que explica porque Paulo não quis ser sustentado em Corinto (II Co.11:9; 12:13), porque também se tratava de uma cidade onde havia grande números de mulheres na igreja e onde o modo de vida, conhecido em todo o mundo de então como extremamente devasso e licencioso, poderia promover escândalos quanto a sustento proveniente de mulheres ao apóstolo.
-A busca do sustento próprio por parte do apóstolo, portanto, esteve sempre relacionada com a insuficiência ou ausência de recursos de igrejas locais e com as peculiaridades da cultura do local onde estava que recomendava que ele antes trabalhasse do que vivesse do sustento dos irmãos que já formavam a igreja implantanda.
-Não há, portanto, aqui qualquer ensino ou doutrina que dispense as igrejas locais, que enviam os missionários, a sustentá-los, nem de que é pelo exercício da profissão secular que o missionário transcultural obterá os devidos recursos, e dará o conveniente testemunho, para realizar a obra de Deus, o que não significa, como vimos na lição anterior, que o exercício profissional é, sem dúvida, um meio pelo qual podemos glorificar a Deus e, deste modo, ganhar almas para Cristo.
III– AS PROMESSAS RELACIONADAS AO SUSTENTO MISSIONÁRIO
-Deus é um ser tão infinitamente bom que, mesmo quando determina o que devem fazer os homens, não Se contenta tão somente em ser obedecido, como fazem, naturalmente, os senhores e autoridades humanos, mas, demonstrando a Sua supremacia sobre os homens, ainda beneficia, premia e galardoa aqueles que Lhe obedecem.
-Se, entre os homens, o servo que cumpre a sua obrigação nada recebe por isto (Lc.17:7-10), quando estamos a servir ao Senhor, somos, sim, por Ele retribuídos tão somente por termos cumprido nossa obrigação, pois Ele é generoso.
-Por isso mesmo, o escritor aos hebreus diz que a fé em Deus se caracteriza não só pela crença na Sua existência, mas também na circunstância de que Ele é galardoador daqueles que O buscam (Hb.11:6).
-Esta certeza do galardão, do reconhecimento de que Deus dá a cada um que se aproxime d’Ele e Lhe obedeça é um poderoso fator de estímulo e incentivo para a realização da obra de Deus, uma vez que, por causa deste propósito e desta atuação para se fazer a vontade divina, enfrentamos, neste mundo, aflições (Jo.16:33) e a dura e implacável oposição tanto do mundo quanto do príncipe deste mundo (Jo.15:18-23; Ef.6:10-12).
-Por isso mesmo, o Senhor Jesus não só nos alerta para a proximidade de Sua vinda, como também de que, por sua ocasião, haverá a entrega do devido galardão (Ap.22:12).
-Com relação ao sustento missionário, não haveria, pois, de ser diferente o proceder do Senhor com relação aos Seus servos e ao Seu povo, ainda mais em assunto relevantíssimo como é a pregação do Evangelho.
-O apóstolo Paulo mostra-nos as bênçãos advindas da contribuição financeira para a obra de Deus quando disserta sobre o tema com a igreja em Corinto que, como vimos, era uma igreja que tinha senões com relação a este aspecto da vida eclesiástica, a ponto de o próprio Paulo não ter querido ser sustentado por aquela igreja que fora implantada por ele e que não podia negar estar sob sua autoridade apostólica.
-Paulo mostra, por primeiro, que a voluntariedade na contribuição financeira para suprir as necessidades dos irmãos e prover-lhes o necessário para uma digna sobrevivência é, antes de mais nada, uma comprovação da sinceridade do amor (II Co.8:8).
-O amor de Deus, em nossas vidas, não é um sentimento, mas, sim, um comportamento que nos faz agradáveis ao Senhor.
O amor divino comprova-se por atitudes concretas (I Co.13:4-7; Tg.2:14-17; I Jo.3:16-18), assim como Cristo provou o Seu amor para conosco morrendo por nós quando ainda éramos pecadores (Rm.5:8), assim como o Pai provou o Seu amor para conosco dando Seu Filho Unigênito (Jo.3:16).
-Deste modo, contribuir voluntariamente para a obra missionária é expressão do amor de Deus que foi derramado pelo Espírito Santo em nós (Rm.5:5), não podendo, pois, um legítimo e genuíno servo de Cristo omitir-se em tal tarefa. Se não o faz, isto é uma demonstração de que não tem o amor de Deus, de que nem sequer se encontra, portanto, em comunhão com o Senhor.
-Contribuir, portanto, não é mais que uma obrigação e quando o fazemos, somos tão somente servos inúteis.
-Observemos que não há aqui a recorrente desculpa da falta de recursos por parte dos irmãos. Ao admoestar os coríntios com relação à contribuição, Paulo não deixa de consignar que os crentes da Macedônia, que haviam respondido prontamente ao pedido do apóstolo para ajuda aos crentes pobres da Judeia, eram pessoas pobres (I Co.8:1-5).
-Não se demonstra amor quando apenas se entregam as sobras para a obra de Deus, mas, sim, quando há uma verdadeira entrega própria a Deus, quando se assume mesmo o limite de seus recursos para o proveito do próximo, da mesma maneira que Nosso Senhor que, sendo rico, fez-Se pobre por amor a nós (II Co.8:5,9).
-Este ensino do apóstolo nada mais é que repetição daquilo que o próprio Cristo ensinou no episódio da oferta da viúva pobre lançada no gazofilácio do templo de Jerusalém (Lc.21:1-4).
-No entanto, apesar disto, como já dissemos, o Senhor ainda promete galardoar os que assim fazem, ante a Sua benignidade e bondade.
-Por isso, por primeiro, o apóstolo garante que o Senhor proverá o necessário à sobrevivência daqueles que contribuem voluntariamente.
A partir da constatação do sustento que Deus deu ao povo de Israel durante os quarenta anos de peregrinação no deserto, onde não deixou faltar coisa alguma ao Seu povo, o Senhor promete dar o necessário para todos aqueles que se dispuserem a contribuir para a obra de Deus (II Co.8:12-15).
-Além da manutenção dos recursos necessários à sobrevivência, o apostolo ainda diz que haverá mesmo a multiplicação, porquanto faz a comparação com a semeadura e a colheita. Sabemos que uma só semente plantada gera muitas outras sementes, quando os frutos são colhidos.
-Pois bem, Paulo diz que a contribuição financeira para a obra de Deus é uma semeadura e, como quem semeia em abundância, também, com abundância, ceifará, o certo é que, quando contribuímos de coração, temos uma abundante colheita, a multiplicação mesma de nossos recursos.
-É fato bíblico que o contribuinte na obra de Deus terá abundância de recursos, mas não podemos nos deixar levar pelo discurso da torpe ganância, porquanto, quem faz a obra do Senhor visando o lucro financeiro, o enriquecimento próprio, tão somente estará a fazer despesas que de nada lhe aproveitarão.
-O elemento motivador da contribuição é o amor de Deus em nossos corações, o desejo ardente de vermos as pessoas sendo salvas e irem conosco para os céus.
Por isso, privamo-nos, muitas vezes, de conforto e reduzimos ao estritamente necessário à nossa sobrevivência para que, a exemplo dos crentes macedônios, podermos contribuir para a manutenção dos missionários que estão a ganhar almas para o Senhor Jesus em outros lugares.
-Se alguém pensa na contribuição apenas como um “investimento financeiro”, não estará contribuindo por amor, mas, sim, por ganância e a ganância revela duas coisas.
-A primeira revelação advinda da contribuição por ganância é que se está diante de uma pessoa que não é filha de Deus, porque quem serve a Deus não serve ao dinheiro (Mt.6:24), é um idólatra (Cl.3:5).
-A segunda revelação advinda da contribuição por ganância é que se trata de comportamento reprovado pelo Senhor na Sua obra, pois se não se admite que um obreiro seja movido por ganância no exercício do ministério (Cf. I Pe.5:2), como admitir que alguém com este mesmo proceder venha a ser abençoado?
-Bem se vê, portanto, que são verdadeiros filhos do diabo o que fazem nascer nos corações de muitos o desejo de “contribuir para a obra de Deus” tão somente para se enriquecerem. São estes verdadeiros estelionatários, que fraudulentamente obtêm recursos de pessoas incautas, que são levadas à ganância e que, por causa dela, acabam sendo lesadas.
-Se isto acontece com as pessoas, não é diferente com as igrejas locais. O Senhor também abençoa as igrejas que se dispõem a ajudar a obra missionária, provendo-lhe os recursos para sua manutenção, como também multiplicando os seus próprios recursos. Temos testemunhado, ao longo dos anos, como o Senhor tem feito prosperar igrejas locais que têm arguta consciência missionária.
-Uma igreja local, aliás, só consegue sobreviver se nela perdurar o ímpeto evangelístico, tanto local quanto transcultural.
Uma igreja que não evangeliza está fadada à extinção, porque não promove a “geração de novas ovelhas” e essa falta de geração nada mais é que comprovação da falta de amor e, normalmente, a primeira cessação da ação de ganho de almas se dá, precisamente, na falta de empenho nas missões transculturais, que, por estarem distantes dos sentidos físicos, é descuido menos perceptível.
-Quando vemos hoje uma verdadeira “inversão missionária”, com as igrejas locais brasileiras indo fazer missões na Europa ou nos Estados Unidos, de onde vieram os missionários que implantaram as igrejas em nosso país, bem compreendemos como a falta de amor pelas almas é indício de morte espiritual, que, mais cedo ou mais tarde, fica visivelmente exposta com o término da própria igreja local, a sua completa extinção.
-O pastor Luiz Henrique de Almeida Silva, pioneiro das aulas de EBD na internet, costuma sempre apontar as sete igrejas da Ásia Menor constantes do livro do Apocalipse, perguntando onde estão elas na atualidade.
Se formos verificar, nenhuma delas mais existe e as regiões onde elas floresceram são hoje, na sua grande maioria, áreas dominadas pelos muçulmanos.
Por que isto aconteceu? Porque, num determinado instante, todas elas perderam “o primeiro amor” e deixaram de evangelizar, tanto local como internacionalmente e, sem evangelização, as igrejas morrem.
-Mais do que manutenção de recursos ou mesmo prosperidade, o sustento missionário, quando levado a sério, quando desenvolvido pela igreja local, garante a própria sobrevivência da igreja local e a continuidade da obra missionária, para que, assim fazendo, possa uma determinada igreja local ser achada pelo Senhor Jesus, no dia do arrebatamento, como “o servo fiel e prudente que o Senhor constituiu sobre a Sua casa para dar o sustento a Seu tempo” (Mt.24:45).
-Se não fomos achados servos deste jaez, amados irmãos, nosso destino não é nada agradável, pois, nesta mesma parábola, Cristo nos adverte que, quem não é servo fiel e prudente, é mau servo e a este está reservada
sua parte com os hipócritas, num local onde haverá pranto e ranger de dentes (Mt.24:51). Que Deus nos guarde!
-De certo modo, esta “inversão missionária” é até um resultado tardio do “primeiro amor” que existia no tempo em que aquelas igrejas do Velho Mundo mandaram missionários para o Novo Mundo.
Com efeito, nos dias hodiernos, são os frutos daquele trabalho que ainda permitem que o Evangelho seja pregado naqueles países.
Não fosse a obra missionária desenvolvida naqueles tempos, onde não haveria missionários indo pregar o Evangelho onde, antes, os missionários eram enviados.
Como diz Salomão: “Lança o pão sobre as águas, porque, depois de muitos dias, o acharás” (Ec.11:1 “in initio”).
– Diante de tais constatações, que nos esforcemos para nunca perder de vista a necessidade de nos empenharmos no sustento missionário, pois disto depende a nossa saúde espiritual e a própria sobrevivência de nossa igreja local, sem isto não poderemos perseverar até o fim e alcançar a salvação das nossas almas, que é o fim da nossa fé (Mt.24:13; I Pe.1:9). Amém!
Pr. Caramuru Afonso Francisco