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Lição 1 – A epístola aos Romanos

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A) INTRODUÇÃO AO TRIMESTRE

É com satisfação que damos início a mais um trimestre letivo da Escola Bíblica Dominical.

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Veja também Análise e abordagem 2º Trimestre 2016 – Maravilhosa graça – Carta aos Romanos

Neste trimestre, estudaremos a respeito da epístola de Paulo aos Romanos, epístola que foi estudada enquanto um dos livros da Bíblia Sagrada no primeiro trimestre de 2006, há dez anos, o que, por si só, já justificaria a retomada de estudo, diante até da importância que este livro tem para a compreensão da vida cristã, vez que se trata da carta doutrinária mais bem elaborada do apóstolo Paulo e que, não sem motivo, ao longo da história da Igreja tem sido um dos mais discutidos textos por parte dos estudiosos

Paulo, ao escrever sua carta à igreja que se encontrava em Roma, tomou como tema a justificação pela fé.

Inspirado pelo Espírito Santo, o apóstolo, a partir da expressão do profeta Habacuque, de que o justo viveria pela fé (Hc.2:4), constrói toda a explanação do que consiste a boa nova, o evangelho da salvação do homem na pessoa de Cristo Jesus.

Ao lermos a epístola aos Romanos, vemos qual a condição do homem diante de Deus por causa do pecado e como o Senhor, na Sua infinita graça e misericórdia, proporciona a salvação em Cristo e como esta salvação transforma a criatura humana, tornando-a um filho de Deus, um ser separado e livre do pecado, pronto a servir ao Senhor e a ser inundado pelo amor divino que foi o motor de todo este glorioso processo.

Na atualidade, muitos não compreendem o que é a salvação e como ela se opera na vida do homem.

Ao estudarmos a epístola aos Romanos, teremos condição de compreender aquilo que já sentimos e usufruímos e, assim, poder louvar a Deus com a profundidade das riquezas da sabedoria e da ciência de Deus, assim como fez o próprio apóstolo, enquanto escrevia esta carta (cf. Rm.11:33-36).

Não é por outro motivo, aliás, que o tema do trimestre é “maravilhosa graça” e o subtítulo, “O evangelho de Jesus Cristo revelado na carta aos Romanos”, pois, na carta aos Romanos, Paulo bem esclarece a mensagem da salvação da humanidade, a graça de Deus que se manifestou na pessoa de Cristo Jesus.

Após uma lição introdutória, em que analisaremos o contexto externo e interno da carta aos Romanos, bem como a história da igreja de Roma (inclusive entendendo porque ela nada tem que ver com a atual Igreja Católica Apostólica Romana), seguiremos a temática da epístola.

Desta maneira, podemos dividir o trimestre, assim como a própria epístola aos Romanos, em três blocos:

  • a lição introdutória,
  • as lições referentes à parte doutrinária da epístola e as
  • lições referentes à parte prática da epístola.

No segundo bloco, analisaremos:

  • a necessidade universal da salvação em Cristo (lição 2),
  • a justificação pela fé em Cristo (lição 3),
  • os benefícios da justificação (lição 4),
  • a maravilhosa graça (lição 5),
  • a questão da lei, carne e espírito (lição 6),
  • a vida segundo o espírito (lição 7) e o
  • papel de Israel no plano da redenção (lição 8).

No terceiro bloco, atinente à parte prática, estudaremos:

  • a nova vida em Cristo (lição 9);
  • os deveres civis, morais e espirituais dos salvos (lição 10);
  • a questão da tolerância cristã (lição 11);
  • a cosmovisão missionária de Paulo (lição 12) e o
  • cultivo das relações interpessoais (lição 13).

A capa da revista mostra-nos mãos estendidas, em atitude de petição e a sombra de uma cruz, a nos lembrar que a salvação é resultado da graça, ou seja, do favor imerecido, que Deus quis pôr à disposição da humanidade depois que ela caiu em pecado.

As mãos estendidas mostram que o homem implora a salvação, nada tendo que oferecer para obtê-la, enquanto a sombra da cruz nos mostra o tão grande amor que Deus teve por nós, ao propiciar, em Cristo Jesus, por Sua morte vicária no Calvário, o pagamento do preço dos nossos pecados e a possibilidade de alcançarmos a salvação, lembrando-nos, assim, passagens como Ef.2:8 e Tt.2:11-13.

É, precisamente, esta a mensagem que Paulo nos mostra na epístola aos Romanos.

O comentarista deste trimestre é o pastor José Gonçalves, presidente das Assembleias de Deus em Água Branca/PI.

Esperamos sinceramente que, ao término do trimestre, estejamos certo de que conhecemos a certeza da salvação de que já estamos informados (cf. Lc.1:4).

B) LIÇÃO 1 – A EPÍSTOLA AOS ROMANOS

Ao escrever para a igreja local que se encontrava na capital do mundo de então, Paulo deixou para a Igreja um dos mais profundos ensinos a respeito do significado da salvação em Cristo Jesus.

INTRODUÇÃO

– A epístola de Paulo aos Romanos é, como disse o pastor Esequias Soares, presidente das Assembleias de Deus em Jundiaí/SP, ao comentá-la no segundo trimestre de 1998, “a exposição magna da fé cristã”.

O apóstolo, sem saber o que lhe esperava em Jerusalém, para onde partia, esperançoso de evangelizar o Ocidente do Império Romano, escreve esta carta aos crentes da capital do mundo, como que externando o que considerava ser a realidade da vida cristã.

– Este texto, que tem sido o mais lido e estudado texto do Novo Testamento ao longo da história da Igreja, é um verdadeiro tratado, onde o apóstolo Paulo sintetiza de modo excelente o significado da obra de Cristo em prol da humanidade. Conhecê-la é ter a certeza do que é a salvação para cada um de nós.

I – A EVANGELIZAÇÃO DE ROMA

– Como é sabido, a vinda de Cristo a este mundo se deu em plena “pax romana”, ou seja, Jesus veio ao mundo na plenitude dos tempos (Gl.4:4), plenitude esta que, em termos políticos, era, também, o período em que se estava no início do apogeu do domínio romano sobre a Europa e o Oriente Médio (mais precisamente o chamado Crescente Fértil), iniciado com a vitória de Otávio sobre Marco Antônio e sua proclamação como primeiro imperador romano, em 14 a.C., ou seja, dez anos antes do nascimento de Jesus.

– Este domínio de Roma, sem quaisquer adversários e sem divisões internas entre os romanos, foi o clima propício estabelecido pelo próprio Deus para que se iniciasse a pregação do evangelho. Esta “pax romana” foi, portanto, um dos principais fatores que permitiu que a primeira geração da igreja pudesse, em pouco mais de quarenta anos, evangelizar todo o Império Romano.

– Portanto, não é difícil entender que, desde o início da pregação do Evangelho, já houvesse crentes em Roma, pois, afinal de contas, sendo a capital do mundo, o centro do Império, certamente alguém que tivesse crido em Jesus fatalmente iria morar ou passar por Roma e, ante o ardor e o fervor da igreja primitiva(cf. At.8:4; 11:20), não deixaria de pregar o evangelho e ganhar almas para o Senhor nestas idas, vindas ou estabelecimentos na capital de César.

– Não devemos nos esquecer, ainda, que, no dia de Pentecostes, marco inicial da evangelização do mundo, converteram-se quase três mil pessoas (At.2:41), muitas das quais pessoas que habitavam fora da Palestina, os chamados “judeus da diáspora” (At.2:6-11), entre os quais “forasteiros romanos” (At.2:10), a indicar que, seguramente, o evangelho chegou a Roma logo no limiar da pregação do Evangelho, o que explica a expressão do apóstolo Paulo na epístola de que “há muitos anos” desejava ir a Roma (Rm.15:23), expressão que dá conta de que a igreja era ali antiga quando escreveu a carta, o que se deu, como veremos infra, ao término de sua terceira viagem missionária, por volta do ano 56 ou 57.

– Estes primeiros crentes de Roma seriam judeus (como, aliás, todos os que se converteram no dia de Pentecostes) e, por isso, há quem se insurja contra a tese de que a igreja em Roma tenha se formado a partir do dia de Pentecostes, alegando que, quando Paulo chegou a Roma, já prisioneiro, anos depois de ter escrito a epístola (cf. At.28:14), os irmãos que o receberam eram gentios, vez que a comunidade judaica se mostrava absolutamente ignorante a respeito do Evangelho (At.28:21-24).

Esta insurgência, no entanto, não merece acolhida, senão por outros, por dois motivos principais, a saber:

a) o texto bíblico diz que Paulo foi recebido por irmãos em Roma, não distinguindo se eram gentios ou judeus, não havendo porque achar que se tratavam apenas de gentios.

Pelo contrário, a própria epístola dá conta de que a igreja em Roma era formada tanto por judeus quanto por gentios (Rm.4:1; 7:1).

b) o texto bíblico não diz que a comunidade judaica ignorava o Evangelho, mas, antes, que o conhecia, inclusive a “má fama” dos cristãos, tidos como uma “seita”(At.28:22). O que eles ignoravam eram as acusações que os membros do Sinédrio tinham contra Paulo (cf. At.28:21).

– Na verdade, existe um esforço para desqualificar as poucas indicações bíblicas a respeito da origem da igreja em Roma com a finalidade de dar crédito à versão de que a igreja teria sido fundada por Pedro, que teria sido o seu primeiro líder, teoria sem qualquer base bíblica mas que é fundamental para a doutrina do Papado e para a ideia de supremacia da Igreja Católica Apostólica Romana.

– A igreja em Roma, porém, não começou com Pedro, mas por missionários anônimos, muito provavelmente convertidos no dia de Pentecostes, cuja fé era conhecida de todos e a quem Paulo desejava muito conhecer e com quem resolveu manter um contacto epistolar quando se preparava para subir a Jerusalém, onde seria preso e, posteriormente, mandado para Roma, alguns anos depois.

– É oportuno verificar que havia judeus em Roma em grande quantidade desde a dominação romana sobre a Palestina, o que ocorreu no outono de 63 a.C., quando Pompeu, governante romano, pôs fim ao período curto de independência dos judeus sob o reinado dos Macabeus, levando muitos judeus como escravos para Roma, inclusive alguns membros da família real judaica de então.

OBS: “ …Pompeu deixou a Scauro o governo da baixa Síria, até o Eufrates e as fronteiras do Egito, dirigiu-se para a Cilícia com duas legiões e foi a Roma, rapidamente, levando consigo Aristóbulo, prisioneiro, seus dois filhos e suas duas filhas; o mais velho chamava-se Alexandre e o mais novo, Antígono.

O mais velho, porém, Alexandre, conseguiu escapar e o mais novo, Antígono, chegou a Roma com suas irmãs.…” (JOSEFO, Flávio. Antiguidades Judaicas XIV, 8, 578. História dos hebreus, v.2, p.65).

– Tratava-se de uma igreja formada tanto por judeus quanto por gentios, pois, ao escrever sua carta, Paulo demonstra claramente que a igreja tinha pessoas de ambas as nacionalidades, pois, embora se dirija precipuamente aos gentios (Rm.1:5,6), não deixa de mostrar que, na igreja, havia judeus (Rm.4:1; 7:1), o que, aliás, é confirmado pela própria história, pois Suetônio (69-125), grande historiador romano e autor de “A Vida dos Doze Césares”, narra a expulsão dos judeus de Roma por ordem do imperador Cláudio, dizendo que tal se deu por causa de conflitos por causa de um certo “Cresto”, que alguns acham ser disputas ocorridas dentro da colônia judaica por causa da pregação do Evangelho, expulsão relatada em At.18:2 e ocorrida em 49 d.C. Priscila e Áquila eram judeus que haviam expulsos e tudo indica que já eram convertidos quando se encontraram com Paulo em Corinto, pois não há registro de que Paulo lhes tenha pregado o Evangelho e Paulo não iria conviver com eles se já não fossem convertidos.

– A expulsão dos judeus de Roma (medida que, segundo se sabe, teve eficácia curta e logo foi contornada) e a vinda de gentios convertidos para a capital do mundo explicam a maioria gentílica que se estabeleceu na igreja romana e que existia ao tempo em que Paulo escreveu sua epístola, inclusive explica a grande quantidade de pessoas conhecidas do apóstolo e que ele saúda ao término da carta (Rm.16).

Aliás, a menção de tantos colaboradores e pessoas conhecidas e a omissão do nome de Pedro mostram, claramente, que, pelo menos, ao tempo da redação da epístola, Pedro não se encontrava em Roma, pois injustificável seria tal omissão.

– A versão alardeada pela Igreja Católica Apostólica Romana é a de que a igreja em Roma teria sido fundada por Pedro, cerca de 42 d.C., quando teria iniciado um ministério de 20 a 25 anos à frente da igreja. Como prova disso, justifica-se que “Babilônia” mencionada em I Pe.5:13 seria, na verdade, uma forma alegórica de referência a Roma, o que seria repetido por João no Apocalipse.

Contudo, nada há que confirme tal versão, a não ser escritos dos chamados “pais da igreja”, que atestariam a tradição de que Pedro e Paulo teriam sido martirizados em Roma, durante o reinado de Nero, o que, friamente, somente atestaria que Pedro e Paulo estavam em Roma a este tempo (o que, com relação a Paulo, há evidências bíblicas), mas não que Pedro tenha fundado ou presidido a igreja em Roma, o que é demonstrado pela própria epístola aos romanos, onde há total silêncio a respeito deste fato.

OBS: Esta tradição é acolhida por Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica, “in verbis”: “…Ora, Pedro menciona Marcos em sua primeira epístola, que teria composto na mesma cidade de Roma, coisa que, segundo dizem, ele mesmo indica, referindo-se à cidade metaforicamente como Babilônia, com as palavras: ‘a eleita na Babilônia vos saúde e também Marcos, meu filho’ (1 Pe 5.13).…” (História eclesiástica, 2.XV, p.62).

Agora, o próprio Eusébio é claro ao dizer que “o primeiro a presidir a igreja em Roma”, o que se deu apenas após o martírio de Paulo e de Pedro, teria sido Lino:

“…Após martírio de Paulo e Pedro, Lino foi o primeiro a receber o episcopado de Roma. Paulo o menciona em sua epístola escrita de Roma a Timóteo, na saudação no final da epístola, dizendo:’Êubulo, Prudente, Lino e Cláudia te saúdam’…” (op.cit., 3.II, p.79).

– Não resta dúvida que, por se encontrar na capital do Império e pela própria passagem de Paulo ali, a igreja em Roma teve um notório crescimento e uma influência crescente sobre a comunidade cristã, notadamente no Ocidente, influência e importância que só aumentaram com a concessão de liberdade de culto aos cristãos, já no século IV, por parte do imperador Constantino que, com grande habilidade, conseguiu cooptar os líderes cristãos.

Tendo mudado a capital do Império para Constantinopla, Constantino praticamente entregou o governo de Roma e das regiões próximas à liderança cristã e isto foi o princípio da formação da Igreja Católica Apostólica Romana, uma estrutura político-administrativa construída sob o pretexto da fé cristã, estrutura esta que se sobrepôs ao próprio Império Romano e que, com a queda do Império no Ocidente, em 476, se tornou uma organização que assumiu o poder político e que foi a principal responsável pela cristianização dos bárbaros e a construção da “Cristandade” no Ocidente.

– Para justificar a sua supremacia político-administrativa sobre o mundo, a Igreja Católica Apostólica Romana se disse “universal” (é isto que quer dizer “católica” em grego), bem como firmada sobre o fundamento dos apóstolos (“apostólica”) e como era “romana”, precisou criar a ideia de que foi fundada por um apóstolo, Pedro e, mais do que isto, que este apóstolo recebera de Cristo o primado, a primazia, a supremacia sobre os demais, o que justificaria a pretensão católico-romana de ser o “corpo visível de Cristo” e de seu chefe ser o “vigário de Cristo”, a “cabeça visível da Igreja”.

É por isso que podemos afirmar, com toda a certeza, que a igreja em Roma para a qual Paulo escreveu esta carta, nada tem que ver com esta estrutura que persiste até hoje, com a Igreja Católica Apostólica Romana, estrutura que, certamente, fez subsistir o sistema gentílico de rebeldia contra Deus e que existirá até que a besta e o falso profeta aparecerem, quando, então, o sistema gentílico passará a seu comando, no instante derradeiro antes da salvação de Israel e do estabelecimento do reino milenial de Cristo.

II – A EPÍSTOLA DE PAULO AOS ROMANOS: CONTEXTO EXTERNO

– A Epístola aos Romanos é considerada uma das “quatro epístolas clássicas” do apóstolo Paulo, grupo que congrega além dela as duas epístolas aos coríntios e a epístola aos gálatas. Neste grupo de epístolas, encontram-se aquelas que, desde os tempos primitivos, são atribuídas, sem qualquer dúvida, ao apóstolo, bem assim os escritos em que Paulo traça os pontos basilares de toda a fé cristã.

Nestas quatro cartas, o apóstolo aborda os temas principais e fundamentais do cristianismo, estando ali, segundo os seus críticos, as bases da religião cristã, que, por isso mesmo, seria antes um “paulinismo” do que um “cristianismo”. Tais críticas não têm qualquer razão de ser, pois sabemos que Paulo foi um vaso escolhido por Deus para levar o nome do Senhor diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel (At.9:15).

– De todas as quatro epístolas “clássicas” do apóstolo, a epístola aos Romanos guarda lugar de destaque. Além de ser a mais extensa de todas as epístolas do apóstolo (daí porque ter sido colocada em primeiro lugar no cânon do Novo Testamento, depois dos evangelhos e do livro histórico de Atos dos Apóstolos), trata-se de uma obra em que se trata, de forma profunda e acurada, da questão fundamental da doutrina cristã, qual seja, o processo de salvação do homem na pessoa de Jesus Cristo.

– Não é por acaso, portanto, que, ao longo da história da Igreja, tenha sido o livro que tenha sido apresentado como fundamental na própria vida de fé e de ensino da Palavra por grandes nomes que o Senhor levantou ao longo destes quase dois mil anos de dispensação da graça.

Agostinho diz que se converteu ao ler Rm.13:13; Lutero começou a Reforma Protestante ao estudar este livro; Calvino consolidou suas teses e ideias depois de estudá-la profundamente; John Wesley, fundador da Igreja Metodista, afirmou que seu despertamento para o avivamento que realizou na Grã-Bretanha se deveu ao estudo que fez de Romanos; Karl Barth causou impacto na teologia do século XX ao publicar o seu “Carta aos Romanos”.

O “status” atingido por esta epístola foi tanto que os estudiosos que resolveram fazer uma tradução ecumênica da Bíblia Sagrada começaram seu trabalho pela carta aos Romanos, certos de que, não obtivessem um consenso sobre esta epístola, seria impossível obter uma tradução consensuada das Escrituras.

– Paulo escreveu esta epístola quando estava para viajar para Jerusalém (Rm.15:25), ao término da terceira viagem missionária (At.20:2), quando se encontrava na Grécia, mais precisamente em Corinto, para onde se dirigira numa terceira visita à cidade (II Co.13:1), onde se encontrava hospedado na casa de Gaio (Rm.16:23), um crente de Corinto (I Co.1:14), tendo enviado a carta por intermédio de Febe, uma irmã da igreja em Cencreia, porto situado bem próximo a Corinto (Rm.16:1). Estes dados fazem com que a carta seja datada de cerca de 56 ou 57 d.C.

– Paulo, a esta altura do seu ministério, entendia ter encerrado seu tempo de pregação nas regiões da Grécia e da Macedônia e tinha intenção de atingir a parte ocidental do Império Romano, mais precisamente para a Espanha (Rm.15:24,28), região até então não evangelizada.

Para tanto, entendia que, após a entrega das ofertas para a igreja em Jerusalém e na Judeia (cf. Rm.15:26,27), o apóstolo achava importante ir a Roma e lá, então, iniciar a sua ida para o lado ocidental do Império.

Era, então, necessário fazer uma aproximação com a igreja em Roma, igreja que não tinha sido aberta por ele, mas que na qual estavam várias pessoas suas conhecidas, a fim de que a igreja se despertasse para ajudá-lo na sua tarefa de ir para a Espanha.

– Além destas circunstâncias relativas ao instante do seu ministério, o apóstolo também vivia um momento de reflexão profunda na sua vida espiritual. Sentia pelo Espírito Santo que havia terminado mais uma jornada do seu ministério e que, agora, iniciaria uma nova etapa, pregando o evangelho em uma nova região, dotada de outros costumes, onde as dificuldades seriam ainda maiores.

Via, também, na igreja de Roma uma necessária base para esta evangelização, pois as regiões a ser atingidas ficavam longe demais das igrejas que estabelecera na Grécia e Macedônia e muito mais das igrejas orientais, como Antioquia.

Paulo, então, compenetra-se e reflete sobre o sentido da vida cristã, o significado da salvação, reflexão que o leva a receber a inspiração do Espírito Santo para uma verdadeira exposição da fé cristã, a fim de que pudesse transmitir à igreja em Roma o sentido de servir a Deus e a necessidade que os romanos tinham de se engajar na tarefa evangelizadora.

– Não é, pois, por acaso que temos em Romanos uma epístola que é muito mais um tratado, muito mais um estudo a respeito da vida cristã do que uma série de ensinos referentes a dúvidas, questões ou problemas vividos pela igreja em Roma.

Pelo contrário, ao lado de Colossenses, a carta aos romanos é uma epístola em que Paulo se dirige a pessoas que não evangelizou e, portanto, cuida em mostrar o que é o evangelho para si, a fim de que haja uma perfeita comunicação e compreensão entre ele e os crentes, o que, aliás, é muito mais sentido na carta aos romanos, vez que Paulo tencionava ir para lá, o que não ocorre na carta aos colossenses.

– Isto nos traz uma lição importantíssima: as circunstâncias das nossas vidas sempre são oportunidades criadas por Deus para que haja uma edificação espiritual tanto nossa quanto daqueles que estão à nossa volta.

O apóstolo, notando que iniciava uma nova fase de sua vida ministerial, impelido pelo Espírito, faz uma verdadeira exposição da vida cristã, encaminhando-a à igreja de Roma, mal sabendo que apresentava ao povo de Deus, pelos séculos afora, uma das joias preciosas da Palavra de Deus, um contínuo e duradouro manancial de estímulo e incentivo à causa do Mestre.

– Quando sentirmos que o Senhor está a mudar a nossa vida, para melhor servi-l’O, não nos desesperemos, não passemos a correr de um lado para o outro, não resistamos, mas procuremos nos aquietar e refletir no que o Senhor fez por nós, como fez o apóstolo Paulo.

Assim fazendo, não só teremos mais solidez na nossa vida espiritual, como também externaremos esta solidez e profundidade para os que estão à nossa volta, gerando estímulo e incentivo a pessoas que jamais imaginaríamos alcançar.

Diante dos desafios da vida, das esquinas que teremos de cruzar na jornada, sem saber o que nos espera na nova etapa da vida, simplesmente façamos o que nos recomenda o salmista: “Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus” (Sl.46:10a).

– Na sua “quietude”, o apóstolo escreveu a epístola à igreja que estava em Roma, mal sabendo que redigia um dos mais sublimes documentos a respeito da obra salvadora de Cristo Jesus em favor da humanidade e que teria enorme repercussão durante toda a dispensação da graça, a ponto de, nestes momentos finais deste período, ser, ainda, o principal texto para nos firmarmos na certeza do que representa a salvação e de que como ela se constitui, como passamos a fazer no presente trimestre.

– A epístola, também, traz-nos um ensino importante a respeito de como devemos nos comportar quando desejamos nos aproximar de alguns crentes com relação à obra do Senhor. Paulo, prudentemente, escreveu uma carta de apresentação aos irmãos em Roma, fazendo uma minudente descrição do que considerava o significado da fé cristã, a fim de que, de modo transparente, os irmãos em Roma o conhecessem e pudessem recebê-lo.

A melhor forma de nos aproximarmos de alguém é através da transparência, da verdade e da sinceridade. Sem estes requisitos, não poderemos estabelecer relacionamentos seguros e aprovados pelo Senhor.

Quantos, na atualidade, não se escondem atrás de subterfúgios, de pessoas, de malabarismos para serem recebidos e aceitos em algumas comunidades? Tal não é o comportamento correto do cristão. Devemos ser francos e sinceros, guiados pelo Espírito Santo, a fim de que todos possam saber dos nossos propósitos e, assim, se engajarem nas nossas missões.

III – A EPÍSTOLA AOS ROMANOS: CONTEXTO INTERNO

– Considerada uma das “epístolas clássicas” do apóstolo Paulo, a epístola aos Romanos é, também, tida como a mais importante obra do apóstolo, não só pela sua extensão (é a mais longa das epístolas paulinas), mas também por ser uma exposição dos fundamentos da doutrina cristã, a mais sistemática de todas as Escrituras.

É, pois, a epístola paulina mais bem elaborada e, por isso, é a epístola em que mais se percebe a estrutura costumeira das epístolas de Paulo, quais sejam, a de construção em quatro partes, a saber: a apresentação, a parte dogmática, a parte prática e a conclusão.

– A apresentação de Paulo e dos seus destinatários, que é a primeira parte da carta, onde o apóstolo se apresenta e apresenta os crentes de Roma, abrange o capítulo 1, dos versículos 1 a 17, terminando com a apresentação do próprio tema da carta, qual seja: a justificação pela fé (Rm.1:17).

– Em seguida, inicia-se a parte dogmática ou doutrinária da carta, em que o apóstolo traz o ensino a respeito do que considera ser esta justificação pela fé em Jesus Cristo, o que o apóstolo considera como sendo o Evangelho de Cristo, esta boa notícia de que o homem pode ser justificado diante de Deus se crer em Jesus.

Esta parte, que é a mais substanciosa da epístola e que a caracteriza como o principal tratado teológico da Bíblia, vai do capítulo 1, versículo 18 até o capítulo 11.

A começar dos efeitos do pecado na humanidade, o apóstolo fala a respeito da justiça divina, do papel condenatório da lei, da submissão do homem ao pecado, do papel justificador da fé em Cristo Jesus, da graça divina e do efeito dela no homem e, por fim, da análise da questão, até hoje uma das mais discutidas entre os cristãos, da eleição divina e do livre-arbítrio, tomando-se como caso concreto a ser analisado o povo de Israel.

OBS: “…Consequentemente, nesta Epístola, nós encontramos do modo mais rico as coisas que um cristão deveria saber, isto é, o que é lei, Evangelho, pecado, punição, graça, fé, retidão, Cristo, Deus, boas obras, amor, esperança, a cruz e também como nós devemos nos conduzir em relação a todos, sejam justos, sejam pecadores, fortes ou fracos, amigos ou adversários.…’ (LUTERO, Martinho. Commentary on the Epistle to the Romans. Trad. J. Theodore Mueller, p.XXV-VI) (tradução nossa de texto em inglês).

– A terceira porção da carta, a chamada parte prática, abrange os capítulos 12 a 15, versículo 13, quando o apóstolo disserta a respeito das ações esperadas de quem é justificado pela fé, o que mostra como não tem qualquer sentido as afirmações de que a carta aos romanos é um livro teórico ou um livro que se contraponha a epístola de Tiago, como acreditou Martinho Lutero.

Muito pelo contrário, ao terminar a sua exposição a respeito da justificação, o apóstolo começa a falar da necessidade de o crente viver em santidade, separado do pecado e que como suas ações, neste sentido, são indispensáveis, imprescindíveis para a demonstração de uma verdadeira vida cristã.

Por isso, fala da consagração do crente, da ética cristã baseada no amor ao próximo, na submissão do crente às autoridades terrenas, na tolerância do cristão com os fracos na fé e na supremacia do amor como sentimento supremo no comportamento de cada salvo sobre a face da Terra.

– A quarta porção da carta, a conclusão, que abrange desde o capítulo 15, versículo 14 até o final do capítulo 16, é um relato do apóstolo sobre as suas intenções e motivos que o levaram a esta exposição da fé para que os crentes de Roma o conhecessem.

Nela, o apóstolo mostra a sua disposição de partir para Roma depois de entregar as ofertas que levava a Jerusalém e de ter a ajuda e o apoio da igreja em Roma para o início de sua missão na Espanha, fazendo questão de saudar vários amigos, que se encontravam na capital de César e que serviriam de referência e recomendação a ele para aqueles irmãos.

– Apesar de ser uma carta, a obra de Paulo foi construída não como uma mera epístola, mas como um verdadeiro discurso, em que, não raras vezes, o apóstolo é visto discutindo com um suposto interlocutor, como que querendo convencer alguém a respeito da veracidade da fé cristã.

A epístola aos romanos, portanto, deve ser lida como uma obra retórica, como uma verdadeira defesa da graça e do amor de Deus em favor do homem.

Não é por outro motivo, aliás, que Martinho Lutero, um dos maiores entusiastas desta epístola, dizia que esta epístola e o evangelho segundo João eram suficientes para que alguém tivesse pleno conhecimento da obra e do ensino de Jesus Cristo.

É por isso que, ao longo da história da Igreja, comentários e estudos sobre Romanos tenham sido tomados como verdadeiras “sumas teológicas”, ou seja, como grandes sínteses e resumos da doutrina cristã como um todo.

– Embora não tenha sido a última epístola de Paulo, Romanos, sem dúvida alguma é a epístola da maturidade de Paulo, o escrito paulino que cristaliza a sua meditação e reflexão a respeito do significado da fé cristã e, por isso, é um dos livros da Bíblia Sagrada que devem ser meditados e refletidos por todos aqueles que querem saber a razão da esperança que há em cada cristão (cf. I Pe.3:15).

– Nestes dias em que o ensino da Palavra de Deus está, lamentavelmente, rareando, em que os crentes não têm tanta firmeza na razão de ser da sua fé, torna-se, mesmo, necessário analisarmos esta epístola e ali nos abeberarmos dos ensinos trazidos, sob inspiração do Espírito Santo, ao apóstolo Paulo e, deste modo, construirmos em cada crente, no momento em que isto se faz tão necessário, um alicerce doutrinário capaz de prendê-lo na rocha, que é Cristo, de modo a que possa ficar de pé até o dia glorioso do arrebatamento da Igreja.

IV – A APRESENTAÇÃO DE PAULO NA EPÍSTOLA AOS ROMANOS

– Em suas missivas, o Apóstolo dos Gentios sempre fazia questão de se apresentar aos seus destinatários, dizendo quem era, apresentação que, quase sempre, estava relacionada com o próprio teor da epístola, com o próprio ensinamento que se pretendia dar à igreja local a que se destinava a carta.

– Neste gesto, o apóstolo nos ensina que é fundamental que sejamos transparentes e que se nos apresentemos àqueles com quem pretendemos dialogar, o que mostra a importância de termos um bom testemunho diante de todos os que nos cercam, sem o que nossa credibilidade será irreversivelmente comprometida em detrimento da obra do Senhor, frustrando assim a razão de ser de ainda estarmos no mundo, embora dele não mais sejamos.

– Na carta aos romanos, Paulo se apresenta como “servo de Jesus Cristo” (Rm.1:1). Embora seja um apóstolo e que, conquanto nunca tivesse estado em Roma, possuía um bom número de pessoas por ele evangelizadas ou oriundas de igrejas por ele fundadas em Roma, como o demonstra a relação das saudações no capítulo 16 da epístola, Paulo diz ser apenas um “servo” de Jesus Cristo, palavra que, no grego, é “doulos” (δούλος), cujo significado é “escravo voluntário”, ou seja, aquela pessoa que se submete ao senhorio de alguém por livre e espontânea vontade, como se vê na lei de Moisés em Ex.21:5,6, escravo que resolve servir para sempre porque “ama o seu senhor”.

– Quão diferente é o apóstolo Paulo dos líderes dos nossos dias, que, ao invés de se identificarem como “servos de Jesus Cristo”, apresentam-se como “apóstolos”, “bispos”, “anjos de fogo”, “paipóstolos”, “patriarcas” e outros títulos honoríficos que deixam para trás os líderes religiosos que, antigamente, eram tão criticados pelos evangélicos, como os Papas e os Patriarcas. Paulo, apesar de ser um apóstolo diretamente escolhido pelo Senhor Jesus (cf. At.9:15), sabia que o principal e o essencial é ser “servo de Jesus Cristo” e, assim, devem proceder todos os crentes.

O motivo de nossa alegria deve ser o de termos nos submetido a Cristo e, por isso, termos nossos nomes escritos nos céus (Lc.10:20). Por isso, já no limiar deste seu tratado teológico, Paulo nos mostra que o importante é ser “servo de Jesus Cristo” e nada mais.

– Como “servo de Jesus Cristo”, Paulo queria ser reconhecido e ajudado pelos irmãos de Roma na sua empreitada à Espanha e não por qualquer função ministerial ou autoridade diante da igreja do Senhor, porque é a única qualificação que deveria ser levada em conta na decisão pela ajuda, ou não, do apóstolo em sua pretendida ida à Espanha.

A igreja local deve sempre amparar e ajudar aqueles que são, verdadeiramente, servos de Jesus Cristo, pois a igreja somente deve se engajar nas tarefas e nos trabalhos dos que são comprometidos com Cristo, daqueles que são filhos de Deus, daqueles que têm o Espírito Santo (Rm.8:16).

– Mas, para que uma igreja ajude alguém numa determinada empresa na obra do Senhor, não basta que a pessoa seja “serva de Jesus Cristo”, condição necessária mas não suficiente. É preciso, também, que a pessoa esteja devidamente concorde com a vontade do Senhor nesta sua pretensão.

Por isso, o apóstolo Paulo, além de servo de Cristo, se apresentou aos crentes de Roma como “chamado para apóstolo”.

Além de ser servo de Jesus, Paulo diz à igreja em Roma, que foi chamado para ser apóstolo, ou seja, que Jesus o comissionou como “apóstolo”, como pessoa enviada para levar o nome de Cristo diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel (At.9:15).

Por isso, Paulo tinha legitimidade para pedir a ajuda da igreja de Roma para sua atividade missionária pioneira pretendida para a Espanha, porque tinha “chamada divina” para tanto.

– A igreja local deve, portanto, antes de ajudar este ou aquele servo de Cristo, verificar se sua iniciativa é, ou não, determinada pelo Senhor Jesus, a cabeça da Igreja (Ef.1:22; 5:23).

A igreja local não deve se guiar senão pela vontade divina, pelo Espírito Santo, para tomar decisões como as que Paulo queria ter da igreja em Roma.

Daí porque ter se apresentado como servo de Cristo e como alguém chamado por Cristo para ser apóstolo (Gl.1:1).

– Além de ser “chamado para apóstolo”, Paulo se disse “separado para o evangelho de Deus”, ou seja, tinha sido comissionado e reconhecido por sua igreja local, ou seja, a igreja de Antioquia, para pregar o Evangelho (At.13:2,3).

Não era um “aventureiro”, nem um “self-made” apóstolo (ou seja, um apóstolo feito por si mesmo). Tinha origem, seu ministério era fruto inequívoco de chancela divina, um ministério obtido dentro dos cânones de ordem que sempre caracterizam aquilo que é feito por Deus, que não é um Deus de confusão (I Co.14:33).

Eis um outro fator a ser levado em conta pelos crentes quando se apresentarem propostas de ajuda e participação na obra do Senhor. As igrejas devem ser vigilantes e, cuidadosamente, a exemplo da igreja em Éfeso, pôr à prova os que dizem ser apóstolos, para verificar quem está a mentir (Ap.2:2).

– Após se apresentar como um ministro legítimo, chamado para a tarefa de evangelização e abertura de novos campos na obra do Senhor, Paulo faz questão de mostrar qual é a base da sua fé.

Ser “servo de Jesus Cristo” não é apenas um título, mas, sobretudo, um estado de vida, é ser alguém que tem plena consciência de que Jesus foi prometido por Deus, pelos Seus profetas nas Santas Escrituras e que Se fez homem e, depois, ressuscitou dentre os mortos e, por isso, é Nosso Senhor (Rm.1:2-4).

– Paulo não só se apresenta com seus títulos, mas com suas convicções. Somente pode ser ministro de Cristo, somente pode querer a ajuda e o apoio da igreja do Senhor quem tem convicção do que dizem as Santas Escrituras, quem tem a Bíblia como única regra de fé e prática.

São muitos os que querem, nos nossos dias, estribar sua fé, basear suas crenças e seu meio de servir a Deus em “revelações”, “sinais”, “maravilhas” ou em manifestações sobrenaturais as mais variadas.

Paulo, porém, um homem grandemente usado pelo Senhor, a ponto de, por seu intermédio, se realizarem maravilhas extraordinárias (At.19:11), nunca se deixou impressionar por sinais ou por manifestações de poder, ainda que do poder de Deus, mas sabia, claramente, que a base do cristão está nas “Santas Escrituras”, na palavra de Deus, que é a verdade (Jo.17:17).

– O Evangelho é de Deus, é de iniciativa divina, mas esta iniciativa tem seus limites e parâmetros previamente estabelecidos pelo Senhor nas Santas Escrituras, pois são nelas que se encontra registrada a promessa da redenção do homem, são nelas que se tem o testemunho de Jesus (Jo.5:39).

Não podemos, em absoluto, querer erigir outro fundamento, outra base para a nossa fé. Não se trata, portanto, de bibliolatria o comportamento dos cristãos evangélicos, como, por vezes, nos acusam aqueles que não admitem a Bíblia como única regra de fé e prática, comportamento que tão somente mostra a falta de vontade de viver segundo a vontade de Deus. Como ensina Misael B. Nascimento, “…a postura correta do crente decorre de seu hábito na leitura, meditação e aplicação da ‘lei do Senhor’ (Sl.1:2).

A decisão por escolher o caminho divino aponta para uma submissão a esta revelação autorizada (Sl. 119)…” ([. NASCIMENTO, Misael B]. Igreja e ética. http://www.presbiterianismo.com.br?Cursos/Curso059.htm Acesso em 21 fev. 2003).

– A base da vida cristã de Paulo eram as Santas Escrituras, onde ele aprendera que Deus havia prometido enviar Seu Filho e onde fora predito que Jesus, depois de Se ter feito homem, haveria de ressuscitar, após vencer o mal e a morte, garantindo-nos salvação, vitória que se deu porque Jesus nunca pecou, mas viveu segundo “o Espírito de santificação” (Rm.1:4).

Temos esta convicção? Será que baseamos nossa vida cristã nas Escrituras ou apenas em experiências, sobrenaturais ou meramente emocionais?

Será que temos a convicção de que, para alcançarmos a promessa de Deus, temos de viver como Jesus viveu, ou seja, sermos homens separados do pecado para podermos alcançar a mesma glorificação que Cristo alcançou com Sua morte e ressurreição?

Era esta base que alicerçava a legitimidade do ministério e da espiritualidade de Paulo, era isto que fazia do apóstolo um verdadeiro “servo de Jesus Cristo”.

– Mas Paulo, na sua apresentação aos crentes romanos, não se contentou em apenas mostrar o que era, mas em dizer qual o meio pelo qual havia recebido a graça divina e o apostolado, a saber: Jesus Cristo Nosso Senhor.

Só se consegue a comunhão com Deus mediante Jesus. “ E em nenhum outro há salvação, porque também deixado do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” (At.4:12), como disse o apóstolo Pedro na sua pregação diante do Sinédrio, a máxima autoridade religiosa de Israel. Era esta mesma convicção que animava Paulo e que ele apresentava como “credencial” à igreja em Roma.

– Nos dias em que vivemos, deve ser esta a legitimidade a ser verificada entre os que cristãos se dizem ser. Há muitos que se dizem cristãos e que procuram mostrar a sua autoridade ou legitimidade não em Jesus, mas em outros mediadores e intermediários, seja Maria, seja Pedro (ou seus supostos sucessores que se encontram no trono papal em Roma), sejam portadores de supostas “visões” ou “unções” (como os srs. Ouriel de Jesus, Joseph Smith, César Castellanos, Reverendo Moon e tantos outros que se têm levantando na Terra nos últimos tempos).

Vivemos a época da disseminação e profusão dos “falsos cristos” (Mt.24:23,24), que não são apenas aqueles que dizem ser “reencarnações” de Cristo ou o próprio Cristo (como a figura pitoresca de “Inri Cristo” aqui no Brasil), mas pessoas que afirmam ter poderes e autorizações divinas que os colocam entre Deus e os homens, o que, enfaticamente, deve ser repudiado por todos os servos do Senhor.

Paulo, em toda a sua trajetória, às vezes até à custa de incompreensões no seio da própria Igreja, jamais abriu mão do que é fundamental e indispensável na consciência de cada crente: nossa legitimidade, nossa autoridade, nossa filiação adotiva junto a Deus se deve única e exclusivamente à mediação de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual somos feitos filhos de Deus (Jo.1:14).

– A mediação de Cristo, porém, não era despropositada, não era feita sem propósito algum. Paulo disse que havia recebido a graça e o apostolado para o fim de levar as nações a obedecerem a Jesus (Rm.1:5).

Paulo vivia para que as pessoas pudessem crer em Jesus e obedecer-Lhe. É este o objetivo da vida de todo cristão: levar as pessoas a crer em Cristo e obedecer-Lhe. Tem sido este o nosso objetivo de vida?

Por que e para que vivemos sobre a face da Terra? Para que os outros homens, ao verem nossas boas obras, glorifiquem ao nosso Pai que está nos céus (Mt.5:16)?

Para que as pessoas, ao contemplarem as nossas vidas, vejam, em reflexo, o esplendor da glória de Deus (II Co.3:18)?

Ou temos ocupado o nosso tempo de vida com outros objetivos, com outras finalidades, como a prosperidade material, a fama, o prestígio social, a começar pela igreja local? Paulo tinha um único objetivo: fazer com que as pessoas à sua volta cressem e obedecessem a Jesus. Qual tem sido a sua razão de viver?

– Paulo, também, apresenta-se aos crentes de Roma como alguém que servia a Deus em seu espírito no evangelho do Seu Filho (Rm.1:9).

Vemos aqui a profundidade do relacionamento de Paulo com o seu Deus. Paulo não servia a Deus com base nas emoções, nos sentimentos, muito menos nos “embalos corporais”, no “reteté”, mas seu serviço a Deus vinha do mais profundo do seu ser, a saber, o seu espírito, a parte imaterial do homem destinada a fazer a relação entre o homem e Deus, onde se tem a consciência e a fé natural.

A salvação é um processo que se inicia no espírito, que é vivificado em Cristo (I Co.15:45) e é a partir daí que temos de dirigir toda a nossa comunhão com o Senhor. Infelizmente, muitos, nos nossos dias, querem sentir “emoções”, “sensações”, acostumando-se a uma superficialidade que não leva a parte alguma.

“O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é espírito”(Jo.3:6), já dissera Jesus para Nicodemos e uma conversão genuína exige que o serviço a Deus tenha sua origem no espírito, numa real transformação.

– Quem serve a Deus em espírito, anda conforme a regra (Gl.6:16), ou seja, vive no evangelho do Filho de Deus (Rm.1:9).

Mais uma vez, Paulo enfatiza a absoluta vinculação que existe entre uma espiritualidade sadia e a observância da Palavra de Deus.

Não podemos, em hipótese alguma, admitir que alguém tenha comunhão com o Senhor se não viver de acordo com as Sagradas Escrituras. Toda espiritualidade construída ao largo da Bíblia Sagrada é tão somente uma astuta cilada do diabo.

– Mas Paulo, também, se revela como um homem de oração. O apóstolo diz aos crentes em Roma que sempre pedia em suas orações que, nalgum tempo, pela vontade de Deus, se oferecesse ocasião de ir ter com aqueles irmãos na capital do mundo (Rm.1:10).

Paulo, portanto, constantemente orava, característica que deve existir em todos quantos queiram fazer a obra do Senhor.

Não é possível um crente militante que não ore. Paulo pôde escrever aos tessalonicenses que orassem sem cessar (I Ts.5:17), porque ele era alguém que ora continuamente.

– Muitos têm desfalecido ao longo da jornada por falta de oração. A oração é companheira indispensável para que tenhamos a devida agilidade espiritual para enfrentarmos o inimigo (Ef.6:18), como também para sabermos qual é a vontade de Deus.

Nesta sua apresentação aos crentes de Roma, Paulo, definitivamente, mostra que não se encontra entre os “crentes da confissão positiva”.

Com efeito, ao contrário dos “supercrentes” dos nossos dias, o apóstolo não “determinava” ir a Roma, nem tampouco “declarava” que iria para Roma, mas, como verdadeiro e genuíno servo de Jesus Cristo, punha seu ardente desejo de visitar a capital de César no altar, esperando que a vontade de Deus se fizesse.

Tanto assim foi que o próprio apóstolo manifesta aos romanos que este seu desejo havia até aquele momento sido impedido pelo Senhor (Rm.1:13), e não era porque Paulo havia pecado, como ensinam erroneamente os arautos da doutrina da confissão positiva.

Que exemplo a ser seguido! Pare de “mandar em Deus”, querido irmão, e viva o que nos ensinam as Escrituras: leve seu desejo diante do Senhor e espera que a Sua vontade se faça!

– Paulo se apresentou aos crentes em Roma como um “devedor” (Rm.1:14), ou seja, entendia ter um dever, uma obrigação, um compromisso diante de todos os membros da igreja em Roma, fossem gregos, fossem bárbaros, fossem sábios, fossem ignorantes. Paulo tinha consciência de que, diante do povo de Deus, era sempre um devedor, alguém que havia assumido um compromisso diante do Senhor de servir.

Como Paulo discrepa do que vemos na atualidade. Não só muitos ministros, mas muitos crentes se acham “credores” de Deus, cheios de direitos e de privilégios, que não têm qualquer receio de cobrar e de reclamar.

Os dias são dos mercenários da fé, dos que “exigem” de Deus, dos que “colocam Deus contra a parede”.

Entretanto, para estes, apresentamos a verdade bíblica, que considera os servos do Senhor como “devedores” e que faz a seguinte indagação a estes atrevidos: “ Ai daquele que contendeu com o seu Criador!

O caco entre outros cacos de barro! Porventura dirá o barro ao que o formou: Que fazes? Ou a tua obra: Não tens mãos?” (Is.45:9).

– Paulo também afirmou ser alguém que “estava pronto para anunciar o evangelho em Roma” (Rm.1:15).

Um servo de Deus deve ser alguém que esteja sempre pronto a dizer qual a razão da esperança que nele há (cf. I Pe.3:15).

O crente é alguém que está pronto, ou seja, que está de prontidão, que se encontra preparado, seja para pregar o Evangelho, seja para subir com o Senhor no instante do toque da última trombeta.

A prontidão do cristão é uma das suas características essenciais, é a sua vigilância, que tanto foi relevada pelo Senhor Jesus em Seu sermão escatológico (Mc.13:37).

– A prontidão, também, fala-nos de disposição. A Bíblia diz que um dos objetivos do trabalho de João Batista foi preparar, em Israel, um povo bem disposto (Lc.1:17).

É preciso que tenhamos disposição, que tenhamos bom ânimo para podermos vencer o mundo (Jo.16:33).

Paulo mostra aos crentes em Roma que, apesar de toda a sua história e de sua autoridade, via como legítimo que a igreja em Roma o submetesse a um teste, que o fizesse anunciar o Evangelho em Roma, enquanto não tivesse condições de enviá-lo a Espanha.

Que diferença para alguns obreiros dos nossos dias que, querendo ser enviados por uma igreja local para um determinado lugar, não se dispõem a evangelizar na igreja local, mas, antes, por ter “chamada específica para tal lugar”, dispõem-se só a ser sustentados pela igreja local enquanto “não são enviados”.

– Paulo sabia que Roma não era o seu destino, nem era sua intenção ali ficar. Seu projeto era evangelizar a Espanha, mas, como se tratava de alguém pronto, de um verdadeiro e genuíno evangelista, não se importava de ter de anunciar o Evangelho em Roma, enquanto não pudesse ir a Espanha, o que, aliás, acabou ocorrendo, pois Paulo foi levado preso para Roma e lá, enquanto não foi julgado, não cessou de pregar a Palavra de Deus, mesmo na prisão, como dão conta os relatos tantos de Atos dos Apóstolos quanto das chamadas “epístolas da prisão” (Filipenses, Efésios, Colossenses e Filemom).

– Quem quer trabalhar para Cristo não escolhe lugar. Mesmo tendo chamada para um determinado local, evangeliza onde quer que se encontre, porque é alguém que está sempre pronto a anunciar o Evangelho. Desconfiemos, pois, da “chamada específica”, cantilena, lorota que tem sido ardilosamente construída por alguns aventureiros, quando não mercenários da fé.

– Paulo era, também, alguém que sabia que o Evangelho de Cristo é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, fosse do judeu, fosse do grego(Rm.1:16). O apóstolo tinha plena consciência missionária.

Sabia que o Evangelho não era obra do homem, mas o poder de Deus. Sabia que o Evangelho não depende do homem, nem pode se prender a conceitos humanos, mas é uma operação sobrenatural, que tem sua origem em Deus e cuja eficácia depende inteiramente da vontade divina.

Por mais que tivesse sido usado por Deus durante o seu ministério apostólico, Paulo nada considerava como sendo seu na pregação da Palavra de Deus.

Quando o homem assim se comporta, quando se anula e deixa Deus trabalhar com exclusividade, quando não retém a glória devida ao nome do Senhor, o resultado só poderá ser o do pleno êxito da pregação do Evangelho.

Quando, porém, o homem começa a aparecer, o fracasso é certo e, por vezes, irreversível, como temos visto, com tristeza, suceder com pregadores e evangelistas internacionais. Façamos como Paulo e nunca nos esqueçamos que o Evangelho de Cristo é poder de Deus para salvação de todo o que crê.

– Somente no Evangelho, diz Paulo, podemos descobrir a justiça de Deus de fé em fé. Somente no Evangelho, poderemos ter a manifestação de quem é Deus e de quem é o homem e o de que Deus fez em favor do homem.

É este o tema da carta que Paulo escreve aos crentes em Roma e é esta compreensão a respeito do que significa o Evangelho que Paulo apresenta como último elemento a se habilitar para ter a ajuda e o apoio dos romanos para a evangelização da Espanha, propósito que o Espírito Santo transformou na mais sistemática exposição aos crentes de todas as épocas a respeito do que é e o que representa ser salvo por Cristo Jesus.

V – A APRESENTAÇÃO DA IGREJA EM ROMA NA EPÍSTOLA AOS ROMANOS

– Era praxe do apóstolo, nas suas epístolas, também fazer uma apresentação dos destinatários, mostrar como via e como concebia aqueles para quem escrevia.

Esta característica do apóstolo aponta-nos para uma importante lição, qual seja, a de que o cristão deve sempre, em seus relacionamentos, pôr-se no lugar daquele com quem está relacionando, para que, em o compreendendo melhor, poder entendê-lo e extrair melhoras e excelência neste relacionamento, algo que as Escrituras mostram ser, também, a atitude proeminente de Cristo que, para bem compreender o homem, assumiu o seu lugar, fazendo-Se homem (Hb.2:14), tendo, sempre, compaixão, que nada mais é que sentir o que o outro está sentindo (Mt.9:36; 14:14; 15:32; 20:34; Mc.1:41; 6:34; 8:2; Lc.7:13).

– Em primeiro lugar, Paulo afirma que os crentes de Roma eram também, assim como ele, pessoas chamadas para serem de Jesus Cristo (Rm.1:6). Todo crente é chamado para pertencer a Cristo, para se tornar um “doulos”, isto é, para, voluntariamente, se fazer uma propriedade de Cristo Jesus. Ser propriedade de Cristo é ser-Lhe submisso, é fazer a Sua vontade.

Há muitos, nos nossos dias, que gostam de dizer que tal ou qual cidade, que tal ou qual país são do Senhor Jesus, mas, ao mesmo tempo em que isto “declaram” ou “determinam”, demonstram suas reais intenções. Ao dizerem que algo é do Senhor Jesus, estão apenas querendo que Jesus lhes faça a vontade, que Jesus Se submeta a seus caprichos e desejos, o que é a inversão do que se está aqui a dizer nas sagradas letras.

– Paulo dizia que nós somos chamados para sermos do Senhor Jesus. Em vez de “declararmos”, “determinarmos” isto ou aquilo, devemos, isto sim, nos submetermos ao senhorio de Cristo, devemos nos fazer propriedade sua, servos seus, “escravos voluntários” de Jesus. Paulo tinha esta experiência, tanto que dizia que não mais vivia, mas, sim, Cristo é que vivia nele (Gl.2:20).

A chamada divina para a salvação é uma chamada para sermos servos, para que Jesus seja nosso Senhor. Por isso, o Senhor foi claríssimo ao dizer que nós tão somente somos as varas e Ele, a videira verdadeira (Jo.15:1), enquanto que o Pai é o lavrador, ou seja, aquele que determina, que declara e que, para usarmos um jargão popular, “faz e acontece”. Quão diferente é o ensino bíblico das falsidades propagandeadas pela doutrina da confissão positiva.

– Mas, além de serem chamados para servir, para obedecer, Paulo diz que todos os crentes de Roma eram amados de Deus (Rm.1:7).

O cristão tem de ter a consciência de que ele é fruto do amor de Deus para conosco. Até mesmo o amor que temos para com Deus não existiria se Ele não nos tivesse amado, tanto que o apóstolo João foi enfático ao afirmar que “nós O amamos a Ele porque Ele nos amou primeiro” (I Jo.4:19).

– Quando conseguimos pelo menos vislumbrar o significado de ser amado de Deus, certamente alteramos o nosso proceder diante dos homens e diante de Deus. Como deixar de perdoar alguém quando temos convicção sólida em nossos corações que somos amados de Deus e, por isso, por Ele fomos perdoados de todos os nossos pecados?

Como deixar de ter compaixão e sensibilidade com o próximo, quando sentimos, em nossos corações, que fomos amados de Deus, a ponto de Cristo ter morrido por nós, quando ainda éramos pecadores?

Como deixar de exercer misericórdia, longanimidade e mansidão, quando nos vem a mente a verdade de que somos amados de Deus e que, por isso, somos alvo da Sua misericórdia, longanimidade e mansidão?

Lembremo-nos sempre de que somos amados de Deus e isto, certamente, melhorará a nossa vida espiritual.

– Mas, além de ser amados de Deus, os crentes em Roma eram chamados “santos” (Rm.1:7), ou seja, viviam separados do pecado e isto era notado por todos aqueles que com eles conviviam.

Uma vez mais, aqui, vemos que há uma inversão do modelo bíblico nos nossos dias. Muitos são os crentes que fazem questão de “bater no peito”, de dizer aos quatro ventos que são santos.

Nossas igrejas locais, lamentavelmente, encontram-se repletas de pessoas que se enquadram perfeitamente no fariseu da parábola contada por Jesus (Lc.18:9-14).

Diremos mais, a exemplo do que ocorria no tempo de Jesus, são muitos os que, apesar de freqüentarem igrejas evangélicas, não podem ser contados no grupo dos “chamados santos”, mas, sim, no grupo dos “fariseus”, ou, para aqui usarmos de expressão feliz de um poeta sacro, dos “modernos fariseus”. Senão vejamos.

– “Fariseu” é palavra cujo significado é “separado”. Entre os judeus, foi o partido daqueles que eram extremamente rigorosos no cumprimento individual dos mandamentos, a ponto de “se separarem” dos demais que não fossem fariseus.

O farisaísmo, portanto, é um comportamento de quem se diz santo, de quem se separa dos demais, por entender ser melhor do que os demais.

Os “modernos fariseus” são, pois, aqueles que se dizem santos, que se intitulam como tais, que fazem questão de construir grande número de regras e de mandamentos, para se mostrar melhores do que os outros, mas que, infelizmente, não vivem aquilo que dizem ser, razão por que mereceram o mais duro discurso de Jesus (Mt.23).

– Pois bem, Paulo, que havia sido um fariseu (At.26:5), e, portanto, que bem sabia o que isto significava, disse que os crentes em Roma eram “chamados santos”, ou seja, seu comportamento fazia com que as outras pessoas reconhecessem que viviam eles separados do pecado, que tinham uma vida diferente.

Note-se bem: não eram os crentes em Roma que se intitulavam santos, mas assim eram chamados, por causa do seu testemunho, em virtude do seu modo de viver.

Aliás, Paulo bem conhecia isto porque a igreja local que o enviara para missão, a igreja de Antioquia, tinha, também, seus membros chamados de cristãos (At.11:26) em razão do seu testemunho.

– Na história dos crentes no Brasil, também, vemos que eram eles diversamente intitulados pelo povo nos primórdios da evangelização no país.

Eram chamados de “bíblias”, “aleluias” e de “crentes”. Não eram assim que se chamavam, mas assim eram chamados, como resultado do seu modo de viver (criam na Bíblia Sagrada e dela faziam sua regra de fé e prática, eram conhecidos por glorificarem e exaltarem o nome do Senhor, eram pessoas que demonstravam ter fé e crença em Jesus).

– Entretanto, na atualidade, não são poucos os que, também neste ponto, inverteram o que a Bíblia nos ensina. Não são chamados, mas se chamam de “crentes”, de “santos”, de “evangélicos” e de tantas coisas mais.

Todavia, este autochamado, esta demonstração de “moderno farisaísmo” é algo que não encontra eco, mas que se traduz apenas em escândalos.

Paulo mostra que a igreja em Roma não se denominava “santa”, muito menos “Santa Mãe” ou, então, como a sua corruptela que até hoje encontra sua sede na capital da Itália, “uma, santa, católica e apostólica (…) constituída e organizada neste mundo como uma sociedade, [que] subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele…” (Constituição dogmática Lumen Gentium, n.8), mas, sim, pelo seu porte e pela sua fidelidade ao Senhor, era chamada “santa” por todos quantos a contemplavam, fossem, ou não, servos de Cristo Jesus.

– A exemplo da igreja em Roma, não podemos arrogar uma santidade, que outra coisa não será senão uma “santarronice”, mas, com humildade e fidelidade ao Senhor, seguirmos o que Ele nos manda, para que, então, ante um testemunho de obediência à Palavra de Deus, sejamos “chamados santos”, o que é muito mais importante do que nos declararmos santos a nós mesmos. Uma vez mais nos lembramos da parábola proferida por Jesus.

O fariseu, após ter se louvado a si mesmo, encontrou eco nos ouvidos dos que ali estavam, mas desceu para sua casa sem qualquer justificação, ao passo que o publicano, reconhecendo seu estado miserável, alcançou o perdão divino. De que lado vamos ficar?

– Mas por que os crentes em Roma, de uma comunidade até certo ponto obscura, onde, tudo indica, não havia sequer uma apóstolo a liderá-la, que vivia as agruras de estar na própria capital do mundo, eram, apesar de tudo, chamados santos?

Paulo dá-nos a resposta, ao agradecer ao Senhor por causa da fé que era ostentada por aqueles crentes (Rm.1:8).

– Para sermos chamados de santos, a exemplo dos crentes de Roma, temos de começar pela fé. A fé é o combustível do crente que nos permite chegar até a Jerusalém celestial.

Sem fé é impossível agradar a Deus (Hb.11:6a) e, por isso mesmo, não conseguiremos jamais viver separados do pecado se não crermos em Jesus, se não dermos crédito à Sua Palavra.

A fé não é uma simples atitude intelectual, mas, sobretudo, uma firme decisão de acreditar que a Palavra de Deus é a verdade e, portanto, viver de acordo com o que ela prescreve, com o que ela ensina, com o que ela manda, com o que ela diz.

– Voltando à denominação popular com que os servos do Senhor se fizeram conhecidos em grande parte do Brasil, a saber, “crentes”, vemos que, neste rótulo, estava embutida uma grande realidade, qual seja, a de que os nossos pais na fé neste país se caracterizavam pela sua fé, pelo fato de crerem no que dizia a Bíblia Sagrada e, por causa disto, terem um modo de vida distinto e diferente dos demais.

Não foram chamados de “crentes”, porque recitavam uma profissão de fé, um “credo” (algo, aliás, que, naquela época, em que os católicos praticantes eram numerosos, todos faziam nas missas e em latim, a língua oficial da Igreja Romana e em que eram rezadas as missas até o Concílio Vaticano II, na década de 1960), mas porque “viviam” segundo aquilo que liam no “livro da capa preta”.

– Hoje em dia já não é mais assim. Entretanto, pelo que observamos da carta aos romanos, esta mudança não é para melhor, nem demonstra qualquer maturidade por parte dos “crentes”, mas, antes, é sinal evidente de que vivemos um período de apostasia, de grave desvio espiritual e doutrinário.

Somente seremos chamados santos, somente agradaremos ao Senhor se tivermos fé, isto é, se vivermos de acordo com o que mandam as Escrituras. Isto é ter fé e não “mandar em Deus”, por meio de “determinações”, como tem sido ensinado aos quatro ventos nos difíceis tempos em que estamos vivendo. A fé dos crentes de Roma era anunciada e, por isso, eram eles “chamados santos”.

– A igreja em Roma, por ser santa, era capaz de confortar e consolar alguém, tanto que Paulo esperava ser por ela confortado (Rm.1:12).

Neste ponto, aliás, o apóstolo mostra como é necessário que tenhamos uma igreja local na vida espiritual, visto que somente na vida comunitária é possível a mútua consolação e o mútuo conforto, mediante o exercício mútuo da fé (Rm.1:11,12).

Não têm razão, portanto, aqueles que defendem o “self-service”, ou seja, o “servir a Deus sozinho”, por causa dos escândalos e dos problemas surgidos nas igrejas locais (cada vez mais frequentes, até para que se cumpra a Palavra de Deus), muito menos aqueles que têm defendido a extinção das igrejas locais, que seriam “desvios doutrinários”, por grupos celulares, pequenos grupos ou seja lá que nome tiverem como têm defendido os gedozistas.

Todas estas falsas ideias têm apenas um objetivo: impedir que a mutualidade da fé, do conforto e do consolo construam crentes firmes e cada vez mais fortes e vigorosos no seu relacionamento com o Senhor.

– Aliás, Paulo mostra, também, que somente na igreja local, na mutualidade é que se poderão exercer os dons espirituais, tanto que esperava poder comunicar algum dom aos crentes em Roma (Rm.1:11).

Paulo, portador dos dons espirituais, tinha consciência que estes dons não lhes haviam sido dados por Deus para que ele se apresentasse superior aos demais irmãos, mas, pelo contrário, estes dons o tornavam um vaso do Senhor, um servidor dos demais crentes.

Paulo não queria ir a Roma para aparecer e ser “paparicado” pelos crentes por causa dos dons espirituais que possuía, mas para exercê-los em favor e para benefício da igreja. Que diferença com os “santos profetas” e os “reveladores” da atualidade…

– Esta mutualidade, ademais, não seria estéril, mas produziria algum fruto, como sempre havia ocorrido no ministério de Paulo (Rm.1:13).

A igreja local existe para produzir fruto, como todo crente existe para produzir fruto (Jo.15:16).

Paulo era um cristão que tinha consciência de que toda atividade na vida tem de produzir frutos dignos de arrependimento, que o cristão não se fará conhecido a não ser por seus frutos (Mt.7:16-20).

Assim agindo, o próprio Paulo indicava aos romanos que, para ajudá-lo, deveriam verificar que ele já havia dado fruto no seu ministério.

– Esta visão, lamentavelmente, tem se perdido nos nossos dias. Poucos são os que avaliam as atividades das igrejas locais em torno de fruto espiritual.

Alguns veem as atividades como fonte de lucro, outros como meros momentos de confraternização ou de catarse, mas são realmente muito poucos aqueles que analisam as atividades da igreja local em termos de aperfeiçoamento dos santos e de salvação de pessoas.

Todos os eventos e atividades das igrejas locais têm como objetivo ganhar almas para o Senhor e tornar os crentes mais aperfeiçoados.

Temos percebido este fruto? Se não, precisamos urgentemente rever nossos conceitos, pois, se assim fosse, certamente Paulo não nos visitaria nem quereria a nossa ajuda para fazer a obra do Senhor.

OBS: É triste, mas, cada vez mais, os calendários das igrejas locais se entopem de eventos, festas, encontros, pré-encontros, congressos etc. etc., enquanto que o número de conversões diminui com a mesma, ou até maior, intensidade.

Muitos estão cegos e não verificam o retrocesso espiritual vivido na atualidade.

– A igreja em Roma, porém, não era como muitas igrejas dos nossos dias. Muito pelo contrário, sabia Paulo, era uma igreja que, apesar de diminuta e de não ter tanto “status” quanto as demais já existentes, sabia muito bem que era imprescindível a análise do fruto, a verificação da espiritualidade por intermédio das ações, para habilitar, ou não, alguém junto a ela.

Dentro desta consciência é que o apóstolo irá expor o que entende ser a salvação, para, então, procurar obter o decisivo apoio daquela igreja para sua pretensão de evangelizar a Espanha.

Que nossas igrejas locais tenham este mesmo grau de respeitabilidade junto aos homens e mulheres de Deus, o que somente se fará se, efetivamente, a exemplo dos crentes de Roma, tivermos conhecimento da Palavra do Senhor.

Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco

Site: portalebd.org.br

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