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LIÇÃO Nº 10 – DEVERES CIVIS, MORAIS E ESPIRITUAIS

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O cristão deve sempre ter presente que é, simultaneamente, cidadão na Terra e cidadão dos céus.

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INTRODUÇÃO

– Escrevendo para a igreja que estava na capital do mundo de então, o apóstolo Paulo tinha, mesmo, de dissertar a respeito do relacionamento entre o cristão e o Estado, ensino que ratifica o que já havia ensinado pelo Senhor Jesus: “daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

– O salvo em Cristo Jesus tem deveres para com o Estado, para com a sociedade e o próximo.

I – CONCEITO DE POLÍTICA E DE ESTADO

– A política é algo que está presente em qualquer grupo humano. O próprio Deus, quando criou o homem, afirmou que ele deveria dominar sobre o restante da criação (Gn.1:26), bem como, no jardim onde o colocou, disse que ele deveria guardá-lo (Gn.2:15), numa clara demonstração que a natureza humana envolvia o exercício do poder, consequência do próprio livre-arbítrio de que ele era dotado.

Ora, toda relação de poder é uma relação política e, neste sentido, certíssimo estava Aristóteles, o grande filósofo grego, ao afirmar que o homem é um animal político.

– Após o dilúvio, Deus renovou o pacto com o gênero humano e nele foi mantido o papel de domínio e de poder sobre o restante da criação (Gn.9:2), ainda que bem demonstrada a limitação da autoridade humana, como se lê em Gn.9:5,6. Não tardou muito e surgiu o primeiro grande dominador do povo (Ninrode – Gn.10:8,9) e o governo humano apresentou-se desafiador contra Deus, a ponto de o Senhor ter destruído aquela comunidade política única por meio do juízo de Babel (Gn.11:7-9).

Bem se vê, portanto, que a existência de governo, de poder, de domínio, de política não é algo contrário à ordenação divina, mas, sim, seu mau exercício.

– A existência de um governo faz com que surja, em toda a sociedade humana, o que se denomina de Estado, que é um conjunto de pessoas que se organiza através de uma estrutura e que exerce o poder de modo supremo sobre um determinado território.

O Estado, portanto, é a sociedade política, a organização de um grupo social em termos de relação de poder.

 Ora, como o Estado é resultado da existência da política, que está inserida na própria criação do homem, não há como deixar de reconhecer que a sua existência é algo divinamente constituído, algo que não atenta contra a Palavra de Deus e que, portanto, não é um mal em si.

– Deus, então, diante do fracasso da comunidade política única, resolve formar uma nação e Seu projeto inicia-se com a chamada de Abrão (Gn.12:2).

Esta nação, que seria Israel, não deixou de ser uma nação em que existiram governo e relações de poder.

Ainda que o projeto primitivo de Deus tenha sido o de, pessoalmente, reinar sobre os israelitas (Ex.19:5,6; I Sm.8:7), jamais deixou de existir um governo que fizesse cumprir as leis (Ex.18:14-26; 22:9; Nm.1:4-16; Jz.2:16-19).

– Quando o povo de Israel quis ter uma estrutura política semelhante aos dos demais povos, Deus lho concedeu, tendo, então sido criada a monarquia, com o governo sendo dirigido por um rei, segundo regras que já haviam sido estabelecidas por Moisés (Dt.17:14-20), renovadas por Samuel (I Sm.8:9-22).

Até o cativeiro da Babilônia, no reino do sul, os israelitas foram governados por reis e, depois, estiveram sob domínio estrangeiro até a destruição de Jerusalém no ano 70, salvo o pequeno intervalo, no período intertestamentário, em que tiveram independência e foram governados pela dinastia dos Asmoneus.

– Jesus jamais se indispôs contra a instituição do governo e, observemos, nos Seus dias, os judeus estavam sob o impiedoso governo romano.

 Instigado pelos fariseus, afirmou que devemos dar a Deus o que é de Deus e a César (que nada mais é que o Estado, que o governo humano), o que é de César (Mt.22:21), uma afirmação que o historiador francês Fustel de Coulanges que, em seu livro A Cidade Antiga, entende ser o término da Antiguidade, onde, sempre, o poder humano fora considerado indissoluvelmente ligado à religião e à divindade.

 Por causa disto, os cristãos seriam perseguidos pelo Império Romano, pois, embora reconhecendo a autoridade das instituições romanas (Rm.13:1-7; I Pe.2:13-17), jamais admitiram que ela fosse divinizada.

– Na própria Igreja, foi instituído o governo humano (Rm.12:4-8; Ef.4:11-16; I Pe.5:1-4), governo, igualmente, necessário mas limitado, inteiramente submisso à vontade de Deus.

– Por isso, manifestações como as do anarquismo (doutrina que é contrária a qualquer espécie de governo ou de poder) são inteiramente contrárias à vontade de Deus e devem ser evitadas e combatidas pelos sinceros servos do Senhor.

II – DEVERES CIVIS – A SUBMISSÃO ÀS AUTORIDADES

– Dentro deste contexto bíblico é que devemos compreender o texto de Romanos 13, que fala de como o crente deve se relacionar com as autoridades.

Paulo, dentro da parte prática da epístola, depois de ter dito como o salvo deveria se relacionar com Deus e com o próximo, mostra como deve ser o relacionamento com as autoridades.

– O apóstolo Paulo trata deste assunto na parte prática da sua epístola, pois, na verdade, tratava-se de um assunto do qual poderia falar no campo da ação, pois ele próprio, Paulo, ao longo da sua vida, havia tido várias experiências no que concerne à vida cristã e as autoridades.

Convertido quando desempenhava funções junto ao Sinédrio, o órgão máximo do poder judaico naquela época em que Israel se encontrava sob jugo romano (há discussão se era membro do Sinédrio ou assessor privilegiado daquele organismo), Paulo, desde o início de sua vida cristã, enfrentou a oposição das autoridades, diante até da sua visibilidade na sociedade judaica, o que, aliás, iria verificar logo em seguida ao envio desta carta aos crentes de Roma, pois estava de partida para Jerusalém, onde seria preso por pressão do mesmo Sinédrio e forçado a apelar a César para escapar daquele organismo.

— Paulo, além de ter tido funções junto à estrutura política judaica, também era cidadão romano, pois, como natural de Tarso, tinha direito a esta cidadania, o que fazia com que tivesse uma posição política privilegiada no Império Romano, não sendo, assim, meramente um membro de um povo dominado por Roma, mas um titular de direitos junto a César.

 Esta posição foi fundamental para o apóstolo em algumas ocasiões no seu ministério (como, por exemplo, em Filipos, cf. At.16:35-40), a demonstrar, portanto, que a cidadania deve ser um elemento a ser cultivado e posto à disposição da obra do Senhor.

Por tudo isto, as instruções do apóstolo não eram uma simples teoria, mas o resultado de uma vivência e que, por isso, bem se situam na parte prática da carta.

— O apóstolo não titubeia em demonstrar que a relação do salvo para com as autoridades deve ser o mesmo das demais pessoas que vivem na sociedade, qual seja, o de submissão:

“toda a alma esteja sujeita às autoridades superiores” (Rm.13:1). Se existe um governo e este governo é resultado da própria ordem estabelecida por Deus, torna-se necessário e indispensável que os servos de Deus sejam sujeitos, submetam-se à autoridade.

— Esta é a regra básica no relacionamento do salvo com as autoridades: a submissão, a obediência, a sujeição.

O salvo não pode, em absoluto, questionar o princípio da autoridade. Havendo uma autoridade, deve ele se submeter a ela, ser-lhe obediente, reconhecendo que ela tem o direito de mandar, de ditar regras, de estabelecer normas.

A palavra grega original é “eksousia” (εξουσία), que dá a ideia de “algo externo que é”, de uma “aparência externa que é”, ou seja, indica-nos que a obediência é devida não pelo que a pessoa seja enquanto indivíduo, enquanto ser humano, mas pela posição que ela representa, pelo papel que ela desempenha no corpo da sociedade.

Por isso se costuma dizer que não se obedece a José, a João ou a Luís, mas, sim, ao Presidente da República, ao Governador do Estado, ao Prefeito Municipal e assim por diante.

– O salvo, e o conjunto dos salvos, que constituem as diversas igrejas locais, está inserido dentro de uma sociedade e, nesta sociedade, há aqueles que formam o governo, que dirigem o Estado, a organização política da sociedade, que são o que Paulo denomina de “autoridades superiores”.

O adjetivo “superiores” aqui está indicando que se trata das autoridades que dirigem o Estado, da autoridade política, vez que há outras autoridades estabelecidas no meio social, a começar da família, onde se tem a autoridade paterna; nos locais de trabalho, onde há a autoridade patronal e, mesmo, nas igrejas locais, onde há a autoridade eclesiástica.

Paulo, porém, está tratando aqui das “autoridades superiores”, ou seja, das que hoje chamamos “autoridades civis”, estabelecendo que a elas devemos obediência, submissão.

– É importante observar, assim, que, ao contrário do que se chegou a defender e a dizer ao longo da história da igreja, não há qualquer confusão entre autoridade política e autoridade eclesiástica.

 Paulo, ao definir a submissão como critério de relacionamento entre o salvo e a autoridade política, diz que esta é a regra para “toda alma”, ou seja, não faz qualquer distinção entre salvo e não salvo, entre judeu, gentio ou membro da Igreja de Deus. Trata-se de um dever que não deriva da condição espiritual da pessoa, mas da sua própria humanidade:

ao ser humano é imposto o dever de obediência e submissão às autoridades.

– Obediência, entretanto, não se confunde com concordância ou consentimento. Devemos obedecer às autoridades, cumprir o que elas determinam, mas isto não significa que devamos concordar com elas em suas atitudes.

A discordância com a autoridade, porém, não nos impede de lha obedecer.

Quem nos dá o exemplo é o próprio Jesus que, embora não tenha se rebelado contra Pôncio Pilatos, representante de César na Judeia, ou contra o tetrarca Herodes, governante da Galileia, não deixou de observar que as atitudes tanto do governador romano como do governante galileu eram pecaminosas e, portanto, censuráveis aos olhos de Deus (cf. Jo.19:11).

Não tem, portanto, qualquer respaldo bíblico o ensino, muito frequente em nosso país à época do regime militar, de que o salvo jamais pode votar contra o governo ou expressar opiniões contrárias a decisões governamentais.

– A obediência, diz-nos o apóstolo, é dada à “autoridade”.

A presença desta palavra é importantíssima e muito esclarece o que, por vezes, não foi bem compreendido ao longo da história da Igreja (muitas vezes, quiçá, de forma deliberada).

A obediência dá-se à “autoridade”, não ao homem que a exerce. Isto faz diferença? Sim, faz toda a diferença. “Autoridade” é palavra cuja origem vem de “autorizar”, ou seja, é “autoridade” quem está “autorizado” a fazer algo.

As “autoridades”, portanto, não têm poder por si mesmas, mas recebem este poder de outrem.

Assim, por exemplo, o Presidente da República é a nossa autoridade máxima no Brasil, porque foi autorizado pelo povo, que o elegeu, a dirigir o governo e o Estado brasileiros pelo período de seu mandato.

É por isso que, para ser empossado, deve apresentar ao Congresso Nacional o seu diploma, que é o documento pelo qual a Justiça Eleitoral mostra que ele está “autorizado” pelo povo a assumir o cargo de Presidente da República.

– A obediência, portanto, é devida enquanto se está diante de uma autoridade, ou seja, enquanto se exerce o poder de mando dentro dos limites da delegação, dos limites em que foi recebido o poder.

 O apóstolo Paulo indica claramente que as autorizações emanam do próprio Deus, ao afirmar que “não há potestade (ou autoridade, como se lê na Versão Almeida Revista e Atualizada) que não venha de Deus e as potestades (ou autoridades) que há foram ordenadas por Deus” (Rm.13:1).

Este dito de Paulo conforma-se plenamente com a expressão de Pedro diante do sinédrio de Jerusalém, quando disse que “mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (At.5:29b) bem como com a observação de Paulo, anos mais tarde, aos efésios, quando disse que os filhos deveriam obedecer aos pais “no Senhor” (Ef.6:1).

– A obediência à autoridade é devida enquanto esta autoridade estiver dentro dos limites traçados, limites estes que são fixados pelo próprio Deus e que foram muito bem definidos pelo Senhor Jesus.

Os apóstolos, portanto, não estavam obrigados a obedecer ao Sinédrio quando este mandou que eles não mais pregassem o Evangelho em Jerusalém, pois a autoridade política, mesmo a político-religiosa, não tinha recebido de Deus qualquer autorização para se imiscuir no assunto da evangelização, matéria em que o próprio Jesus havia dado a ordem, a “grande comissão”.

De igual modo, os amigos de Daniel não estavam obrigados a adorar a estátua, apesar da ordem do rei Nabucodonosor, porque Deus não havia autorizado o rei de Babilônia a impor a idolatria a seus súditos, como também eram agradáveis a Deus aqueles sete mil fiéis que não serviram a Baal, ainda que isto significasse afronta às determinações do rei Acabe, vez que este rei, também, não tinha autorização alguma de Deus para infringir a lei de Moisés.

– A submissão é devida à autoridade, ou seja, enquanto se estiver dentro dos limites traçados por Deus, toda alma, inclusive o salvo, é obrigado a obedecer a Deus e, se não o fizer, não estará apenas desobedecendo à autoridade, mas também pecando, pois “quem resiste à potestade, resiste à ordenação de Deus” (Rm.13:2a).

Assim, enquanto a “autoridade” estiver dentro da sua “autorização”, devemos-lhe obediência e submissão.

 Se, porém, houver abuso por parte dela, inserindo-se em assuntos para os quais não foi chamada nem autorizada a atuar, como, por exemplo, no que concerne à evangelização e ao aperfeiçoamento dos santos, temas delegados por Deus somente à igreja, então não estamos sujeitos às suas determinações, pois ela estará atuando ilegitimamente, sem qualquer autorização divina.

– Verificamos, assim, que não tem qualquer sentido a imagem que alguns criaram a respeito de Cristo, como sendo um líder revolucionário, um contestador da ordem estabelecida, imagem esta, aliás, cara a alguns segmentos da chamada “teologia da libertação” e que foi o mote de diversos movimentos sociais nas décadas de 1970 e 1980.

Jesus jamais Se portou da forma aventada por aqueles agitadores.

É certo que Sua mensagem, por ser contrária ao pecado e ao maligno, sempre contestará a iniquidade e a injustiça que imperam no mundo sem Deus, pois, na verdade, não é Cristo que é o agitador, mas, sim, os homens que se rebelam contra o Senhor nos seus delitos e pecados.

 Dentro deste prisma, portanto, o Evangelho sempre será contestador da injustiça existente nas estruturas sociais dominadas pelo pecado, pois o mundo aborrece os filhos de Deus (Jo.15:18,19), mas, daí a dizer que Jesus sempre contestou o governo romano do Seu tempo ou que todo cristão deve lutar contra os governantes é uma distorção sem qualquer respaldo bíblico.

– De igual modo, também não pode ser acolhida a ideia de que a igreja está acima das autoridades civis ou que tenha de constituí-las, em virtude do mandato recebido pelo Senhor para ser a agência do reino de Deus aqui na Terra até a volta de Cristo. Em momento algum encontramos nas Escrituras que a igreja tenha funções políticas ou que seja de sua missão a organização política das diversas sociedades existentes no globo terrestre.

O apóstolo diz que as autoridades foram constituídas por Deus e que, por isso, toda alma deve estar sujeita a elas.

A expressão utilizada não faz qualquer distinção entre justificados ou ímpios, o que seria de se esperar, se houvesse alguma diferença, diante até do contexto em que foi escrita a carta aos romanos, onde há uma perfeita identificação de judeus e gentios, de salvos e perdidos.

A falta de menção destes grupos revela, pois, que a determinação vale para todos, independentemente da qualidade espiritual que se ostente diante do Senhor, independentemente de se tratar, ou não, de filhos de Deus.

– Sabemos que, ao longo da história da igreja, não faltaram aqueles que, muitas vezes por interesses próprios, defendessem a ideia de que a igreja recebeu do Senhor a autoridade política.

Houve, mesmo, quem dissesse que à igreja haviam sido conferidas as espadas do poder, baseando-se em Lc.22:38, identificadas as espadas como sendo o poder temporal e o poder espiritual.

 Todavia, tal interpretação não pode ser aceita, seja porque a igreja, enquanto povo espiritual, nunca se reduziu a uma organização terrena capaz de se estabelecer como governo mundial; seja porque a interpretação do texto bíblico não permite ver naquelas espadas estes dois poderes.

– Esta postura nada mais foi do que uma tentativa de justificação de uma reivindicação de poder político ostentada pela Igreja Romana, notadamente na Idade Média, quando o Papado quis abarcar, indevidamente, tanto o poder espiritual quanto o poder temporal.

Foi nesta reivindicação que surgiu a teoria das duas espadas, que, inclusive, chegou a constar de um documento oficial da Igreja de Roma, a bula “Unam Sanctam”, do Papa Bonifácio VIII, onde se defendeu a ideia da submissão do poder temporal ao poder espiritual, ideia, aliás, que não é diferente da que se tem no islamismo, uma religião que sempre confundiu o poder temporal com o poder religioso e que encontra, na atualidade, no chamado “fundamentalismo islâmico” a sua máxima expressão.

– A confusão decorre do fato de não atentarmos para o que diz a Sagrada Escritura.

A obediência é devida à “autoridade”, porque a “autoridade” é constituída por Deus.

Aqui, o apóstolo deixa bem claro que o que os homens têm, no meio social, por determinação divina, é a “autoridade”, não o poder.

Isto é muito importante, porque, enquanto a “autoridade” é um poder delegado, ou seja, a autoridade manda porque foi autorizada a mandar, o detentor do “poder” é aquele que constitui quem vai mandar, ou seja, é aquele que diz quem pode, sobre o que pode e sobre quem pode mandar.

– A Bíblia é claríssima ao dizer que quem tem o poder é Deus (Sl.62:11), expressão que é ratificada por Jesus que, glorificado, reafirma que todo o poder pertence a Deus (Mt.28:18b).

Desta maneira, nem a igreja nem o Estado têm qualquer poder, pois o poder é de Deus e Ele não dá a Sua glória a pessoa ou instituição alguma (Is.42:8).

Assim, se o poder é de Deus, cabe a Ele somente exercê-lo e, dentro da Sua soberania (por isso Deus é soberano, pois a palavra “soberano” significa o exercício do poder supremo), quis o Senhor que os homens, organizados em sociedade, tivessem autoridades, ou seja, pessoas que fossem autorizadas por Ele a mandar e a ter o “direito ou poder de ordenar, de decidir, de atuar, de se fazer obedecer” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

– Isto se verificou mesmo com relação a Israel que, por ter sido escolhido por Deus para ser “Sua propriedade peculiar dentre todos os povos” (Ex.19:5), não estabeleceu, após a morte de Josué, um governante sobre as tribos, levantando, de quando em quando, para libertar o povo, juízes.

Quando, porém, o povo quis ter um rei, como vimos supra, Deus o permitiu, ou seja, concedeu o desejo do povo, concedendo-lhe a autorização para escolher governantes, que passaram a ter o poder de praticar diversos atos, como se lê em I Sm.8:11-22 e Dt.17:14-20.

OBS: Por isso, a importância de haver, no nosso texto constitucional, a expressão “sob a proteção de Deus”, antes do início do próprio preâmbulo da Carta Magna, expressão que, na época da Assembleia Nacional Constituinte, tentou ser retirada por alguns parlamentares, que foram derrotados, graças a atuação dos constituintes evangélicos.

Ainda que seja de valor mais retórico, é fundamental que a lei maior de nosso país reconheça esta verdade bíblica.

– Portanto, não se tem uma disputa entre “autoridade espiritual” ou “autoridade temporal”, visto que Deus estabeleceu domínios bem precisos tanto para uma quanto para outra, devendo, portanto, cada autoridade ficar circunscrita aos limites estabelecidos pelo Senhor, limites estes que são, também, os parâmetros delineados para a obediência de cada ser humano.

– Não havendo obediência à autoridade, tem ela o direito de punir o desobediente. Paulo é bem claro ao dizer que “…os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação” (Rm.13:2).

A desobediência às autoridades, quando estas exercem os seus poderes dentro dos limites da constituição divina, não traz qualquer proveito aos resistentes, aos desobedientes.

 Quem assim proceder, sofrerá os danos e as consequências desta sua atitude, pois a resistência não se dá apenas à autoridade, mas, sim, à ordenação de Deus.

 É por causa disto que muitos crentes têm sofrido muito na vida, sem entender porque ou até achando que têm sido objeto de perseguições ou injustiças, quando, na verdade, apenas negligenciaram em seu dever de submissão às autoridades, pagando o preço por isso.

OBS: É o que ocorre, por exemplo, com as dificuldades vividas por muitas igrejas locais com relação às posturas municipais ou à legislação ambiental.

Constroem fora das regras existentes, fazem suas reuniões fora dos limites de horário ou de som e, depois, quando são multadas, fechadas ou impedidas de funcionar, invocam a liberdade de culto e se dizem perseguidas pelas autoridades.

 Na verdade, estão apenas a sofrer a condenação que trouxeram para si mesmas ao não se sujeitarem às autoridades naquilo que é da competência delas, como é o caso da poluição sonora ou da legislação sobre edificações e demais posturas municipais.

– A obediência, ademais, tem de se dar não por medo ao castigo, mas, sim, pela consciência (Rm.13:5 “in fine”).

Devemos nos sujeitar à autoridade porque temos consciência de que sua instituição é divina e que isto é agradável a Deus, como, aliás, pondera o apóstolo Pedro (I Pe.2:15).

Ao obedecermos à autoridade, não devemos pensar em coisa alguma a não ser fazer a vontade do Senhor e sermos instrumentos para que os homens glorifique o Seu santo nome (Mt.5:16).

Muitos apenas obedecem às autoridades para ter delas uma retribuição, ou porque a observância da regra lhes trará benefícios ou irá favorecer interesses seus.

Não deve ser este, porém, o sentimento e a intenção da obediência do crente às autoridades. Devemos fazê-lo porque temos consciência de que este é nosso dever e que isto agrada a Deus. Tudo o mais que advenha da obediência deve ser totalmente desconsiderado na decisão de obediência.

III – O SENTIDO DA PROCEDÊNCIA DIVINA DA AUTORIDADE

– Paulo afirma que as autoridades vieram de Deus e que por Ele foram ordenadas (Rm.13:1b).

 A palavra grega original traduzida por “ordenada” na Versão Almeida Revista e Corrigida (assim como na Tradução Brasileira, Edição Contemporânea de Almeida, Bíblia na Linguagem de Hoje, Almeida Fiel e Corrigida e Versão do Pe. Antonio Pereira de Figueiredo) e, em outras versões, por “instituída” (Versão Almeida Revista e Atualizada, Edição Pastoral, Versão dos Monges de Mardesous) ou “estabelecida” (Nova Versão Internacional, Tradução Ecumênica Brasileira e Bíblia de Jerusalém) é “tategnemai” (τατεγνέναι), cujo significado é “apontado”, “indicado para uma posição”, “designado”, “fixado”.

O sentido, portanto, é que Deus fixa posições na sociedade humana, funções, atividades, postos que devem ser preenchidos pelos homens.

Não se trata, portanto, de uma escolha de nomes ou indivíduos, mas de criação de uma ordem, de uma estrutura segundo a qual devem ser ocupados posições e postos que têm a finalidade de permitir a convivência.

OBS: Por isto, não consideramos que sejam boas as versões da Nova Tradução na Linguagem de Hoje que, em Rm.13:1b, contém a expressão “colocadas nos seus lugares por Deus”, tradução, aliás, muito próxima da Tradução do Novo Mundo, das Testemunhas de Jeová, onde consta “colocadas por Deus nas suas posições relativas”, texto que permite a postura antibíblica que esta seita mantém com relação às autoridades civis, negando-lhes obediência.

– Não há autoridade que não venha de Deus, portanto toda autoridade, isto é, toda autorização, toda posição criada para o governo das sociedades humanas é boa, ainda que os indivíduos que a ocupem não o sejam.

A autoridade, como vimos, é a “aparência exterior”, é o cargo, a posição, não o indivíduo em si. Esta distinção é importante pois não podemos nos rebelar contra a autoridade, ainda que o indivíduo seja mau, Como diz Martinho Lutero, aqui Paulo “…ensina que os cristãos devem se sujeitar também aos maus e incrédulos(…).

 Ainda que os governantes sejam maus ou incrédulos, ainda assim o seu poder governamental (nele mesmo) é bom e de Deus…” (Commentary on the epistle to the Romans. Trad. de J. Theodore Mueller, p.179) (tradução nossa de texto em inglês).

– A escolha dos governantes não se encontra, portanto, sempre na vontade operativa do Senhor, como pretenderam muitos, com base no presente texto bíblico, que deu margem, inclusive, à teoria do “direito divino dos reis”, que tanto sucesso teve no final da Idade Média e durante toda a Idade Moderna, justificando o absolutismo monárquico, que seria o alvo das chamadas “revoluções liberais”, que sacudiram a Europa e a América nos séculos XVIII e XIX.

 As Escrituras não autorizam um tal pensamento, porquanto, ainda que o governo tenha sido instituído por Deus quando este criou a própria forma de convivência do gênero humano, deixou ao livre-arbítrio dos homens a escolha daqueles que haveriam de governá-los e isto se demonstra, como exemplo lapidar, na história de Israel, propriedade peculiar de Deus dentre os povos.

Com efeito, a partir da divisão da monarquia israelita, vemos que, no reino do norte, a população fez e estabeleceu reis e casas reais, com exceção da casa de Jeú, a partir da morte do segundo rei, Nadabe, ao seu talante, em especial depois do fim da casa de Jeú (cf. Os.8:4), tendo Deus permitido estas escolhas, ainda que tenha, sempre, através dos profetas, predito a ruína das dinastias estabelecidas em virtude de sua impiedade (I Rs.14:10; 16:2-5; 21:22-24; 10:30).

OBS: É oportuno aqui deixar registrado que muitos dão como exemplo de escolha de governante ao arrepio da vontade de Deus a eleição de Saul, o primeiro rei de Israel.

No entanto, tal não corresponde à realidade. Saul, embora tenha sido rejeitado por Deus quando já no exercício do cargo, foi escolhido por Deus, antes de o ser pelo povo, como se lê de I Sm.9:15-17.

– É, por este motivo, aliás, que Deus chama ao rei persa Ciro de “meu pastor” (Is.44:28) ou “meu ungido” (Is.45:1), embora Ciro jamais tivesse se convertido ao judaísmo, porquanto não se trata aí de se dizer da condição espiritual do indivíduo, mas do fato de ele estar ocupando uma posição designada por Deus para Seus propósitos (“in casu”, a chefia do governo do império mundial, a fim de restaurar a posse da Terra Prometida aos judeus e estabelecer a ordem político-social necessária para que prosseguisse o plano divino para a salvação através de Israel), o mesmo servindo para explicar a expressão “meu servo” dirigida ao rei babilônio Nabucodonosor (Jr.25:9; 27:6), quando este monarca ainda era, na expressão de Martinho Lutero, “um idólatra malvado”.

– Deus tudo faz com um propósito e, portanto, se estabelece autoridades sobre os homens, se cria posições a fim de que seja possível a convivência nas sociedades, fá-lo com uma finalidade. Paulo, então, explica qual seria esta finalidade:

 “ser terror não para as boas obras, mas para as más.” A função, portanto, das autoridades é reprimir a prática do mal, não permitir que o mal seja praticado, louvando e enaltecendo quem praticar o bem.

Daí se dizer que o Estado deve fomentar o bem geral, o bem comum, isto é, o bem de todos.

Mas o que é este bem comum? Clássica foi a definição dada pelo Papa João XXIII, na sua encíclica “Mater et magistra”, a saber: “conjunto de todas as condições de vida social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da pessoa humana”.

– A autoridade existe para que a prática do mal seja coibida e a prática do bem, incentivada. O que é bem? O que é mal? Quem o diz é o próprio Deus, porquanto é a Ele quem cabe a definição do que é bom e do que é mau, pois tal circunstância depende de quem detém o poder, o senhorio do universo.

 Por isso, absolutamente correta a afirmação que costuma ser inserida nas cartas políticas dos países de cultura judaico-cristã (entre eles, o Brasil), de que toda a organização política é feita e instituída “sob a proteção de Deus”.

 O livre-arbítrio é exercido, como vimos, debaixo da soberania divina e, por isso, as autoridades devem verificar o que é bom e o que é mau dentro da ordem ética estabelecida pelo único ser que pode fazê-lo: Deus.

– Isto, porém, em absoluto, significa que caiba à igreja o ditame do poder político ou que este poder esteja submetido à igreja ou às autoridades eclesiásticas.

A autoridade instituída por Deus para a promoção da prática do bem e para a inibição da prática do mal não foi a igreja, nem tampouco os ministros do Evangelho, mas, sim, as autoridades políticas, as “potestades superiores”.

É importante observar que o apóstolo menciona, em Rm.13:3, os “magistrados” (Versão Almeida Revista e Corrigida, Almeida Revista e Atualizada, Tradução Brasileira, Edição Contemporânea de Almeida, Bíblia na Linguagem de Hoje, Almeida Fiel e Corrigida, Tradução Ecumênica Brasileira), que, em outras traduções, consta como “governantes” (Nova Versão Internacional, Nova Tradução na Linguagem de Hoje), “príncipes” (Versão do Pe. Antonio Pereira de Figueiredo) ou “os que governam” (Bíblia de Jerusalém, Edição Pastoral e Tradução do Novo Mundo), “autoridades” (Versão Monges de Mardesous) e “policial” (Bíblia Viva), que, no original grego é “arcontes” (άρχοντες), palavra usada para designar os responsáveis pelos cargos principais nas antigas cidades gregas e que se utilizavam para os altos funcionários romanos, mostrando, claramente, que relação alguma se tinha com os ministros eclesiásticos ou com qualquer tipo de sacerdotes.

– Cada autoridade tem o dever de promover o bem e coibir o mal e um sistema político mostra toda a sua imperfeição e insuficiência a partir do instante em que o mal não é mais punido e o bem deixa de ser louvado ou de “valer a pena”.

É este sentimento, aliás, que, segundo o sociólogo americano Talcott Parsons (1902-1979), faz com que se inicie a própria desintegração social.

Segundo este cientista social, é a partir da política que a sociedade mantém metas, objetivos, sonhos. Se, porém, isto não é alcançado, se o mal é enaltecido e o bem, vilipendiado, fatalmente a sociedade perderá a sua razão de viver, ocasionando uma perda de sentido para a convivência como um todo.

– Por isso, tem o adversário de nossas almas, particularmente, dedicado seus maus intentos na direção da coisa pública, na ocupação das posições estabelecidas por Deus aos homens. Um desastroso proceder das autoridades gera uma grande repercussão e o bem deixa de ser promovido, enquanto que o mal é enaltecido e até estimulado.

O resultado disto é que os homens são desincentivados a praticar o bem e as estruturas sociais se tornam uma grande mola propulsora do pecado e da iniquidade. No entanto, não devemos nos esquecer que a autoridade foi posta para coibir o mal e que, como cidadãos, devemos fazer o bem para que não sejamos punidos pela autoridade.

– A autoridade tem legítimo poder de punição. O apóstolo afirma que ela tem consigo a espada, o que, aliás, é mais um argumento para desmentir a “teoria das duas espadas” apresentada pela bula “Unam Sanctam” do Papa Bonifácio VIII, tese, ademais, que foi abandonada oficialmente pela Igreja Romana pela encíclica “Immortale Dei”, do Papa Leão XIII, de 1885.

“…A ‘…espada…’ que os magistrados brandem, não visa mera decoração, e nem serve apenas para ameaças vazias de sentido. Foi entregue para ser usada.

O apóstolo, com isso, quer dizer que o castigo contra a maldade é algo necessário.

Naturalmente, Paulo não estava defendendo a guerra e a violência, ao assim escrever: e também não falava contra o pacifismo, conforme alguns intérpretes têm suposto erroneamente.(…).

Paulo queria dizer tão-somente que aqueles que estão investidos de autoridade devem condenar e punir ao mal, com verdade e justiça.(…). Por conseguinte, a ‘espada’ serve aqui de símbolo da supressão do mal, de execução de juízo, tanto contra os cidadãos, como contra as autoridades que errarem.

Por isso mesmo manifestou-se Ulpiano [grande jurista romano, observação nossa] como segue:’ Aqueles que governam províncias inteiras, possuem o direito da espada’ (Jus Gladdi, i.18,6 § 8).…” (CHAMPLIN, R.N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, v.3, nota a Rm.13:4, p.828).

– Assim, não pensem os salvos que estão imunes à punição das autoridades ou que as autoridades, quando punem algum crente dentro dos limites dados à sua função sofrerão a ira divina ou coisa que o valha. Muito pelo contrário.

As autoridades, quando punem os servos de Deus que praticaram o que não é correto, o que não está de acordo com as normas existentes, são, no dizer do apóstolo Paulo, “ministros de Deus”, ou seja, agem como verdadeiros instrumentos do Senhor.

Os salvos que forem flagrados na desobediência à lei e às autoridades são, eles sim, instrumentos do maligno, pois dão margem a escândalos e, como disse nosso Senhor, ai daqueles por quem vem o escândalo! (Mt.18:7).

IV – A CIDADANIA DOS CÉUS EXIGE A CIDADANIA NA TERRA

– O salvo deve, antes de tudo, ser um verdadeiro cidadão e cidadão é aquele que tem consciência de seus direitos, mas também de seus deveres para com a sociedade.

O Brasil é, ainda, um país jovem, onde o conceito de cidadania é ainda muito tênue, a começar dos próprios crentes. Paulo, entretanto, mostra-nos que temos de ter consciência de que somos cidadãos na terra e que a nossa cidadania celeste exige que tenhamos uma cidadania terrena, que se inicia pela prática do bem e pela sujeição às autoridades.

OBS: “…Cidadania é a qualidade que define direitos como reação do dever cumprido.(…). Há muitas pessoas na igreja que nunca exerceram esta elementar qualidade de cidadania, por acharem que isso é apenas qualidade de ímpios (pessoas pós-religiosas).

 O rei Davi descobriu que a qualidade de cidadão na terra é um raro privilégio na vida do executivo da administração das coisas públicas.

Como é bom para qualquer executivo governar uma cidade, estado ou país onde boa parte de seus habitantes exercem o dever de um verdadeiro cidadão.(…).

Lemos na Bíblia que Cristo Jesus disse: tudo que é ligado na terra é ligado nos céus. Aqui cabe uma interrogação: será que é possível sermos cidadãos dos céus sendo apenas indivíduos na terra?

 Se isso for possível, cai por terra toda palavra do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém Ele mesmo nos assegurou que isso é impossível acontecer.

Os céus e a terra passarão, mas as Minhas Palavras não hão de passar.(Matesu 24,35).…” (CARVALHO, Ailton Muniz de. Cidadão dos céus poderá ser indivíduo na Terra?, p.7-8) (destaques originais).

– Se é certo que o salvo é cidadão dos céus (Ef.2:19; Fp.3:20), não é menos exato que, quando o rei Davi interrogou a Deus quem haveria de entrar na cidade santa, recebeu como resposta o perfil de um perfeito cidadão da terra, como vemos no Salmo 15. Aquele que habitará no tabernáculo do Senhor, que morará no Seu santo monte é aquele que:

a) anda em sinceridade – a verdade e a transparência são condutas exigíveis de todo cidadão. A mentira e a dissimulação são os grandes males que assolam a vida social e que tantos males causam à coisa pública, como o demonstram os seguidos escândalos surgidos entre os poderosos nos mais diversos países (em especial, no Brasil).

b) pratica a justiça – a prática da justiça é uma exigência da vida pública. A autoridade precisa fazer justiça, coibindo o mal e enaltecendo o bem.

 A justiça é a última esperança dos cidadãos aqui na Terra e, falhando ela, como dizia o filósofo inglês John Locke, resta apenas “o apelo aos céus” ou, como nos dias atuais, em que a incredulidade é enorme, um desencanto generalizado.

 Que esperar, porém, quando a máquina judiciária é uma das mais lentas do mundo, como é o Brasil, e quando os crentes são os primeiros a contribuir para que isto se dê, apesar do texto bíblico que manda usar a justiça como último remédio?

  1. c) fala verazmente segundo o seu coração – a verdade precisa ser dita e valorizada. A autoridade deve premiar a fala da verdade e coibir a mentira.

Entretanto, a hipocrisia tem sido grandemente protegida pelas leis e normas, para desgraça das sociedades.

d) não difama com a sua língua – o verdadeiro cidadão não ataca a honra do próximo, mas defende a dignidade de todas as pessoas. A autoridade deve zelar por isso, mas, quantas vezes, não são as próprias autoridades as primeiras a ferir a honra, notadamente dos seus adversários?

e) não faz mal ao seu próximo – a prática do bem é fundamental para o cidadão. Ele não deve prejudicar o próximo, ainda que isto lhe leve a ter momentâneas vantagens, notadamente as de ordem econômico-financeira. A autoridade deve coibir toda e qualquer prática que lese o terceiro. Aliás, Ulpiano dizia que um dos princípios do direito é “não lesar a ninguém”. Que esperar, porém, de uma sociedade em que o “levar vantagem em tudo” é o princípio de quase todos?

f) não aceita nenhuma afronta contra o seu próximo – a solidariedade, o sentimento de que todos somos integrantes de um mesmo corpo é fundamental na cidadania.

Se não temos consciência de que fazemos parte de uma sociedade e que o bem-estar de todos é o nosso bem-estar jamais poderemos ser cidadãos.

Contudo, o que prevalece, na atualidade, é um espírito individualista, um “salve-se-quem-puder”, que é um dos fatores primordiais para as mazelas enfrentadas por muitas sociedades.

g) despreza os réprobos – o desprezo daqueles que não são cidadãos, que não vivem exemplarmente na sociedade é outra característica do cidadão.

No entanto, os modelos da atualidade são, precisamente, os que vivem de esperteza, de trapaças. Os brasileiros, em especial, cultuam “o jeitinho brasileiro” e idolatram todos aqueles que vivem segundo a “lei de Gerson” (levar vantagem em tudo).

Enquanto isso, o país prossegue sendo um dos campeões mundiais de desigualdade social e de concentração de renda. Não é à toa que os escândalos se sucedem e são cada vez mais estratosféricos…

h) honra os que temem ao Senhor – um verdadeiro cidadão dá a devida dignidade aos que vivem retamente, que são os que temem ao Senhor.

Ainda que as autoridades não sirvam a Deus, bem procedem quando dignificam os que vivem de acordo com a Palavra de Deus, pois ao enaltecer estes homens e mulheres, enaltecem os que praticam o bem.

O que esperar, porém, quando os crentes são os primeiros, por questões de luta de poder ou de projeção, os primeiros a denegrir a imagem de outros cristãos, só porque não pertencem à mesma denominação, ministério ou convenção?

i) não muda, mesmo que jure com dano seu – o verdadeiro cidadão é um homem de palavra, cumpre os compromissos e os contratos.

Diversos estudos têm mostrado que a fidelidade aos compromissos e aos contratos é um dos maiores fatores de incentivo a investimentos e ao desenvolvimento econômico.

Aliás, a falta de credibilidade da máquina judiciária brasileira e o alto índice de inadimplência contratual são sempre apontados pelos grandes investidores estrangeiros como um dos motivos pelos quais o Brasil não tem o mesmo índice de crescimento dos outros países em desenvolvimento. Como esperar outra conduta se o Poder Público é o maior réu dos tribunais brasileiros?

O que esperar de um país onde até os crentes acham absurdo exigir-se que candidatos a ministros e oficiais da igreja não tenham seus nomes no SPC e no SERASA?

j) não empresta o seu dinheiro com usura – o empréstimo com usura, a exploração dos necessitados e dos que precisam se endividar é uma prática que demonstra a falta de solidariedade e de consideração pelo próximo.

É um instrumento de concentração de riqueza e de aumento da desigualdade social. Lamentavelmente, o mundo tem se mostrado como amante das riquezas e da exploração dos pobres e dos necessitados.

Neste campo, as autoridades devem contribuir para minorar as pontas da pirâmide social, mas não é o que se vê. Que esperar de um país que é o campeão das taxas de juros, como é o Brasil?

l) não recebe peitas contra o inocente – a corrupção, o suborno é outro grande mal na vida em sociedade.

Quando as autoridades se deixam corromper, tudo está colocado em xeque, pois o mal triunfa e o bem é vilipendiado.

A corrupção governamental é uma constante em todo o mundo, mas os países mais ricos e prósperos são, como bem demonstra a organização Transparência Internacional, sempre os que têm menor índice de corrupção. Não é por acaso, mas uma demonstração de que a Palavra de Deus é a verdade. Que esperar de um país em que a corrupção grassa, como o Brasil?

OBS: “…É a cultura do ‘jeitinho’, que vem desde Pero Vaz de Caminha e se tornou algo ‘normal’ no cotidiano brasileiro.

Que o digam as propinas para evitar a multa do policial e a empreitada de uma obra construída a toque de caixa só para gastar menos tempo e assim aumentar a rentabilidade do empreiteiro.

Ou, ao contrário, a demora propositada na construção para ‘melhorar’ o ganho no salário contabilizado pelo sistema de diárias.

A lista das pequenas corrupções iria longe.(…). O problema do Brasil, e do ser humano em particular, é achar que só os grandes desvios éticos precisam ser combatidos. Vista grossa para os pequenos.

 Não faz mal jogar lixo na rua, não é nada demais vender gasolina adulterada, pouco importa empregar material de segunda, mesmo que o contratante tenha pagado por material de primeira.

Ficar com o troco dado a mais pelo balconista há até quem considere bênção de Deus…” (COUTO, Geremias do. Raposas e raposinhas. Mensageiro da paz, ano 75, n. 1443, ago.2005, p.6).

– Percebemos que, para avaliação de quem deve entrar na Jerusalém celestial, o salmista não recebe como resposta divina atitudes “espirituais” como jejuar, orar, ler a Bíblia, falar em línguas estranhas ou qualquer coisa semelhante.

 São apenas mencionadas atitudes tomadas no dia-a-dia com o próximo, prova indelével de que, para sermos cidadãos nos céus, devemos, antes de tudo, sermos cidadãos na Terra, na sociedade em que o Senhor nos pôs para que sejamos instrumentos para a glorificação do nome do Senhor. Será que temos preenchido estes requisitos?

– Não dar motivos para que as autoridades nos punam, não nos encontrarmos em circunstâncias que permitam que as autoridades tomem medidas contra nós não é uma recomendação do apóstolo, mas, antes, uma obrigação, uma exigência, um dever, um fator indissociável do testemunho que devemos ter diante dos homens.

 Se isto fizermos, o que não é fácil, admitimos, mas que é extremamente necessário, não só para a nossa vida espiritual, mas para a própria vida social, jamais seremos abalados (Sl.15:5 “in fine”), de forma que, se vemos o Brasil neste estado lamentável, de profundo desencanto e de completo e integral domínio da desfaçatez e da impiedade, temos, enquanto igreja, uma parcela considerável de responsabilidade, na medida em que “nos acostumamos” a este estado de coisas e a ele, muitas vezes, nos conformamos.

– Por isso, o apóstolo Paulo determina que o salvo, em primeiro lugar, como verdadeiro cidadão, leve em conta os seus deveres, cumprindo-os rigorosamente, a fim de que seja exemplo para os demais concidadãos, sejam eles crentes ou não.

Começa pelo dever de pagamento de tributos, que, sem dúvida, é o que mais dói em cada cidadão, notadamente na época de Paulo, vez que era o ponto prioritário de todo o sistema de dominação de Roma.

– Lamentavelmente, são muitos os crentes, na atualidade, notadamente num país como o Brasil, que é o país de mais alta carga tributária do mundo, que tentam justificar, à luz da Bíblia, a sonegação de impostos, apelando, para tanto, para o altíssimo nível de corrupção do governo, para a evidente falta de aplicação dos recursos nas necessidades básicas da população.

 Tais argumentos, entretanto, se analisados à luz da Palavra de Deus, não têm qualquer efeito.

Paulo é claríssimo: “por esta razão também pagais tributos, porque são ministro de Deus, atendendo sempre a isto mesmo. Portanto, daí a cada um o que deveis: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto” (Rm.13:6-7a).

– Onde estão as permissões bíblicas para as justificativas “cívicas” dos sonegadores? Não existem. Ora, se não existem, não há o que questionar a Palavra do Senhor.

 Não nos esqueçamos de que, nos dias de Paulo, os tributos nem sequer tinham a finalidade de trazer melhoria para a população que os pagava, mas era o resultado do domínio romano sobre os estrangeiros, eram verdadeiros confiscos, de modo que nem mesmo havia, por parte dos crentes de Roma, a esperança de que receberiam melhoria por parte das autoridades romanas por conta do que lhes era pago, o que existe atualmente.

 Assim sendo, isto não é motivo para que venhamos a querer “fazer justiça”, sonegando tributos.

 Muitos há que dizem que, se não o fizerem, certamente quebrarão, não resistirão, o que, humanamente falando, até reconhecemos, pois a política tributária atualmente vigente em nosso país é bem mais terrível que o escorpião prometido pelo incauto Roboão (I Rs.12:14).

Todavia, sabemos que nossas finanças não dependem dos governos, mas, antes dos governos, temos plena consciência que o dono do ouro e da prata é o Senhor (Ag.2:8).

Desta maneira, muito mais importante é cumprirmos a Palavra do Senhor do que tentarmos desobedecer às autoridades. Sabemos que Deus é fiel e, por isso, não nos faltará quando decidirmos cumprir a Sua Palavra. Paguemos o que é devido e nos unamos, todos, para que, pelos meios legais e legítimos, os tributos sejam minorados e haja justiça social.

Lembremo-nos que o aumento prometido por Roboão não se efetivou, pois o Senhor agiu e impediu que esta impiedade se consumasse sobre o Seu povo.

– Devemos, também, respeitar as autoridades. Paulo adverte que devemos dar temor e honra a quem o merece.

Por mais perversa que seja a pessoa, por mais desatinada que seja, por mais blasfêmias que profira, lembremos que ocupam posições fixadas pelo Senhor e que, enquanto tal, cada indivíduo que a ocupa é um ministro de Deus.

Por isso, aliás, todas as línguas do planeta possuem os chamados “pronomes de tratamento” e “expressões de tratamento”, como a lembrar, quando nos dirigimos às autoridades, que devem elas ser honradas e reverenciadas (este é o sentido de “temor”, não medo, mas respeito).

– As autoridades, portanto, merecem toda a deferência e todo o protocolo que exista em virtude da posição que ocupam, jamais podendo um salvo ou crente proceder com desrespeito ou desonra com relação a elas.

Inadmissível, portanto, que crentes se destemperem em pronunciamentos com relação às autoridades, deixando de fazer legítimas críticas ou senões, para atacar a honra e a pessoa das autoridades.

Ficamos muito chateados quando ouvimos comentários desairosos e desrespeitosos em relação a autoridades da boca de muitos sedizentes crentes.

– Não se está aqui defendendo que os crentes estejam impedidos de criticar iniciativas das autoridades e, mesmo, de reprovar-lhes a conduta.

Isto faz parte do “ofício profético” da igreja, como mostram diversos exemplos bíblicos, como os profetas Elias, Eliseu, Jeremias e João Batista.

No entanto, a verdade pode e deve ser dita sem que haja desrespeito ou desonra, sem injúria, difamação ou calúnia. No entanto, o que verificamos é que, quando se fala, há injúria, ou, então, sobrevém um profundo silêncio, que mais parece conivência.

A cidadania exige que tenhamos o equilíbrio nas palavras, que a palavra seja temperada com sal (Cl.4:6).

– O temor e a honra são exigidos em virtude da posição exercida pela pessoa, em virtude da sua autoridade.

 Ora, como observamos, a autoridade política nada tem que ver com a autoridade eclesiástica. Por isso, entendemos que o texto de Rm.13:7 não sanciona uma prática cada vez mais disseminada em igrejas locais de permitir o uso do púlpito por parte de autoridades civis.

Dizer que tal prática está baseada neste texto é fazer “tabula rasa” de todo o contexto, que mostra a distinção entre autoridade civil e autoridade eclesiástica.

 É lógico que devemos receber as autoridades em nossas reuniões com todo o respeito, destinando-lhe um lugar de destaque na congregação (até por questões de segurança pessoal), mas daí a lhe destinar um lugar no púlpito, é misturar estações, algo que a Palavra de Deus quis deixar bem claro serem coisas distintas e que só o romanismo, e até 1885, quis confundir.

OBS: Em sua primeira encíclica, o Papa Emérito Bento XVI fez questão de reafirmar a postura romanista infensa a confusão entre Igreja e Estado: “…A fé tem, sem dúvida, a sua natureza específica de encontro com o Deus vivo — um encontro que nos abre novos horizontes muito para além do âmbito próprio da razão.

Ao mesmo tempo, porém, ela serve de força purificadora para a própria razão. Partindo da perspectiva de Deus, liberta-a de suas cegueiras e, consequentemente, ajuda-a a ser mais ela mesma.

 A fé consente à razão de realizar melhor a sua missão e ver mais claramente o que lhe é próprio.

É aqui que se coloca a doutrina social católica: esta não pretende conferir à Igreja poder sobre o Estado; nem quer impor, àqueles que não compartilham a fé, perspectivas e formas de comportamento que pertencem a esta.

Deseja simplesmente contribuir para a purificação da razão e prestar a própria ajuda para fazer com que aquilo que é justo possa, aqui e agora, ser reconhecido e, depois, também realizado.

(…) A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política para realizar a sociedade mais justa possível. Não pode nem deve colocar-se no lugar do Estado.

Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias também, não poderá afirmar-se nem prosperar. A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política.

Mas toca à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem.…(BENTO XVI. Carta encíclica “Deus caritas est”, n.28. http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est_po.html Acesso em 25 jan. 2006).

V – A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E A VIDA CRISTÃ

– Por fim, cabe aqui discutirmos um ponto que, naturalmente, não estava explicitado no texto de Romanos 13, vez que, à época de Paulo, o regime político não previa a participação do povo na escolha dos governantes.

Assim, não havia sentido em Paulo tratar do assunto da participação do cristão na vida política de modo explícito.

No entanto, com o advento dos regimes democráticos, onde o povo é considerado o soberano e a fonte de todo o “poder” (que sabemos tratar-se de “autoridade”), impõe-se a questão de como deve o cristão agir na questão política, não só individualmente como também em grupo, enquanto igrejas locais organizadas.

– No Brasil, o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para homens e mulheres brasileiros alfabetizados de dezoito a setenta anos de idade, sendo facultativos para os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito, para os maiores de setenta anos e para os analfabetos (artigo 14, § 1º da Constituição da República), sendo vedado para os estrangeiros e os que estiverem durante o período do serviço militar (artigo 14, § 2º da Constituição da República).

Muito se tem discutido sobre esta obrigatoriedade do voto, havendo projetos para alterar a Constituição, mas, independentemente de dispositivos legais humanos, os cristãos têm o dever moral de participar da vida política, porquanto são luzes do mundo e sal da terra e, sem sua participação, naturalmente que não se terá o bem do mundo onde vivemos.

 É por isso que o sábio diz que o triunfo do justo gera alegria (Pv.28:12).

– É através do exercício do voto que são escolhidos os governantes num país democrático, como é o Brasil, não podendo, pois, os servos de Deus omitirem-se de votar e escolher os governantes, porquanto tal gesto será fazer sempre triunfar pessoas descompromissadas com a Palavra de Deus.

Se os cristãos se omitirem, certamente que os candidatos aos cargos públicos serão sempre pessoas que não farão a mínima questão de apresentarem programas e planos de governo que tenham pontos e premissas concordantes com a doutrina da Palavra de Deus, pois, diante da omissão dos cristãos, tal observância não se fará necessária.

A consequência será, sempre, a subida ao poder de governantes que farão o que não é agradável a Deus e a história de Israel está repleta de exemplos do que acontece com a nação que é governada por este tipo de gente.

O cristão deve fazer o bem, como o seu Senhor (At.10:38), e, neste bem, está o de participar da escolha de pessoas que, ao governarem nossa sociedade, tenham, pelo menos, temor a Palavra de Deus ou a seus preceitos. A democracia é isto, como deixou claro o presidente norte-americano Abraham Lincoln que definiu a democracia como o “governo do povo, pelo povo e para o povo”.

– Neste sentido, particularmente, mormente ante o quadro de descrédito da política que vive nossa nação, em meio a tantos escândalos de corrupção, há um sentimento generalizado para o uso do voto nulo.

Todavia, esclarecemos que o voto nulo não é não só uma prática que não se coaduna com os princípios, como vimos supra, como também se apresenta como uma “tática burra”.

 As eleições para deputado e vereador, no Brasil, são proporcionais, ou seja, não são eleitos os candidatos mais votados, mas são somados os votos dos partidos ou coligações e feita a divisão entre esta soma e o total dos votos válidos.

Portanto, os votos nulos não influem no resultado e quanto mais votos nulos, menos votos serão necessários para se eleger um candidato a deputado.

Assim, ao votar nulo, estaremos beneficiando os corruptos ao invés de dificultar a sua vida. E isto, realmente, o que o povo está querendo? Cremos que não!

– O cristão, enquanto eleitor, deve analisar as propostas e as condutas dos candidatos, de modo a verificar se são pessoas comprometidas com a Palavra de Deus ou que demonstram ter respeito e observância por preceitos bíblicos.

O cristão deve examinar tudo o que se passou na vida do candidato, suas palavras, seus gestos e atitudes ao longo de sua história, bem como verificar se suas promessas têm fundamento e são factíveis, ou se somente são manifestações demagógicas e conversas levianas, que buscam engodar e enganar o eleitor. Devemos examinar tudo e reter o bem (I Ts.5:21).

Se se tratar de um candidato que seja servo de Deus, esta análise deve ser ainda mais cuidadosa, devendo ser destacada a vida espiritual do candidato e o propósito de Deus na sua vida.

– O cristão, enquanto eleitor, deve verificar os candidatos à reeleição e observar o que fizeram pela população, como se comportaram diante das grandes questões e temas que surgiram durante o seu mandato e se suas atitudes e decisões estão de acordo com a Palavra de Deus (Pv.18:17).

É precisamente aqui que se encontra a maior falha de nossa democracia, pois as pessoas costumam dizer que os políticos somente aparecem na hora da eleição, o que é uma triste realidade, mas, também, os eleitores só pensam no assunto na proximidade das eleições, sendo rotineiro encontrar pessoas que nem sequer se lembram em quem votaram na eleição anterior.

O resultado disto é que os políticos, uma vez eleitos, não são acompanhados nem fiscalizados pela população e, assim, estão livres para fazer o que bem entenderem e, quatro anos depois, aparecerem com suas promessas e engodos, que seriam, facilmente, desmascarados se houvesse acompanhamento.

 O cristão deve ser pessoa prudente e que, no silêncio de sua observação, faça um profundo julgamento e exame das atitudes do candidato que elegeu.

– No momento de escolha dos governantes, o cristão deve repelir e rechaçar veementemente aqueles que buscam comprar seu voto, oferecendo vantagens e presentes, inclusive “para a obra do Senhor”. Deus não precisa de barganhas de políticos e a Palavra de Deus é dura contra aqueles que se deixam subornar e vender (Ex.23:8; II Cr.19:7; Jó 15:34; Sl.26:9-12).

Como é triste verificar que muitos crentes e, porque não dizer, ministros, apoiam este ou aquele candidato, em troca de favores e vantagens pessoais ou para “a obra de Deus”.

 Só no fato de ter havido oferta ou pedido de presentes, está havendo compra de votos, que, pela atual legislação brasileira, é apenado com a própria cassação da candidatura ou do mandato conquistado (lei 9.840/1997) e um abominação aos olhos do Senhor. Fujamos disto e jamais votemos nestas pessoas!

– Cabe a cada crente, também, participar ativamente para o resgate da moralidade pública, não aceitando que as afrontas contra o próximo sejam consideradas “normais” ou que as autoridades se mantenham inertes diante da prática do mal.

A participação dos crentes em movimentos sociais, de forma pacífica, ordeira e com bom testemunho, portanto, é mais do que recomendada, cuidando, porém, para não sejamos imprudentes e nos metamos em questões alheias (Pv.26:17).

– Além de fiscalizar as autoridades, os cristãos devem sempre buscar cooperar com elas, de forma a contribuir para que se atinja o bem comum, que se cumpram as promessas realizadas e que haja a melhoria das condições de vida da população.

Neste ponto entendemos que a igreja tem sido extremamente falha, nem sequer cumprindo com o seu dever bíblico de interceder pelas autoridades em suas orações (Ed.6:9; Jr.29:7; I Tm.2:1,2).

É dever de todo cristão e dos ministros, em especial, estar à disposição das autoridades para contribuir nas tarefas de bem-estar e de implementação das políticas e programas que sejam benéficos para o povo, bem como para aconselhamentos e pareceres a respeito de decisões que devem ser tomadas, aconselhamentos e decisões que devem ser feitos sempre à luz da Palavra de Deus.

Como luzes do mundo, devemos impedir que as autoridades fiquem obscurecidas pelo deus deste século (II Co.4:4), como fizeram Paulo e Barnabé em relação ao procônsul Sérgio Paulo (At.13:6-12).

OBS: A omissão do cristão, neste sentido, é censurada biblicamente.

Devemos, como já dito supra, não aceitar afrontas contra o próximo, não consentir com injustiças, como, aliás, de forma memorável, diz o Padre Antonio Vieira, um dos grandes oradores da literatura luso-brasileira, neste trecho do seu Sermão da Epifania, que vale a pena transcrever:”

… E porque algum político, mau gramático e pior cristão, não cuide que a obrigação do pastor é somente apascentar, como parece o que significa a derivação do nome, saiba que só quem apascenta e defende é pastor, e quem não defende, ainda que apascente, não.

Faz Cristo comparação entre o pastor e o mercenário, e diz assim: Bonun pastor animam suam dat pro ovibus suis (Jo. 10, 11 s): O bom pastor defende as suas ovelhas, e dá por elas a vida, se é necessário.

Mercenarius autem, et qui non est pastor: Porém o mercenário, e o que não é pastor, que faz? Videt lupum venientem, et lupus rapit, et dispergit oves (Ibid. 12): Quando vê vir o lobo para o rebanho, foge, e deixa-o roubar e comer as ovelhas. – O meu reparo agora, grande reparo, é dizer Cristo que o mercenário não é pastor: Mercenarius autem, et qui non est pastor.

 – O mercenário, como diz o mesmo nome, é aquele que por seu jornal apascenta as ovelhas. Pois, se o mercenário também apascenta as ovelhas, por que diz Cristo que não é pastor?

Porque ainda que as apascenta não as defende: vê vir o lobo e foge. E é tão essencial do pastor o defender as ovelhas, que se as defende é pastor, se as não defende não é pastor: Non est pastor.

Como Cristo tinha falado em bom pastor, cuidava eu que havia de fazer a comparação entre bom pastor e mau pastor, e dizer que o bom pastor é aquele que defende as ovelhas, e o mau pastor é aquele que as não defende.

Mas o Senhor não fez a comparação entre ser bom ou ser mau, senão entre ser, ou não ser.

 Diz que o que defende as ovelhas é bom pastor, e não diz que o que as não defende é mau pastor: por quê? Porque o que não defende as ovelhas não é pastor bom nem mau.

Um lobo não se pode dizer que é bom homem, nem que é mau homem, porque não é homem. Da mesma maneira, o que não defende as ovelhas não se pode dizer que é bom pastor nem mau pastor, porque não é pastor:

 Non est pastor E sendo assim que a essência do pastor consiste em defender as ovelhas dos lobos, não seria coisa muito para rir, ou muito para chorar, que os lobos pusessem pleito aos pastores por que lhes defendem as ovelhas?

 Lá dizem as fábulas que os lobos se quiseram concertar com os rafeiros, mas que citassem aos pastores, se lhes quisessem armar demanda, porque lhes defendiam o rebanho.

 Isto não o disseram as fábulas: di-lo-ão as nossas histórias. Mas quando disseram isto dos lobos, também dirão dos pastores que muitos deram as vidas pelas ovelhas: uns afogados das ondas, outros comidos dos bárbaros, outros mortos nos sertões, de puro trabalho e desamparo.

Dirão que todos expuseram e sacrificaram as vidas pelos bosques, e pelos desertos entre as serpentes; pelos lagos e pelos rios entre os crocodilos; pelo mar e por toda aquela costa, entre parcéis e baixios os mais arriscados e cegos de todo o Oceano.

Finalmente, dirão que foram perseguidos, que foram presos, que foram desterrados, mas não dirão, nem poderão dizer, que faltassem à obrigação de pastores, e que fugissem dos lobos como mercenários: Mercenarius autemfugit, E esta é a razão e obrigação, por que eu falo aqui, e falo tão claramente.

Gregório Magno, comentando estas mesmas palavras: Mercenarius autem fugit, – diz assim: Fugit, quia injustitiam vidit, et tacuit;fugit, quia se sub silentio abscondít: Sabeis – diz o supremo Pastor da Igreja, – quando foge o que não é verdadeiro pastor?

Foge quando vê injustiças, e, em vez de bradar contra elas, as cala; foge, quando, devendo sair a público em defesa da verdade, se esconde, e esconde a mesma verdade debaixo do, silêncio.

 – Bem creio que alguns dos que me ouvem teriam por mais modéstia e mais decência que estas verdades e estas injustiças se calassem, e eu o faria facilmente como religioso, sem pedir grandes socorros à paciência; mas, que seria, se eu assim o fizesse?

Seria ser mercenário, e não pastor: Fugit, quia mercenarius est; seria ser consentidor das mesmas injustiças que vi, e, estando tão longe, não pude atalhar: Fugit, quia injustitiam vidit, et tacuit; seria ser proditor das mesmas ovelhas que Cristo me e entregou, e de que lhe hei de dar conta, não as defendendo, e escondendo-me onde só as posso defender: Fugit, quia se sub silentio abscondit.…”( http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/BT2803065.html Acesso em 11 jan. 2006).

– É com tristeza que tivemos acesso, no início da década de 1990, a um levantamento feito por um instituto teológico do Rio de Janeiro que constatou, em pesquisa feita a todos os parlamentares evangélicos de todos os níveis daquela época naquele Estado, levantamento que revelou que estes legisladores reclamavam que a maior carência que tinham era de alguém que fosse a seus gabinetes para fazer com eles uma oração, de lhes dar um conselho fundado na Bíblia, pois todos que os procuravam queriam tão somente vantagens para si ou mesmo para suas igrejas locais.

Aliás, este artigo chegou à triste conclusão de que os crentes são os primeiros a lançar seus irmãos que se elegem nas garras da corrupção, pois, para atender a tantos pedidos de vantagens, os políticos cristãos, todos eles honestos no início de seus mandatos, acabam sendo envolvidos pelos corruptores e isto em troca de conduções para transporte de irmãos para festividades em igrejas próximas, de materiais de construção para templos etc. etc. etc….

Como temos agido, como crentes, com relação aos representantes das chamadas “bancadas evangélicas” nos Legislativos do país afora?

– O cristão, como qualquer cidadão, pode, também, ser candidato a cargo eletivo, sendo até desejável que os governantes sejam sinceros e fiéis servos do Senhor, pois, como a história de Israel mostra-nos, sempre que há um governante temente a Deus, há prosperidade para a nação, pois o governante, orientado pelo Espírito de Deus, age com sabedoria, justiça e retidão.

Não tem respaldo bíblico a conduta de certas denominações evangélicas que proíbem a seus membros a atividade político-partidária, até porque, segundo a lei brasileira, impossível que alguém possa ser eleito se não estiver filiado a um partido político (artigo 14, § 3º, inciso V da Constituição da República).

 A Bíblia está repleta de exemplos de homens fiéis que foram usados por Deus exatamente no governo de povos e nações, como é o caso de Davi, de Daniel (o único estadista da história humana a ter servido a três impérios distintos) e do procônsul Sérgio Paulo (At.13:7,12).

– Naturalmente, que o cristão deve observar o programa e a doutrina política do partido a que vai se filiar, a fim de evitar ingressar em partidos que, ideológica e doutrinariamente, defendam pontos contrários à Palavra de Deus, se bem que, em termos de Brasil, os partidos são indefinidos e não passam de siglas que se congregam em torno de interesses pessoais e de certos segmentos da sociedade. De qualquer modo, é incompatível que o cristão esteja filiado a partidos que defendem pontos-de-vista contrários à Palavra de Deus ou que esteja, a cada eleição, filiado a um partido político diferente.

Dentro da realidade político-partidária brasileira, é sempre importante observar a que interesse pessoal ou de grupo estará o cristão se envolvendo ao se filiar a um partido político, o que deve, também, ser objeto de apreciação por parte do eleitor na hora do voto.

Não há comunhão entre a luz e as trevas e não pode o servo de Deus andar segundo o conselho dos ímpios, deter-se no caminho dos pecadores nem se assentar na roda dos escarnecedores (II Co.6:14,15; Sl.1:1).

– Neste sentido, aliás, por causa dos sucessivos escândalos de corrupção em nosso país, devemos evitar votar em partidos que tenham, como candidatos a deputado, pessoas que tenham se envolvido em operações escusas, direta ou indiretamente.

Como as eleições para deputado e vereador são proporcionais, como explicamos supra, ainda que haja candidatos sérios e honestos nestes partidos, nosso voto neles irá beneficiar estes corruptos e, com isto, estaremos consentindo e aprovando o que fizeram, tornando-nos tão dignos de morte como eles (Rm.1:32). Tomemos, pois, muito cuidado!

– Embora todos sejamos cidadãos, entendemos que os ministros e os que cooperam ativamente na casa e na obra do Senhor (oficiais, cooperadores, dirigentes de segmentos da igreja) não podem ser candidatos a qualquer cargo eletivo, a menos que renunciem à função que exerçam.

 Com efeito, a igreja, enquanto instituição humana (igreja local) e divina (igreja, povo de Deus) é incompatível com a atividade político-partidária.

A igreja prega a todos os homens (Mc.16:15), quer ser aceita por todos os homens (I Co.9:19-22), quer que todos os homens cheguem ao conhecimento da verdade (I Tm.2:3,4).

 Ora, nesta sua função totalizante, não pode jamais a igreja se envolver na atividade político-partidária, que é uma atividade de parte, como diz o próprio nome “partido”, que defende o interesse de alguns, que busca prevalecer sobre outros.

 Esta é uma atividade totalmente contrária ao propósito da igreja e a igreja é representada, aos olhos da sociedade, enquanto instituição, por aqueles que a presidem, que trabalham, por chamado de Cristo, para o aperfeiçoamento dos santos.

– Ora, se estas pessoas exercem estas funções por chamado de Cristo, enquanto cidadãos dos céus devem obedecer mais a Deus do que aos homens e, por isso, devem se abster de exercer qualquer atividade político-partidária, precisamente porque não é este o seu dom.

 É interessante notar que, na organização de Israel, Deus deixou bem distintas as atividades dos governantes e dos sacerdotes, jamais permitindo que houvesse confusão neste particular.

Todos os exemplos de pessoas que procuraram, de alguma forma, confundir as duas atividades, tiveram más consequências em suas vidas, como se pode observar nas vidas de Samuel (I Sm.8:1-4), Saul (I Sm.13:8-14) e Uzias (II Cr.26:16-21).

– A Bíblia diz que nós devemos ser mais justos do que os que não são comprometidos com Deus (Mt.5:20).

Assim, se a Constituição brasileira não permite que militares alistáveis em exercício (artigo 14, § 7º) ou magistrados (artigo 95, inciso III) possam exercer atividade político-partidária, diante da natureza de suas funções, que visam à defesa e aplicação da justiça, por entender que tais ações são incompatíveis com tal atividade, por que os servos de Deus hão de permitir que os que defendem as almas da ignorância e da infantilidade espiritual na igreja e os que julgam as ações dos homens à luz da Palavra de Deus possam exercer uma tal atividade?

– A história da igreja, aliás, tem demonstrado que, sempre que a cúpula da igreja se envolve com o poder político, há enorme prejuízo espiritual, sendo exemplos claros disto a Igreja Romana e a Igreja Anglicana, segmentos que se encontram, hoje, mortos espiritualmente e tudo começou com o lugar que suas cúpulas deram à política temporal em seu interior.

É com preocupação que temos visto, nestes últimos tempos, denominações evangélicas serem assediadas por políticos inescrupulosos, bem como algumas até efetuando projetos de dominação de siglas partidárias e mercadejando, discaradamente, apoio político a este ou aquele candidato.

Igualmente, não aprovamos que as reuniões da igreja se tornem comícios nem que os púlpitos se transformem em palanques.

Tais medidas, além de serem moral e biblicamente inaceitáveis, constituem-se em graves violações da legislação eleitoral.

OBS: “…Não se pode, pois, admitir que venham a participar do processo eleitoral desta maneira quaisquer entidades das mencionadas no art.24, como centrais sindicais, sindicatos, igrejas ou associações de benemerência vinculadas a igrejas…

A utilização de tais entidades para fins de publicidade de candidaturas ou de partidos políticos, seja pelo aproveitamento de espaços para fixação de cartazes ou distribuição de propaganda, seja pelo aproveitamento de reuniões para divulgação de ideias e de plataformas, a utilização de sinais, símbolos, logotipos, são indisfarçáveis formas de contribuição para candidatos e partidos, contribuição esta que é vedada e proibida pelo art.24 da Lei nº 9.504/1997…

Deve-se lembrar , em primeiro lugar, que o Estado Democrático de Direito instalado no Brasil é laico, havendo estrita separação entre Igreja e Estado, como nos dá conta o art.5º, VI, da Constituição da República…

Claro que está que as igrejas e os cultos religiosos não podem, de forma alguma, enquanto tais, participarem do processo eleitoral, pois isto representa a existência de uma relação de dependência, ou, quando menos, de aliança entre eles e/ou seus representantes com determinado partido ou candidato, o que é expressamente proibido pelo art.19 da Constituição da República….(FRANCISCO, Caramuru Afonso. Dos abusos nas eleições, p. 44-7).

– A igreja deve atuar politicamente na sociedade, mas uma política totalizante, que busque defender a justiça e a retidão, segundo os preceitos do Evangelho, em todas as ações, programas e ideias que surgirem, a fim de que, seguindo a Palavra de Deus, possa a sociedade melhorar e ter condições de vida cada vez melhores, pois só a bênção de Deus enriquece e não acrescenta dores (Pv.10:22).

A igreja deve defender, com vigor, a observância da Palavra de Deus e denunciar toda e qualquer medida que contrarie a vontade de Deus.

Ser uma voz que clama no deserto e que procure aplainar o caminho do Senhor no meio de uma geração perversa e iluminar os governantes para que cheguem ao conhecimento da verdade (Is.40:1-5; At.2:40; 13:8-11).

Com respeito e obediência, a Igreja deve, sempre, mostrar aos governantes onde está a verdade e o que Deus deles requer.

É esta a atuação política que deve ter a Igreja, um outro prisma de sua pregação evangélica, que nada tem a ver com partidos políticos ou com interesses pessoais ou de segmentos da sociedade.

– O Brasil é um país que ainda carece de aprimoramento político, pois ainda não há uma consciência por parte dos brasileiros do que é ser cidadão, do que é ser um verdadeiro ser político.

Os desmandos e a corrupção generalizada, que fazem com que se tenha não a política mas a politicalha, para se utilizar de expressão cunhada pelo grande Ruy Barboza (um dos homens mais inteligentes do país e que as elites jamais deixaram que fosse Presidente da República), acabam afastando os servos de Deus sinceros e verdadeiros da atividade político-partidária, o que gera, tão somente, o predomínio ainda maior dos ímpios para desgraça maior do país.

Ao mesmo tempo, alguns bem intencionados e cientes da necessidade de haver uma participação de servos de Deus na condução dos destinos do Brasil, acabam por envolver as igrejas locais nos embates político-partidários, o que tem servido apenas para aumentar os escândalos e trazer o descrédito da politicalha para a pregação do Evangelho.

OBS: Elucidativa a afirmação do cientista político Roberto Mangabeira Unger, que é brasileiro mas é professor na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, considerada uma das mais importantes universidades do mundo:

“…Que maneira de ligar religião e política convém a um povo de crentes que vive tais transformações?[o povo brasileiro, observação nossa] Comprometam-nos com uma república laica. Evitemos partidos políticos confessionais, instrumentos de igrejas.

Ampliemos o espaço republicano no qual cidadãos de convicções divergentes possam conviver e cooperar. Não confundamos, porém, república laica com privatização da religião.

 Nossa construção nacional exige confronto vigoroso de concepções do mundo — em política e em religião, em discurso secular e em discurso profético.(…).

Construindo uma república que não exija de seus cidadãos calar em público sobre as coisas mais imortantes, daremos liberdade a nós mesmos e exemplo para a humanidade.” (Religião e política. Folha de São Paulo, 20 dez. 2005. http://www.folha.uol.com.br/fsp/opinião/fz2012200507.htm Acesso em 19 dez. 2005).

– Devemos, pois, de forma vigorosa, trazer esta consciência da dupla cidadania a cada cristão que, então, além de ser um eleitor consciente, fiscalizador e sábio, poderá até ser, se não estiver envolvido com a liderança da igreja, um candidato e um governante exemplares, mas sobretudo, teremos igrejas que contribuirão com os governantes para que haja paz, quietude e sossego no meio de nova brava gente brasileira.

Que, com nossas atitudes de cidadãos dos céus e da terra conscientes, possamos dizer, em alto e bom som, sem sermos repreendidos : ” Meu Brasil, Meu Brasil, abre o largo seio e deixa a luz raiar. Meu Brasil, Meu Brasil, o Evangelho de Jesus te quer salvar ! “

VI – DEVERES MORAIS E ESPIRITUAIS

– Depois de ter tratado da relação do salvo em Cristo Jesus com o Estado, o apóstolo Paulo volta a falar da necessidade do amor ser o fator norteador do relacionamento do salvo com o próximo, algo que Paulo já tratou no capítulo 12, como vimos na lição anterior.

– Paulo diz que não devemos dever coisa alguma a não ser o amor com que nos amamos uns aos outros, pois quem ama aos outros cumpriu a lei (Rm.13:8).

Ao assim afirmar, o apóstolo, que já tinha dito que o salvo deve ter um amor sincero, não fingido, tem o amor como um dever, o que não é de se surpreender, já que o amor é um mandamento dado pelo Senhor Jesus (Jo.15:12).

– Quando o apóstolo diz que não podemos dever coisa alguma senão o amor, dá-nos uma importante lição no tocante aos relacionamentos que devemos ter com o próximo, qual seja, devemos ser fiéis nos contratos, ou seja, sermos cumpridores de nossas obrigações.

Como é triste vermos pessoas que se dizem salvas em Cristo Jesus mas que não cumprem suas obrigações, descumprindo os contratos celebrados, deixando de honrar seus compromissos econômico-financeiros.

– Esta afirmação do apóstolo, também, mostra-nos que nunca devemos nos sentir superiores aos outros (Cf. Fp.2:3), mas, sim, devemos reconhecer que sempre devemos o amor ao próximo, o que significa que devemos sempre tratar o outro com respeito, consideração, disposto a ajudá-lo, de modo incondicional, sempre querendo bem a ele, pois lhe devemos o amor em todas as ocasiões e circunstâncias.

– Além disso, Paulo mostra, claramente, que o mandamento de Cristo para os Seus discípulos é o verdadeiro sentido da lei. Quem cumpre o mandamento do amor, cumpre toda a lei de Moisés e no seu verdadeiro sentido, em toda a sua integralidade.

O salvo em Cristo Jesus, dotado de uma nova natureza, tem condições de cumprir toda a lei, a exemplo de Jesus. É por isso que Paulo, escrevendo aos coríntios, disse que o salvo tem a lei inscrita no seu coração e não em tábuas de pedra (II Co.4:2-6).

– Por isso, não há sentido algum em se seguir os judaizantes, querendo impor a prática da lei como critério de salvação ou começar a adotar padrões da lei no culto divino ou no dia-a-dia, como muitos têm feito atualmente, visto que a adoção da lei como critério da salvação é verdadeiro suicídio espiritual, vez que a lei tão somente aponta o pecado e serve de instrumento de condenação do homem (Gl.3:10-14), como adotar práticas que figuravam as realidades espirituais é a própria negação destas mesmas realidades, é desprezar o sacrifício de Cristo no Calvário.

– Paulo mostra que toda a lei se resume em o novo mandamento dado pelo Senhor Jesus e que, quando amamos, e este amor é o amor de Deus que é derramado em nossos corações pelo Espírito Santo (Rm.5:5), cumprimos tudo quanto se encontra na lei de Moisés e isto pelo simples motivo de que a lei de Moisés é a lei de Deus e Deus é o mesmo, imutável (Ml.3:6) e, portanto, aquilo que Ele proferiu no monte Sinai para Israel, como expressão de Sua vontade, não poderia ser diferente daquilo que foi manifesto pelo Filho quando de Seu ministério terreno, até porque o Filho veio fazer a vontade do Pai (Jo.4:34; 6:38).

Por isso, Jesus cumpriu integralmente a lei, pois sempre fez a vontade do Pai (Mt.5:17).

– Jesus não só cumpriu a lei, mas a completou, levando-a até o interior dos corações do ser humano., algo que o pacto do Sinai não pôde fazer, já que o povo de Israel foi incrédulo ao Senhor e não quis ir ao encontro d’Ele no monte Sinai (Ex.19:13; 20:18-21), motivo pelo qual a lei foi escrita em um rolo e deveria ser ensinada ao povo (Dt.31:9-13), sendo que os dez mandamentos foram escritos em tábuas de pedra, que foram postas dentro da arca (Hb.9:4), algo transitório, pois haveria um novo concerto em que a lei seria inscrita nos corações e não haveria mais necessidade de que fosse ensinada a lei do Senhor ao Seu povo (Jr.31:31-34), o que ocorrerá quando Israel se converter e reconhecer o Messias (Rm.11:26-27).

– Por isso, Paulo não tem dúvida em elencar os mandamentos que diziam respeito ao relacionamento com o próximo, normalmente chamados de “mandamentos da segunda tábua” (não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho e não cobiçarás) e dizer que todos se cumprem com o mandamento do amor, repetindo, assim, o próprio ensinamento do Senhor Jesus no sermão do monte.

– Viver sabendo que temos o dever de amar é o norte que deve guiar nosso relacionamento com o próximo, é a base da moralidade do salvo em Cristo Jesus.

 Por isso, aliás, há tanta perseguição aos salvos no mundo, porquanto nossos padrões de moralidade são os estabelecidos pelo Senhor e, portanto, são padrões imutáveis, que não comportam qualquer relativização, enquanto que o mundo está impregnado no maligno e vive a defender a quebra destes valores, chamados de “valores morais judaico-cristãos”.

 O aumento da iniquidade no mundo está diretamente relacionado à tentativa, que tem sido exitosa, de mudar os padrões, os paradigmas destes valores, que foram incutidos, notadamente na civilização ocidental, desde o início da pregação do Evangelho, buscando alterá-lo para um padrão humanista, imerso no pecado e que seja frontalmente contrário ao que é estatuído pelo Senhor, dentro da rebeldia crescente que encontrará o seu ápice quando do arrebatamento da Igreja e a instituição do governo do Anticristo, que se levantará contra tudo que tem origem em Deus (II Ts.2:4).

– Por isso, como bem explica Tiago (e aqui temos, uma vez mais, uma convergência entre Tiago e Romanos, ao contrário dos que enxergam uma contradição entre estes dois livros do Novo Testamento), o salvo tem uma verdadeira e pura religião, pois a religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do mundo (Tg.1:27).

O salvo possui esta religião, pois, por amor o próximo, busca ajudar os necessitados (representados pela figura bíblica do órfão e da viúva), como também manter uma vida de separação do pecado, uma conduta diferente do mundo.

– Esta vida no amor, que contraria todos os padrões mundanos, tem, ainda, um propósito.

Paulo diz que, quando temos a consciência de que nosso dever é amar o próximo, devemos conhecer o tempo, ou seja, devemos observar que não podemos dormir espiritualmente, não podemos deixar de entender que vivemos uma dispensação que brevemente findará, que há a promessa da volta de Cristo, de que, como salvos, temos a esperança da glória e que, portanto, a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé (Rm.13:11).

– Dentro desta consciência da iminência da volta de Cristo, do arrebatamento da Igreja, o salvo deve se esmerar a cada dia ser mais santo, ser mais praticante do amor, fazer cada vez mais o bem ao próximo, porquanto sabemos que temos menos tempo para fazer a obra de Deus, ante a proximidade do dia em que seremos levados pelo Senhor para vivermos com Ele para sempre.

– Assim como o diabo, quando for precipitado na Terra, ficará furioso e trabalhará incansavelmente sabendo que tem pouco tempo (Ap.12:12), nós devemos, a cada dia, nos empenharmos e nos dedicarmos em fazer a vontade de Deus, sabendo que, também, temos pouco tempo para amar o próximo, para dar bom testemunho de nossa salvação na sociedade e na Igreja.

Devemos aumentar em fervor a cada dia, pois, como diz o proverbista, “a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv.4:18).

– O apóstolo mostra-nos aqui uma dura realidade que ele já encontrava nos seus dias, qual seja, a de que há uma tendência de o salvo se acomodar, deixar-se levar pelo “sono espiritual”.

A aparente demora do cumprimento das promessas divinas quanto à glorificação dos salvos faz com que boa parte dos cristãos se acomode, deixe de realizar a obra de Deus, passe a cultuar a Deus de forma automática e, não raras vezes, volte a flertar com o pecado, indo perigosamente para o mesmo caminho de Israel, chegando, mesmo, à apostasia da fé.

– Entretanto, a dinâmica da vida espiritual é exatamente oposta a esta atitude.

A cada dia, mais próximos estamos do arrebatamento da Igreja; a cada dia, temos um dia a menos de vida física sobre a face da Terra, e, portanto, a única atitude que podemos tomar é a de nos empenharmos cada vez mais em servir a Deus, em nos dedicarmos cada vez mais intensamente a realizar a obra do Senhor e a demonstrar a nossa salvação em Cristo Jesus através da prática do amor.

Devemos estar despertos, vigilantes, não podemos, de forma alguma, permitir que o “sono espiritual” nos domine.

Não nos esqueçamos, aliás, que todas as virgens, na parábola contada por Jesus, adormeceram, de modo que esta tendência de dormir é própria da natureza humana, mas deve ser combatida tenazmente pela nova criatura, que deve se envolver mais e mais com o seu Senhor para impedir que o comodismo venha a comprometer a sua própria salvação.

– Paulo, ao dizer tais palavras, como que “cutucava” os crentes de Roma que, apesar de morarem na capital do mundo de então, de terem, por conseguinte, recursos suficientes para empreender uma obra missionária, eram completamente inertes neste ponto, não sustentando qualquer missionário, não contribuindo para a expansão do reino de Deus.

A igreja de Roma vivia como muitas igrejas locais em nossos dias que, apesar de terem recursos espirituais, materiais e humanos suficientes para empreenderem uma grande obra missionária, são completamente omissas a respeito, fazendo muito menos do que poderiam para o trabalho de evangelização.

 É hora de despertarmos deste sono e fazermos aquilo que é prioritário para a Igreja: ganhar almas para o Senhor Jesus!

– É tempo de trabalharmos para o Senhor Jesus, pois, como diz o apóstolo, “a noite é passada, o dia é chegado. Rejeitemos pois as obras das trevas e vistamo-nos das armas da luz” (Rm.13:12).

Na primeira carta aos tessalonicenses, que foi a primeira carta escrita pelo apóstolo, já se havia dito que os salvos eram “filhos da luz e filhos do dia” (I Ts.5:5), expressão que esta exposição em Romanos fez bem compreender, já que o salvo é uma nova criatura e tem uma maneira de viver completamente oposta ao do ser humano que ainda não encontrou a salvação pela fé em Cristo Jesus.

– Para que nos comportemos como verdadeiros “filhos do dia”, e, portanto, que não duram espiritualmente, é necessário que haja a rejeição das obras das trevas e que se vista das armas da luz. Portanto, não há que se falar em verdadeiro despertamento espiritual se não houver uma santificação, se não houver um arrependimento genuíno e verdadeiro, algo que somente ocorrerá com a Palavra de Deus e com a oração.

– Hoje em dia há diversos “avivamentos” e “avivalistas” que somente fazem barulho, que recorrem a técnicas de neurolinguística, que têm o propósito de tão somente emocionar o público, a sua plateia, não raras vezes com procedimentos e condutas deploráveis, que chegam à irracionalidade (quando não a verdadeiras manifestações espirituais malignas) e que acham que, com isso, fazem o “avivamento” do povo.

O apóstolo mostra, claramente, que não há verdadeiro e genuíno despertamento espiritual se não recorrermos à Palavra de Deus, à oração, ao jejum, ao temor de Deus e à participação digna na ceia do Senhor, que são os reais meios de santificação postos à disposição da Igreja pelo Senhor.

– Mas, além de se rejeitar as obras das trevas, necessário se faz que os salvos se vistam das “armas da luz”, expressão que indica não só a “armadura de Deus” que o apóstolo menciona em Ef.6:13-18, armas necessárias para o combate contra as hostes espirituais da maldade (cinturão da verdade, couraça da justiça, calçados dos pés na preparação do evangelho da paz, escudo da fé, capacete da salvação, espada do Espírito, tudo com oração e vigilância), mas também, todas as bênçãos espirituais postas à disposição pelo Senhor aos salvos, nos quais, se incluem, com relevância, o batismo com o Espírito Santo e os dons, sejam eles os dons de serviço, os dons ministeriais ou os dons espirituais, ferramentas absolutamente necessárias para que tenhamos o crescimento espiritual e a perseverança até a glorificação.

– Esta rejeição das obras das trevas e este vestir das armas da luz é demonstrada mediante uma conduta diferente e santa diante dos homens, pois se traduz num andar honesto, num andar que não demonstre o domínio dos desejos carnais sobre nós (daí o apóstolo falar em glutonarias, bebedeiras), numa conduta que mostre que nós renunciamos a nós mesmos, onde o “eu” não ter qualquer predominância, tanto que nos envolvemos mais em desonestidades, contendas ou invejas, mas, antes, nos revestimos do Senhor Jesus, ou seja, como diz Paulo aos gálatas, não mais vivemos mas é Cristo que vive em nós (Gl.2:20), pois quem se reveste de Cristo não cumpre as concupiscências da carne (Gl.5:16).

– Aqui vemos, mais uma vez, a convergência entre Tiago e Romanos, pois, como vimos supra, a religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, exige esta conduta de separação do pecado, de guardar-se da corrupção do mundo, que nada mais é que revestimento d do Senhor Jesus que diz o apóstolo dos gentios, que nada mais é que a mortificação da carne, desta natureza pecaminosa que conosco conviverá até chegarmos à dimensão eterna.

– O salvo, portanto, tem deveres impostos por Deus tanto em relação ao Estado, quando em relação ao próximo e tais deveres devem ser integralmente cumpridos pelos verdadeiros, genuínos e autênticos servos de Cristo Jesus.

 A salvação possui, assim, uma dimensão terrena que jamais pode ser negligenciada, já que, quem não for fiel no pouco, jamais será posto sobre o muito.

Quem não cumprir seus deveres nesta peregrinação terrena não se credencia para desfrutar das mansões celestiais.

Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco

Site: portalebd.org.br

Um comentário

  • Rogério

    rever a exegese! a hermenêutica não está sistemática com o Cânon! a interpretação do Grego para o português está equivocado!

    Eksousia na perspectiva de karl Barth refere a autoridade superiores no plano espiritual e não no material, apesar que o sistema era Romano. A pericope de Rm 13 deve ser estudada neste caso por versículo.
    uma dica!

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