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LIÇÃO Nº 11 – A TOLERÂNCIA CRISTÃ

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O relacionamento entre os cristãos deve ser guiado pelo amor, compreensão e respeito à diversidade, sem prejuízo da unidade.

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INTRODUÇÃO

– No capítulo 14 da epístola aos romanos, o apóstolo Paulo parece tratar de um problema concreto da igreja em Roma, mas que está estritamente vinculado à questão dos relacionamentos do cristão, a saber, o relacionamento que deve ser mantido entre os cristãos.

– A lição do apóstolo é no sentido de que o critério orientador dos relacionamentos entre os cristãos deve ser o amor e, por isso, deve-se tolerar a diversidade naquilo que não representar ofensa à Palavra do Senhor.

I – A DIVERSIDADE DE ESPIRITUALIDADE NA IGREJA

– Depois de ter falado a respeito do relacionamento do cristão com o próximo e com os governantes, o apóstolo, talvez movido por problemas de que tivera conhecimento haver na igreja em Roma, passa a dissertar sobre a questão do relacionamento que deve haver entre os cristãos.

 Esta sua preocupação mostra-nos, uma vez mais, que a vida cristã tem uma dimensão social, que a igreja é, a um só tempo, o corpo de Cristo, a nação santa de índole espiritual formada por judeus e gentios que aceitam Cristo como Seu único e suficiente Salvador, mas também um grupo social, onde as pessoas se inter-relacionam até a vinda do Senhor ou a morte física.

– Esta realidade da igreja como um grupo social, a chamada igreja local, é uma verdade bíblica que não pode ser menosprezada nem ignorada pelos servos do Senhor.

A palavra “igreja”, em grego “ekklesia” (εκκλησία) tem como significado “reunião para fora”, ou seja, a ideia de que se trata de um conjunto de pessoas está incluída na expressão, que foi criada e anunciada pelo próprio Jesus (Mt.16:18).

 Portanto, a dimensão social da igreja não é criação de A ou B, nem uma manobra de domínio de certos homens, como, irresponsavelmente tem sido defendido nestes últimos dias, mas fruto da própria determinação divina.

– A salvação é um fenômeno individual, é uma questão do relacionamento de cada ser humano com Deus, como, aliás, o apóstolo deixou patente na parte doutrinária da epístola aos romanos, mas o homem vive em grupo, vive em comunidade, seja aqui, enquanto espera a volta de Cristo, seja mesmo depois do arrebatamento, quando persistirá a vida social (cf. Ap.21:3).

Portanto, a questão da salvação deve ser analisada, sempre, como uma tensão entre a relação individual estabelecida com Deus mediante a fé em Cristo Jesus e a relação social entre cada salvo, vez que cada indivíduo é salvo para ser não só um filho de Deus, mas um coerdeiro de Cristo, como um integrante do povo de Deus.

– Neste grupo social chamado igreja, cada salvo, já vimos na lição 9, tem uma função específica, é um membro do corpo de Cristo.

 Portanto, cada um é distinto do outro, não havendo, pois, uma absorção do indivíduo pelo grupo.

Pelo contrário, cada crente mantém a sua individualidade, embora não esteja isolado, mas seja como que uma peça nesta grande engrenagem que é a igreja do Senhor neste mundo.

– Mas, além da distinção de funções entre cada crente, muito bem demonstrada pelo apóstolo no início do capítulo 12 da sua carta aos romanos, que podemos chamar de “distinção horizontal”, existe, também, uma outra distinção, que poderíamos denominar de “distinção vertical”.

Ao iniciar o capítulo 14, Paulo dá-nos conta de que, na igreja do Senhor, existem os “enfermos na fé”, os “fracos”, ou seja, as pessoas se diferenciam na igreja não só pela função que tenham, mas, também, pelo seu nível de espiritualidade. Há pessoas que estão mais elevadas do que outras no seu relacionamento com Deus.

– Isto pode parecer estranho para alguém, tendo em vista que somos levados a crer que existe uma igualdade entre todos os homens e que, portanto, não pode haver qualquer distinção entre as pessoas diante de Deus.

Afinal de contas, é a Bíblia quem nos assegura de que, para Deus, não há acepção de pessoas (Dt.10:17; At.10:34). Como, então, admitir esta diversidade de espiritualidade?

– Esta questão surge com muita força nos nossos dias, particularmente depois da Revolução Francesa, quando se moldou a ideia de que todos os homens são iguais, máxima que se encontra na Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU, onde se lê, com todas as letras, que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (artigo I).

Assim sendo, a ideia de diferenciação entre pessoas causa repugnância na atualidade e chega mesmo a escandalizar.

– No entanto, esta ideia de uma igualdade entre os homens caracteriza o que denominamos de “igualitarismo”, que é a “doutrina, atitude daqueles que visam estabelecer a igualdade absoluta em matéria política, social, cívica”, a “teoria que sustenta a igualdade absoluta dos homens”.

 Ora, tal ponto-de-vista não é o que nos ensina a Bíblia Sagrada a respeito, mas, bem ao contrário, as Escrituras, desde o instante da criação, ao mostrar que Deus fez o homem macho e fêmea (Gn.1:27 “in fine”), revelam-nos que Deus trata individualmente com cada um, que cada ser humano é único no mundo e, portanto, distinto dos demais. Há, pois, uma diversidade entre os homens, a ponto de um não poder responder pelo outro.

– A igualdade dos homens não significa que todos sejam considerados como uma só pessoa, que cada um não seja diferente dos demais.

 A igualdade dos homens tem a ver com a sua dignidade, ou seja, Deus trata os homens da mesma maneira no que respeita ao seu relacionamento com Ele. Cada ser humano tem a mesma posição diante do Senhor.

 Deus não privilegia este ou aquele ser humano, não estabelece distinção de tratamento. “Acepção” é “escolha, predileção por alguém; inclinação, tendência em favor de pessoa(s) por sua classe social, privilégios, títulos etc.”

Conforme o apóstolo Paulo deixa claro, Deus não manifestou predileção por qualquer ser humano, mas, diante do fato de que todos pecaram, a todos destituiu da glória de Deus (Rm.3:23), como também, ao manifestar a graça de Deus salvadora, ela se manifestou para a salvação de todos os homens (Tt.2:11).

Deus não é injusto, mas a todos trata igualmente, isto é, segundo o mesmo critério, sem favoritismo, sem parcialidade, sem partidarismo.

– A bem da verdade, a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo I, supramencionado, fala de uma igualdade em dignidade e em direitos, ou seja, não exclui a diferença existente entre cada indivíduo, apenas salientando que a igualdade se dá na posição ocupada pelo ser humano dentro da ordem ética, dentro da humanidade.

Tanto assim é que, ultimamente, percebendo-se do real significado da igualdade, tem se procurado tratar diferentemente os diferentes, como vemos na legislação protetiva das pessoas deficientes bem assim as chamadas ações afirmativas, que têm por objetivo resgatar as mazelas históricas decorrentes do racismo, por exemplo.

– Deus trata a cada homem em particular, pois fez de cada ser humano um ser único no planeta.

“…Somente você pode ser você. Deus projetou cada um de nós de modo que não houvesse réplica em todo o mundo.

 Ninguém tem exatamente a mesma composição de fatores que o tornam exclusivo. Isso significa que ninguém mais na terra será capaz de desempenhar o papel que Deus planejou para você.

Se você não fizer sua contribuição individual para o corpo de Cristo, ela não será feita…” (WARREN, Rick. Uma vida com propósitos. Trad. de James Monteiro dos Reis, p.209).

– Diante desta realidade, não surpreende que as pessoas tenham diferentes níveis de espiritualidade, até porque a vida espiritual, a exemplo da vida material, é um contínuo crescimento.

Toda vida é dinâmica, ou seja, uma vida só é vida se houver movimento, se houver mudanças, se houver alterações, pois, caso contrário, não se terá vida, mas, sim, morte. Nós estamos vivos se o nosso organismo estiver se modificando a cada momento, a cada instante.

Somente quando morremos nada mais ocorre a não ser a deterioração.

Por isso, no campo espiritual, o crescimento é uma constante e, diante disto, é evidente que, em cada igreja local, encontraremos pessoas com diferentes graus de crescimento espiritual.

– Jesus, ao falar com Nicodemos, disse que a entrada no reino de Deus se dá pelo “nascimento da água e do Espírito” (Jo.3:5).

Ao falar em “nascimento”, além de realçar a completa ruptura com a vida velha, o Senhor também nos indica que se trata de um início, de um ato inaugural, pois, como afirma o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, nascimento também significa “começo ou princípio de algo”.

 Aliás, o verbo latino “nascor” tinha o sentido de “começar”. Daí porque o início de um curso d’água ser chamado de “nascente”. Portanto, a regeneração é um ato inicial.

– Há, pois, a necessidade de que, após o nascimento, haja o crescimento, que é o ato de “desenvolver progressivamente (etapas próprias) após o nascimento”.

A vida espiritual exige o crescimento, o progresso do indivíduo e, como nem todos crescem de igual modo e na mesma velocidade na vida material, o mesmo se dá em relação ao relacionamento com Deus.

 Há, portanto, aqueles que crescem mais do que os outros espiritualmente, crescimento este que, ao contrário do crescimento na vida física, não está relacionado com o tempo, vez que se trata de um relacionamento com Deus, que está fora da dimensão temporal.

– Paulo admite a existência destes diferentes níveis de espiritualidade, que são diferenças que nada têm que ver com a salvação, pois, lembremos, o crescimento é um fato que ocorre após o nascimento, ou seja, só cabe falar sobre diferentes níveis de crescimento depois que a pessoa nasceu, ou seja, o apóstolo está a falar de pessoas salvas, justificadas pela fé em Cristo.

Tanto assim é que, em Rm.14, em mais de uma oportunidade na sua argumentação, Paulo mostra claramente que tanto os “fracos” quanto os “fortes” são salvos e servem a Deus. Senão vejamos:

a) em Rm.14:1, fala-se em “enfermo na fé”, mas de alguém que tem fé, o que, na linguagem da carta aos romanos, só pode ser a posse da fé em Cristo Jesus, que justifica o homem (Rm.3:28), algo que é repetido na conclusão do argumento em Rm.14:22,23.

b) em Rm.14:3, é dito que Deus recebeu o “fraco” como Seu e, portanto, se o “fraco” foi recebido por Deus, é sinal de que é um salvo, um filho de Deus.

c) em Rm.14:4, o “outro” é chamado de “servo alheio”, ou seja, não é servo do irmão que está a julgar, mas, sim, servo de Deus, Deus que faz questão de firmar aquele que está sendo indevidamente julgado. Ora, se Deus faz questão de firmar, é porque a pessoa não está firme, mas se encontra no caminho da salvação, não no da perdição, porque senão Deus não iria firmar, mas, sim, salvar.

d) em Rm.14:6, é dito que cada um dos que tem entendimento diverso sobre certas questões faz para o Senhor, ou seja, reconhece a Deus como Senhor e, portanto, é Seu servo, independentemente da posição que adote.

e) em Rm.14:8, Paulo é claro ao dizer que todos os envolvidos na discussão são do Senhor.

f) em Rm.14:10,13,15,21 todos são chamados de “irmãos”, o que, na carta aos romanos, significa que são salvos, pois “irmão” é o coerdeiro de Cristo e filho de Deus (cf.Rm.8:17).

g) em Rm.14:19, é dito que uns e outros estão em paz e se edificando, a demonstrar, portanto, que são pessoas já nascidas, já justificadas pela fé, tanto que têm paz com Deus (Rm.5:1) e que estão a crescer.

– Esta realidade de que os salvos estão em diferentes níveis de espiritualidade foi mostrada por Paulo na sua primeira epístola aos coríntios, quando afirma que a igreja em Corinto não tinha crescido espiritualmente, chamando-os de “meninos em Cristo” (I Co.3:1), como também na carta aos colossenses, que será redigida posteriormente à carta aos romanos, o apóstolo voltará à questão, desejando que os crentes de Colossos crescessem no conhecimento de Deus (Cl.3:10).

– O escritor aos hebreus, também, é claro ao mostrar a diversidade de níveis de espiritualidade, admoestando os crentes em virtude da falta de crescimento espiritual que neles observava (Hb.5:12-14), sendo que o apóstolo Pedro encerra suas palavras inspiradas pelo Espírito Santo com uma recomendação para que os crentes sempre procurassem crescer na graça e no conhecimento de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (II Pe.3:18). Deste modo, não se tem como fugir à verdade bíblica de que os salvos estão em diferentes níveis de espiritualidade.

II – O RELACIONAMENTO ENTRE OS SALVOS DIANTE DA DIVERSIDADE DE ESPIRITUALIDADE

– Se existe diversidade de níveis de espiritualidade na igreja, como, então, deve ser o relacionamento entre os salvos na igreja local? É esta a questão que é tratada por Paulo no capítulo 14 de Romanos e que é o objeto central desta nossa lição.

– Paulo diz que o “enfermo na fé” deve ser recebido pelos demais.

A expressão “enfermo”, constante da Versão Almeida Revista e Corrigida e da Versão Almeida Fiel e Corrigida não parece ser a melhor tradução para a palavra grega “astenounta” (ασθενουντα), que a Versão Almeida Revista e Atualizada traduz por “débil” e a Edição Contemporânea de Almeida, a Nova Versão Internacional, a Versão Antonio Pereira de Figueiredo, a Tradução Ecumênica Brasileira, a Nova Tradução na Linguagem de Hoje, a Tradução Brasileira, a Bíblia na Linguagem de Hoje, a Bíblia de Jerusalém, a Edição Pastoral, a Bíblia Viva e a Versão dos Monges de Mardesous traduzem por “fraco”.

 Com efeito, a noção presente é de fraqueza, de debilidade e não de doença, que a ARC e a AFC transmitem indevidamente, já que, como vimos supra, Paulo não fala, em momento algum, em inexistência de salvação por parte dos “fracos” e não se pode, pois, associar a um salvo a pecha de “doença”.

– Paulo afirma que o que é fraco na fé, aquele que ainda não tem um crescimento espiritual a contento, aquele que não se desenvolveu no seu relacionamento com Deus deve ser recebido pelos demais, ou seja, acolhido (como consta em algumas versões).

A fraqueza espiritual, o pouco desenvolvimento, a falta de firmeza, a insegurança de um salvo tem de ter como resposta, por parte dos demais, uma acolhida, uma recepção, um comportamento de aceitação e de envolvimento, ou, para usar do texto da Bíblia Viva, “ deem uma calorosa acolhida a qualquer irmão que deseja unir-se a vocês, mesmo que a sua fé seja fraca” (Rm.14:1 BV).

– A primeira nota do relacionamento entre os cristãos, portanto, é a inclusão, ou seja, um comportamento que busca trazer a pessoa para o grupo, que procura integrar a pessoa, fazê-la se sentir participante e integrante da igreja local, ainda que ela apresente uma espiritualidade débil, fraca, ainda que seja um “menino em Cristo” ou alguém que “mesmo devendo já ser mestre pelo tempo, ainda necessite de que se torne a ensiná-lo quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus” (Hb.5:12).

– Lamentavelmente, o que se verifica, nos nossos dias, é que raramente se tem este comportamento inclusivista.

Enquanto muitos grupos se digladiem e porfiem tenazmente pela conquista dos “fortes”, oferecendo mil e uma vantagens para que este ou aquele servo de Deus deixe a sua igreja local, o seu ministério ou a sua denominação em troca de outra, os “fracos” são rejeitados sistematicamente por estes mesmos grupos, que não estão interessados em “crentes atrapalhados”, em “causadores de problemas”, em “crentes embaraçados”.

E, o que é ainda mais lamentável, tal comportamento ainda é elogiado entre todos, até porque, nos tristes dias em que vivemos, já é digno de louvor o comportamento exclusivista baseado em elementos espirituais e não apenas econômico-financeiros, como é mais corriqueiro acontecer…

– O que se verifica no seio das igrejas locais, na atualidade, é precisamente o contrário do que o apóstolo está a ordenar.

Ao invés do comportamento inclusivista, que é a conduta que demonstra a posse do verdadeiro amor divino, pois o evangelho tem esta característica, como se demonstrou na parábola das bodas (Mt.22:1-14), o que vigora hoje, em muitos lugares, é o exclusivismo, que é “desejo de ou tendência a excluir sistematicamente os outros”.

Assim como o sistema econômico capitalista, hegemônico no mundo atual, tem alijado cada vez mais pessoas da vida social, os chamados marginalizados ou “excluídos”, também muitas igrejas locais, em total oposição ao que manda a Bíblia Sagrada, tem deixado do lado de fora da igreja muitas e muitas pessoas, mantendo-os à margem do caminho.

– Este exclusivismo manifesta-se, por primeiro, através da acepção de pessoas, ou seja, o tratamento parcial e de predileção em relação às pessoas, como denunciou o irmão do Senhor, Tiago, pastor da igreja-mãe em Jerusalém, em sua carta (Tg.2:1-4), algo particularmente relacionado com a condição econômico-financeira das pessoas.

– Por segundo, o exclusivismo manifesta-se como um sectarismo, ou seja, um partidarismo, um espírito limitado, de grupo, que não aceita admitir qualquer pessoa de fora do seu grupo social, que põe o grupo acima de qualquer outra coisa.

Muitos são os integrantes de igrejas locais que manifestam tal comportamento e que, por isso, são intransigentes e intolerantes com qualquer pessoa que não pertença a seu grupo social. Alguém não é salvo única e exclusivamente porque não pertence a sua denominação, a seu ministério ou a sua igreja local.

 Entretanto, não é este o comportamento que é recomendado pelo apóstolo Paulo. Todos devem ser recebidos, ou seja, aceitos, acolhidos, ainda que sua condição espiritual não seja das melhores.

– É oportuno observar que o apóstolo está a falar de alguém que é “fraco na fé”, ou seja, o recebimento, a acolhida diz respeito a pessoas que já nasceram de novo.

Em momento algum, deve-se interpretar a prática cristã recomendada pelo apóstolo como a aceitação de todas as pessoas na comunidade, na igreja local, ainda que elas não tenham nascido de novo, ainda que elas não tenham se regenerado.

 O problema aludido por Paulo é em relação a uma exclusão de pessoas salvas. Evidentemente que pessoas que ainda não se converteram não podem ser integradas na igreja local, porquanto não pertencem, ainda, ao corpo de Cristo.

Está-se a falar do “fraco na fé”, não do infiel ou do incrédulo. Estes devem ser evangelizados, bem recebidos nas reuniões e atividades da igreja local, mas não podem pertencer à igreja enquanto não se decidirem por Cristo.

– Por isso, não confundamos este comportamento inclusivista de que estamos a falar com as chamadas “igrejas inclusivas” que têm surgido atualmente para “integrar” pessoas que são manifestamente incrédulas e desobedientes à Palavra de Deus.

 Aliás, esta denominação de “igrejas inclusivas” tem sido usadas por homossexuais que têm fundado “igrejas” onde a prática homossexual é aceita e incentivada.

Isto não é inclusão de “fracos na fé”, mas verdadeira armadilha satânica. Não nos esqueçamos de que Paulo, nesta mesma carta aos Romanos, diz que o verdadeiro salvo anda segundo o espírito e não segunda a carne (Rm.8:1) e quem anda segundo a carne não agrada a Deus (Rm.8:8), bem assim que o salvo rejeita as obras das trevas e se veste das armas da luz (Rm.13:12).

– O comportamento inclusivista determinado pelo apóstolo traz, como consequência, a atitude de respeito à diversidade nos assuntos que são indiferentes, irrelevantes ao relacionamento com Deus, ou seja, em tudo aquilo que não é pecado.

Paulo, muito provavelmente analisando questões concretas de que tivera conhecimento estarem ocorrendo em Roma (o que, aliás, eram questões que permeavam todas as igrejas locais da sua época), cita como exemplo de uma questão indiferente em termos de salvação a questão relativa às leis dietéticas, ou seja, às regras e normas referentes à alimentação.

– Como se sabe, a lei mosaica era bem rigorosa em termos de alimentação, estabelecendo normas e leis concernentes ao que podia e ao que não podia ser alimento, regras estes que distinguiam muito os judeus dos demais povos, cuja alimentação era muito mais permissiva.

Foi o alimento, assim, um dos primeiros pontos de atrito entre judeus e gentios nas igrejas locais, particularmente em Roma, que, por ser a capital do Império, mostrava uma diversidade gastronômica típica das metrópoles, como podemos, ainda hoje, ver nas principais cidades do mundo, como Nova Iorque e São Paulo, por exemplo.

– “…Para o judeu tradicional, porém, a observância rigorosa das leis dietéticas é encarada como um símbolo ativo da fé e da identidade judaicas, comparável, por exemplo, com a circuncisão. Esta estimativa de seu significado foi dada por um Sábio Rabínico há cerca de dezoito séculos atrás:’

As muitas leis que regulam a dieta do judeu destinam-se a testar sua devoção e seu amor a Deus’.

Do ponto de vista do judeu tradicionalista, as leis dietéticas destinam-se, sem qualquer qualificação, a fazer parte do conjunto de práticas pelas quais expressa sua crença na eleição especial de Israel para o serviço de Deus.(…).

As leis dietéticas, portanto, devem ser incluídas entre os costumes religiosos principais que tinham a finalidade de manter inviolada a ‘santidade’ sacerdotal do povo judeu.…”(AUSUBEL, Nathan. Leis dietéticas. In: A Judaica, v.5, p.448).

– Verifica-se, portanto, que, para os judeus, as leis dietéticas tinham um grande valor, sendo o próprio sinal da santidade do povo e do caráter de propriedade peculiar de Deus, pensamento que, existente até os dias de hoje, era bem mais forte nos dias do apóstolo Paulo.

Todavia, na carta aos romanos, ao demonstrar que a justificação se dá pela fé em Cristo, Paulo considera que a questão relativa à alimentação era secundária, irrelevante para o aspecto da salvação.

 Assim, caso existissem irmãos na fé que se prendiam a estas regras e normas, a atestar sua “fraqueza na fé”, não deveriam ser excluídos da igreja local, nem marginalizados, mas acolhidos e respeitados no seu modo de pensar.

– Aqui alguém pode querer encontrar uma contradição no pensamento do apóstolo, pois, na parte dogmática da carta, houve uma condenação veemente aos judeus pelo fato de se vangloriarem da lei e de acharem que a lei era justificadora, enquanto que, agora, diante de pessoas que não se desprendem das normas dietéticas preconizadas pela mesma lei, ao invés de condenar, o apóstolo manda que sejam recebidas na igreja local e toleradas, inclusive com adaptação a seu modo de viver. Como entender isto?

– Mais uma vez, temos uma contradição meramente aparente, resultante de uma leitura superficial e irrefletida dos dois textos.

O apóstolo Paulo não está aqui defendendo, em absoluto, a prática da lei como critério de justificação ou de relacionamento com Deus, algo que demonstrou, com profundidade, ao longo da epístola não ser mais possível depois da morte de Cristo na cruz do Calvário.

– O apóstolo está tratando do “fraco na fé”, ou seja, da pessoa que já creu em Jesus Cristo como seu único e suficiente Senhor e Salvador, da pessoa que compreendeu que Jesus morreu por nós e que Sua morte nos dá pleno acesso ao Pai.

Esta pessoa, ao assim crer, nasceu de novo, arrependeu-se dos seus pecados, que foram perdoados, foi declarada justa diante de Deus pelo próprio Deus, por causa do sacrifício de Cristo e, agora, vive separada do pecado aguardando o dia do arrebatamento da Igreja.

Assim, age muito diferentemente dos judeus que entendem que se salvam cumprindo a lei, que acham que o cumprimento da lei é necessário para a salvação, menosprezando e desconsiderando o sacrifício de Cristo na cruz do Calvário.

– O “fraco na fé” não tem dúvida de que Jesus cumpriu a lei e que a lei não tem mais nenhum efeito para a sua salvação.

O “fraco na fé” sabe que está salvo por ter crido em Jesus, mas entende que, para se manter separado do pecado, para se manter em santidade, deve seguir normas e regras sobre assuntos que nada tem que ver com a salvação, como era o caso das leis dietéticas.

As leis dietéticas tinham, sim, uma função de ilustrar, simbolizar a separação do pecado que é exigida de todo aquele que serve a Deus, mas, tendo vindo Jesus, esta separação se dá mediante a fé no Senhor e a manutenção da comunhão restaurada pelo sacrifício de Cristo no Calvário.

O fato de se alimentar de uma carne que não tenha sido abatida segundo o ritual judaico não é pecado, pois a lei não mais vigora como critério de relacionamento com Deus e tal alimentação não se constitui, assim, em desobediência a Deus.

Se não pecarmos, estaremos em comunhão com Deus, comendo carne ou legumes, pois isto é irrelevante para este relacionamento com o Senhor.

– O “fraco na fé”, porém, ainda não chegou a este grau de conhecimento, ainda não tem esta consciência.

Como ainda não cresceu espiritualmente, está preso a normas e regras que, ainda que indiferentes para os parâmetros do relacionamento entre Deus e o homem, são entendidas como necessárias para a santificação.

O “fraco na fé” acha que não deve comer carne, mas apenas legumes, pois isto o manterá separado do pecado. Sabe que sua salvação não vem destas regras e normas, mas acha que a observância delas é indispensável para a sua manutenção de santidade.

– É neste ponto que temos uma conclusão diversa: o apóstolo diz que tais pessoas estão salvas, porque creram em Jesus, o que as justificou diante de Deus e, por isso, não podem ser alijadas do convívio na igreja local, que é o grupo das pessoas que foram tiradas do mundo e do pecado.

Não são legalistas, que estão amaldiçoados por acharem que a lei justifica, mas pessoas que ainda não conseguiram compreender a posição espiritual em que se encontram e que ainda se prendem, para fins de santificação, a regras e normas que nada representam em matéria de salvação.

– No entanto, muitos não percebem esta grande diferença e tratam igualmente tanto a incrédulos quanto a salvos, excluindo da igreja local pessoas que não têm o mesmo discernimento espiritual, que não têm o mesmo nível de espiritualidade, assumindo uma postura que, ao invés de demonstrar a superioridade espiritual, leva tais pessoas a decrescerem espiritualmente.

Sim, o “forte” que não se comportar com tolerância em relação ao “fraco” deixa de ser “forte” e corre o risco de se tornar, ele mesmo, um “fraco” e, muito provavelmente, um perdido, uma vez que o comportamento exclusivista, como atesta o apóstolo, é uma conduta totalmente inadequada para um servo de Deus, pois nada mais é que uma arrogância, a mesma jactância que levou os judeus, apesar da lei boa, santa e perfeita, à maldição (cf. Rm.2:1).

– Questões indiferentes e irrelevantes em matéria de salvação devem ser toleradas na igreja local e os “fortes” devem agir em relação aos “fracos” não com menosprezo ou orgulho, mas com “calorosa recepção”, entendendo que é necessário receber o “fraco” e instruí-lo para que ele, também, cresça e se torne um “forte” no futuro.

OBS: “…O Apóstolo deseja sobretudo que todos os que são fracos na fé sejam tolerados e instruídos pelos fortes. Ninguém deveria condenar os fracos.

Desta maneira ele os admoesta (seus leitores, observação do tradutor em inglês) à paz e unidade, porque nós devemos cuidar dos fracos para que eles possam se tornar fortes.

Nós não devemos abandoná-los em sua fraqueza como aqueles que lhes viram as costas em desgosto e consideram apenas sua própria salvação.

Então, os fortes devem instruir os fracos e os fracos, estar prontos para serem instruídos. A paz e o amor governarão a ambos.…” (LUTERO, Martinho. Commentary on Romans. Trad. J.Theodore Mueller, p.196) (tradução nossa de texto em inglês).

– A tolerância para com os fracos na fé é uma necessidade para que se cumpra o propósito divino na igreja local.

O forte deve ter o mesmo comportamento que teve Jesus Cristo em relação ao homem, pois o Senhor nos diz que aquele que vem a Ele, de modo nenhum Ele lança fora (Jo.6:37).

Como, pois, pode um filho de Deus e coerdeiro de Cristo ter um comportamento diverso, diametralmente oposto, lançando fora alguém que foi até Cristo?

Como pode uma igreja local ter progresso espiritual excluindo aquele que Jesus não excluiu?

– A tolerância para com os fracos na fé não tem o objetivo de manter a fraqueza espiritual, mas, bem ao contrário, é uma atitude temporária, passageira.

O apóstolo diz que o fraco na fé deve ser recebido sem contendas ou dúvidas, mas não está dito que não deva ser instruído para que se aperfeiçoe.

O fraco é recebido para ser instruído. Ao lado do dever de acolhida, existe o dever de instrução, pois, para isto é que Jesus constituiu mestres na igreja, para que se tenha o aperfeiçoamento dos santos (Ef.4:11,12).

– O objetivo da acolhida é a instrução do fraco, o seu fortalecimento. O próprio apóstolo afirma que “poderoso é Deus para o firmar” (Rm.14:4 “in fine”), a indicar, portanto, qual é o propósito da recepção.

Infelizmente, muitas igrejas locais, hoje em dia, até superam o obstáculo da rejeição, acolhendo afetuosamente os fracos na fé que chegam a elas, mas não completam o comportamento inclusivista, deixando de dar a devida instrução ao fraco, para que ele se fortaleça e o resultado disto é a presença cada vez maior de crentes que, apesar do “tempo de casa”, não conseguem se desprender dos rudimentos doutrinários, precisamente o estado espiritual denunciado e reprovado pelo escritor aos hebreus (Hb.5:12-14).

O problema é que uma acolhida sem a instrução trará como resultado final o mesmo que a rejeição: a destruição espiritual da pessoa, pois o povo de Deus é destruído quando lhe falta conhecimento (Os.4:6).

– Que um dos alvos da tolerância é a instrução do povo de Deus vemos registrado desde a dispensação da lei.

Com efeito, ao prescrever que os nazireus não poderiam beber do fruto da vide (Nm.6:3), o Senhor o fez não porque o beber vinho não fermentado fosse pecaminoso, tanto que a proibição se referia ao tempo do voto, mas, sim, porque, com tal gesto, em que o nazireu indicava uma dedicação maior ao Senhor, se tivesse a ideia de que há distinção entre o sagrado e o profano, entre o puro e o impuro.

Um comportamento que não permita qualquer escândalo é pressuposto essencial para que se tenha a instrução, o indispensável ensino da Palavra, sem o qual não haverá crescimento espiritual do povo de Deus.

– A igreja local tem como tarefa precípua, em relação aos salvos, o seu aperfeiçoamento e, por isso, é o lugar indicado para o fortalecimento dos fracos na fé, daqueles que ainda não tiveram a clara consciência do significado da salvação que receberam pela fé em Cristo, que não sabem o que é a santificação e como ela deve se processar.

Entretanto, como a igreja local pode desempenhar tal papel se, na atualidade, o que menos se faz é o ensino da Palavra de Deus?

Se a mensagem de santificação é uma raridade nos púlpitos? De que adianta ganhar almas para o Senhor se, depois, por falta de conhecimento elas têm sido destruídas?

– A função da igreja local é instruir os fracos na fé, promover a interação entre fortes e fracos, para que “…seguindo a verdade em caridade, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o corpo, bem ajustado e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor.” (Ef.4:15,16).

– Nossa igreja local tem cumprido este papel? Temos recebido os fracos na fé e, pela sua permanência em nosso meio, eles têm se fortalecido espiritualmente?

Tem havido progresso espiritual generalizado dos membros de nossa igreja local e, por conseguinte, da própria igreja local? São questões que cada integrante da igreja local (e não só o dirigente) deve se fazer e, a partir das respostas, verificar como se está procedendo no dia-a-dia da obra do Senhor.

 Neste ponto, aliás, a Escola Bíblica Dominical tem um papel fundamental e não é à toa que tem sido, via de regra, o “patinho feio” de nossas igrejas…

– O crescimento espiritual depende, como vimos, de uma demonstração de amor divino, mediante a acolhida do fraco na fé, sem julgamento, sem contenda, sem dúvida.

 Mas de nada adianta uma acolhida se ela não for complementada pelo ensino da Palavra.

O verdadeiro amor, o amor divino, transcende o aspecto social, o caráter afetivo e chega à instrução da Palavra de Deus, pois só este alimento espiritual nos dará forças para prosseguirmos na jornada. Como diz o poeta sacro traduzido/adaptado por Paulo Leivas Macalão, “dá sustento à minha vida a Palavra do Senhor” (1ª estrofe do hino 383 da Harpa Cristã).

Somente haverá um genuíno e autêntico crescimento espiritual numa igreja local, um real avivamento se houver a demonstração do amor divino acompanhada do ensino da Palavra de Deus.

– O forte na fé não pode julgar o fraco na fé, porquanto o fraco é servo de Deus e não do forte.

 É “servo alheio”, diz o apóstolo e, portanto, assim como, nos dias de Paulo, jamais alguém poderia julgar ou fazer qualquer coisa com um escravo de outra pessoa, mas só com os seus, de igual modo não podemos julgar ou tomar qualquer atitude com relação ao irmão, ainda que “fraco na fé”, pois ele não é servo da igreja local, nem tampouco dos que estão a governar a igreja local, mas, sim, servo de Deus.

– Esta afirmação do apóstolo mostra, claramente, que, na verdadeira e genuína igreja de Cristo, não há superioridade entre irmãos, não há mediação de crentes no relacionamento entre Deus e cada salvo, a desmentir, portanto, as doutrinas que acabaram surgindo na própria Roma, ao longo dos séculos, que criaram uma “classe sacerdotal” que faz a mediação entre Cristo e os fiéis, ditos “leigos”.

A Igreja não é “medianeira” entre o cristão e Jesus, como defende a Igreja Romana, por exemplo. Se fosse assim, poderiam os “fortes” julgar os “fracos”, mas não é o que ensina o apóstolo.

Não tem, portanto, qualquer respaldo bíblico ideias como a de que deve haver confissão de pecados a sacerdotes, que teriam o poder de absolver os fiéis dos seus pecados, nem tampouco que se devam frequentar “encontros” para que líderes “transmitam unção” a outros chamados para liderar, como defendem os gedozistas.

O relacionamento entre Deus e o cristão é mediado tão somente por Jesus Cristo, tanto que ninguém pode julgar o outro. Foi Jesus quem morreu e é Senhor dos vivos e dos mortos.

É Cristo quem julgará os salvos perante o Seu tribunal (Rm.14:9-12).

III – O COMPORTAMENTO EXIGIDO DO FORTE EM RELAÇÃO AO FRACO

– Receber o fraco, instruí-lo e não julgá-lo são as atitudes que o apóstolo requer dos fortes em relação aos fracos na fé.

 Mas isto não é tudo. Paulo diz que, além disto, o forte tem de demonstrar o seu amor fraternal em relação ao fraco na fé e esta demonstração diz respeito ao “propósito de não pôr tropeço ou escândalo ao irmão” (Rm.14:13), texto reproduzido tanto pela Bíblia na Linguagem de Hoje quando na Versão Almeida Fiel e Corrigida.

 O que significa isto? A Bíblia Viva, em sua versão parafraseada, foi muito feliz ao considerar que está conduta consiste em “procurar viver de tal modo que nunca façam um irmão tropeçar, se vir vocês fazerem alguma coisa que ele pensa que está errada” (Rm.14:13 BV) ou, na versão da Nova Tradução da Linguagem de Hoje, “cada um de vocês resolva não fazer nada que leve o seu irmão a tropeçar ou cair em pecado”.

– No relacionamento do forte com o fraco na fé tem de haver um objetivo, um propósito, uma finalidade que se sobrepõe às outras, como dá a entender, aliás, a palavra “antes” em Rm14:13, que traduz a palavra grega “mallon” (μαλλον), cujo significado é “muito mais”, “agora mais do que nunca”.

O que deve nortear, orientar o relacionamento de um crente com o outro é se a sua conduta será, ou não, motivo para que o seu irmão tenha problemas espirituais em virtude de nosso comportamento.

– Existe, portanto, uma dimensão horizontal na nossa conduta.

 Não basta que aquilo que façamos tenha a aprovação divina. Não é suficiente que tenhamos a convicção interna de que a nossa atitude, o nosso agir está de acordo com a vontade do Senhor.

Isto é fundamental mas não abrange toda a dimensão de nossa vida espiritual.

Além de termos a aprovação divina, faz-se mister que o nosso agir não traga problemas espirituais aos fracos na fé, aos nossos irmãos que ainda não têm o mesmo nível de espiritualidade que o nosso e que, ao nos observarem, poderão ter problemas no seu relacionamento com Deus.

– Ter o propósito de não pôr tropeço ou escândalo ao irmão é tomar atitudes que, sabidamente, em nada representam no tocante à santificação, mas que promovem a edificação espiritual do fraco na fé, que não lhe trazem problemas e que contribuem para o seu progresso espiritual. Esta atitude é reveladora de força espiritual por parte daquele que tem mais maturidade espiritual, pois mostra o quanto ele está consciente da sua responsabilidade como membro do corpo de Cristo e de seu amor para com a alma do seu irmão na fé.

– O amor divino que nos foi derramado pelo Espírito Santo faz-nos superar a discussão entre o “certo” e o “errado”, o “proibido”, o “permitido” e o “obrigatório”, para passarmos a agir com base naquilo que é “edificante”, que “promove o crescimento espiritual da igreja local” e o que é “tropeço” ou “escândalo”.

– Percebamos que o “tropeço” em si não é um mal. Pelo contrário, a Bíblia, por diversas vezes, chama ao Senhor Jesus de “pedra de tropeço” ou “rocha de escândalo” (Is.8:14; Rm.9:32,33; I Pe.2:8), precisamente porque foi Ele o motivo pelo qual os judeus que O rejeitaram tiveram sua queda espiritual, pois é a incredulidade em Cristo que lhes impede de alcançar a salvação de suas almas (Hb.3:19).

 Assim, o “tropeço” não é mau em si, mas a causa pela qual as pessoas perdem a salvação.

Ora, tal papel está destinado única e exclusivamente a Cristo, pois Ele mesmo disse que veio ao mundo para salvá-lo e “quem Me rejeitar a Mim e não receber as Minhas palavras já tem quem o julgue: a palavra que tenho pregado, essa o há de julgar no último Dia”.(Jo.12:39).

– Diante disto, não pode um filho de Deus ser o motivo para o tropeço de algum outro coerdeiro de Cristo.

Como podemos nos arrogar o lugar única e exclusivamente destinado a Cristo, o de juiz e critério de julgamento de cada ser humano, motivando a queda de uma pessoa que foi igualmente redimida por Jesus como nós? Como podemos ser instrumento para a queda espiritual de alguém?

– Certa feita, o Senhor mostrou a gravidade da situação de quem se arvora no direito de ser instrumento da queda e do tropeço de algum salvo.

 “…Ai daquele homem por quem o escândalo vem!…”(Mt.18:7 “in fine”), porque “qualquer que escandalizar um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar.” (Mt.18:6), ou, para usar a Nova Tradução na Linguagem de Hoje, “seria melhor para essa pessoa que ela fosse jogada no lugar mais fundo do mar, com uma pedra grande amarrada no pescoço”.

– “Escândalo” é palavra de origem grega, “skandalon” (σκανδαλον), que era uma pedra ou um obstáculo que fazia alguém tropeçar ou cair e, por isso, passou a ter o significado de “fato ou acontecimento que contraria e ofende sentimentos, crenças ou convenções morais, sociais ou religiosas estabelecidas”, “indignação, perplexidade ou sentimento de revolta provocados por ato que viola convenções morais e regras de decoro” ou, ainda, “aquilo que pode levar a erro, a mau procedimento ou a pecado” bem como “ato que envolve desordem, tumulto, quebra de uma ordem estabelecida”.

– O crente deve evitar, a todo custo, que seu comportamento gere estes sentimentos no meio da igreja local a que pertence, no meio da comunidade evangélica a que pertence, ainda que o seu ato ou gesto não represente, em termos de santificação, coisa alguma.

Assim, por exemplo, entrar um homem em um templo sem camisa, de peito à mostra, é um ato que, por si só, não representa qualquer coisa em termos do relacionamento entre Deus e o salvo, vez que o porte de uma camisa é algo totalmente irrelevante em termos de pecado.

Mas, à evidência, se algum irmão em Cristo assim se comportar, causará uma contrariedade, uma indignação, perplexidade, que configurará o ato como um escândalo, com grande potencial para fazer os demais irmãos em Cristo pecarem.

Este ato, portanto, que não é pecaminoso em si, tornar-se-á um verdadeiro “assassínio espiritual” e, nesta perspectiva, será ofensiva à Palavra de Deus, com graves consequências espirituais, como o Senhor nos deixa claro na passagem já mencionada do evangelho segundo Mateus.

– Nos dias em que vivemos, onde campeia o individualismo como conduta no mundo, em todas as áreas, onde se perde a noção de solidariedade e de fraternidade, não são poucos os crentes que acham que não têm qualquer responsabilidade em relação à vida espiritual dos seus irmãos na fé.

Dizem que a salvação é individual e que cada um dará conta de si a Deus e que, portanto, pode fazer o que bem quiser, quando quiser e como quiser, sem que tenha de prestar contas a quem quer que seja. Não é isto, porém, que ensina a Bíblia.

Ainda que seja uma realidade que a salvação é individual e que cada um deverá prestar contas a Deus do que faz por meio de seu corpo, não é menos verdadeiro que somos membros uns dos outros (Rm.12:5; Ef.4:25), que não servimos a Deus isoladamente, mas em grupo e que, por isso, devemos ter como propósito maior na nossa conduta não só o fato de ser a atitude por nós querida permitida pelas Escrituras, mas também levarmos em conta que não podem outros crentes se escandalizarem por causa de nosso comportamento, fracassando na fé em virtude de nossas ações.

– Quando temos esta consciência, seguramente alteraremos, e muito, a nossa conduta, adequando-nos à realidade de nosso grupo social, de nossa igreja local, de nossa denominação, a despeito da existência de pessoas fracas na fé.

Devemos lutar pela edificação espiritual de nossa comunidade, pelo seu progresso espiritual, mas nunca devemos ser instrumentos de escândalo. Não é causando perplexidade, constrangimento, mal-estar ou dissensão que promoveremos o crescimento espiritual do povo de Deus, do nosso irmão na fé, mas, sim, ensinando-o na Palavra e tendo um comportamento apropriado e adequado para não causar o seu tropeço ou o escândalo antes que haja o devido progresso espiritual.

– O reino de Deus não é comida nem bebida, ou seja, não devemos circunscrever a vida espiritual a estas questões sobre aspectos absolutamente irrelevantes no tocante à salvação ou à santificação, como, infelizmente, tem sido a tônica nos nossos dias, onde a proliferação de denominações, ministérios e igrejas locais têm criado um sem-número de discussões e de polêmicas, com o único objetivo de justificar esta ou aquela comunidade, este ou aquele grupo, este ou aquele projeto de poder, mas, sim, justiça, paz e alegria no Espírito Santo.

O objetivo de cada crente deve ser o de promover a justiça, a paz e alegria no Espírito Santo, ou seja, comportar-se de modo que todos se santifiquem cada vez mais, desfrutem da paz e da alegria pela presença de Deus nas suas vidas (Rm.14:17).

– O apóstolo Paulo põe-se entre aqueles que são fortes na fé, pois afirma que está certo de que “estou certo de que, no Senhor Jesus, nenhuma coisa é de si mesmo imunda” (Rm.14:14), mas é o primeiro a dizer que não é andar conforme o amor contristar o irmão por causa da comida (Rm.14:15). Por isso, ao chegar a Jerusalém, pouco antes de ser preso (e, portanto, depois de ter escrito a carta aos romanos), o apóstolo tomou a iniciativa de, apesar de seu conhecido ensino a respeito da lei, aceitou de bom grado participar do ritual de purificação no templo, inclusive no que se refere a devida oferta (At.21:26,27), tudo isto fazendo para que não causasse constrangimentos e escândalo na igreja de Jerusalém, frente ao relato que recebera dos anciãos daquela igreja (At.21:20-22).

– Será que temos procedido desta maneira? Temos sido tolerantes com aqueles que não têm o mesmo nível de espiritualidade e não podem entender que se pode servir a Deus sem a observância de certas regras ou normas, muitas delas criações de homens?

Ou temos sido intransigentes, não aceitando seguir conforme estas normas e regras e, assim, muitas vezes promovendo escândalos no meio da igreja local onde servimos ou onde agimos deste modo?

Temos procurado criar um ambiente de justiça, paz e alegria no Espírito Santo, ou, pelo contrário, temos criado dissensões, porfias, debates, polêmicas sem fim?

– Quantos temos rejeitado porque não aceitam nossos costumes? Quantos temos escandalizado por causa dos nossos costumes?

Temos servido com o propósito de não pôr tropeço nos nossos irmãos, ou somos pessoas que se alegram com os fracassos espirituais causados pela nossa soberba, pela nossa autoconfiança, pela nosso sentimento de autossuficiência, pela nossa “santarronice”?

 Será que não temos nos posto, diante de Deus, numa situação pior do que o daquele que se lança no mais profundo do mar com uma pedra amarrada no pescoço?

– Não devemos ficar debatendo, em polêmicas sem fim, a respeito desta ou daquela regra, deste ou daquele costume, mas devemos nos aprimorar no ensino da Palavra e na observância das condutas dos fracos na fé, para não lhes causar escândalo, enquanto se aprimoram no conhecimento das Escrituras.

Mais cedo ou mais tarde, com o crescimento de todos, tais fraquezas desaparecerão e o fraco dirá que está forte (Jl.3:120 “in fine”), porque se fortalecerá na graça que há em Cristo Jesus (II Tm.2:1).

– O apóstolo é enfático ao afirmar que não podemos destruir a obra de Deus por causa de questões de somenos importância.

Agir de modo a produzir escândalo, ainda que isto não seja em si pecaminoso, é mau diante do Senhor (Rm.14:20).

Por isso, tenhamos muito cuidado com as nossas ações, pois não há apenas um relacionamento entre Deus e o homem, mas também um relacionamento entre os homens, que deve ser tal que produza o bem-estar espiritual de todos os envolvidos.

IV – O COMPORTAMENTO INTERIOR DE CADA SALVO

– Por fim, depois de ter falado a respeito de como devemos nos comportar em relação aos irmãos na fé, diante da diversidade dos níveis de espiritualidade existentes na igreja do Senhor, o apóstolo fala-nos a respeito de como deve estar nosso interior na tomada de decisão pela tomada desta ou daquela atitude.

– É importante que se diga que, ao falar a respeito da tolerância para com os fracos na fé, em momento algum o apóstolo Paulo está referendando um comportamento que o povo acabou denominando de “Maria vai com as outras”, ou seja, da pessoa que não tem personalidade própria e que faz o que os outros fazem única e exclusivamente porque os outros estão a fazê-lo.

– Se existe alguém sobre a face da Terra que não é “Maria vai com as outras” é o salvo em Jesus Cristo, pois, como explica o apóstolo Paulo, o salvo não mais anda “segundo o curso deste mundo” (Ef.2:2,3).

Ser crente é, na verdade, “navegar contra a correnteza”, “remar contra a maré”, pois temos valores, convicções, crenças e posturas absolutamente contrárias ao do mundo sem Deus e sem salvação.

– Portanto, quando o apóstolo diz que o forte deve ter ações que estejam de acordo com as concepções do fraco na fé, de modo a não lhe causar tropeço ou escândalo, não está, de modo algum, dizendo que o forte deve se submeter aos conceitos débeis e equivocados do fraco, mas, sim, que o forte tem de estar consciente de que o fraco precisa crescer espiritualmente, não pode cair e, por isso, é necessário que, enquanto ele não cresça, não se tomem atitudes que possam promover a sua queda.

– O forte na fé, assim, não é “maria vai com as outras”, pois tem plena convicção de que sua atitude não contraria a Palavra de Deus e, portanto, não é pecado.

Tomou a decisão de tomar aquela atitude porque tem consciência de sua pureza. Como diz o apóstolo, o forte sabe, perfeitamente, que aquele gesto, feito no Senhor Jesus, não é em si pecaminoso.

É uma pessoa que tem convicção, uma pessoa que tem comunhão com Deus, uma pessoa que tem certeza, uma pessoa que tem segurança.

Por isso, diz o apóstolo: “cada um esteja inteiramente seguro em seu próprio ânimo” (Rm.14:5 “in fine”-ARC. Na AFC, “em sua própria mente”), ou, na Versão Almeida Revista e Atualizada, “cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente” ou, na Tradução Brasileira, “esteja cada um plenamente convencido em sua mente”, ou, na Nova Tradução na Linguagem de Hoje, “cada um deve estar bem firme nas suas opiniões”.

– Antes de tomar a decisão sobre a correção desta ou daquela conduta, portanto, o forte na fé, a pessoa espiritualmente madura refletiu sobre a questão, pesquisou e examinou a Palavra de Deus e, num exercício não somente intelectual, mas também numa busca a Deus e à orientação do Espírito Santo, meditou dia e noite nas Escrituras antes de formular a sua opinião, que não é uma simples opinião, mas uma “firme opinião”, uma “opinião bem definida em sua própria mente”.

É preciso haver uma convicção plena, como adianta a Nova Versão Internacional (“plenamente convicto em sua própria mente”) ou a Bíblia na Linguagem de Hoje (“inteiramente convicto em sua própria mente”).

– O próprio apóstolo é a prova desta postura quando afirmou que sabia e estava certo de que nenhuma coisa é de si mesma imunda (Rm.14:14a), expressão que a Versão Almeida Revista e Atualizada traduz por “eu sei e estou persuadido no Senhor Jesus”, também reproduzida pela Tradução Brasileira.

Nesta expressão fica bem claro que o apóstolo, para chegar a esta conclusão, não só usou das faculdades mentais (sei) como também se deixou orientar pelo Espírito Santo (sou persuadido), mostrando que se tratou de uma busca incessante da presença de Deus para chegar a uma conclusão.

Não se trata, portanto, de um mero repetir, de uma simples observância irrefletida de um costume ou de uma tradição, mas de uma postura bem pensada e que revela uma vida de comunhão com o Senhor.

 A propósito, é assim que consta na Nova Tradução na Linguagem de Hoje: “Por estar unido com o Senhor Jesus, eu estou convencido de que nada é impuro em si mesmo.”.

– O crente precisa, portanto, ter plena convicção do que fará ou deixará de fazer, mediante a diuturna meditação na Palavra do Senhor (Sl.1:1,2) e a orientação do Espírito Santo, antes de tomar uma decisão a respeito de uma questão, mesmo sendo ela irrelevante para a salvação ou santificação.

 Esta postura interna de plena convicção é fundamental para que não haja pecado.

O apóstolo é bem claro ao afirmar que “aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé e tudo que não é de fé é pecado” (Rm.14:23).

– Todas as atitudes do cristão devem ser provenientes da sua fé. Como ensina R.N. Champlin, “…não temos aqui uma alusão à fé cristã ‘objetiva’, na forma de um jogo de doutrinas e nem encontramos aqui a ideia da fé que justifica.

Mas está aqui em vista a fé ‘subjetiva’ para o crente individual, ou seja, a sua compreensão sobre o que significa ‘andar segundo o Espírito’, a ‘certeza da orientação dada pelo Espírito de Deus’ em sua conduta moral.

O crente não deve fazer coisa alguma sobre o que a sua consciência não esteja ‘tranquila’…” (CHAMPLIN, R.N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, com. a Rom.14:23, v.3, p.852).

– Se fazemos aquilo que não temos certeza que é a vontade de Deus para as nossas vidas, se não temos uma opinião abalizada a respeito desta ou daquela questão, porque ainda não ouvimos Deus falar a respeito conosco, estaremos, sem dúvida alguma, cometendo pecado, pois estaremos agindo independentemente da vontade do Senhor.

Ora, agir com independência em relação a Deus nada mais é que ofender a Sua soberania, negarmos que a Ele pertencemos desde o dia em que O aceitamos como Senhor e Salvador e, por isso, temos uma ação de desobediência, de insubordinação, que é o pecado.

– Mas, também, quando agirmos sem a orientação divina, também demonstramos não ter confiança em Deus, não crermos que Ele está ao nosso lado e que Sua orientação é sempre para o nosso bem.

 Deste modo, também agimos por incredulidade e, uma vez mais, teremos a caracterização de tal gesto como pecado.

Martinho Lutero é claro ao mostrar que, quando agimos por conta própria, demonstramos uma autoconfiança que é incompatível com o comportamento de um servo de Deus.

O servo tem Senhor, não age por sua conta e risco, mas por conta e risco do seu Senhor. É por isso, aliás, que o apóstolo enfatiza que “nenhum de nós vive para si e nenhum morre para si.

Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, ou vivamos ou morramos, somos do Senhor” (Rm.14:7,8).

 É isto uma realidade na nossa vida?

Se agimos por nossa própria conta e risco, se não provém da fé o que fazemos, pecamos, pois não tornamos realidade o fato de que passamos a ser propriedade do Senhor, como, aliás, Paulo se identificou no início da epístola aos romanos (Rm.1:1).

– Pensemos na realidade da necessidade de termos plena convicção e segurança antes de agirmos neste ou naquele sentido e, certamente, ao assim vivermos, não só cresceremos espiritualmente, mas seremos instrumento para o crescimento dos nossos irmãos na fé, e, por conseguinte, de toda a igreja do Senhor. Que assim seja!

Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco

Site: www.portalebd.org.br

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