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LIÇÃO 4 – DAVI E O TEMPO DE DEUS EM SUA VIDA – 2009

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A fase da perseguição foi uma escola indispensável para que Davi se tornasse um rei segundo o coração de Deus.

INTRODUÇÃO

– Analisaremos, nesta lição, o período da vida de Davi entre a fuga de sua casa para não ser morto por Saul até a morte de Saul, o chamado “período da perseguição”, um período extremamente penoso para Davi, mas que foi fundamental para seu amadurecimento espiritual, que o tornasse o grande rei que foi.

– Assim como a perseguição de Davi forjou o seu caráter para lhe dar condições de reinar, do mesmo modo as inevitáveis aflições deste mundo (Sl.34:19; Jo.16:33; At.14:22) têm o objetivo de nos tornar espiritualmente maduros para que tenhamos estatura suficiente (Ef.4:12,13) para que venhamos a nos assentar no trono de Jesus Cristo e com Ele reinar eternamente (Ap.3:21).

I – DAVI FOGE DE CASA E VÊ FRUSTRAREM-SE SUAS ESPERANÇAS DE TORNAR À CORTE DE SAUL

– Na lição anterior, deixamos Davi numa situação extremamente difícil. Avisado por sua mulher Mical de que o rei Saul mandou guardas para prendê-lo de noite para que não pudesse escapar e fosse morto pelo próprio rei ao amanhecer. Davi teve de fugir pela janela da casa, com a roupa do corpo, perdendo, num só instante, sua casa, sua família, seus bens e sua posição.

Iniciava-se um novo tempo na vida de Davi, que, para ele, era inimaginável, pois, como genro do rei e gozando da amizade e simpatia de Jônatas, o príncipe herdeiro, muito bem podia ter achado que assumir o trono de Israel, como Deus lhe havia prometido, era apenas questão de tempo, o tempo da vida de Saul.

– É interessante notar que, embora a narrativa nos mostre um Davi que sai apressadamente da janela da sua casa, o contexto não é de um homem desesperado e que não sabe o que fazer.

Davi tinha o Espírito Santo e as Escrituras nos revelam que, em sendo informado por Mical da trama de Saul, Davi não “perdeu a cabeça”, mas, sim, foi buscar a Deus e neste instante de adoração, foi elaborado o Salmo 59, quando clamou a proteção divina e pede que o Senhor lhe faça justiça.

Davi pede a Deus misericórdia e manifesta sua confiança em que, pela manhã, ainda louvaria ao Senhor. Não temos, pois, como deixar de crer que a ideia de Mical para ludibriar os soldados e propiciar a fuga de Davi foi uma estratégia que representou a resposta de Deus ao clamor do salmista, que surgia ali, na hora da dificuldade.

– Neste salmo, ademais, Davi se apresenta como profeta, porque o Salmo 59, como bem retrata o pastor Aldery Nelson Rocha, em sua Bíblia Revelada, que está no prelo, é um salmo messiânico, ou seja, um salmo que profetiza sobre o Messias, onde se antevê a oposição que o Senhor Jesus passaria, durante o Seu ministério terreno (particularmente no terceiro ano, o chamado “ano da oposição”, que é tipificado pela “fase da perseguição” na vida de Davi), por parte dos fariseus, saduceus, sacerdotes e anciãos de Israel.

– Desde o início desta terrível fase da vida de Davi, pois, vemos o propósito divino de não apenas preparar um líder que tivesse condições de reinar sobre Israel segundo a vontade de Deus (algo que jamais Davi aprenderia com o dia-a-dia na corte de Saul), como também começar a usar Davi como salmista e profeta, como um homem a ser usado pelo Espírito Santo para a continuidade da revelação da vontade divina à humanidade.

– A provação divina, inexplicável aos nossos olhos, tem sublimes propósitos para o homem que serve a Deus. Jó, mesmo, antes de ter virado o seu cativeiro, compreendeu que todo seu sofrimento o havia aproximado de Deus de modo singular (Jó 42:1-6)e, como o nosso Deus não muda, é este o Seu trabalhar na vida de cada um de nós (Jr.29:11; Rm.8:28,29). O objetivo divino é nos preparar para a vida eterna, para o convívio sempiterno com o Senhor na cidade santa (Ap.21:3) e, para tanto, são necessárias as aflições para o nosso aprimoramento espiritual.

– Por isso, profundamente maligna e satânica a pregação da teologia da prosperidade e da sua irmã, a confissão positiva, que tem invadido os nossos púlpitos nestes dias trabalhosos, porque induzem o povo de Deus a rejeitar toda tribulação e aflição nesta vida, cuidando que isto seja falta de fé e de comunhão com Deus, quando, na verdade, é um meio indispensável para o nosso amadurecimento e crescimento espirituais, através dos quais poderemos chegar aos céus. Fujamos destes paroleiros enganadores!

– Saindo da sua casa pela janela, só com a roupa do corpo, casa que se situava em Gibeá de Saul, onde ficava a corte real (I Sm.15:34), Davi não teve outro lugar para ir senão para Ramá, onde ficava Samuel, que ainda vivia(I Sm.19:18). Gibeá e Ramá não eram distantes.

Ramá ficava cerca de 9km ao sul de Jerusalém e Gibeá, 5km ao norte de Jerusalém. Ao buscar a ajuda e orientação de Samuel, Davi mostra, uma vez mais, a sua qualidade de servo de Deus. Davi não ousou se desesperar nem fazer coisa alguma antes de consultar o profeta, o homem de Deus.

Isto não significa que, em nossa dispensação, em que todos nós temos o Espírito Santo, devemos, nas dificuldades da vida, “consultar profetas”, como, lamentavelmente, muitos estão a fazer, inclusive “ex-videntes” que continuam com suas adivinhações, só que agora sob a roupagem de servos do Senhor, enganando os que cristãos se dizem ser.

Este gesto de Davi ensina-nos que, no meio das dificuldades, devemos correr aos pés de Jesus, o autor e consumador da nossa fé, que nos orientará como devemos agir.

– A ida de Davi a Ramá e seu encontro com Samuel tem um grande significado espiritual. Samuel, o homem de Deus, o profeta e juiz que havia dado a Israel a noção de consciência nacional, nunca mais seria visto por Saul (I Sm.15:35).

O fato de Davi poder ter ido ao seu encontro e de Saul nunca mais ter tido esta oportunidade é uma figura do acesso que o filho de Deus tem ao Senhor, acesso este proporcionado pelo sacrifício de Cristo no Calvário (Hb.10:19-22), enquanto que é uma demonstração de que os pecadores não podem se aproximar do Senhor (Is.59:1,2).

Qual é o nosso estado: o de Davi, com pleno acesso ao Senhor, a quem o Senhor revela os Seus segredos (Am.3:7) ou o de Saul, que não pode sequer ver ao Senhor, porque não anda segundo a Palavra de Deus (Is.8:20)? Pensemos nisto!

– Davi tudo contou a Samuel e Samuel levou Davi de Ramá para Naiote, onde ficava a “escola dos filhos dos profetas”, ou seja, um grupo de jovens que estudava a Palavra de Deus e se dedicava às coisas do Senhor, surgida nos dias de Samuel, precisamente com o objetivo de impedir que o povo de Israel ficasse sem conhecer a Deus e retornasse ao período de instabilidade da época dos juízes (I Sm.19:20).

Naiote, segundo alguns estudiosos, era apenas um local em Ramá, um ponto da colina onde se localizava Ramá (o outeiro mencionado em I Sm.10:5), onde Samuel exercia as funções de presidente daquele grupo de estudo da Palavra do Senhor.

– Como não faltavam os aduladores do rei, logo Saul soube que Davi havia ido até Ramá e se encontrava na companhia de Samuel. Saul, então, mandou mensageiros para que prendessem Davi e referidos mensageiros, em vez de prenderem Davi, acabaram profetizando juntamente com os profetas.

Saul, ao saber disto, mandou outros mensageiros, tendo eles, também, profetizado. Saul, então, decidiu ele mesmo ir até o local, mas, quando estava em Sucu, ao perguntar sobre o paradeiro de Samuel e de Davi, o Espírito do Senhor também veio sobre ele e Saul começou a profetizar até chegar a Ramá, não tendo cessado de profetizar, inclusive chegando a despir os seus vestidos, dando, mais uma vez, também ocasião para que se consolidasse o provérbio israelita: “Está também Saul entre os profetas?” (I Sm.19:19-24).

– Muitos ficam surpresos com esta passagem bíblica, pois veem que mensageiros mandados por Saul e o próprio Saul, já rejeitado pelo Senhor, são tomados pelo Espírito Santo e profetizam, sem que tivessem condições espirituais para tanto. Chegam, mesmo, a questionar o texto bíblico, como se pudéssemos desdizer aquilo que foi mandado escrever pelo Espírito Santo.

As profecias feitas pelos mensageiros e depois pelo rei Saul não tinham outro propósito senão o de livrar Davi das mãos do rei. Foi uma intervenção sobrenatural de Deus para salvar e livrar o Seu ungido.

Foi uma demonstração da soberania divina, que não deve ser utilizada para que alguém defenda que ímpios possam ter o dom espiritual de profecia, por exemplo.

Deus ouviu o clamor de Davi no Salmo 59 e, diante da situação, para livrar tanto Davi quanto Samuel da fúria de Saul, usou de um estratagema que, aliás, era muito conhecido do rei, que também havia profetizado, quando retornava para sua casa, após ter sido ungido por Samuel (I Sm.10).

– Saul desmoralizou-se diante de todos, pois, inclusive, chegou a despir os seus vestidos, tendo, ainda, demonstrado estar completamente inconsciente ao profetizar, visto que, estando Samuel presente, não notou a sua presença, pois, como havia sido dito, nunca mais veria o rosto de Samuel.

Tanto Samuel quanto Davi saíram de Naiote sem que fossem sequer percebidos por Saul. Assim, a manifestação sobrenatural do Espírito Santo não tinha outro propósito senão o de livrar Davi e Samuel, nada mais do que isto, não podendo, pois, servir de parâmetro para quaisquer ilações com relação às manifestações sobrenaturais da Igreja.

– A propósito, o que esta passagem nos ensina em termos de manifestações sobrenaturais na Igreja é que nada que Deus faça para edificação espiritual dos crentes (e é este o objetivo da manifestação dos dons espirituais – I Co.14:1-3) é “sem controle”, irracional ou confuso.

Saul profetizou e até chegou a ficar nu porque não havia propósito divino outro senão o livramento de Davi e Samuel.

Todas aquelas profecias e barulhos não trouxeram qualquer edificação aos seus participantes, porque seus participantes não eram vasos de Deus, mas, sim, homens despidos de qualquer compromisso com Deus.

Quaisquer manifestações sobrenaturais que carreguem este mesmo nível de irracionalidade e confusão são, portanto, próprias e adequadas para os que não têm acesso a Deus, para os “Sauis”, não para os “Davis”, para aqueles que são chamados por Deus pelo Seu decreto. Saul nunca se confunde com os verdadeiros e genuínos profetas. Lembremos sempre disto!

– Davi, então, deixa Naiote e vai ao encontro de Jônatas, o seu fiel amigo, a fim de tentar uma forma de aplacar a ira de Saul. Não sabemos o que Samuel disse a Davi, mas, muito provavelmente, o velho profeta deve ter confirmado a Davi que ele sucederia a Saul no reino e que deveria perseverar em servir ao Senhor que, a Seu tempo, o poria no trono de Israel.

Davi, então, entra em contato com Jônatas, querendo saber qual era a sua culpa, visto que nada havia feito para merecer a morte (I Sm.20:1).

– Jônatas, a princípio, não acreditou que Saul quisesse matar Davi, mas, ante as evidências apresentadas por este, aceitou mediar o conflito aberto entre Davi e Saul, inclusive verificando se, realmente, Saul queria matar Davi. Assim, combinaram que Jônatas sentiria o coração do rei

durante as solenidades da lua nova, ou seja, as cerimônias estabelecidas pela lei pelo início de cada mês (Nm.28:11-15), o chamado “Rosh Chodesh”.

OBS: “…A tradição emprestava ao Rosh Chodesh, assim como ao Sabath, uma grande dose de santidade. Na era do Primeiro Templo, ele era celebrado com sacrifícios e orações especiais e com a interrupção de todo trabalho. Sabemos que esse feriado era observado já na época do rei Saul, pois que ele é mencionado em I Samuel 20:18-24.…” (AUSUBEL, Nathan. Rosh Chodesh. In: A JUDAICA, v.6, p.731).

– Saul, porém, tinha já arquitetado matar Davi durante esta solenidade, visto que não cria que fosse faltar a uma cerimônia religiosa, sabedor que era da fidelidade de Davi à lei.

No entanto, como Davi dissera a Jônatas, este pôde descobrir o que havia no interior do coração do rei. Após ter ficado calado no primeiro dia, achando que Davi não estava ritualmente puro, no segundo dia, ao perguntar por Davi e ao receber a resposta de Jônatas de que o havia deixado ir a Belém para participar de uma cerimônia familiar (o que era mentira), Saul se enfureceu e exigiu de Jônatas uma posição a favor da morte de Davi, até para assegurar a sucessão do trono para si.

Ao tentar defender Davi, Jônatas quase foi morto por Saul, que lhe atirou a lança, tendo, então, Jônatas compreendido que não havia mais qualquer chance de Davi retornar à corte (I Sm.20:25-34).

– No dia seguinte, como combinado, Jônatas encontrou-se com Davi e ambos choraram muitos, pois ali se separaram, embora a amizade entre ambos tenha perdurado para além da vida de Jônatas. Ambos prometeram ajudar-se mutuamente e cuidar da descendência de cada qual.

Aqui, mais uma vez, o texto bíblico mostra que o amor entre Jônatas e Davi era um amor sublime, um amor provindo da parte de Deus, um “amor de alma” (I Sm.20:17), que nada tem a ver com a abominável blasfêmia propaladas nestes nossos dias que procura ver neste episódio um relacionamento homossexual masculino.

– Davi chegava à conclusão de que não havia mais lugar para ele na corte do rei Saul. Como entender isto, se Deus o havia escolhido para reinar sobre Israel e ele era genro do rei? Não é na corte de Saul que aprenderemos a servir a Deus.

Não é com o poder deste mundo, com a fama deste mundo, com os recursos deste mundo que nos adestraremos para viver na Jerusalém celestial. Para o ungido de Deus não há lugar na corte de Saul. Nunca nos esqueçamos disto!

II – DAVI TENTA MAS NÃO CONSEGUE APOIO SEJA ENTRE OS SACERDOTES, SEJA MESMO ENTRE OS FILISTEUS

– Samuel e Jônatas não tinham podido apoiar e ajudar Davi. O jovem fugitivo, então, diante desta situação, resolve ir para Nobe, cidade sacerdotal da tribo de Benjamim, bem próxima de Jerusalém, onde se encontrava, na ocasião, parte dos utensílios sagrados do tabernáculo.

Ali buscou ajuda junto a Aimeleque, que, entendem os estudiosos, era o mesmo Aías de I Sm.14:3, ou seja, o sumo sacerdote daqueles dias.

– Bem notamos a inclinação piedosa de Davi. Após ter ido consultar-se com Samuel e de ter, sem êxito, retornado à corte real por meio da intervenção de Jônatas, Davi vai ao encontro do sumo sacerdote.

Era um homem disciplinado, que bem conhecia sua posição no meio do povo de Deus e as autoridades constituídas pelo Senhor sobre o Seu povo. Busca os ungidos, não os rebeldes nem aqueles que lhe poderiam formar um exército para assumir o trono.

Será que temos nos comportado desta maneira, submissos às autoridades, mesmo quando sabemos ter sido chamados para, no tempo de Deus, dirigirmos uma parcela da Igreja do Senhor?

– Ao chegar a Nobe, Davi, entretanto, para conseguir alguma ajuda da parte do sumo sacerdote, mentiu, mentira esta que ocasionaria grande transtorno. Ao ser indagado por Aimeleque

porque estava sozinho, ele que era chefe de mil, Davi disse que estava num serviço secreto da parte do rei e que se fazia acompanhar de poucos homens, que estavam, pela natureza da missão, espalhados. Faminto, desarmado, Davi, então, pediu a Aimeleque cinco pães ou que se achasse para comer. Que situação a de Davi: sozinho, fugitivo e faminto! Que situação para alguém a quem tinha sido prometido o trono de Israel!

– Aimeleque disse que não tinha pão para Davi, a não ser os pães da proposição, que haveriam de ser trocados naquele dia, o que nos faz perceber que o dia deste encontro era um sábado, pois no sábado é que eram trocados os pães da proposição (Lv.24:5-9). Tais pães só podiam ser consumidos pelos sacerdotes, mas, diante da história contada por Davi, o sacerdote aceitou fornecer-lhes cinco pães dentre os que seriam substituídos, desde que eles estivessem ritualmente puros, inclusive não tendo mantido relações sexuais (I Sm.21:5,6).

– Após ter se alimentado, Davi pediu ao sacerdote que lhe desse alguma arma, tendo, então, Aimeleque lhe dado a espada de Golias, a única arma que ali estava, arma esta que Davi havia dedicado ao Senhor (I Sm.21:8,9). Todo este movimento, porém, foi observado por Doegue, um edomita, o principal pastor de Saul (I Sm.21:7).

– Na sua extrema necessidade, Davi mentiu e fez o sacerdote Aimeleque quebrar uma norma da lei de Moisés. Sem dúvida, uma atitude indigna da parte de quem servia a Deus.

Nem Davi poderia ter mentido, nem tampouco Aimeleque poderia ter dado os pães da proposição para Davi, que sacerdote não era.

Este episódio não poderia ficar sem a devida punição divina e o resultado é que Doegue contou a Saul o que havia ocorrido e o rei foi a Nobe, onde matou 85 sacerdotes, como também quase toda a população da cidade, numa matança sem precedentes na história de Israel, e que serviu para mostrar a todo o povo a impiedade do seu rei, o monstro horrendo em que Saul havia se tornado (I Sm.22:6-19).

– Saul acusou Aimeleque de ter consultado a Deus a pedido de Davi, como também de iniciar uma conspiração com Davi, sendo que o sumo sacerdote nem sabia que Davi havia caído em desgraça diante de Saul. Saul não quis saber das justificativas de Aimeleque e exterminou sua casa, tendo escapado apenas Abiatar. Apesar de toda a brutalidade de Saul, o fato é que o episódio acabou por trazer cumprimento a uma profecia de Samuel, a respeito da casa de Eli.

– O fato, porém, é que a mentira de Davi e a quebra da lei da parte de Aimeleque deram ocasião para que Saul promovesse essa grande matança e complicasse ainda mais a situação de Davi, pois o ódio do rei tornou-se público, incompatibilizando, de uma vez por todas, Davi diante do povo de Israel.

Não bastasse sua situação de penúria, agora Davi era aborrecido pelo seu próprio povo, o povo que ele iria reinar. Como suportar uma circunstância tão adversa como esta, diante das promessas de Deus?

Não era fácil e Davi, antes mesmo desta matança, mas tendo observado que Doegue o vira, percebeu que o sumo sacerdote não o podia ajudar, até porque até para alimentá-lo teve de violar a lei, decidindo, então, Davi partir em direção a Gate, cidade dos filisteus, a fim de tentar a ajuda dos inimigos de Saul.

– Vemos aqui uma fraqueza espiritual em Davi. A situação de aflição era tanta que Davi acabou por mentir ao sumo sacerdote, por se alimentar dos pães da proposição, violando a lei e decidir partir para Gate, cidade dos filisteus, dos incircuncisos que nenhum compromisso tinham com Deus.

Por isso, entraria em situação extremamente difícil, seja entre os filisteus, seja com o próprio povo de Deus. Davi não procurou orientação divina. Nem sequer pediu que o sumo sacerdote consultasse a Deus por meio do éfode (Urim e Tumim), mas resolveu tudo fazer com base em sua experiência guerreira.

Tendo alimento e arma, achava que poderia se safar de Saul indo até a terra dos filisteus.

– Quantas vezes também não agimos desta maneira? Quantas vezes, também, não comemos dos pães da proposição? Não é um bom caminho este, qual seja, o da lógica humana e do “jeitinho próprio” para tentar se esquivar das aflições, perseguições e tribulações da vida.

Não é mentindo aos ministros do Senhor, deles conseguindo alguma vantagem ilícita, nem buscando as armas carnais que conseguiremos a vitória.

O que arrumaremos com uma atitude desta será tão somente a queda dos que tentarem nos ajudar, o aborrecimento do povo de Deus em relação a nós e situações extremamente difíceis em que só a mão de Deus poderá nos livrar das mãos do inimigo.

Não ajamos como Davi, mas, antes, busquemos a direção e orientação divinas, para que não venhamos a ser surpreendidos com as consequências de nossas precipitações.

– Ao analisar este episódio, o Senhor Jesus não viu apenas a quebra da lei e um erro da parte de Davi, mas, também, mais um exercício da misericórdia divina. Aimeleque deu os pães da proposição para Davi, mas não foi por isso que foi morto por ordem de Saul.

Se sua morte tivesse sido por este episódio, poder-se-ia dizer que ela teria sido legítima, mas, na verdade, Aimeleque foi morto por ter supostamente consultado a Deus em favor de Davi, o que não ocorreu. Como sumo sacerdote, deveria, mesmo, ter feito esta consulta a Deus, deveria ter pedido a orientação divina para saber o que fazer.

O aspecto ritual foi deixado em segundo plano, e acertadamente, como nos ensina o Senhor Jesus. A quebra da lei ali se fez por amor a alguém que se apresentava necessitado e faminto, foi um exercício de misericórdia, que triunfa sobre o juízo. Jesus disse que, neste episódio, vemos a grandeza do amor de Deus ao homem, que põe o homem, a pessoa humana acima até das normas da lei (Mt.12:1-8; Mc.2:23-28).

Assim como Deus havia feito profetizar homens ímpios para livrar Seu servo das mãos de Saul, também permitiu que comesse os pães da proposição e o sumo sacerdote não fosse punido por isso, para que se mantivesse com vida em meio a tamanha perseguição. Será que temos a mesma misericórdia divina em relação aos que nos rodeiam?

– Sem condições de ser ajudado pelo sumo sacerdote e com a espada de Golias, Davi resolve ir até Gate, a fim de ali tentar encontrar refúgio. Davi apresentava-se desorientado.

Como conseguir apoio no meio dos seus piores inimigos e ainda ostentando a maior prova de sua inimizade para com aquele povo, a espada do seu ex-campeão?

Parece incrível que Davi, já um guerreiro com certa experiência, cometesse tamanho erro de avaliação, achando que conseguiria proteção e guarida em Gate, num momento em que não havia ainda se tornado público o ódio de Saul em relação ao filho de Jessé.

– Quando não buscamos a orientação de Deus, mesmo tendo o Espírito Santo, só fazemos tolices, só nos apresentamos como homens insensatos.

Não podemos confiar em nossas habilidades e experiências pessoais, pois elas somente nos conduzirão para o pior dos mundos possíveis. Assim como Davi, acabaremos tomando a pior decisão, entregar-nos-emos ao inimigo gratuitamente.

Como dizem os ditados populares, “entregar-nos-emos de bandeja, deixaremos o inimigo com a faca e o queijo na mão”. Não podemos dar lugar ao diabo (Ef.4:27) e, para não fazê-lo, não existe outro caminho senão o de sermos guiados pelo Espírito Santo (Rm.8:14; Gl.5:18), pois resistir ao diabo (Tg.4:7) é seguir a trilha dAquele que está a resistir neste mundo contra o mistério da injustiça (II Ts.2:7).

– Ao chegar a Gate, com o objetivo de se apresentar ao rei Áquis, Davi é prontamente reconhecido pelos servos do rei como o “campeão dos israelitas”, aquele que matava os dez milhares, enquanto Saul, apenas os milhares. Mais uma vez, vemos que o louvor surgido do folguedo irresponsável das mulheres iria perturbar a vida de Davi.

– Davi voluntariamente entrara em Gate e se fizera prisioneiro de seus piores inimigos. Estava no palácio de Áquis porque assim tinha querido e não tinha como fugir daquela situação.

Jesus nos promete que ninguém poderá nos arrebatar de Suas mãos poderosas (Jo.10:28,29), mas o Senhor nunca disse que estamos presos a Ele com grilhões inquebráveis. Qualquer um que quiser deixá-l‟O pode fazê-lo (Jo.6:66,67; II Tm.4:10)e não poderá depois reclamar se se encontrar totalmente cercado pelo inimigo, sem condições de se livrar.

– Davi, ao verificar a estultícia que havia cometido, com os comentários nada agradáveis dos servos de Áquis, caiu em si e percebeu que estava fora da direção de Deus.

Neste instante, buscou ao Senhor e elaborou o Salmo 56, um “mictão”, palavra de sentido incerto, mas que alguns estudiosos acham estar relacionado com “expiação”. Parece ser um salmo de expressão de arrependimento, onde Davi pede a misericórdia de Deus, pois sabe que está cercado de inimigos que estão prontos a devorá-lo.

Pede a Deus força para que possa temê-l‟O, reconhecendo assim que estava agindo sem a direção divina, pedindo graça para que pudesse confiar no Senhor. Mesmo sabendo que todos queriam o seu mal ali em Gate, sabia que nada lhe poderia fazer o homem se o Senhor não o quisesse. Relembra-se das promessas de Deus para si e, renovado nelas, confia que, clamando a Deus, seus inimigos retrocederiam, pois, afinal de contas, Deus estava com Davi, que fora escolhido para suceder Saul no trono de Israel.

– Davi, então, é levado ao encontro do rei Áquis e, então, ainda movido pelo Espírito Santo que nele habitava, compõe o Salmo 34. Neste salmo, Davi reafirma a sua disposição de louvar ao Senhor, bem como o de buscá-l‟O para que o livrasse de todos os seus temores. É interessante notar que Davi sentiu medo mas não quis ficar com medo, antes pediu a Deus que tirasse esse medo dele (Sl.34:4).

– Davi admitiu que era um pobre diante do Senhor (Sl.34:6). Não porque só estava com a roupa do corpo, tinha se alimentado apenas de pães da proposição ou, ainda, tivesse como arma apenas a espada de Golias. Mas porque aprendeu que tinha de pedir a orientação de Deus para bem se conduzir.

Encontrava-se em extremo aperto porque não havia buscado a presença do Senhor. No Salmo 40, também, Davi se afirmará pobre e necessitado (Sl.40:17), embora tudo indique que, ao fazer este salmo, já estivesse no trono.

Não importa, rico ou pobre materialmente falando, o homem tem de reconhecer que sempre é pobre espiritualmente, pois dos tais é o reino dos céus (Mt.5:3). Se não reconhecermos que dependemos inteiramente de Deus, jamais poderemos servi-l‟O.

– Davi reconheceu que somente quem teme a Deus tem condições de se livrar das enrascadas da vida (Sl.34:7-11) e que a vida longa depende da guarda da nossa língua do mal e do engano dos lábios (Sl.34:12,13).

Davi reconhecia que se encontrava naquela situação difícil por causa da sua mentira e de um desejo de vingança, que o levara até os inimigos de Saul. Deus, porém, não Se agradara daquilo que havia feito, pois Ele ama os justos, os santos, os tementes e é a eles que dá livramento (Sl.34:17-19,22), cabendo ao Senhor o “acerto de contas” (Sl.34:21).

OBS: Observemos, uma vez mais, que, neste salmo, temos mais um salmo messiânico, em que Davi prefigura o sofrimento de Jesus, mas o Seu livramento, a ponto de não se permitir que nenhum de Seus ossos fosse quebrado (Sl.34:20). Tal prefiguração, aliás, representa a certeza da vitória sobre o mal, pois o corpo de Cristo não é quebrado, como demonstração que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja. Por que temer, então, Igreja?

– No instante em que foi levado à presença de Áquis, Davi se fez de doido, deixando correr a saliva pela barba, esgravatava as portas do portal, a ponto de Áquis tê-lo considerado um louco e mandado que o mandasse fora da cidade (I Sm.21:10-15). Davi havia, pois, sido livre dos filisteus.

OBS: É interessante notar que Davi não perdeu o juízo nesta ocasião por causa da extrema angústia. O Salmo 34 é um salmo em ordem alfabética em hebraico, demonstração de composição elaborada e muito bem pensada, e este dado é importante pois, como dizem os rabinos judeus, este salmo é “…para mostrar que devemos louvar a Deus com nossas faculdades e reconhecer que toda Sua criação é para o bem.” (FRIDLIN, Vitor; GORODOVITS, David e FRIDLIN, Jairo. Salmos: com tradução e transliteração, p.44). Quão diferente é a realidade bíblica do que vemos atualmente em nossas igrejas locais, onde o irracionalismo e a tolice são considerados como demonstração do poder de Deus…

III – DAVI É ABORRECIDO POR ISRAEL

– Ao retornar de Gate, Davi resolveu ir para a caverna de Adulão, a fim de se esconder. Muito se discute sobre a localização desta caverna, mas parece que ela se localizava no ermo montanhoso a oeste de Judá, na direção do mar Morto, a 16km a noroeste de Hebrom. Estava só, desamparado, sem ter conseguido ajuda de quem quer que seja. O homem que Deus havia escolhido para reinar sobre Israel se encontrava numa caverna, escondido, sem qualquer amparo.

– Nesta situação de extrema angústia e necessidade, Davi clama a Deus e lhe faz uma oração, que é o Salmo 142. Davi abre seu coração para o Senhor, diz a Ele que, no caminho em que andava, haviam ocultado um laço e, na situação de aperto, havia olhado para a sua direita e visto que não havia quem o conhecesse, quem cuidasse de sua alma, em ninguém havia encontrado refúgio (a propósito, “Adulão” significa “refúgio”).

Esgotadas todas as fontes de livramento e salvação, Davi reconhece que só Deus é o seu refúgio, só Deus era a sua porção entre os viventes. Pediu, então, que Deus o livrasse dos seus perseguidores, que eram mais fortes do que ele, que tirasse a sua alma da prisão para que, então, os justos pudessem cercá-lo e ele cantasse a todos que o Senhor lhe havia feito bem.

– Este salmo é um “masquil”, palavra de sentido incerto, mas que parece significar “salmo de instrução”, “salmo eficaz”, “salmo habilidoso”, ou seja, um cântico inspirado que nos revela tanto o entendimento correto de quem o elaborou, como também um ensino para todos que o leiam ou cantem.

No Salmo 142, parece tratar-se de um instante em que Davi compreendeu que só Deus poderia ajudá-lo, que se tratava de uma provação divina, de um período em que Davi deveria aprender a depender única e exclusivamente de Deus.

É neste instante que Davi se conscientiza de que todas as adversidades eram queridas pelo Senhor e faziam parte de seu aprendizado para que assumisse o trono de Israel.

– Como afirmou, em um dos seus discursos morais sobre as “cinco pedras da funda de Davi”, o padre Antonio Vieira, o maior orador sacro da língua portuguesa, é no instante que passamos a desejar somente a Deus, a esperar somente em Deus, que adquirimos forças para perseverar até o fim em nossa caminhada rumo ao céu, pois é o momento em que adquirimos a esperança que nos faz purificarmos a nós mesmos (I Jo.3:3).

OBS: Reproduzimos, aqui, por oportuno, o trecho do mencionado sermão de Vieira: “…Qual é logo esta singularidade, pela qual diz Davi que foi singularmente sublimado na esperança: Singulariter in spe constituisti me (SI. 4, 10)?

– Antes que ele o diga, o direi eu. Foi sublimado singularmente na esperança Davi, porque depois de subir por todos os graus da esperança, que temos visto, chegou a esperar tão pura e limpamente, que nem na terra nem no céu esperava de Deus mais que a Deus.

Agora diga-o ele mesmo: Quid mihi est in caelo? Et a te quid volui super terram, Deus cordis mei, et pars mea, Deus in aeternum[Que tenho eu no céu? E, fora de ti, que desejei eu sobre a terra, Deus do meu coração, e minha porção, Deus, para sempre – Sl.73:25 e s.]?

– A terra, diz Davi, para mim é nada, o céu outro nada; a terra um nada baixo, o céu um nada alto; porém, um e outro nada: tudo quanto pode dar ou negar a terra, tudo quanto pode dar e prometer o céu: Quid mihi? – Que é isso para mim: Quid mihi? – Que Davi tenha por nada a terra, e não queira nada da terra, seja embora; porém, não só da terra, senão também do céu? Sim.

Agora entendereis por que disse Deus deste grande herói: Inveni virum secundum cor meum (At. 13, 22): Tenho achado um homem feito à medida do meu coração. – Notai: No princípio criou Deus o céu e a terra: In principio creavit Deus caelum et terram (Gên. 1, 1). – E, antes do princípio, havia céu e terra? Não. E, antes de haver céu e 9

terra, estava o coração de Deus tão contente, e era o mesmo Deus tão feliz como depois de haver céu e terra? Sim: tão contente e tão feliz Deus com céu e terra, como sem céu nem terra.

Pois, eis aqui por que o coração de Davi era como o coração de Deus: Quid mihi est in caelo, et a te quiri volui super terram? – Ao meu contentamento e à minha felicidade, nenhuma coisa pode tirar ou acrescentar, nem toda a terra nem todo o céu. E por quê?

Pela mesma razão em Deus e em Davi: em Deus, porque Deus tinha toda a sua felicidade em si mesmo: e em Davi, porque Davi tinha toda a sua felicidade em Deus. Não é razão minha, senão sua: Deus cordis mei, et pars mea, Deus, in aeternum.

– Nem para o tempo na terra, nem para a eternidade no céu, quer o meu coração outra coisa senão a Deus, e não a Deus enquanto Deus da terra e céu, senão enquanto Deus do meu coração: Deus cordis mei.

– Porque, se o meu coração é semelhante ao seu, assim como Deus sem terra nem céu tem toda a sua felicidade, assim eu, sem nada da terra nem do céu, tenho toda a minha: ele, porque eternamente tem tudo em si; eu, porque eternamente terei tudo nele: Et pars mea, Deus in aeternum.

 Eis aqui, senhores, como há de ser o nosso coração, se queremos esperar fina e heroicamente: há de ser o nosso coração para com Deus como o coração de Deus para conosco. Que quer ou espera Deus de nós?

Nenhuma coisa, senão a nós mesmos: Te, et non tua – diz Santo Agostinho: Te, et non tua – diz S. Gregório; logo, se Deus não quer de mim mais que a mim, eu não devo querer de Deus mais que a ele.

Assim como os que se combatem ou desafiam medem as espadas, assim nós, se queremos obrar generosamente, havemos de medir com Deus os corações: ele de uma parte com a sua soberania, e eu da outra com a minha esperança; este sim, que foi o maior duelo de Davi, e não o outro do gigante.

Entraram como em estacada de uma parte a esperança de Davi, e da outra a soberania de Deus, combatendo-se como de corpo a corpo, de generosidade a generosidade, e de independência a independência: o cartel deste desafio é o princípio do Salmo décimo-quinto [Salmo 16 em nossa tradução, observação nossa]:

Conserva me, Domine, quoniam speravi in te[Guarda-me, Senhor, porque eu esperei em ti (SI. 16, 1)]: eis aqui a esperança de Davi; Dixi Domino: Deus meus es tu, quoniam bonorum meorum non eges[Eu disse ao Senhor: Tu és o meu Deus, porque não tens necessidade dos meus bens – Sl.16:2] – eis aqui a soberania e independência de Deus.

E por que opõe ou contrapõe Davi a sua esperança à soberania de Deus, e a sua independência à independência divina?

Porque isto era o singular e heróico, o limpo e o limpíssimo da sua esperança.

A soberania de Deus, independente dos bens de Davi, porque os não há mister: quoniam bonorum meorum non eges; a esperança de Davi, independente dos bens de Deus, porque espera nele: quoniam speravi in te; como se dissera Davi:

Se Deus não quer os meus bens, porque os não há mister, eu não hei mister os seus, porque os não quero: a sua soberania é independente dos meus bens, porque tem tudo em si; e a minha esperança é independente dos seus, porque tenho tudo nele. Aquela é a maior felicidade da sua natureza; esta é a maior fineza da minha esperança.…” (VIEIRA, Antonio. Discurso V. In: As cinco pedras da funda de Davi em cinco discursos morais. Disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/arquivos/texto/0043-01951.html#_ftn135 Acesso em 15 set. 2009).

– O solitário Davi clama a Deus e Deus começa a lhe ouvir. Ao fugir para Adulão, isto chega aos ouvidos de seus familiares e eles, então, descem até lá, para que lhe servissem de companhia (I Sm.22:1).

Mas, ao mesmo tempo em que Davi recebe a companhia de seus entes queridos, que lhe traziam o necessário e indispensável afeto familiar, também vieram ao seu encontro um grupo de homens que jamais Davi imaginasse que lhe serviriam para companhia.

O Senhor encaminha ao seu encontro todo homem que se achava em aperto, todo homem endividado, todo homem de espírito desgostoso, cerca de quatrocentos homens, de quem Davi se fez chefe (I Sm.22:2).

Para um homem solitário, atribulado e angustiado, ter a companhia de quatrocentos homens que, psicológica e espiritualmente, estavam arrasados, era algo que não se podia conceber.

No entanto, era esta a vontade do Senhor e seria destes verdadeiros “farrapos humanos” que se formaria o grupo seleto dos “valentes de Davi”, conforme teremos ocasião de estudar na próxima lição, dedicada a este processo de formação da liderança de Davi (I Sm.22:2).

– Davi compreendeu que era com este grupo de homens que deveria iniciar sua caminhada até o trono de Israel no caminho traçado pelo Senhor. Sabia que Deus havia ouvido o seu clamor na caverna e, portanto, sai de lá e vai até Mizpá dos moabitas e pede ao rei dos moabitas que desse asilo aos seus familiares, sendo atendido. Davi havia se posto nas mãos do Senhor e pediu proteção a seus familiares até que soubesse o que Deus havia de fazer dele (I Sm.22:3,4).

– Tornando a Adulão, porém, Davi recebe a visita do profeta Gade, que lhe manda entrar na terra de Judá, não ficando no lugar forte. Não era tempo de ficar na caverna, mas, sim, de sair com seus homens, mesmo em meio à perseguição. Davi, seguindo a orientação do profeta, foi, então, para o bosque de Herete (I Sm.22:5).

– Lá, Davi é informado da matança dos sacerdotes em Nobe por Abiatar, filho de Aimeleque, que havia escapado e trazido o éfode, passando, então, a compor o grupo de Davi. Davi percebe, então, que o Senhor é com ele, visto que o sumo sacerdote está fazendo parte de seu grupo. No entanto, a confiança de Davi era tanta que disse a Abiatar para que ficasse com ele pois com ele, estaria salvo (I Sm.22:23). Davi sabia que Deus era com ele e até o sumo sacerdote estaria protegido se se mantivesse com ele.

– Esta sua confiança está bem retratada no Salmo 52, outro “masquil” de Davi, elaborado quando recebe ele a notícia de que Doegue havia anunciado a Saul sua ida a Nobe, que redundou naquele morticínio.

Neste seu cântico, apesar da tragédia ocorrida, Davi deixa nas mãos do Senhor a realização da justiça, mantendo sua confiança na bondade divina (Sl.52:1). Confirma que os que procedem impiamente prestarão contas diante do Senhor e que os prejudicados devem esperar somente em Deus (Sl.52:2-9).

– No bosque de Herete, Davi é informado de que os filisteus estavam saqueando as eiras de Queila.

Davi, então, consultou ao Senhor se devia ir ao encontro dos filisteus e, ante a resposta afirmativa, obtida mediante Abiatar, em consulta ao Urim e Tumim, pois o éfode estava com Abiatar (I Sm.23:6).

O éfode era uma das vestimentas do sumo sacerdote, em que eram postas as pedras em que se consultava ao Senhor – Ex.28:4-14), foi à luta, tendo vencido os filisteus e livrado a cidade (I Sm.23:1-6).

– Uma vitória militar em meio à perseguição. Davi, talvez, tenha pressentido que estava terminando o período da prova. Havia vencido novamente, tinha novos soldados, havia livrado uma cidade do ataque dos filisteus. Saul foi avisado disto e resolveu ir ao encontro de Davi, achando que, por estar Davi em uma cidade, seria mais fácil de matá-lo.

Davi, ao saber das maquinações de Saul, consultou a Deus e perguntou ao Senhor se o povo de Queila teria coragem de entregá-lo a Saul depois de tamanha beneficência e, para sua surpresa, Deus lhe respondeu que eles o trairiam, o que fez com que Davi, mesmo contra todas as evidências humanas, abandonasse, para seu bem, Queila e se refugiasse em lugares fortes no deserto de Zife (I Sm.23:7-13).

  • Davi sente, então, o amargor da ingratidão. Como poderia a cidade de Queila entregá-lo a Saul depois de a ter livrado? Entretanto, para os moradores de Queila era melhor agradar ao rei do que demonstrar sua gratidão a um benfeitor que não tinha poder nem posição. Davi viu que era aborrecido pelo povo de Israel, que ainda não era o tempo de reinar sobre o povo de Deus. Saul, embora rejeitado por Deus, ainda não o era pelo povo. Neste momento, Davi prefigura o Messias que foi, também, rejeitado pelos seus irmãos de Israel (Jo.1:11).
  • – Nós, servos do Senhor, temos de saber que somos, também, rejeitados pelo mundo. O mundo que aborreceu Jesus não pode mesmo acolher os cristãos (Jo.15:18-21), embora sejam os coerdeiros de Cristo a luz do mundo e o sal da terra, o motivo de este mundo ainda não ter se deteriorado de vez (Mt.5:13,14).
  • Saibamos que, neste mundo, ungidos pelo Espírito Santo, devemos fazer o bem às pessoas, curar todos os oprimidos do diabo (At.10:38) e recebermos, como recompensa, o “Crucifica-o”, assim como Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Estamos prontos para fazer bem e sermos rejeitados
  • Estamos preparados para suportar a cruz e desprezar a afronta pelo gozo que nos está proposto (Hb.12:2)? Como a realidade espiritual é bem diferente do que andam pregando por aí, dos que, embora se digam crentes, amam muito mais a glória dos homens mundo do que a de Deus (Jo.12:42,43), preferem agradar aos homens do que ser servos de Cristo (Gl.1:10).

– Depois de ter livrado uma cidade e demonstrado seu valor militar em prol de seu povo, Davi é obrigado, com seus homens, a voltar para o deserto e ali permanecer. Pior do que isto é que, no deserto, Davi não tinha descanso, pois Saul o buscava todos os dias, mas Deus não o entregou na mão do rei (I Sm.23:14).

– Assim acontece com os filhos de Deus. Todos os dias o inimigo nos busca, anda em nosso derredor, buscando a quem possa tragar (I Pe.5:8).

O diabo não se cansa, noite e dia está a nos acusar (Ap.12:10). Eis a verdadeira batalha espiritual sofrida pelos servos do Senhor, eis o motivo pelo qual não podemos deixar de vigiar durante todo o tempo. Não é à toa que o próprio Jesus nos mandou vigiar (Mt.26:41; Mc.13:33,35,37; Mc.14:38; Lc.21:36), o que foi, posteriormente, repetido pelos apóstolos (I Co.15:34; 16:13; I Pe.4:7; 5:8; I Jo.2:8).

– Embora o inimigo não se canse de tentar tragar os servos do Senhor, Deus não permite que nós lhe sejamos entregues. Como já dissemos, ninguém pode arrebatar-nos das mãos de Jesus, mas o Senhor, em momento algum, nos agrilhoa para que permaneçamos no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente (Sl.91:1).

Se nos distanciarmos do Senhor, se deixarmos de vigiar, certamente seremos atingidos pelo inimigo, que não está longe e que não perde oportunidades, nem deixa passar ocasiões. Como nos lembra conhecido dito popular, a ocasião faz o ladrão e o diabo é o ladrão por excelência (Jo.10:10). Tomemos cuidado!

– Como prova de que Deus era quem guardava Davi, a Bíblia nos relata que Jônatas se encontrou com Davi num bosque em que estava no deserto de Zife, enquanto que Saul não conseguia localizá-lo (I Sm.23:16-18). Neste encontro, Jônatas e Davi renovaram a aliança que haviam feito, tendo Jônatas, posteriormente, voltado para sua casa.

– Jônatas, nesta ocasião, renova a promessa divina na vida de Davi. Com efeito, diz a Davi que o sucessor de Saul seria ele, o filho de Jessé, e não Jônatas, que se contentava em ser o segundo no reino. Davi recebia, com esta declaração de Jônatas, mais um estímulo para prosseguir na direção de Deus. Jônatas não mais seria obstáculo para sua subida ao trono.

Ele mesmo reconhecia a unção divina sobre Davi. Isto, certamente, era novo alento para o perseguido Davi, que agora tinha de seu lado tanto o novo sumo sacerdote como o príncipe herdeiro. Mas, apesar de tudo isto, Davi continuava no deserto de Zife, liderando cerca de quatrocentos homens, algo bem diferente do que Deus lhe havia prometido.

– Os zifeus, sabendo que Davi se encontrava naquela região, foram até Gibeá e o anunciaram a Saul, dizendo, inclusive, que Davi se encontrava no outeiro de Haquila, num bosque. Diante de tamanha e precisa informação, Saul foi ao encontro de Davi, não sem antes pedir aos zifeus que apurassem ainda mais a informação a respeito de Davi, para que não viajasse em vão.

Com efeito, as informações obtidas pelos zifeus foram precisas e Saul conseguiu cercar Davi. No instante mesmo em que iria dominá-lo, teve de abandonar a empresa, pois os filisteus, aproveitando-se de que Saul deslocara-se no encalço de Davi, invadiram Israel. Deus usava, desta feita, os próprios filisteus para livrar Davi.

O local ficou, inclusive, conhecido como Sela-Hamalecote, ou seja, “rocha de divisões ou da fuga”. Davi, apesar do livramento, resolveu deixar a região, vez que seus moradores lhe eram hostis, preferindo ir para os lugares fortes de En-Gedi (I Sm.23:19-29).

– Que triste situação a de Davi. Os zifeus eram da tribo de Judá, ou seja, irmãos de tribo de Davi e agiam contra ele em favor de um rei que era de outra tribo, a tribo de Benjamim. Nem mesmo a sua tribo o apoiava. Davi tinha alento e estímulo somente da parte de Deus, caminhava unicamente pela fé.

Se fosse verificar o quadro político, veria que chance alguma teria de reinar sobre Israel, rejeitado que era pelos de sua própria tribo, de seu próprio povo, liderando um grupo de renegados da sociedade. No entanto, Davi prosseguia na orientação divina. O crente deve agir do mesmo modo: andar por fé, não por vista (II Co.5:7).

– Entretanto, quando Davi fica sabendo que os zifeus lhe haviam dado o paradeiro, Davi recorre ao Senhor. É nesta circunstância que é feito o Salmo 54, um outro “masquil” do futuro rei. Davi pede a Deus que o livre, que o salve das mãos de Saul.

Pede a Deus socorro e deixa nas mãos do Senhor o destino daqueles que o perseguem, demonstrando, assim, não ser movido da vingança nem de qualquer sentimento inadequado para quem serve a Deus. Sabe que está em situação de aflição, mas clama a Deus, o seu Ajudador.

Promete oferecer sacrifícios a Deus voluntariamente e louvar a Deus porque o tem livrado dos inimigos. Vemos, assim, que este grande livramento proporcionado por Deus a Davi era resposta de sua oração. Confiemos em Deus assim como Davi, queridos irmãos!

– Mudou-se Davi para a região de En-Gedi, mas não era o novo local que dava ânimo e confiança ao futuro rei. Ali, no deserto de Judá, Davi compôs o Salmo 63, onde reafirma que o Senhor é seu Deus e que sua alma tinha sede de Deus, que somente no Senhor a sua alma se fartaria.

Nas asas do Senhor é que Davi se sentia refugiado, pois sua alma seguia a Deus de perto e sabia que todos os seus inimigos cairiam à espada, seriam uma ração para a raposa. Davi agora já compreendia que seu refúgio era o Senhor e que n‟Ele alcançaria a vitória sobre toda esta perseguição.

– De nada adiantou, porém, Davi mudar-se para a região de En-Gedi, perto do mar Morto. Isto foi anunciado a Saul que, então, tomou três mil homens escolhidos dentre todo o Israel e foi à busca de Davi (I Sm,.24). Davi era perseguido pela elite do exército do país que haveria de reinar.

Como fazer isto sentido na mente humana? No entanto, é o que estava a ocorrer e, para complicar ainda mais a situação, Saul resolve entrar em uma caverna para fazer as suas necessidades fisiológicas. Que caverna Saul escolhe? Precisamente aquela em que Davi havia se escondido (I Sm.24:3).

– Neste instante, os homens de Davi, ao perceberem que o rei se encontrava sozinho, em situação de completa vulnerabilidade, incita Davi a matar Saul. Era este o momento em que Deus havia entregado o inimigo em suas mãos: era hora de atacar. Saul seria morto e Davi reinaria, ainda mais que Jônatas já havia aceitado o senhorio de Davi. Que tentação! Mas Davi já tinha aprendido a se guiar pelo Espírito Santo e não pelas circunstâncias da vida.

– Davi, então, mansamente, cortou a orla do vestido de Saul, que estava à parte e, ao fazê-lo, se arrependeu de o ter feito. Em seguida, não permitiu que nenhum dos seus homens ferisse ou matasse Saul, mantendo-se dentro da caverna.

Depois que Saul saiu da caverna, Davi também o fez e gritou para Saul, mostrando que tinha cortado a orla do manto real e que, se quisesse, poderia ter matado o rei. Com este gesto, Davi esperava dissuadir todos os boatos e notícias que podiam ter posto Saul contra ele, mal sabendo, porém, que o mal era querido pelo próprio Saul, de seu próprio coração e não de alguma trama ou conspiração de quem quer que seja.

Davi reafirmou que não se vingaria de Saul e que tudo havia deixado nas mãos do Senhor. Saul, ao ouvir a voz de Davi e seu dito, chorou, reconhecendo que havia sido recompensado com bem pelo mal que havia causado a Davi. Confessou, então, saber que Davi era o seu sucessor e pediu a Davi que jurasse que não desfaria a semente de Saul, o que Davi fez (I Sm.24:5-22).

– Davi manteve-se fiel à lei divina. Sabia que havia sido pago um alto preço por ter quebrado a lei ao comer os pães da proposição e não poderia matar o rei de Israel impunemente. Rejeitado, ou não, por Deus, Saul havia sido ungido e a sua morte, naquelas circunstâncias, era violação de um dos dez mandamentos.

Como ficaria impune o assassino de um ungido do Senhor? Davi tudo havia deixado nas mãos do Senhor, como dissera nos salmos compostos neste período de tribulação e deveria fazer aquilo que havia cantado.

– Nos dias hodiernos, não é diferente. Não podemos ser homicidas dos ungidos do Senhor, ou seja, não podemos deixar de amar aqueles que foram salvos pelo Senhor Jesus e que são, agora, templo do Espírito Santo (I Jo.3:15).

Este episódio é muito citado para nos estimular à obediência aos pastores, mas sua aplicação não se restringe aos pastores.

Ungidos do Senhor são todos os salvos, não apenas aqueles que foram separados por imposição de mãos. Todos os crentes são ungidos, todos os crentes são sacerdotes (I Pe.2:9; Ap.1:6).

Portanto, tanto quem afronta o pastor, como quem desampara aquele irmãozinho humilde que se senta no último banco da igreja está a praticar um homicídio segundo a lei de Deus e, por causa disto, ficará do lado de fora da cidade santa (Ap.22:15).

– Tanto Davi estava cheio do Espírito Santo no instante em que poupou a vida de Saul que, ao sair da caverna, compôs o Salmo 57, onde pediu, novamente, misericórdia a Deus e reafirmou sua confiança em Deus.

Disse que Deus era o seu auxílio e refúgio, apesar de todos estarem querendo tirar-lhe a vida e que seus inimigos caíram na própria cova que haviam aberto. A Davi restaria apenas louvar a Deus e exaltá-lo sobre todos os povos.

– Nesse meio tempo, Samuel faleceu (I Sm.25:1) e Davi, sempre prudente, decidiu mudar-se, indo, agora, para o deserto de Parã. Ali chegando, pediu que alguns de seus homens fossem pedir suprimento para um senhor da tribo de Judá, um próspero pecuarista, chamado Nabal, a cujos pastores os homens de Davi haviam ajudado quando eles se encontravam no Carmelo, onde levavam os rebanhos para pastar.

– No entanto, Nabal recusou-se a ajudar Davi e, não só se recusou a ajudá-lo como também o desdenhou. Davi, então, sentindo-se ultrajado e necessitando de víveres para sustento de seus homens, não viu outro caminho senão o de obter por luta o que precisava.

Foi impedido em seu intento pela sábia e formosa mulher de Nabal, Abigail, que, ao saber da disposição de Davi, foi ao seu encontro levando víveres (I Sm.25:10-35). Abigail foi usada por Deus para livrar Davi de um ato ilícito, movido pela inveja e pelo orgulho pessoal.

Davi deu ouvidos a Abigail e, assim, não pecou. Muitas vezes, em nossa obstinação, Deus levanta homens e mulheres de Deus para nos advertir e devemos ser sensíveis à voz do Espírito Santo.

O fato de Davi ter ouvido Abigail foi, aos olhos humanos, um contrassenso, pois jamais um homem que chefiava um bando, como Davi, poderia escutar uma mulher, e, ainda mais, uma mulher casada que desafiava seu próprio marido. Mas Davi estava aprendendo a não andar segundo as circunstâncias, mas segundo a orientação do Espírito Santo.

– Deus confirmou o gesto de Davi pelo fato de Nabal ter morrido logo em seguida. Davi, então, tomou Abigail como sua mulher, um outro gesto familiar de Davi que deve ser recriminado.

Davi foi levado a casar-se com Abigail pela sua formosura e pela sua beleza, sem qualquer indagação a respeito da vontade de Deus quanto a este ponto.

O fato de Abigail ter sido usada por Deus para aplacar a sua ira e para impedi-lo de pecar não implicava necessariamente em que Abigail seria uma boa mulher e uma boa rainha para Israel. Esta constituição de uma vida familiar ao largo da vontade de Deus, como teremos ocasião de ainda estudar neste trimestre, trouxe enormes dissabores e problemas para Davi (I Sm.25:36-44).

– É importante salientar, ademais, que Davi desposou Abigail porque estava sem mulher, já que Mical havia sido dada por Saul a Palti, filho de Laís (I Sm.25:44).

Não vemos, assim, ainda, neste momento, um Davi envolvido com a poligamia. Este fato, aliás, comprova que Davi tomou Abigail movido pela autoestima ferida, pelo fato de ter sido desonrado por Saul, que dera sua mulher para outrem, mais um sentimento totalmente impróprio para a constituição de uma família.

Logo em seguida, porém, cedeu à poligamia, tomando também por mulher a Ainoã, de Jizreel, inserindo este mau costume, visto que agindo por carnalidade, entre os reis de Israel e de Judá (I Sm.25:45).

– Davi retornou para o deserto de Zife, para o bosque do outeiro de Haquila, certamente confiante que, após os episódios que o haviam envolvido com o rei Saul, os zifeus não ousariam denunciá-lo de novo a Saul ou o rei Saul não ousaria vir à sua busca novamente.

Ledo engano, porém. Os zifeus, ao saberem da chegada de Saul, uma vez mais foram anunciá-lo a Saul que, esquecido do benefício que lhe fora feito por Davi, resolveu ir ao encalço do filho de Jessé novamente.

Desta feita,Davi não deixou que Saul viesse às cavernas e, antes que ele ali chegasse, acampou-se no deserto com seus homens, assim como Saul estava acampado com seus homens, inclusive na companhia de Abner, comandante do exército de Israel.

– Davi, então, acompanhado de Abisai e de Aimeleque, o heteu, desceu até o arraial do exército de Israel e os encontrou dormindo. Abisai estimulou Davi a que permitisse que ele, Abisai, matasse Saul (Abisai é um dos três primos de Davi, filhos de Zeruia, que tantos males causariam a Davi…).

Mas Davi se manteve fiel à lei e aos mandamentos do Senhor, não permitindo que Abisai se levantasse contra o ungido do Senhor. Davi tomou a lança e a bilha de água, que estavam na cabeceira de Saul e passaram para a outra banda, sem que ninguém acordasse, pois Deus dera profundo sono a todos eles.

– Davi, então, clamou e chamou Abner à responsabilidade, pois falhara em proteger Saul. Uma vez mais mostrava que, se quisesse, poderia ter matado Saul e proclamou sua inocência novamente diante do rei.

Saul reconheceu que estava a pecar ao perseguir Davi daquela maneira e ainda devolveu a lança do rei. Davi, então, disse que esperava que assim como havia poupado a vida de Saul, Deus poupasse a sua própria e que o livrasse de toda a tribulação. Saul abençoou Davi e cada um foi para o seu lado (I Sm.26:14-25).

– Nesta segunda oportunidade em que Davi poupa a vida a Saul, vemos a situação espiritual bem diversa de ambos. Enquanto Saul sabia estar pecando, mas não se arrependia, pois continuava a pecar, Davi não se iludia mais com relação a Saul.

Não pediu a Saul qualquer gesto, qualquer juramento para que não mais o perseguisse. Davi pôs-se unicamente nas mãos do Senhor, pois vira que Saul chegara a um estado espiritual de completa insensibilidade espiritual, nada mais se podendo esperar dele.

– Devemos ter este mesmo discernimento espiritual de Davi. Não adianta querermos que as coisas melhorem para nós mediante uma mudança de atitude por parte dos homens.

Muitos, como Saul, estão rejeitados e com suas consciências completamente cauterizadas, nada se podendo esperar deles. Temos de esperar única e exclusivamente em Deus. Ele é o nosso Ajudador, o nosso Redentor, Aquele que nos levará para o céu!

IV – DAVI A SERVIÇO DOS FILISTEUS

– Tendo chegado à conclusão de que tanto Israel quanto Saul o aborreciam, Davi resolve ir para a terra dos filisteus. Era aborrecido em Israel e, do jeito que as coisas iam, entendeu que não faltaria oportunidade para que Saul o prendesse e matasse. Ir para a terra dos filisteus seria a solução, pois o rei perderia a esperança de buscá-lo (I Sm.27:1).

– Davi, então, foi, novamente, a Gate, oferecer seus serviços a Áquis. Sua situação, agora, era bem diferente da primeira.

Por primeiro, não estava sem direção divina, como antes; por segundo, era público e notório o aborrecimento de Israel e de Saul para com Davi, de modo que não havia qualquer receio de que Davi fosse guerrear contra os filisteus tendo o exército de Israel como seu aliado.

– Àquela altura, Davi tinha já seiscentos homens, ou seja, seu “bando” crescera 50% durante todo o período de perseguição e tribulação, numa demonstração da eficiência de sua liderança, o que estudaremos na próxima lição. Como Davi havia imaginado, Saul, ao saber que Davi fora para a terra dos filisteus, desistiu de persegui-lo.

– Áquis o acolheu e ainda lhe deu uma cidade, como Davi havia pedido, a cidade de Ziclague, que, por causa disto, passou a pertencer à família de Davi a partir de então, apesar de ficar na terra dos filisteus. Davi ficou um ano e quatro meses a serviço dos filisteus. É importante observar que esta é a única menção temporal do texto sagrado de toda a fase da perseguição de Davi, cuja duração nos é desconhecida.

– Esta omissão bíblica é o que chamamos de “silêncio eloquente”, ou seja, de um silêncio que fala muito. Este período durou o tempo que Deus quis, não um tempo cronológico.

Na fase da perseguição de Davi, Deus mostra-nos que não devemos contar os dias aguardando as promessas, impacientando-nos ou perdendo a nossa esperança (pois a sensação de demora enfraquece a esperança – Pv.13:12), mas, sim, entender que, como nos está reservada a eternidade, devemos, desde já, aprender a viver o “tempo de Deus”, ou seja, a desfrutar da presença do Senhor e aumentar nossa fé e esperança independentemente dos dias. Neste sentido, aliás, é que devemos compreender a expressão de Moisés no Salmo 90, quando pede ao Senhor que aprendamos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios (Sl.90:12).

O “tempo de Deus” é “hoje” e, a cada dia, a cada momento, a cada instante, precisamos confiar em Deus e descansar em Suas mãos. Davi aprendeu isto, quando, ao se encontrar com Saul, deixar tudo nas mãos do Senhor, pouco se importando pelos anos que já havia passado fugindo de Saul e sem se importar com o quadro político cada vez mais adverso a uma tomada de poder por ele, Davi, em Israel.

OBS: “Kairos (καιρός) é uma antiga palavra grega que significa „o momento certo‟ ou „oportuno‟. Os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: chronos e kairos.

Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico, ou sequencial, esse último é um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece. É usada também em teologia para descrever a forma qualitativa do tempo, o „tempo de Deus‟, enquanto chronos é de natureza quantitativa, o „tempo dos homens‟.

Na teologia cristã, em síntese pode-se dizer que chronos, o tempo humano (medido), é descrito em anos, dias, horas e suas divisões. Enquanto o termo kairos, que descreve „o tempo de Deus‟, não pode ser medido, pois „para o Senhor um dia é como mil anos e mil anos como um dia.‟ (2 Pe 3:8).” (WIKIPEDIA. Kairos. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Kairos Acesso em 15 set. 2009).

– Davi, então, passou a atacar os moradores de Canaã, com exceção dos israelitas, matando a todos que atacava e trazendo os bens para o rei de Gate. Davi não deixava qualquer testemunha e o rei de Gate gostou do seu trabalho pois, diante do aborrecimento que havia entre Davi e Israel, achava que as circunstâncias político-militares levavam Davi a não ter outra saída senão a de servir os filisteus para sempre (I Sm.27).

– No entanto, o que Áquis havia imaginado, não era o que Deus havia planejado. Um ano e quatro meses depois que Davi estava a serviço do rei de Gate, há uma nova guerra entre israelitas e filisteus. Davi encontrava-se entre os filisteus e deveria, pela primeira vez na sua vida, guerrear contra o seu próprio povo.

No entanto, Deus não iria permiti-lo. Na verdade, quando Davi já estava preparado para a batalha, os demais príncipes dos filisteus, ao saber que Davi se encontrava acompanhando o rei de Gate, não permitiram que ele saísse à peleja, pois não confiavam em Davi.

Assim, Davi foi dispensado por Áquis e retornou para Ziclague. Eram os filisteus, uma vez mais, sendo usados por Deus para impedir que Davi pecasse ou fizesse algo que não fosse do agrado do Senhor e que o incompatibilizasse com o trono de Israel (I Sm.29).

– No retorno de Davi a Ziclague, Davi, que já estava chateado com esta nova discriminação e oposição surgida contra ele, tem uma notícia terrível.

Enquanto estivera a acompanhar Áquis, Ziclague havia sido saqueada pelos amalequitas e todas as mulheres e filhos haviam sido levados cativos, assim como todos os bens móveis roubados. O transtorno causado foi de tal ordem que chegou a haver até mesmo uma rebelião interna entre os soldados de Davi, que, por pouco, Davi não foi apedrejado por eles (I Sm.30:1-6).

– Davi parecia ver um “videotape” em sua vida. Como ocorrera anos antes, de um só golpe, Davi perdera sua família, sua posição e seus bens.

Assim como saíra de sua casa na corte de Saul com a roupa do corpo, só com a roupa do corpo estava agora em Ziclague e, o que é mais grave, sem poder pedir ajuda a Áquis, que se preparava para a guerra contra os israelitas, e com sua tropa dividida.

Tudo porque Davi não se esforçara em deixar de se envolver na guerra contra os israelitas. Agira, uma vez mais, movido pelo ressentimento, pela mágoa, pela vingança. Não só Deus o privara de guerrear contra Israel como ainda permitira que sua cidade fosse saqueada na sua indevida ausência.

– Apesar destas dificuldades severas, Davi não repetiu o erro do passado. Se saiu da corte de Saul sem direção, agora nada faria sem recorrer ao Senhor.

Apesar de sua angústia, esforçou-se no Senhor seu Deus ( I Sm.30:6) e consultou ao Senhor, através do sacerdote Abiatar (I Sm.30:7,8). Deus mandou que fosse ao encalço dos amalequitas, pois tudo recuperaria e, só após esta orientação divina, iniciou a caminhada para a batalha.

– No entanto, ao chegar ao ribeiro de Besor, duzentos dos seiscentos homens pararam, sem condições de prosseguir.

Além de dividido, o bando de Davi estava esgotado física e psicologicamente. Mesmo assim, Davi prosseguiu sua caminhada, deixando os duzentos guardando a bagagem.

No caminho, avistou um homem meio-morto, um servo egípcio de um amalequita, que havia sido abandonado doente.

Como era pessoa bondosa, parou para dele cuidar e neste cuidado se encontrava a chave de sua vitória. O moço, recuperado, disse onde estava o inimigo, que foi surpreendido enquanto celebrava sua vitória.

– Davi tudo recuperou, matou a quase todos os inimigos, salvo quatrocentos que conseguiram fugir sobre camelos, recuperando a todos, inclusive seus familiares, bem como a todo o patrimônio e ainda conseguindo grande despojo.

Nesta ocasião, Davi estabeleceu a lei da presa, algo que estudaremos mais amiúde na próxima lição, pois é assunto que diz respeito à formação da liderança de Davi. (I Sm.30:7-31).

– Ao chegar a Ziclague, Davi manda parte do despojo aos anciãos de Judá, iniciando uma aproximação política que seria fundamental para a mudança das circunstâncias que lhe eram desfavoráveis no quadro da sucessão de Saul.

– Veio a guerra e nela os israelitas foram vencidos, sendo mortos tanto Saul quanto Jônatas (I Sm.31), notícia que logo chegou a Davi em Ziclague (II Sm.1).

O caminho começava a se abrir para Davi se tornar rei de Israel, chegava o momento oportuno para Davi subir ao trono, mas isto é o que veremos na lição 6.

Ev. Caramuru Afonso

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