Autoria : incerta. Paulo é um dos mais prováveis nomes sugeridos.
Data : entre 60 e 70 d.C.
Local de origem: talvez Itália (Hb.13.24).
Tema principal: A superioridade de Cristo.
Palavra-chave: melhor (ou superior, ou mais excelente).
Classificação: cristologia
Destinatários: judeus cristãos que talvez residisssem em Jerusalém.
O NOME DA EPÍSTOLA
"Hebreu" era o nome dados aos israelitas pelas nações vizinhas. Talvez tenha derivado de Éber ou Héber, que significa "homem vindo do outro lado do rio" (Jordão ou Eufrates) (Gn.10.21,24; 11.14-26; 14.13 Js.24.2). Abraão foi chamado de "hebreu".
Temos então várias designações para o mesmo povo:
- Hebreu: designa descendência.
- Israel: destaca o aspecto religioso.
- Judeu: da tribo de Judá ou habitante do reino de Judá.
Alguns desses termos foram mudando um pouco de sentido com o passar do tempo. O "judeu" do Velho Testamento estava estritamente ligado à tribo de Judá. Depois do cativeiro, a maior parte dos que regressaram a Canaã eram da tribo de Judá. Então, "judeu" tornou-se quase um sinônimo de israelita, já que quase todos os israelitas eram judeus. O termo tem esse mesmo sentido genérico até hoje.
O "hebreu" do Velho Testamento era todo indivíduo israelita. No Novo Testamento, esse termo passa a designar mais especificamente aquele israelita que fala aramaico e é mais apegado ao judaísmo ortodoxo, em contraposição ao "helenista", que é o israelita que fala grego e está mais influenciado pela cultura grega. Nesse sentido, veja Filipenses 3.5 e II Coríntios 11.22, nos quais o apóstolo Paulo cita com orgulho o fato de ser "hebreu" , assim como eram seus pais.
OS DESTINATÁRIOS
A epístola aos hebreus nos mostra que seus destinatários eram judeus cristãos. Ao mesmo tempo em que o autor está se dirigindo a pessoas convertidas a Cristo (Hb.10.19), ele dá a entender que elas tinham um passado de vínculo com o judaísmo. Tais irmãos pertenciam a uma igreja, cujos líderes são anonimamente referenciados no capítulo 13 (versos 7, 17 e 24). A localização de tal igreja é objeto de especulação por parte dos estudiosos e comentaristas. As sugestões mais comuns são: Roma, Jerusalém, Antioquia, Cesaréia e Alexandria. Como se vê, as possíveis cidades eram grandes centros. Jerusalém e Cesaréia eram cidades da Judéia. Nas outras localizavam-se grandes colônias judaicas. Naturalmente, em todas elas havia igrejas locais que contavam com a presença de muitos judeus cristãos.
AUTORIA
A epístola não apresenta o nome do seu autor. Muitos são os que atribuem a Paulo sua escrita. Em alguns manuscritos antigos encontra-se o título: "Epístola de Paulo aos Hebreus". Evidentemente, o título traz a conclusão de algum copista ou autoridade religiosa, visto que não faz parte do texto. Alguns "pais da igreja" atribuíam a autoria a Paulo sem dificuldades. Os defensores dessa hipótese, utilizam as palavras de Pedro em sua segunda epístola (3.15). A passagem nos informa que Paulo escreveu aos judeus. Contudo, isso não encerra a questão, pois tal escrito pode ter sido a chamada carta aos hebreus, mas pode também ter sido outra. A referência que o autor faz a Timóteo (Hb.13.23) também é usada como argumento. Além disso, a epístola está dividida em dois blocos: doutrinário (capítulos 1 a 11), e prático (capítulos 12 e 13). Isso nos lembra o método paulino. No texto prático do capítulo 13, temos uma lista de admoestações curtas, à maneira de Paulo. A doxologia (13.20-21) e a bênção final (13.25) também reforçam a tese.
Os comentaristas que se opõem à autoria paulina, argumentam sobre a diferença de estilo da carta aos Hebreus quando comparada às epístolas paulinas. Alguns creditam a autoria a Barnabé, Lucas, Apolo, ou Priscila.
DATA
A referência a Timóteo e ao fato de sua prisão fazem a datação do livro se projetar para o final dos anos 60 do primeiro século. Já que as epístolas paulinas não dizem que Timóteo tenha sido preso, então é possível que a carta aos Hebreus tenha sido produzida depois daquelas identificadas paulinas. O livro fala de um sacerdócio em funcionamento no templo de Jerusalém (10.1,11; 9.6-8). Isso nos faz concluir que o livro não pode ter sido escrito depois do ano 70, data da destruição do templo. Portanto, a datação, embora indefinida, fica entre 60 e 70 d.C.
CARACTERÍSTICAS
O livro tem teor cristológico, ou seja, apresenta um verdadeiro tratado sobre a pessoa de Cristo, principalmente no que tange à sua obra vicária.
O livro é apologético. Seu discurso é um forte pronunciamento em defesa da fé cristã contra recuos ou desvios.
A carta aos Hebreus liga o Velho e o Novo Testamento de modo brilhante. Temos na obra os seguintes confrontos:
- Valores da lei X valores da graça
- Símbolos X realidade
- Antiga aliança X nova aliança
- Passado X futuro (Hb.2.5)
TEMA
A superioridade de Cristo sobre os profetas, os anjos, a lei, sobre Moisés, Josué, Aarão e sobre os sacerdotes (Hb.1.4; 6.9; 7.7,19,22; 8.6; 9.23; 10.34; 11.16,35,40; 12.24).
ESBOÇO
1 - A glória e a superioridade de Cristo - 1.1 a 4.13.
2 - O novo sacerdócio de Cristo - 4.14 a 8.13.
3 - Contraste entre o velho e o novo - 9.1 a 10.39.
4 - A glória da fé - 11.1-40.
5 - A vida de fé - 12.1 a 13.25.
O PROBLEMA - ENTRE O PASSADO E O FUTURO.
Lendo a epístola, podemos delinear o problema que deu ensejo à sua produção. Os hebreus, a quem a carta foi destinada, eram judeus que, tendo se convertido ao cristianismo, se sentiam tentados a recuar, retornando ao judaísmo. Estavam em uma situação de paralisação espiritual. Viviam em um dilema e, com isso, não cresciam espiritualmente (Hb.5.11-14). O autor escreveu para mostrar a esses irmãos que eles estavam livres da antiga aliança. Tal propósito era de grande envergadura. Se já era difícil provar aos gentios convertidos que eles não precisavam observar a lei, quão árdua seria a tarefa de demonstrar o mesmo princípio para judeus cristãos! Eles estavam presos ao passado, assim como acontece hoje com alguns cristãos que querem obedecer a lei de Moisés. As realidades da graça já eram presentes. Contudo, ainda se encontravam no futuro para aqueles que hesitavam em relação à apropriação das mesmas.
O PASSADO |
O PRESENTE / FUTURO |
Lei |
Graça, evangelho |
Valores da lei |
Valores da graça |
Templo (material) |
Igreja (espiritual) |
Personagens: Moisés, Aarão, profetas, anjos |
Jesus e o Espírito Santo |
Símbolos |
Realidades |
Sombras |
Realidades |
O visível |
O invisível |
Aparência |
Essência |
Material |
Espiritual |
Transitório |
Permanente |
Temporário |
Eterno |
Realidade física |
Realidade espiritual |
Cópia |
Modelo original |
Figura |
Verdadeiro |
Antiquado, envelhecido |
Novo |
Terreno |
Celestial |
Diversos elementos da Velha Aliança podem ser comparados à maquete de uma obra futura. Diante daquele modelo, todos ficam entusiasmados e esperançosos. É o que existe de mais semelhante ao resultado almejado. Depois que a obra é realizada, então o apego à maquete torna-se motivo de zombaria. A obra de Cristo está consumada. Não precisamos mais ficar apegados aos símbolos do passado que apontavam para Cristo. Seria como ficar extasiado diante de uma placa indicativa ao invés de se dirigir ao lugar que ela aponta. Paulo diz que a lei era o aio que nos conduziu a Cristo. O aio era o servo que levava a criança para a escola. Lá chegando, o interesse se voltava para o mestre. Se encontramos o Mestre Jesus, já não faz sentido o apego ao aio lei.
A situação dos hebreus foi ilustrada através de uma etapa de sua própria história. O autor demonstra que, assim como seus antepassados estavam no deserto, hesitando diante de Canaã (Hb.4.1), os hebreus estavam hesitantes diante da graça de Deus e seus benefícios. O livro admoesta radicalmente a respeito dos riscos representados pelo retrocesso, pela apostasia (Hb.4.1; 6.1-6; 10.38-39). O desvio encontra-se relacionado à incredulidade, desobediência e rebelião (Hb.2.1-3; 3.12,16-19; 4.11). Em lugar do desvio, os hebreus são aconselhados a avançar com ousadia (Hb.10,19).
O aspecto cerimonial da velha aliança era algo grandioso. Como exemplo, podemos citar a grandeza do templo e os belos trajes sacerdotais. Diante de tudo isso, a igreja aparece como algo muito simples. Ela não precisa de um templo, embora possa utilizá-lo. Seus ministros não precisam de belas vestes para a direção do culto. A igreja do Senhor Jesus encontra-se onde estiverem dois ou três reunidos em nome do Senhor. É tudo tão simples que poderia parecer vazio aos olhos dos hebreus. Eles ainda estavam apegados ao templo judaico, mas precisavam se acostumar a viver sem ele, pois sua destruição estava bem próxima (Hb.8.13 ?).
O VISÍVEL E O INVISÍVEL (Aparência x essência)
Os hebreus estavam muito apegados aos aspectos visíveis do judaísmo. Aliás, o ser humano, em geral, tem essa tendência. Por isso é que muitos objetos acabam sendo incorporados à prática religiosa que, em princípio, é essencialmente espiritual. Na igreja, podemos usar recursos visíveis, uma vez que a Bíblia nos dá exemplos disso. Os lenços de Paulo curavam (At.) Contudo, precisamos ter cuidado para não elaborarmos doutrinas e condicionamentos para a nossa fé.
No Velho Testamento, Deus usa recursos visíveis com restrições. Ele mandou fazer a arca da aliança, a serpente de bronze e outros objetos, mas proibiu a fabricação de imagens de escultura como representação de Deus ou de deuses (Dt 4.12, 15-19).
Deus pode usar o visível, mas "bem-aventurados os que não viram e creram" (João 20.29). A experiência de Tomé, ao ver o Senhor Jesus ressuscitado, foi autêntica, maravilhosa, importante, mas melhor seria se ele não tivesse dependido disso. Sua fé não foi suficiente.
Em Mateus 8.5-10, temos o elogio de Jesus ao centurião que não dependia nem da presença física do Mestre para que seu servo fosse curado. Jesus disse que nem em Israel havia encontrado tanta fé. Quanto mais dependentes nós formos de elementos visíveis para sermos curados ou abençoados, menor é a nossa fé. Recursos, tais como objetos ungidos, podem até ser importantes para os neófitos na fé, mas devem ser abandonados na medida em que vai se chegando à maturidade espiritual. Não podemos fazer de um objeto ungido um amuleto.
O autor aos hebreus se esforçava por conduzi-los a um novo nível, em que não dependeriam de objetos sagrados, lugares físicos ou sacerdotes terrenos.
O autor coloca em destaque: a fé. O capítulo 11, tão utilizado quando se estuda sobre a fé, ali está com esse objetivo: mostrar aos hebreus que até mesmo seus antepassados, os pais, juízes e profetas, viveram e serviram a Deus e venceram pela fé e não por vista. Portanto, convinha que os hebreus seguissem tal exemplo e se desvencilhassem de toda dependência visual contida no cerimonial judaico.
Hb.11.1 – A fé é a certeza das coisas que não se vêem. Os leitores precisavam entrar nessa nova realidade. Não podiam mais depender da aparência. O autor enfatiza que tudo o que vemos foi feito do que não é aparente. Logo, o invisível é anterior e superior ao visível. O visível é a aparência das coisas. É algo que impressiona as pessoas e causa emoções e reações. Muitas religiões usam de grande pompa para impressionar seus fiéis. Com isso, passam a idéia de uma essência que, de fato, não existe. As pinturas, esculturas, a arquitetura e a música são alguns elementos que ajudam a montar um cenário impressionante, mas não constituem essência espiritual (Obs. II Tm.3.5).
O mundo espiritual é invisível para nós hoje, mas um dia poderemos vê-lo. Hoje, podemos falar apenas de uma "visão espiritual", como acontecia com os patriarcas (Hb.11.13,26,27). Pela fé, "vemos" o cumprimento das promessas. Um dia porém, Cristo aparecerá (Hb.9.28). Então, o invisível se tornará visível.
TERRA E CÉU
Utilizando os termos "terra" e "céu", o autor tenta fazer com que seus destinatários "mudem o foco" de sua espiritualidade.
Jesus já havia apresentado essa ênfase em sua mensagem ao ensinar sobre o Reino dos céus, tesouro nos céus, Pai nosso que estais no céu, assim na terra como no céu. Qual é a ênfase do nosso evangelho: a terra ou o céu? Valores terrenos ou valores celestiais?
Hb. 1.10 - Terra e céu.
Hb. 4.14 - Penetrou nos céus
Hb. 7.26 - Mais sublime que os céus.
Hb. 8.1 - Assentou nos céus.
Hb. 9.23 - Figura das coisas que estão no céu.
Hb. 9.24 - santuário no céu.
Hb. 12.23 - Primogênitos inscritos nos céus.
Hb. 12.25 - Aquele que é dos céus.
Hb. 12.26 - Terra e céus.
A realidade celestial
3.1 - Vocação celestial (passado). Deus nos chama.
6.4 - dom celestial (presente). Deus nos capacita.
8.5 - coisas celestiais (embora já existam, são futuras para nós).
9.23 - coisas celestiais (futuras para nós).
11.16 - pátria celestial (futura para nós).
12.22 - Jerusalém celestial. (futura para nós).
Para o escritor aos hebreus, o céu não é um lugar vazio, envolto em névoa branca. Ele fala de uma cidade celestial, de um santuário celestial e coisas celestiais, as quais se constituem em mistério para nós. Em destaque está o santuário celestial, o qual foi visto por Moisés no monte e serviu de modelo para a construção do santuário terreno. Portanto, os hebreus não deveriam ficar apegados ao terreno, mas sim ao santuário celestial, onde Cristo entrou depois de oferecer sua própria vida como sacrifício.
A SOLUÇÃO
O problema dos hebreus consistia no apego a algo bom. Como disse o apóstolo Paulo em Romanos 7, "a lei é santa e o mandamento é santo, justo e bom". O apego ao que é bom pode nos privar daquilo que é melhor. A epístola vem mostrar "o melhor" para os hebreus. Esta é a palavra chave da carta. As expressões "superior", ou "tão superior", ou "maior" ou "mais excelente", variando conforme a tradução, também são freqüentes e demonstram o pensamento do autor no seu esforço por apresentar a superioridade de Cristo e do evangelho no confronto com a lei e a velha aliança.
Melhor: Hb.1.1-4; 6.9; 7.4,19-22; 8.6; 9.23; 10.34; 11.16; 11.35; 11.40; 12.24;
Tão superior: Hb.1.4
Maior: Hb.3.3; 7.7; 9.11; 10.29; 11.26;
Mais excelente: Hb.1.4; 8.6; 11.4.
As expressões "tão superior" e "mais excelente" contém uma ênfase muito forte. Bastaria dizer que Cristo é superior ou excelente. Contudo, o autor utiliza uma terminologia que demonstra a insuperabilidade do Senhor Jesus.
A palavra de Deus nos convida à excelência (I Cor.12.31). Não devemos, pois, ter uma atitude comodista, mesmo que nossa situação espiritual seja boa. "Quem é santo, seja santificado ainda." (Ap.22.11). Avance, suba, progrida. Não existem limites para a nossa experiência com Deus.
Mostrar algo melhor para um povo que já tem um pacto com Deus é um desafio muito grande. Contudo, o autor se saiu muito bem na produção de sua apologia. Seu argumento central é a apresentação da pessoa de Jesus. É verdade que ele estava escrevendo para cristãos, pessoas que já conheciam a Cristo. Porém, ainda não haviam compreendido plenamente sua personalidade e sua obra.
Os hebreus estavam ainda apegados aos personagens do Velho Testamento: Abraão, Moisés, Aarão, Josué, Davi, profetas, anjos, etc. Então, a epístola apresenta afirmações contundentes sobre Cristo. Ele é apresentado como:
Tais afirmações destroem qualquer tentativa de comparação ou desejo de exaltação de homens ou anjos. Todos se reduzem drasticamente diante da grandeza do Senhor Jesus Cristo. Sendo assim, a graça por ele oferecida, a nova aliança, o evangelho e a igreja, estão suficientemente afiançadas para que sejam aceitos sem hesitação. Jesus é o fiador e o mediador da nova aliança (Hb.7.22; 9.15).
Na apresentação da superioridade de Cristo, apresenta-se um paradoxo. Os grandes, na concepção humana, são exaltados, servidos, obedecidos e fazem sofrer. Jesus, o maior, foi humilhado, servo, obediente e sofredor. Contudo, todo o seu sofrimento era necessário para ser nosso legítimo representante no exercício do seu sacerdócio (Hb.2.14-18).
Ao se falar no sacerdócio de Cristo, os hebreus poderiam levantar o seguinte questionamento: Como Cristo poderia ser sumo sacerdote tendo nascido da tribo de Judá? Os sacerdotes vinham da tribo de Levi. Por isso, o autor diz que Cristo era sumo sacerdote da ordem de Melquisedeque, a qual é anterior e superior à ordem de Aarão, que descendia de Levi.
Para que o impasse dos hebreus se resolvesse, eles deveriam entrar na nova realidade apresentada por Cristo: a nova aliança com Deus. A nova realidade é acessada por meio da fé. De fato, sendo judeus convertidos, eles criam em Cristo, mas ainda não usufruíam de todos os recursos da graça.
FUNDAMENTOS DA NOVA PROPOSTA
A fé e o invisível podem parecer propostas bastante vagas e propiciadoras de infinita especulação imaginativa. Já que o objeto da fé é invisível, então qualquer sugestão pode ser aceita, mesmo que seja algo inexistente? De fato, é o que ocorrido muitas vezes. Homens influentes acabam por convencer muitas pessoas a respeito de uma suposta realidade espiritual. Assim, surgem muitas religiões e seitas. Outras vezes, tal realidade é um fato, mas pertence ao domínio do mal.
Diante disso, perguntamos: qual é o fundamento da nossa fé? A fé é o fundamento das coisas que se esperam (Hb.11.1) e o fundamento da fé é a palavra de Deus. "A fé vem pelo ouvir... a palavra de Deus". (Rm.10.17). O autor da epístola aos Hebreus faz então um exame de toda a estrutura cristã, a qual poderíamos comparar a uma construção, onde cada parte está firmada sobre a anterior, que, por sua vez, precisa ser sólida e bem fundamentada.
O fundamento da nossa fé é aquilo em que nós cremos. Pela fé aguardamos que um fato aconteça. Então vem a questão crucial: o fato que se espera foi prometido por Deus? Se a resposta for positiva, então nossa fé está fundamentada na promessa, na palavra de Deus. Se a resposta for negativa, então estamos esperando algo que não virá.
Quando Pedro andou sobre as águas, seu passo de fé estava firmado na palavra de Jesus que lhe disse: Vem! O mesmo ocorreu na pesca milagrosa. Pedro disse: "Sobre a tua palavra lançarei as redes." (Lc.5.5).
Muitas pessoas dizem crer em algo apenas porque isso corresponde ao seu desejo pessoal. Se tal realização estiver no âmbito das possibilidades humanas, então pode mesmo acontecer, mas se depender de uma ação de Deus, então precisa estar fundamentada na palavra de Deus. Além da palavra escrita na Bíblia, Deus pode nos falar de modo específico, visando situações particulares da nossa vida.
Quando se faz um exercício de fé sem uma palavra de Deus como base, o resultado pode ser a frustração.
Havendo fé na palavra dita por Deus, ainda cabe, em muitos casos, a ação humana coerente com a palavra. É a obediência. Algumas profecias divinas são absolutas e incondicionais. Vão acontecer de qualquer forma. Outras vêm acompanhadas de uma ordem ou mandamento e estão condicionadas à obediência. Por exemplo, a promessa de Deus a Abraão estava ligada a uma ordem: "Sai da tua terra e da tua parentela." Sobre esta palavra, Abraão depositou sua fé e acrescentou a obediência. Abraão saiu sem saber para onde ia. Desse modo, "o que se espera" (Hb.11.1) vem. "O que há de vir virá e não tardará." (Hb.10.37). Se, por outro lado, formos incrédulos e desobedecermos à palavra, estaremos também juntando elementos que trarão o castigo, que também é um cumprimento da palavra de Deus. Contudo, sempre há um tempo para o arrependimento e a retomada do rumo certo.
Para ilustrar o conceito dos fundamentos, construímos o quadro a seguir:
O que você espera... virá???
O que você não vê... existe??
Sua fé tem base na palavra de Deus ou base na imaginação humana?
Tem base na vontade de Deus ou na vontade humana?
Seu fundamento é rocha ou areia? Jesus comparou sua palavra à rocha (Mt.7.24). A obediência, que pressupõe fé, seria a construção sobre a palavra. A desobediência também seria um tipo de construção, destinada a ruir sobre o seu construtor.
A palavra é verdadeira, mas sem fé ou sem obediência não produz o efeito desejado (Hb.3,18,19; 4.1,2,11). Aqui temos um lado positivo e um lado negativo. No esquema abaixo, temos o vazio de uma falsa fé ou uma falsa palavra.
Poderíamos desenhar um esquema semelhante a este em representação de questões legítimas de execução da vontade humana no mundo natural. Nesse caso não incluiríamos o diabo. O homem pode ter seus desejos, fazer seus planos, empenhar sua palavra, promover suas ações e fazer com que o que se espera venha a se concretizar. Contudo, isso não funciona do mesmo modo no mundo espiritual, a não ser que a vontade de Deus seja a base (I Jo.5.14-15). Podemos aplicar fé sobre tudo que pedimos a Deus? Apenas quando o nosso pedido estiver coerente com a sua palavra. Algumas vezes pedimos algo que não está contra a Bíblia, mas pode estar contra o plano específico de Deus para cada um de nós. Por exemplo, se alguém pede que Deus lhe dê riqueza, isso não está contra a Bíblia. Por outro lado, o Senhor nunca prometeu que todos os seus filhos seriam ricos materialmente. Se alguém pede, deve fazê-lo com fé. Porém, se tal pessoa não tiver recebido uma palavra específica de Deus, então sua fé pode ser como uma parede construída sobre a areia. Veja como foi diferente o caso de Salomão. Deus lhe disse: "Pede-me o que quiseres." Então, se ele tivesse pedido riqueza, sua fé estaria totalmente fundamentada. Fez melhor pedindo sabedoria. É o que precisamos para fazermos os próximos pedidos.
Às vezes pensamos que estamos fundamentados na palavra quando, na realidade, trata-se de um falso entendimento da mesma. Por exemplo, em Atos 16.31 Paulo disse: "Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua casa." Muitos usam esse versículo para esperar ou "cobrar" de Deus a salvação da família. Contudo, tal palavra foi dirigida especificamente ao carcereiro de Filipos e não se trata de uma doutrina, a qual possa ser aplicada genericamente. Um entendimento errado conduzirá à frustração. Toda a minha família pode se converter ao Senhor, mas isso não tem nada a ver com Atos 16.31, pois aquele texto não traz uma promessa para nós. O própria Paulo escreveu aos Coríntios: "Como sabes tu, ó mulher, se salvarás teu marido? ou, como sabes tu, ó marido, se salvarás tua mulher?" (I Cor.7.16). No caso do carcereiro, creio que Paulo falou por uma revelação específica destinada àquela família. O mesmo Deus pode revelar hoje. Só não podemos fazer uma regra a esse respeito.
Quando Pedro andou sobre as águas, a palavra de Jesus foi dirigida especificamente a ele. Os outros discípulos não poderiam descer do barco. Nós também não estamos autorizados a fazer viagens a pé pelo oceano.
Muitos citam Mateus 6.33 da seguinte forma: "Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e as outras coisas vos serão acrescentadas." Desse modo, poderíamos esperar de Deus tudo o que pudéssemos pedir e imaginar. Essa distorção às vezes acontece quando se fazem músicas com os versículos. Para encaixar na melodia, o versículo é mudado. Então as pessoas aprendem dessa forma. Contudo, a Bíblia diz: "Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão acrescentadas." O significado é bem mais restrito do que normalmente se diz. "Estas coisas" são as que Jesus mencionou no versículo 25: comida, bebida e vestuário. É verdade que Deus pode nos dar infinitamente mais. Contudo, o versículo não está prometendo isso. Não podemos ver ali casas luxuosas, carros, navios, empresas, etc. Seria muita criatividade da nossa parte.
A fé precisa estar fundamentada na palavra. Precisamos, portanto, entender a palavra (Dn.10.1) e saber a quem ela foi dirigida.
Observe que, em Hebreus, a "palavra", ou "promessa", ocupam lugar de destaque. A "fé" e a "esperança" do mesmo modo. A "incredulidade" é condenada. Nesse caso, a fé na promessa é substituída pela fé no castigo, a qual é chamada de "expectação terrível" (Hb.10.27).
Vejamos as ocorrências dessas palavras e outras derivadas no texto:
Palavra(s) - Hb.1.3; 2.2; 4.2,12; 5.13; 6.5; 7.28; 10.28; 11.3; 12.19,27; 13.7,22. Temos nessas passagens, quase sempre, a palavra de Deus. Aparecem também as palavras dos anjos, das testemunhas e do próprio autor da carta.
Promessa(s) - Hb.4.1; 6.12,13,15,17; 7.6; 8.6; 9.15; 10.23,36; 11.9,13,17,33,39.
Prometido - Hb.11.11; 12.26.
Fé - Hb.4.2-3; 6.1,12; 10.22,38; 11.1,3,4-9,11,13,17,20-25,27,29-31,33,39; 12.2; 13.7.
Creia - Hb.11.6.
Esperança - Hb.3.6; 6.11,18; 7.19; 10.23.
Esperando - Hb.6.15
Esperam - Hb.9.28; 11.1.
Esperando - Hb.10.13.
Esperava - Hb.11.10.
Expectação - Hb.10.27.
Incredulidade - Hb.3.12,19
Obediência - Hb.5.8.
Desobediência e desobedientes - Hb.2.2; 3.18; 4.6,11; 11.31.
Para os irmãos do primeiro século, a palavra escrita de Deus era apenas o Velho Testamento. A carta aos hebreus está bem fundamentada nessa porção das Escrituras. Afinal, não pretende negar o Velho Testamento, e sim mostrar o seu cumprimento em Cristo e no evangelho.
CITAÇÕES DO V.T. NA EPÍSTOLA AOS HEBREUS
Hebreus |
Velho Testamento |
1.5 a |
Salmo 2.7 |
1.5 b |
I Samuel 7.14; I Crônicas 17.13 |
1.6 |
? |
1.7 |
Salmo 104.4 |
1.8-9 |
Salmo 45.6-7 |
1.10-13 |
Salmo 102.25-27 |
2.6-8 |
Salmo 8.4-6 |
2.12 |
Salmo 22.22 |
2.13 |
Isaías 8.17-18 |
3.7-11 |
Salmo 95.7-11 |
3.15 |
Salmo 95.7-8 |
4.3 |
Salmo 95.11 |
4.4 |
Gênesis 2.2 |
4.5 |
Salmo 95.11 |
4.7 |
Salmo 95.7-8 |
5.5 |
Salmo 2.7 |
5.6 |
Salmo 110.4 |
6.14 |
Gênesis 22.16-17 |
7.17 |
Salmo 110.4 |
7.21 |
Salmo 110.4 |
8.8-12 |
Jeremias 31.31-34 |
10.5-9 |
Salmo 40.6-8 |
10.16-17 |
Jeremias 31.33-34 |
10.30 |
Deuteronômio 32.35 |
10.37-38 |
Habacuque 2.3-4 |
11.4-37 |
Diversos episódios do VT |
12.5-6 |
Provérbios 3.11-12 |
12.20 |
Êxodo 19.12-13 |
12.26 |
Ageu 2.6 |
13.5 |
Deut.31.6-8; Josué 1.5 |
13.6 |
Salmo 118.6 |
É digna de destaque a leitura messiânica que o autor faz dos textos citados. Temos, portanto, sólida base, para ver Cristo no Velho Testamento. É bastante forte a expressão do autor ao escrever: "Assim, pois, como diz o Espírito Santo." (3.7-11). As palavras seguintes são do Salmo 95, escrito por Davi. Notamos então que o autor reconhecia e declarava claramente que o salmo foi inspirado pelo Espírito Santo, ou podemos até dizer, "ditado" por ele. Tal reconhecimento é óbvio, mas é bom sabermos que o texto está mostrando isso, de modo que temos uma prova inequívoca de tal afirmação.
EXORTAÇÕES
O autor da epístola mostra o problema dos Hebreus e a solução necessária. Se conhecemos a doença e o remédio, o que nos resta? O tratamento. Da mesma forma, o escritor apresenta diversas exortações aos seus leitores. Não basta saber. É preciso fazer algumas coisas, enquanto outras são evitadas. As exortações são expressões imperativas que pretendem induzir à ação, ao movimento, à iniciativa. Existem atitudes a serem tomadas e acões a serem executadas em relação ao passado e ao futuro. O passado precisa ser abandonado. O futuro precisa ser focalizado, crido e realizado.
Se alguém se encontra à beira de um abismo, diversas orientações podem ser dadas. Poderíamos dizer: "Não se mova! Acalme-se! Vire-se lentamente! Dê um passo! Agora ande mais rápido! Corra!" A primeira preocupação é evitar o pior, evitar a queda. Depois procuramos mudar a situação, eliminar o risco, colocando a pessoa a salvo.
Do mesmo modo, a epístola contém exortações que podem ser agrupadas da seguinte forma:
Para evitar o pior |
Para deixar o passado |
Para conquistar o presente /futuro |
Não abandone – Hb.10.25 |
Deixemos – Hb.12.1 |
Esforcemo-nos por entrar – Hb.4.11 |
Não se endureça – Hb.3.8 |
Saiamos – Hb.13.13 |
Cheguemo-nos – Hb.4.16 |
Temamos – Hb.4.1 |
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Tendo intrepidez para entrar – Hb.10.19 |
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Aproximemo-nos – Hb.10.22 |
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Guardemos – Hb.10.23 |
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Consideremo-nos – Hb.10.24 |
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Corramos – Hb.12.1 |
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Prossigamos – Hb.6.1 |
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Sirvamos – Hb.12.28 |
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Ofereçamos – Hb.13.15 |
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Conservemos – Hb.4.14 |
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Retenhamos – Hb.12.28 |
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Apeguemos – Hb.2.1 |
Seja qual for a sua situação, "não abandone a congregação", "nem endureça o coração". Pior do que cair é desistir de caminhar. Não fique indiferente, como se nada estivesse acontecendo. Pelo contrário, reconheça sua posição de risco e "tema" pelo mal que pode vir. Até agora, estamos tratando com atitudes. Observadas tais admoestações, outras atitudes devem ser tomadas. Existe um passado a ser deixado. O pecado e o embaraço precisam ser abandonados a fim de que, livres de todo peso, possamos avançar na direção que o Senhor nos apresenta. Os hebreus precisavam sair de uma situação indesejável e entrar na nova realidade proposta.
Os hebreus estavam um tanto quanto deslocados em relação ao propósito de Deus. Por isso são convidados a entrar. Estavam distantes. São convidados a se aproximar do trono da graça. Não podemos seguir a Cristo de longe. Estavam lentos (5.11-12) em sua jornada espiritual. O autor os convida a "correr" (12.1). O plano de Deus é urgente. O Senhor não está limitado pelo tempo, mas nós estamos e, por isso, não podemos demorar.
O verbo "cheguemo-nos" encontra-se na voz reflexiva. Indica um tipo de ação em que nós somos, ao mesmo tempo, sujeito e objeto. É uma ação que o indivíduo executa sobre si mesmo. Isso significa algo pessoal e intransferível, como acontece com muitas atitudes humanas diante de Deus. Nosso posicionamento espiritual não pode ser decidido ou resolvido por outra pessoa. Ninguém vai nos aproximar de Deus. O que ele decidiu fazer por nós nesse sentido, ele já fez. Jesus já veio e já subiu "abrindo um novo e vivo caminho" (Hb.10.20). O caminho está aberto. Entrar, caminhar, correr, aproximar, são ações que dependem de cada um.
A observação dos verbos mencionados, seu tempo, modo e pessoa, muito nos ensina. A maioria dos verbos se encontra conjugada na primeira pessoa do plural. Isso mostra que o autor se inclui em quase tudo o que diz, em quase todas as propostas que faz. Temos aí uma nota de humildade. Ele não apenas aponta o caminho e o trabalho, mas se coloca em posição de também fazer tudo o que está sendo comandado. É uma atitude desejável para os que pregam, ensinam ou lideram.
Os verbos "retenhamos", "apeguemos", "guardemos" e "conservemos" nos mostram claramente que algo podia ser perdido pelos hebreus. O risco da apostasia está evidente em todas essas expressões.
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Anísio Renato de Andrade – Bacharel em Teologia.
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BIBLIOGRAFIA
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