O servo do Senhor
Texto: Isaías 49.1-4
"Ouvi-me, ilhas, e escutai vós, povos de longe: O Senhor chamou-me desde o ventre, desde as entranhas de minha mãe fez menção do meu nome, e fez a minha boca qual espada aguda; na sombra da sua mão me escondeu; fez-me qual uma flecha polida, e me encobriu na sua aljava; e me disse: Tu és meu servo; és Israel, por quem hei de ser glorificado. Mas eu disse: Debalde tenho trabalhado, inútil e vãmente gastei as minhas forças; todavia o meu direito está perante o Senhor, e o meu galardão perante o meu Deus."
Introdução: Este texto fala sobre o servo do Senhor. Quem é este servo? Assim como acontece com muitas passagens bíblicas, esse texto tem múltiplas aplicações. Em primeiro lugar, o profeta Isaías fala de si mesmo. Observe que ele usa o pronome pessoal da primeira pessoa: "eu" (v.4). Em segundo lugar, o servo do Senhor é a nação de Israel (v.3). Em terceiro lugar, em se tratando de uma profecia messiânica, o servo do Senhor, por excelência, é o próprio Senhor Jesus. O verso 7 diz que esse Servo seria adorado. Em último lugar, entendemos que muito do que o texto fala sobre o servo do Senhor, pode ser aplicado a cada um de nós que, em qualquer tempo ou lugar, servimos a Deus.
Essa frase nos fala de um processo. O verbo "fazer" implica em um trabalho, através do qual o Senhor molda o caráter do servo. A ilustração utilizada é a flecha. O guerreiro toma em suas mãos um pedaço de madeira, que talvez, no estado em que se encontrava, não serviria para nada. Seria apenas mais um pedaço de lenha à espera do fogo. Mas o guerreiro, ao olhar para aquele pedaço de pau, já sabe em quê suas mãos poderão transformá-lo. É assim que Deus nos olha, não levando em conta o que fomos, ou o que somos, mas aquilo que viremos a ser em suas mãos. Todos os servos do Senhor passam por um processo para que se tornem aquilo devem ser. Desse modo, por meio da Palavra, das repreensões, dos conselhos, dos exemplos, das circunstâncias, do Espírito Santo, etc, Deus vai nos tornando cada vez mais semelhantes ao Servo padrão: o Senhor Jesus Cristo.
A flecha é nada, a não ser que esteja à disposição do guerreiro. Em suas mãos ela será útil e eficiente. É com ela que o inimigo será atacado. Por meio de nós o Senhor haverá de pisar a cabeça de Satanás (Rm.16.20). Se não estivermos nas mãos do Senhor, seremos inúteis.
O servo do Senhor é comparado à flecha polida. Isso significa que ela está limpa e brilhante. A flecha pode ter sido feita com muito empenho, mas, se estiver, por exemplo, carregada de barro, não servirá para o guerreiro. Nem por isso será jogada fora, mas colocada de lado temporariamente até que seja limpa. Outra será usada em seu lugar naquele momento. Nesse caso, a sujeira será um peso. A flecha precisa estar livre de qualquer corpo estranho que venha comprometer sua leveza e aerodinâmica. O servo do Senhor precisa estar limpo e brilhante. Precisamos limpar nossas mãos através do perdão que encontramos por meio do sangue de Jesus. Estando limpos, o brilho do Senhor se refletirá em nossa face. Somos como espelhos e, se estivermos limpos, refletiremos a imagem do Senhor em nós (II Cor.3.18).
A aljava é um tipo de sacola que o guerreiro leva nas costas. Ali ficam guardadas as flechas. Estão protegidas. Ninguém as toma do guerreiro. Assim, os servos do Senhor estão guardados. O servo precisa estar assim, sempre à disposição do Senhor. Ele pode usá-lo em qualquer momento. Não podemos escolher a hora de trabalhar. O Senhor é quem decide.
Precisamos nos perguntar: estamos à disposição do Senhor? Quando ele "enfiar a mão na aljava", vai encontrar as flechas prontas, limpas, brilhantes e disponíveis? Quando o Senhor nos enviar, estaremos prontos para ir? Alguns apresentam uma lista planos que se tornam obstáculos ao plano de Deus (Mt.22.1-14). Estes não estão na aljava do Senhor. Portanto, não serão úteis.
A flecha é lançada numa direção e com um propósito específico. Assim, o servo do Senhor precisa ir para onde o Senhor mandar. Talvez isto signifique deixar uma lugar confortável para ir a um local desconhecido para executar o plano de Deus (Gn.12-1.3).
Estar na aljava representa também estar esperando o tempo certo para executar a missão. Esse aspecto pode ser muito complicado. Queremos agir, agir logo, de qualquer modo. Quando precisamos esperar ficamos ansiosos. Mas pensemos no exemplo do próprio Senhor Jesus: Até os 30 anos de idade ele "ficou na aljava do Pai". Não fez discípulos, não curou enfermos, não ressuscitou mortos, não evangelizou, etc. No dia em que se apresentou para ser batizado por João, Jesus começou seu ministério público. A flecha foi lançada.
Muitos servos do Senhor foram chamados para grandes obras, mas não vêem nada se concretizando. Ficam ansiosos e querem tomar iniciativas para "ajudar" o Senhor. Lembre-se do caso de Abraão. Achando que Isaque demorava muito, providenciou Ismael. Criou um problema que traz conseqüências até hoje. Outro exemplo é o de Saul. Vendo que Samuel demorava, resolveu ele mesmo fazer o sacrifício. Por isso, foi rejeitado pelo Senhor. Precisamos saber esperar até que o Senhor nos diga: "É agora. Vá em frente." Até lá estaremos sendo preparados, limpos e guardados.
Estar na aljava também significa estar escondido. Isso é muito incômodo, pois é natural (e carnal) que queiramos aparecer. Precisamos resistir a esse desejo. Quem muito aparece, ganha muita pedrada. As maiores torres são as mais visíveis e mais famosas. Consequentemente, são as mais expostas aos ataques. Lembre-se do World Trade Center. Estejamos numa posição discreta, enquanto esperamos, humildemente, a ordem para executarmos determinado trabalho. Certamente, o Senhor não nos deixa ociosos. Enquanto ainda não fomos enviados para realizar determinada missão, ele nos dá outras tarefas para executarmos.
Esse é o objetivo do nosso trabalho: a glória de Deus. Não é a glória do homem. Não é a glória para o servo. A glória é do Senhor. Qual é o propósito do seu trabalho na obra de Deus? Reconhecimento humano? Dinheiro? Fama? Posição social na igreja? Cuidado. O propósito do nosso trabalho deve ser a glória de Deus para Deus. Quando o nosso propósito é egoísta, começamos a rejeitar determinadas tarefas que nos são atribuídas porque avaliamos que elas não nos trarão o benefício que esperamos. Então, pregar numa igreja pequena, que não nos dará nenhuma oferta financeira, não será atraente se estivermos trabalhando pelo dinheiro. Quando trabalhamos para a glória de Deus, nossa visão é outra. Lembre-se do evangelista Filipe: saiu de uma cidade, onde o evangelho progredia, e foi para a beira de uma estrada evagelizar 1 homem eunuco (At.8).
O Senhor diz algo e o servo fala o contrário. Quantas vezes nos falta o ponto de vista de Deus a respeito do evangelho, da igreja, da missão ou sobre nós mesmos! Fazemos então julgamentos errados. Pensamos que o nosso trabalho é inútil. Filipe evangelizou e batizou 1 homem no caminho de Jerusalém para Gaza. Julgando humanamente, poderíamos dizer: "Que desperdício, Filipe! Você deveria fazer uma série de conferências em Jerusalém, e não ficar gastando seu tempo precioso pregando para um homem só". Entretanto, aquele homem era um ministro da rainha da Etiópia (At.8.27). Portanto, sua conversão significaria a entrada do evangelho em seu país. Deus vê o que nós desconhecemos. Quantas vezes nos falta a visão do resultado do nosso trabalho. O problema é que talvez estejamos esperando resultados visíveis que aumentem o nosso próprio crédito. Então, a frustração talvez seja natural. Mas se estamos trabalhando para a glória de Deus, encontraremos motivo para nos regozijarmos. Muitas vezes, o efeito do nosso trabalho é espiritual, é invisível. São pecados evitados, são corações tranformados, consolados, edificados, restaurados. Não vemos essas coisas e muitas vezes nem ficamos sabendo. Isso é até bom para que não nos ensoberbeçamos, pensando que somos grandes servos de Deus. Isso seria um paradoxo. Não existem grandes servos. Todo servo é pequeno. Grande é o Senhor.
"Todavia o meu direito está perante o Senhor, e o meu galardão perante o meu Deus."
Quando fazemos o que Deus nos mandou fazer, nosso trabalho não é vão. Querido irmão, o Senhor vai recompensá-lo por todo o seu esforço em prol do reino de Deus. Ele vê suas dificuldades e recolhe suas lágrimas. Somos como aqueles servos da parábola dos talentos. O Senhor se retirou para uma terra distante. Em breve ele voltará, trazendo consigo a recompensa para cada um dos seus servos. Porém, somente serão premiados aqueles que foram fiéis no seu serviço diante de Deus. (Mt.25.14; Gálatas 6.9).
Precisamos, portanto, reconhecer o chamado e assumir nosso papel de servos. Apresentemo-nos ao Senhor para que ele nos prepare, nos limpe e nos use para a sua glória.
Anísio Renato de Andrade
Bacharel em teologia
24/11/2001