APÊNDICE Nº 1 – DONS ASSISTENCIAIS
Os dons assistenciais têm por finalidade a atuação na integração do corpo de Cristo, na formação da sua unidade.
Texto áureo “Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação, assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros.” (Rm.12:4,5).
INTRODUÇÃO
– Em complemento ao estudo dos dons espirituais e ministeriais, analisaremos os chamados “dons assistenciais” ou “dons de serviços”, ou, ainda, “dons espirituais de ministérios práticos”, que se encontram elencados em Rm.12:6-9.
– Os dons assistenciais têm por finalidade a atuação na integração do corpo de Cristo, na formação da sua unidade.
I – O CONTEXTO DA RELAÇÃO DOS DONS EM RM.12:6-9
– Em complemento ao estudo dos dons espirituais e ministeriais, analisaremos os chamados “dons assistenciais”, ou “dons de serviços”, ou, ainda, “dons espirituais de ministérios práticos”, que se encontram elencados em Rm.12:6-9.
– Tais dons encontram-se relacionados em uma das quatro listas de dons constantes das epístolas do apóstolo Paulo, sendo que três delas são consideradas como listas “distintivas”, ou seja, que contêm um conjunto de dons da mesma natureza, enquanto que uma delas, a que se encontra em I Co.12:28, seria uma “miscelânea”, ou seja, uma mistura de dons de naturezas diversas.
– Para que possamos entender a natureza dos dons de cada uma das listas “distintivas”, faz-se necessário compreender o contexto em que elas foram inseridas pelo apóstolo, já que “texto sem contexto é um pretexto”, como ensinava o saudoso pastor Severino Pedro da Silva (1946-2013).
– Assim, na relação dos dons espirituais constantes de I Co.12:8-11, o contexto era a necessidade de o apóstolo Paulo ensinar algo a respeito do uso dos dons espirituais para a igreja de Corinto, ocasião em que, para ensinar qual o propósito dos dons e seu papel na tarefa da igreja, fez-se necessário dizer a que dons estava ele se referindo, ou seja, a manifestações sobrenaturais esporádicas do Espírito Santo sobre a vida de alguns crentes que eram escolhidos pelo Espírito para serem os portadores de tais manifestações.
– Já em relação aos dons ministeriais, elencados em Ef.4:11, o apóstolo Paulo os mencionou dentro do contexto do ensino a respeito da unidade da Igreja, unidade que se construía em meio à diversidade, mas unidade que impunha a existência de um governo para que se tivesse uma edificação em amor. Assim, vemos que os dons ministeriais estão relacionados com o governo da Igreja e sua edificação bem ajustada.
– Com respeito aos dons assistenciais, não é diferente. O contexto da relação de Rm.12:8-11 é o início da parte prática da epístola aos Romanos, onde, após ter dissertado sobre o sentido da justificação pela fé, Paulo começa a mostrar aos crentes de Roma como deveriam viver aqueles que haviam sido justificados pela fé.
– Assim, após mostrar que o relacionamento com Deus do salvo, daquele que foi justificado pela fé, é marcado pela existência de um culto racional, caracterizado pela santidade, o apóstolo também começa a mostrar aos crentes romanos que a vida cristã também é caracterizada pelo serviço a Deus, ou seja, a adoração a Deus não consiste apenas num relacionamento íntimo de espírito e verdade para com Deus, mas, também, em obras, em ações concretas, que, além de nos manter em comunhão com o Senhor, também permite a construção da unidade entre os membros do corpo de Cristo.
– Em o nosso relacionamento com Deus, não há apenas o aspecto de tributarmos ao Senhor o culto que só a Ele é devido, como também o de conhecermos qual é a Sua vontade.
Existe um outro aspecto importante, qual seja, o de que, enquanto seres humanos, vivemos em sociedade, em grupos, de modo que não podemos nos esquecer que o nosso relacionamento com Deus também tem de levar em consideração os outros. O apóstolo não se esquece disto e, ao nos falar do relacionamento nosso com Deus, também nos fala da repercussão que deve ter este relacionamento no nosso trato com as demais pessoas.
– Em primeiro lugar, mostra-nos que, no nosso culto racional a Deus e na nossa transformação e não conformidade com o mundo, é fundamental que tenhamos noção de que somos “uma peça na engrenagem da obra de Deus”, que somos um dos membros do corpo de Cristo, que é a Igreja, este povo formado por gentios e judeus que creram em Jesus Cristo e, por isso, foram justificados.
– Esta compreensão é fundamental para que nossa vida espiritual seja frutífera e possamos cumprir o propósito de Deus nas nossas vidas. Não vivemos para Deus apenas, mas, vivemos para Deus como instrumentos a favor dos outros que nos cercam. Somos membros de um corpo (Rm.12:4,5). Desta maneira, quando cultuamos ao Senhor, devemos levar em conta a posição que ocupamos no reino de Deus.
– Na antiga aliança, este era um dado importante na discriminação e na determinação da oferta que haveria a pessoa de apresentar ao Senhor. Embora Deus não faça acepção de pessoas, característica que deixou patente já no tempo da lei (Dt.10:17), é fato que, dependendo da posição ocupada pela pessoa na sociedade israelita, diferentes eram as ofertas (Lv.4:22; 19:22), isto para nos indicar que cada um tem um determinado papel e uma posição na obra do Senhor.
Não se trata de ser um maior do que o outro, até porque, na Igreja, o princípio norteador é de que os maiores devem ser os que mais servem (Mc.9:33-37; Lc.22:24-27), mas de haver uma consideração de que não estamos isolados em o nosso relacionamento com Deus, mas que a nossa comunhão com Deus também tem um aspecto voltado para os demais que estão à nossa volta, porque Deus não apenas mantém comunhão com cada um de nós, mas com o Seu povo, do qual somos integrantes.
– Quando levamos em consideração este prisma social do nosso relacionamento com Deus, temos de assumir uma posição de humildade e de moderação na nossa vida cristã. Paulo é bem claro ao afirmar que “não devemos saber mais do que convém saber”, que devemos “saber com temperança conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um”(Rn.12:3).
Ao tomarmos consciência de que fazemos parte de um corpo, imediatamente temos de agir certos de que não cabe a nós fazer todas as coisas na obra do Senhor, mas que devemos tão somente fazer aquilo que o Senhor deseja, porquanto a obra do Senhor é para ser feita de modo coletivo. OBS: Na Bíblia da Linguagem de Hoje, a tradução leva-nos para um aspecto que também deve ser aqui explorado, qual seja, o de não acharmos que somos mais do que efetivamente representamos na obra de Deus.
Diz o texto de Rm. 12:3b daquela versão: “cada um dentre vós que não tenha de si mesmo mais alto conceito do que convém; mas que pense de si sobriamente, conforme a medida da fé que Deus, repartiu a cada um.” Sejamos humildes e não pensemos que somos indispensáveis na obra, a única pessoa que presta ou que vale a pena em nossa comunidade.
– Jesus, sendo Ele o próprio Filho de Deus, jamais quis fazer tudo sozinho, mas, para nos dar o exemplo, teve um ministério compartilhado com os Seus discípulos e com os homens em geral. A todo instante, vemos Jesus fazendo aquilo que Lhe cabia fazer, mas jamais fazendo aquilo que os outros poderiam e deveriam fazer.
Ressuscitou Lázaro, algo que só Ele podia fazer, mas mandou que as pessoas tirassem a pedra do sepulcro, algo que poderia ser feito sem sua intervenção; ressuscitou o filho da viúva de Naim, mas mandou que parassem com o cortejo fúnebre, como também que a mãe parasse de chorar; multiplicou os pães e os peixes, mas mandou que os discípulos repartissem o povo e, depois, distribuíssem os pães e os peixes à multidão; pôs uma moeda na boca de um peixe, que pagava o Seu tributo e o de Pedro, mas mandou que Pedro pegasse o anzol e fosse ao ribeiro pescar; transformou a água em vinho, mas mandou que os servidores da casa enchessem de água as talhas de madeira e que depois levassem a água feita vinho para que o mestre-sala a provasse.
– Se Jesus não fez todas as coisas, Ele que é o único que tinha todos os ofícios divinos (rei, sacerdote e profeta), todos os dons divinos, pois é o próprio Deus, por que nós, que somos Seus discípulos, poderíamos querer fazer tudo sozinhos? Somos limitados e dependemos da união de todos os servos de Deus para que, no conjunto, tenhamos o corpo de Cristo e, assim, vençamos o maligno e cumpramos a nossa missão de evangelização do mundo e aperfeiçoamento dos santos.
– Como é importante que, nos dias em que vivemos, tão difíceis e trabalhosos, não nos deixemos contaminar pelo individualismo e pela competição acirrada que caracteriza a vida mundana dos nossos dias.
A bênção do Senhor depende da existência de um ambiente de união entre os irmãos (Sl.133) e isto só ocorrerá se tivermos consciência de nossa dependência não só de Deus mas também do próximo, em especial, dos domésticos da fé, no que concerne à vida espiritual.
Precisamos uns dos outros e, em virtude disto, só nos cabe fazer aquilo que nos foi dado pelo Senhor. Não sejamos “supercrentes”, nem nos consideremos superiores aos outros, mas que cada um saiba o que convém saber, exerça a função que o Senhor lhe outorgou, sabendo que precisa ser complementado pelos demais irmãos em Cristo Jesus.
– Paulo tinha autoridade moral para assim exortar os crentes de Roma, porque, por mais de uma vez, ao longo do seu ministério, mostrou que tinha consciência desta sua necessidade de outros irmãos.
Aos coríntios, por exemplo, lembrou que seu ministério era de evangelista e não de pastor (I Co.1:17), tendo, também, lembrado àquela igreja que sua tarefa tinha sido complementada pela de Apolo (I Co.3:6).
O apóstolo mostra que não é uma pessoa infalível, acima das demais, mas que todos devem, unidos, fazer a obra de Deus, cumprindo cada um o seu papel. Jesus edificou a Igreja, os “reunidos para fora”, ou seja, um grupo social que, como tal, não pode servi-l’O a não ser em conjunto.
Tanto assim é que, mesmo quando encontramos algum servo do Senhor mantido em isolamento forçado, como é o caso de Pedro, quando foi preso por Herodes, ele não estava só, mas, enquanto parecia estar Pedro servindo a Deus na solidão, a igreja mantinha contínua oração por ele (At.12:5).
– Após dar conta desta realidade, o apóstolo faz uma enumeração de dons existentes na igreja do Senhor, relação esta que, a exemplo do que ocorre em outras relações que o apóstolo faz em suas cartas, não é exaustiva, nem tampouco, no trecho que estamos a analisar, preocupa-se em diferenciar entre dons espirituais ou dons ministeriais.
Isto se dá porque Paulo trata destes assuntos na parte prática de suas epístolas, ou seja, no instante em que preocupado está não em definir o que sejam os dons, mas em apontar como eles podem e devem ser exercidos no dia-a-dia do serviço cristão.
Portanto, antes de vermos contradições ou incoerências nas relações de dons, devemos analisar o contexto e observar que Paulo não está aqui a fazer uma análise “teológica” dos dons, mas em mostrar que os dons devem ser exercidos com o propósito de fazer com que cada crente complemente o outro no exercício dos dons que Deus lhe deu.
– Na perspectiva do serviço cristão, assim como no da salvação, é importante salientarmos que tudo o que há na igreja são “dons”, ou seja, faculdades, capacidades que não provêm do ser humano mas que foram dados por Deus. Tudo é dom, tudo é algo que se encontra de posse do filho de Deus porque houve a vontade divina de transferir ao Seu filho e a aceitação por parte do filho de Deus.
– É preciso que tenhamos esta consciência, ou seja, de que o proprietário das faculdades e capacidades é o próprio Deus, que é o doador e que, numa doação, temos três características básicas, como nos ensina a ciência do direito, a saber:
a) a vontade de transferência do doador ao donatário – Deus quis transferir estas faculdades e capacidades que Lhe são próprias aos salvos.
b) a vontade de receber do donatário – Os salvos aceitaram receber os dons transferidos pelo Senhor
c) a submissão da doação ao encargo – Deus transferiu estas faculdades e capacidades com uma responsabilidade, qual seja, a de que o dom seja exercido para a Sua obra, conforme os ditames por Ele estabelecidos.
– As doações feitas por Deus são o que os juristas denominam de “doações com encargo”. “…Encargo é a cláusula acessória aderente a um ato de liberalidade inter vivos (doação) (…) que impõem um ônus ou uma obrigação à pessoa (…) contemplada pelos referidos atos…” (DINIZ, Maria Helena. Código civil comentado, p.140).
Como o Senhor nos deixa claro na parábola dos talentos, quando recebemos algum dom da parte de Deus, este dom é dado com um ônus, com uma responsabilidade. Se não se cumpre com este ônus ou com esta responsabilidade, no direito, a doação pode ser revogada, ainda que alguns entendam que tal coisa não ocorra em se tratando do nosso relacionamento com Deus, pois os dons do Senhor seriam sem arrependimento (Rm.11:29), mas, até para estes que assim entendem, a inexecução, porém, ocasionará severa responsabilização por parte daqueles que não cumprirem a ordem do Senhor (cf. Mt.25:24-30).
II – OS DONS MENCIONADOS EM ROMANOS 12
– O apóstolo, então, passa a mencionar alguns dons, inclusive explicitando os encargos existentes para cada um. Na epístola aos romanos, vemos, na relação, a presença tanto de dons espirituais (profecia), como dons ministeriais (profecia, ministério, ensino, exortação, repartição, presidência e exercício de misericórdia), num total de sete dons.
Matthew Henry, em seu Comentário Bíblico, chega mesmo a dizer que, na verdade, a relação apresentada se reduziria a apenas dois dons: a profecia e o ministério, o primeiro atinente aos bispos (ou pastores, ou, ainda, presbíteros) e o segundo, aos diáconos.
Caberia aos bispos o ensino, a exortação e a presidência e aos diáconos, a repartição e o exercício de misericórdia. – O primeiro dom mencionado nesta relação é a profecia, designação que abrange tanto o dom ministerial de profecia (Ef.4:11) quanto o dom espiritual de profecia (I Co.12:10), havendo quem defenda que o dom aqui mencionado seja apenas o dom ministerial de profecia, o que entendemos até seja, mesmo, uma interpretação correta, vez que se coaduna com o contexto de serviço cristão da argumentação do apóstolo.Com relação a este dom, nada falaremos, eis que há uma lição específica sobre ele neste trimestre.
– Limitar-nos-emos a lembrar que, no contexto do serviço cristão, diz o apóstolo em Romanos 12, que a profecia é dada segundo a medida da fé, ou seja, seja o dom ministerial, seja o dom espiritual estão sujeitos, em sua concessão e amplitude, à fé que tenha o agraciado com este dom.
É por isso que toda palavra profética está sujeita ao julgamento da igreja (I Co.14:29), pois deu Deus este dom mas o submetendo ao livre-arbítrio de cada um dos profetas (ministros ou portadores de dons espirituais).
Eis o principal motivo pelo qual não pode jamais a profecia prevalecer sobre a Palavra de Deus. Embora possua esta limitação, lembremos que a falta da manifestação da profecia é um fator que contribui decisivamente para a corrupção do povo (Pv.29:18).
– Neste ponto, devemos reproduzir aqui feliz ensinamento do pastor e teólogo Jormicezar Fernandes da Rocha, de Ouro Preto do Oeste/RO: “…Fé como medida. Parâmetro divino para concessão de dons espirituais, como se vê em Rm.12:3,6e Ef.4:7. Jesus tinha o Espírito e dons de modo pleno, nós, porém, segundo a medida da nossa fé.
Eis a razão porque uns recebem mais e outros menos. Se aumentar o reservatório, poderá receber mais. Se Deus conceder mais que a capacidade do depósito, vai sobrar, entornar e desperdiçar.
Deus não faz isso. Quer mais dons, poder etc., aumente a medida da fé.…” (A excelência do ministério cristão: valorizando o que é excelente. EBOADERON 2013, p.56). Não é por outro motivo que os discípulos, certa feita, pediram ao Senhor Jesus: “Acrescenta-nos a fé” (Lc.17:5).
– O segundo dom mencionado em Romanos 12 é o dom de ministério, ou seja, o de serviço, que consiste na “…disposição, capacidade e poder, dados por Deus, para alguém servir e prestar assistência prática aos membros e aos líderes da igreja, a fim de ajudá-los a cumprir suas responsabilidades para com Deus (cf. At.6:2,3)…” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, nota a Rm.12.7, p.1722).
Nos dias em que vivemos, onde muitos só querem “ser cabeça e não cauda”, a disposição para ser ajudante, assistente, adjunto, coadjutor é muito pequena entre muitas pessoas. No entanto, quando vemos a biografia dos grandes homens de Deus, sempre verificamos que eles não estavam sós e que seus ministérios dependiam, sempre, de pessoas que estavam dispostas a ajudá-los.
Moisés tinha Arão, Hur e Josué; Davi, Joabe, Abisai e seus valentes; Salomão, uma equipe ministerial de primeira linha; Elias, Eliseu e Eliseu, por sua vez, o seu moço; Jeremias, Baruque e o próprio Senhor Jesus, os discípulos, incluídas aí as mulheres que acompanhavam Jesus em Seu ministério (Lc.8:3). Todos nós necessitamos, e muito, daqueles que estejam dispostos a nos ajudar, sem o que nosso trabalho não poderá ser efetuado.
Saibamos valorizar aqueles que ajudam e os que são chamados a ajudar não se sintam menosprezados, pois seu papel é fundamental para o sucesso daquele que é ajudado.
Lembremos todos que um só é o Senhor, tanto dos assistentes quanto dos titulares (cf. Ef.6:9). OBS: Nós mesmos damos graças a Deus pelos irmãos que o Senhor tem posto para nos ajudar nas nossas atividades na Sua obra, sem os quais jamais poderíamos receber as bênçãos que temos recebido ao longo destes anos em que temos servido a Deus.
– Àqueles que são chamados para servir, para ajudar, manda o apóstolo que, efetivamente, ajudem, que sirvam, que auxiliem. É com tristeza que temos verificado, a cada dia, que, nas igrejas locais, aqueles que são postos como auxiliares não o fazem, ostentam apenas uma denominação de “vice-superintendente”, “professor assistente”, “segundo secretário”, “segundo tesoureiro” , “regente auxiliar”, “vice-líder” e assim por diante mas que, no momento da ajuda, não comparecem, não são assíduos e não demonstram sentido algum de responsabilidade, justificando que “estão ali apenas para ajudar, se for necessário”, confundindo ajuda com substituição.
Paulo é bem claro ao mostrar que os que têm o dom de ministério devem fazê-lo, ou seja, devem estar dispostos a ajudar, a auxiliar, não apenas substituir na falta ou na impossibilidade.
Ajudar não é substituir, muito menos suceder, mas estar ao lado e disposto a fazer o que for necessário, mesmo na presença de quem é o responsável. Será que temos cumprido o encargo da ajuda? Lembrem-se de Eliseu que, só obteve porção dobrada do Espírito que repousava sobre Elias porque se dispôs a estar ao lado do profeta até o instante final e derradeiro do ministério. Só quem ajuda fielmente será exitoso numa eventual sucessão.
– O terceiro dom mencionado é um dom muito caro aos professores de Escola Bíblica Dominical, o dom do ensino, “…a disposição, capacidade e poder dados por Deus para o crente examinar e estudar a Palavra de Deus, e de esclarecer, expor, defender e proclamar suas verdades, de tal maneira que outras pessoas cresçam em graça e em piedade…” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, nota a Rm.12:7, p.1722).
O ensino foi posto pelo Senhor Jesus ao lado da evangelização como tarefa primordial da Igreja sobre a face da Terra (Mt.28:19,20), até porque o ministério terreno de Cristo pode ser resumido a duas tarefas: fazer e ensinar (At.1:1). Isto nos mostra como é importantíssimo este dom ministerial na Igreja, pois a falta de conhecimento gera a destruição do povo (Os.4:6). Não é por outro motivo que não se concebe que alguém seja separado para o episcopado sem que tenha condições para ensinar (I Tm.3:2), característica que sempre deve existir na vida de um obreiro (II Tm.2:24).
– Infelizmente, nos dias em que vivemos, repete-se na grande maioria das igrejas locais brasileiras o mesmo desprezo que os mestres têm tido no país, onde o professorado é aviltado de forma vergonhosa.
Muitos são os ministros que não têm aptidão para o ensino, o que é uma lástima e um retrocesso na igreja, algo que não se pode justificar com o crescimento quantitativo e que, por causa do descaso para com o ensino, jamais poderá se tornar em crescimento qualitativo do povo de Deus.
Como se não bastasse isso, até pela falta de capacidade por parte dos ministros, o espaço do ensino da Palavra tem diminuído de forma brutal nos últimos anos em muitas igrejas locais, num estado extremamente perigoso e que precisa ser revertido. Já há igrejas que não têm mais Escolas Bíblicas Dominicais e muitas têm-no só formalmente, com uma frequência que está na média dos 20%(vinte por cento), o que é preocupante, muito preocupante.
A falta de ensino leva à destruição do povo de Deus e é preciso acordarmos para isso. As heresias e os modismos têm encontrado guarida em nosso meio por causa deste menosprezo a que tem sido relegado o ensino em nossas igrejas locais.
Despertemos enquanto é dia, antes que seja tarde demais! – Para o dom do ensino, exige-se a dedicação ao ensino, segundo a Versão Almeida Revista e Corrigida(a Tradução Brasileira e a Bíblia na Linguagem de Hoje também seguem esta linha), que, entretanto, põe “dedicação” em itálico, ou seja, admite que a palavra é resultado de uma inferência do tradutor, não do texto literal(a Versão Almeida Revista e Atualizada usa a expressão “esmere-se no fazê-lo”). A maior parte das versões diz apenas que quem tem o dom do ensino, que ensine. Aqui, portanto, temos a mesma mensagem relativa ao dom de servir.
O mestre não deve gerar polêmicas, mostrar erudição, criar dificuldades bíblicas, mas, bem ao contrário, deve ensinar, ou seja, fazer com que as outras pessoas entendam o texto bíblico, compreendam a Palavra de Deus e, por isso, melhorem os seus caminhos diante de Deus.
O mestre cristão tem como objetivo primordial fazer com que seus alunos fiquem mais crentes, mais santos, mais justos. É este o alvo a ser buscado e somente quando darmos condições para que as pessoas sejam esclarecidas e resolvam, por meio deste esclarecimento, servir mais a Deus, é que se terá cumprido o papel imposto ao ensinador.
– O quarto dom mencionado em Romanos 12 é o dom de exortação, que a Nova Versão Internacional traduz por “dom de dar ânimo”. Exortar é incentivar, estimular, animar. Na vida terrena, temos, sempre, aflições, como nos disse o Senhor Jesus, mas é necessário que tenhamos sempre bom ânimo.
Este ânimo é dado pelo Senhor e, portanto, é fundamental que as pessoas a quem o Senhor tem concedido este dom o exercitem, de modo a impedir que os crentes sejam tomados pelo desânimo, em especial nos instantes de aumento da iniquidade como os vividos pela Igreja neste período imediatamente anterior à vinda do Senhor.
– O bom ânimo, a disposição é fundamental para que se faça algo na obra do Senhor. Quem nos mostra é o próprio Deus, que deu palavras de ânimo a Josué antes que se iniciasse, efetivamente, a sua gestão diante do povo de Israel (Js.1:6), como também o conselho que Davi, homem segundo o coração de Deus, ministrou a seu filho Salomão, pouco antes de morrer e após ter mandado aclamá-lo como novo rei sobre Israel(I Cr.22:13; 28:20) ou palavras de Jesus em algumas ocasiões (Mt.9:2,22; Mc.6:50; Lc.8:48). Paulo, mesmo, usou deste dom no retorno às igrejas que fundara ao término da sua primeira viagem missionária (At.14:22).
– Também em relação a este dom, o encargo diz respeito a colocá-lo em prática. É preciso “usar esse dom em exortar”. Não é fácil, notadamente nos dias em que vivemos, em que se intensificam as mazelas decorrentes da impiedade crescente da humanidade.
Entretanto, é preciso que incentivemos e estimulemos as pessoas a seguir as Escrituras, a cumprir a Palavra de Deus, a confiar no Senhor. Muitos hoje têm comichão nos ouvidos, querendo apenas ouvir aquilo que desejam, aquilo que lhes permita continuar vivendo nas suas concupiscências (II Tm.4:3), mas é fundamental que os exortadores do nosso tempo tenham coragem e estimulem o povo a servir a Deus.
Exortar não é machucar nem ferir as pessoas, como alguns equivocadamente pensam, mas toda exortação tem de pronunciar a verdade, ou seja, de que devemos cumprir a Palavra de Deus, não se desviando dela nem para a direita, nem para a esquerda.
OBS: A versão da Bíblia Viva de Rm.12:8 apresenta-nos uma tradução que é bem elucidativa: “Se é pregador, veja que seus sermões sejam enérgicos e proveitosos”.
– O quinto dom mencionado em Romanos 12 é o de repartição, que a Nova Versão Internacional traduz por “contribuir”. Jesus disse que sempre haveria pobres sobre a face da Terra (Jo.12:8), não fugindo desta realidade nem mesmo aqueles que pertencem à igreja, como nos mostra o episódio que levou à criação do diaconato (At.6:1-3).
Desde o início da história da igreja, havia aqueles que padeciam de necessidades para sobreviver (cf. At.2:45; 4:35). Se é verdade que Deus tem promessa de que o justo não será desamparado e que sua descendência não mendigará o pão (Sl.37:25), isto se deve, em grande parte, ao fato de que o Senhor, na igreja, proporciona aqueles que repartem o que têm com quem tem necessidade.
– A função de assistência social na Igreja é uma das suas pedras de toque e, sem dúvida, uma das formas mais poderosas de demonstrarmos, ao mundo, a nossa diferença e o amor de Deus que está em nossos corações.
Não é por causa disto que alteraremos a ordem das coisas e deixaremos de dar proeminência à pregação do Evangelho e ao aperfeiçoamento dos santos, em nome de um “evangelismo social” ou “evangelismo assistencial”, como alguns movimentos ou denominações têm feito, tornando-se mais organizações de assistência social do que agências do reino de Deus, mas não deixa de ser um escândalo inominável que muitas igrejas locais tenham se tornado impérios empresariais e tão avarentos que seus membros sejam obrigados a bater na porta de entidades assistenciais de outros credos.
OBS: A grande força da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil bem como dos espíritas kardecistas repousa no grande trabalho de assistência social empreendido por estes movimentos.
Muito do crescimento de alguns grupos ditos neopentecostais, como o da Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, deve-se também ao trabalho assistencial levado a efeito, que, apesar dos poucos anos de existência, já ultrapassa anos-luz de grupos bem mais tradicionais, mas que têm deixado muito a desejar no que se refere ao dom da repartição e isto no país de maior desigualdade social no mundo como é o Brasil.
Não nos esqueçamos do exemplo dado pelos cristãos de várias denominações por ocasião da tsunâmi ocorrida na Ásia em 2005. Por causa da generosidade demonstrada por organizações cristãs da Europa e dos Estados Unidos, o governo da província indonésia de Band Aceh, abriu as portas para missionários cristãos, este que era o local mais fechado para a pregação do Evangelho naquele país, que é o maior país muçulmano do mundo.
– Com relação à repartição, determina o apóstolo que a repartição se dê com liberalidade, de modo generoso, sem mesquinhez, sem avareza. Além de termos poucos repartidores na atualidade, quando este dom é encontrado, está muito aquém da medida recalcada e sacudida, que é a forma como Deus nos abençoa (Lc.6:38).
Já imaginaram se Deus fosse tão mesquinho conosco como, às vezes, temos sido na ajuda aos necessitados? Contribuamos generosamente para com os que precisam, não cerceando a atividade daqueles que foram chamados pelo Senhor para a repartição, pessoas que, como o apóstolo Paulo, não só repartem o que têm, mas são dotados do Senhor da capacidade de amealhar entre as pessoas contribuições para ajudar de maior vulto.
– O sexto dom mencionado em Romanos 12 é o dom da presidência. Aqui, o apóstolo fala-nos do governo na igreja, mostrando que, apesar de Cristo ser a cabeça da igreja, Ele constitui servos Seus para presidirem sobre o Seu povo. É interessante observar a palavra utilizada pelo apóstolo, o termo grego “proistemi” (προϊστημι), que tem o sentido de “liderar”, “estar à frente”, “cuidar de”, “ajudar”, que foi muito bem traduzida por “presidir” na Versão Almeida Revista e Corrigida e que, na Nova Versão Internacional, foi traduzida por “exercer liderança”.
– Há, evidentemente, um governo na igreja, constituído por Deus, que levanta aqueles que devem presidir sobre o povo (Rm.12:8), mas este governo não deve ser visto pelos que presidem senão como um serviço, senão como um encargo, senão como um fardo a mais, jamais como um sinal de superioridade e como uma autorização divina para que haja a exploração ou a imposição sobre os demais irmãos em Cristo.
Como é admitido até mesmo pelos estudiosos que não professam o nome do Senhor, foi o cristianismo quem trouxe para a humanidade a concepção da igualdade intrínseca de cada ser humano.
– Infelizmente, muitos, nos nossos dias, não se comportam segundo este modelo bíblico. Presidem como se fossem verdadeiros soberanos do mundo, querendo que tudo e todos estejam à sua disposição, criando estruturas que não diferem em coisa alguma das estruturas dos que “…julgam ser príncipes das gentes, [que] delas se assenhoreiam e os seus grandes usam de autoridade sobre elas” (Mc.10:42).
Acham que têm domínio sobre o rebanho, esquecendo-se que este rebanho é de Deus (I Pe.5:3), comportamento que leva a uma série de distorções e desvios, com enorme prejuízo espiritual.
– É importante observar que se trata de “presidir”, ou seja, “estar à frente”, “ser o protetor ou o guardião”, “superintender”, “cuidar”. A função do “governante” da igreja local, portanto, é estar à frente do povo, é ser o primeiro dos crentes na linha de combate contra o pecado e contra o mal, é ser o primeiro a pisar no caminho estreito que conduz à vida eterna (Mt.7:14).
“Presidir”, portanto, não é dominar sobre o povo, mas estar à sua frente, ensinando-lhe por onde e para onde deve ir. Por isso, Pedro adverte os presbíteros para que não agissem como se tivessem domínio sobre a herança do Senhor (I Pe.5:3).
– Vemos bem o que representa esta posição que o apóstolo diz ser a dos dirigentes de igrejas locais quando verificamos quem eram os “presidentes” ou “governadores” no sistema administrativo romano daquela época.
O presidente era alguém que representava o imperador numa determinada região de uma província, como era o caso de Pôncio Pilatos, que era o governador ou presidente da Judeia (Lc.3:1), sendo ali o representante do procônsul da Síria, esta, sim, província do Império Romano, procônsul que era aquele que estava em lugar do cônsul, ou seja, do Imperador, que havia assumido as funções dos antigos cônsules romanos.
O presidente, portanto, era alguém que administrava a região e tinha de prestar contas àquele que estava no lugar do Imperador. – Assim também ocorre com os dirigentes das igrejas locais. Eles nada mais são que “presidentes”, ou seja, estão à frente do povo, são responsáveis pelas ações e iniciativas destinadas ao cumprimento das tarefas que cabem à igreja local, mas não têm domínio sobre o povo, ou seja, administram, governam, mas têm consciência que o dono é o Rei dos reis e Senhor dos senhores, o Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, de quem é a Igreja (Mt.16:18).
Têm, sim, autoridade, como o tinha Pilatos, mas autoridade que lhe é concedida pelo Senhor e sem O Qual nada poderá fazer. Como “presidentes”, deverão prestar contas daqueles que lhe foram confiados, assim como, na atualidade, nos regimes republicanos, os presidentes da República devem prestar contas de seus atos à população.
OBS: Quão diferente tem sido o comportamento de muitos que se querer fazer “presidentes de igreja” atualmente…
– A “presidência” deve ser feita “no Senhor”, ou seja, assim como toda a igreja está em Jesus (I Ts.1:1), isto é, tendo como base e fundamento Cristo (I Co.3:11), como fator propiciador do crescimento e da formação o próprio Jesus (II Pe.3:18) e como alvo aquilo que foi determinado pelo Senhor Jesus (Fp.3:14), o dirigente da igreja local nada pode fazer a não ser aquilo que estiver “no Senhor”, ou seja, aquilo que estiver de acordo com a vontade do Senhor, que está expressa nas Escrituras, que d’Ele testificam (Jo.5:39).
Vemos, pois, que não espaço algum para que os “governantes” façam algo que esteja além ou acima da Bíblia Sagrada, devendo tão somente observar o que está escrito. Não foi por outro motivo que o Senhor, ao se dirigir a Josué, o novo líder do povo de Israel, foi peremptório ao dizer-lhe: “Tão-somente esforça-te e tem mui bom ânimo para teres o cuidado de fazer conforme toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que prudentemente te conduzas por onde quer que andares.
Não se aparte da tua boca o livro desta Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto nele está escrito; porque, então, farás prosperar o teu caminho e, então, prudentemente te conduzirás.” (Js.1:7,8).
– Nosso Deus é o mesmo e estas são as mesmas instruções que está a dar a quem coloca à frente de Seu rebanho. Muitos, no entanto, se arvoram no direito de, a exemplo daqueles que estavam na cadeira de Moisés (Mt.23:2), criar fardos pesados sobre o povo, repletos de doutrinas de homens (quando não de demônios) e de preceitos e mandamentos que jamais foram transcritos nas sagradas letras. Tomemos cuidado, irmãos!
– Na “presidência”, o dirigente da igreja local deve agir sempre com cuidado (Rm.12:8), até porque está a tratar e administrar algo que não lhe pertence, que é a Igreja de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Por causa deste cuidado, deve, como afirma o apóstolo, admoestar os crentes, ou seja, é preciso que os dirigentes das igrejas locais advirtam, instruam os crentes. Este é o sentido da palavra grega “noutheteountas” (νουθετουντας).
– A primeira e principal tarefa do “governante” é o de ensinar o povo, de adverti-lo a respeito de como deve agir enquanto aguarda Jesus. Todo “governante” deve ser, antes de mais nada, um mestre e é por isso que um dos requisitos para a separação de obreiros é o da aptidão para ensinar (I Tm.3:1 “in fine”).
Lamentavelmente, nos nossos dias, cada vez mais pessoas despreparadas têm sido, imprudentemente, conduzidas à frente de igrejas locais (quando não se conduzem a si próprias), causando enormes prejuízos para o trabalho de evangelização e de aperfeiçoamento dos santos, em suma, para o trabalho da igreja. – Este dom de presidir parece ser o indicado, ao lado dos dons ministeriais, sob a designação de “governos” em I Co.12:28.
– O sétimo e último dom mencionado em Romanos 12 é o dom da misericórdia, que é o dom de transformar em ações, em atitudes concretas o bem que desejamos a alguém. Misericórdia é o amor posto em ação, é a bondade tornada em ação concreta. Como diz o apóstolo Tiago, como podemos dizer que amamos alguém se não suprimos as suas necessidades (Tg.2:14-17), pois o amor não é amor de palavras, mas amor de obras (I Jo.3:16-18).
OBS: Muitos entendem que este dom estaria mais relacionado com o aspecto espiritual, ao contrário do dom de repartição, segundo distinção que segue infra, a ponto de a versão da Bíblia Viva ter assim traduzido a parte final de Rm.12:8: “Aqueles que levam o consolo aos entristecidos, devem fazê-lo com disposição cristã.”
– As “boas obras”, também chamadas de “obras de misericórdia”, têm sido listadas pela tradição cristã ao longo dos séculos, nitidamente por influência da Igreja Romana que, não acidentalmente, tem sido uma instituição que tem se notabilizado, mormente nos países do continente americano, por suas obras filantrópicas (não podemos deixar de reconhecer o fato de que todos os principais projetos sociais atualmente em andamento em nosso país são direta, ou indiretamente, vinculados à Igreja Romana).
As “obras de misericórdia” são definidas como sendo “…As obras de misericórdia são as ações caritativas pelas quais socorremos o próximo em suas necessidades corporais e espirituais. Instruir, aconselhar, consolar, confortar são obras de misericórdia espiritual, como também perdoar e suportar com paciência. As obras de misericórdia corporal consistem sobretudo em dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, dar moradia aos desabrigados, vestir os maltrapilhos, visitar os doentes e prisioneiros, sepultar os mortos…” (§ 2447 CIC).
– A lista, embora não possa ser considerada como exaustiva, ou seja, embora não contenha todos os atos bons que possam ser praticados, são uma válida ilustração para sabermos se temos sido bons, se “fazemos bem” assim como nosso Senhor e Salvador enquanto aqui esteve. Ei-la:
a) obras de misericórdia espirituais: instruir, aconselhar, consolar, confortar
b) obras de misericórdia corporais: dar de comer ao faminto, dar abrigo a quem não o tem, vestir ao desnudo, visitar os enfermos e os presos, enterrar os mortos, dar esmolas.
– A prática da bondade é um elemento indispensável na vida do crente, que deverá fazê-lo não só individualmente, como mostra o testemunho eloqüente de Barnabé no livro de Atos dos Apóstolos, como também coletivamente, como dão exemplo robusto as igrejas locais dos tempos apostólicos, seja a igreja de Jerusalém, sejam as igrejas em Corinto, na Acaia, ou na Macedônia.
O próprio Jesus, em Seu ministério, tinha um grupo de pessoas que cuidavam dos pobres, tanto que havia uma bolsa, que ficava a cargo de Judas Iscariotes, para esta finalidade (Jo.12:4-8).
OBS: “…A função social da Igreja já iniciou com Jesus. Num espírito humanitário, Ele sempre procurou socorrer os necessitados e tinha Sua atenção voltada para a sociedade, colocando sempre as necessidades espirituais acima das materiais, com Seu espírito de misericórdia e compaixão sempre voltado a todos.
A Igreja, portadora do mesmo sentimento de amor, sempre foi voltada para o social, procurando suprir as necessidades e socorrer os crentes.(…). Valorizar a alma humana, com um valor maior que o mundo inteiro, sempre foi a filosofia do Divino Mestre, não deveriam, porém, esquecer das necessidades físicas.(…).
É perturbador para uma igreja que enfatiza a justificação pela fé e tem perdido de vista o fato de que aquilo que praticamos também se reveste de grande importância. A ausência de tais obras é prova de ausência de fé.
A fé sem obras é morta (Tiago 2.20).…A melhor caridade é aquela que é feita com seus próprios recursos, dentro das suas possibilidades, pois fazer esmola com a ‘carteira’, riqueza dos outros não é caridade.…” (SILVA, Osmar José da. Reflexões filosóficas de eternidade a eternidade, v.6, p.120-5).
– Então, perguntemos a nós mesmos: temos uma bolsa para os pobres, ou seja, há, no nosso orçamento doméstico, uma verba para fazermos o bem, ajudarmos os necessitados, ou o consumismo desenfreado, os gastos supérfluos, as vaidades humanas têm devorado esta quantia e, tal como Judas Iscariotes, lançamos mão daquilo que deveria ajudar quem precisa? Nossa congregação, nossa igreja local tem uma bolsa para os pobres, ou, também, tem se envolvido em tantas atividades e tantas obras que não resta qualquer ajuda aos necessitados, até mesmo para os crentes, que dirá para os não-crentes da área abrangida por nossa igreja local?
Temos ajudado as iniciativas de irmãos valorosos e abnegados, que têm procurado minorar a crescente miséria da população que nos cerca, ou temos nos comportado como aqueles descritos em Tg.2:16?
– O exercício do dom de misericórdia deve ser feito com alegria. De nada adianta gastarmos todas as nossas finanças em benefício dos pobres ou necessitados ou, mesmo, horas a fio de nosso tempo, para ouvir as pessoas, dar-lhes companhia e conforto, se o fizermos por obrigação, por necessidade, sem alegria, sem prazer.
Qualquer doação material feita por necessidade é apenas um gasto, uma despesa, sem qualquer valor na dimensão espiritual, como também o uso de horas numa “obra de misericórdia espiritual” nada mais será que perda de tempo. Se, porém, fizermos com alegria, seremos agradáveis ao Senhor, porque Ele ama a quem dá com alegria (II Co.9:7 “in fine”).
– É bom observar que tanto o dom de misericórdia como o dom de repartir são considerados como englobados na designação de “socorros”, que o apóstolo Paulo menciona em I Co.12:28.
O pastor e teólogo Jormicezar Fernandes da Rocha define este dom de socorros como sendo “…a capacidade especial concedida pelo Espírito Santo a alguns discípulos, capacitando-os a prestar auxílio prático a qualquer que tenha um fardo muito pesado para carregar.
O dom de socorro é a misericórdia posta em prática. Faz parte da diaconia e deve ser praticado por todos que exercem ministério na casa de Deus. O socorro pode ser de ordem material e espiritual. Os socorros materiais se referem às necessidades do corpo. Já, por sua vez, o espiritual, se refere ao atendimento às necessidades da alma e do espírito humano…” (op.cit., p.57) (destaques originais).
III – OUTROS DONS ASSISTENCIAIS MENCIONADOS NAS ESCRITURAS SAGRADAS
– Além dos dons mencionados em Rm.12:8-11, temos, também, nas páginas da Bíblia Sagrada, a menção de outros dons que podemos considerar como sendo “dons assistenciais”, vez que são dons dados pelo Senhor para que, em ações concretas, seja formada a unidade entre os membros do Corpo de Cristo e o nome do Senhor venha a ser glorificado.
– O primeiro dom que analisaremos é a habilidade, a criatividade. Como ensina o pastor e teólogo Jormicezar Fernandes da Rocha, “…o dom da habilidade manual e criatividade artística é um carisma concedido a determinados discípulos para que empreguem suas mãos em trabalhos práticos a serviço do Reino. Lê-se mais em Ex.31:1-11. II Sm.6:12-16; I Rs.7:14, sobre a criatividade artística, como sendo a capacitação concedida a alguns discípulos para que atuem nas áreas artísticas e culturais, visando à proclamação da Palavra…” (op.cit., p.58).
– A atividade artística tem o condão de tratar da sensibilidade humana, é algo que está além da razão, que atinge a alma e o espírito do ser humano. Por isso, a manifestação artística é um dos meios pelos quais o Senhor Se manifesta no meio da Igreja e, inclusive, um meio pelo qual Se dá a conhecer aos incrédulos.
OBS: Por sua biblicidade, reproduzimos aqui as palavras do ex-chefe da Igreja Romana, João Paulo II, a respeito do papel da atividade artística: “…Deus chamou o homem à existência, dando-lhe a tarefa de ser artífice.
Na « criação artística », mais do que em qualquer outra atividade, o homem revela-se como « imagem de Deus », e realiza aquela tarefa, em primeiro lugar plasmando a « matéria » estupenda da sua humanidade e depois exercendo um domínio criativo sobre o universo que o circunda.
Com amorosa condescendência, o Artista divino transmite uma centelha da sua sabedoria transcendente ao artista humano, chamando-o a partilhar do seu poder criador.
Obviamente é uma participação, que deixa intacta a infinita distância entre o Criador e a criatura, como sublinhava o Cardeal Nicolau Cusano: « A arte criativa, que a alma tem a sorte de albergar, não se identifica com aquela arte por essência que é própria de Deus, mas constitui apenas comunicação e participação dela » [Dialogus de ludo globi, liv. II: Philosophisch-Theologische Schriften, III (Viena 1967), p. 332]. Por isso, quanto mais consciente está o artista do « dom » que possui, tanto mais se sente impelido a olhar para si mesmo e para a criação inteira com olhos capazes de contemplar e agradecer, elevando a Deus o seu hino de louvor.
Só assim é que ele pode compreender-se profundamente a si mesmo e à sua vocação e missão.…” (Carta aos artistas, n.1. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/letters/documents/hf_jp-ii_let_23041999_artists_po.html Acesso em 01 mar. 2014).
– Não confundamos este “dom da habilidade”, que é algo dado diretamente por Deus para que se use tal talento em prol do reino de Deus, com os dotes naturais que o Senhor dá a alguns seres humanos, um talento natural que também é dádiva divina mas que não visa à sua utilização para um determinado serviço em prol do reino de Deus. Quantos artistas são talentosos, receberam este dom da parte de Deus, mas por ser um mero “dote natural”, o que o saudoso pastor Walter Marques de Melo (1933-2012) denominava de “dons sem arrependimento” (ou seja, dádivas dadas por Deus sem a necessidade de a pessoa se arrepender de seus pecados), e o exercem, não raras vezes, para blasfemar do próprio Senhor?
– A habilidade que aqui se trata vem pelo próprio Espírito Santo, como ocorreu com Bezaleel, Aoliabe (Ex.36:30-35), Davi (I Sm.16:17-23), Hirão (I Rs.7:14), os reparadores do templo tanto nos dias de Joás (II Rs.12:11-13), quanto nos dias de Josias (II Cr.34:9-13).
– Outro dom a ser mencionado são os hinos, salmos e cânticos espirituais (Ef.5:18-20; Cl.3:15-17), que não se confunde com a habilidade musical, de que já tratamos no dom da habilidade, inclusive mencionando o caso de Davi, nem tampouco com a ação de louvar a Deus, que é, por si só, um meio de edificação, ensino, ação de graças e oração. Trata-se aqui de uma forma de manifestação sobrenatural do Espírito Santo (I Co.14:15), um verdadeiro cântico vindo diretamente do Espírito Santo, em que a pessoa, em vez de apenas falar em línguas estranhas, também pode cantar, louvando diretamente do seu espírito a Deus, sem intermediação da razão.
– Alguns consideram que os cânticos espirituais são uma forma de variação do dom de línguas, já que, não raras vezes, não há apenas melodia, mas também palavras ditas em mistério, e a manifestação serve para a edificação individual, embora o clima daí proveniente faz com que todos sintam a presença do Senhor, gerando uma edificação coletiva, por meio da atuação direta sobre a alma e o espírito, que é, aliás, um efeito próprio da música no ser humano.
– Esta manifestação é extremamente rara em nosso meio atualmente, mas não era assim ao princípio. A história das Assembleias de Deus no Brasil registra que a segunda pessoa batizada com o Espírito Santo, a irmã Nazaré, não só falou em línguas, como também cantou um hino espiritual.
Foi, aliás, esta operação que se seguiu ao batismo da irmã Nazaré que fez com que aqueles crentes batistas cressem que aquilo era obra de Deus, como dá conta o missionário Gunnar Vingren, como registra o livro “Diário do pioneiro Gunnar Vingren”, diário do missionário que foi organizado e publicado por seu filho Ivar Vingren.
OBS: “…No dia seguinte, a outra irmã que presenciara tudo, foi e contou o que vira aos outros membros da igreja batista. O seu nome era Nazaré. Na sexta-feira, após o término do culto na igreja, irmã Nazaré e outras irmãs vieram para o nosso culto de oração. Nessa mesma noite, Jesus batizou-a com o Espírito Santo e ela cantou um hino espiritual. Todas as demais pessoas que tinham vinda da Igreja Batista creram então que isto era obra de Deus…” (VINGREN, Ivar. Diário do pioneiro Gunnar Vingren, 5.ed., p.41).
– Outros dons que se costumam mencionar são os dons elencados pelo apóstolo Pedro em I Pe.4:10,11, ou seja, “dom de falar” e “dom de administrar”. Não vemos, porém, aqui que se tenham propriamente dons assistenciais, mas, sim, trata-se de um ensinamento do apóstolo Pedro para que os portadores de dons sejam fiéis na execução dos dons recebidos, seja falando exatamente o que recebeu da parte de Deus, seja administrando o dom recebido com fidelidade. Temos aqui o mesmo ensino que Paulo deixou, ou seja, de que todos os portadores de dons devem ser despenseiros fiéis (I Co.4:1,2).
– O pastor norte-americano Ron Phillips, em seu estudo “25 Dons do Espírito Santo”, que foi traduzido e se encontra no sítio do Portal Escola Dominical (www.portalebd.org.br), também menciona dois outros dons, “o dom de disposição para enfrentar o martírio” e o “dom de celibato”.
O primeiro estaria em I Co.13:3, o que faz, sim, sentido, já que o apóstolo, no contexto, está mencionando dons provenientes do Espírito Santo para mostrar que cada um deles é inferior ao amor, como se vê em relação ao dom de línguas (I Co.13:1), o dom de profecia (I Co.13:2), o dom da palavra da ciência (I Co.13:2), o dom da fé (I Co.13:2), o dom de repartir (I Co.13:3).
Assim, faz, realmente, sentido, entender-se que há um dom dado por Deus que é o de disposição para enfrentar o martírio, algo que não é dado a todos os salvos, mas somente a alguns especialmente escolhidos por Deus para glorificar ao Senhor com a sua própria vida, neste ponto se assemelhando em extremo ao próprio Senhor Jesus.
– Como afirma o Catecismo da Igreja Romana: “…O martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um testemunho que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade. Dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã. Enfrenta a morte num ato de fortaleza. “Deixai-me ser comida das feras. E por elas que me será concedido chegar até Deus” (Epístola de Inácio de Antioquia aos Romanos, 4,1)” (§ 2473 CIC).
– Paulo demonstrou ter este dom, ao dizer que já estava preparado para ser oferecido como libação sobre o sacrifício e serviço da fé dos santos (Fp.2:17). Isto não é uma mera disposição humana, mas, sim, algo proveniente da parte de Deus, que é assumido por alguns de seus servos, que entregam suas vidas, mas cujo sangue se torna, como dizia Tertuliano (160-220), em semente de novos cristãos.
OBS: “…A cada vosso golpe de foice nós tornamo-nos mais numerosos: o sangue dos cristãos é uma sementeira eficaz! (semen est sanguis christianorum!)” (Apologético, 50, 13). O martírio, o sofrimento pela verdade no final são vitoriosos e mais eficazes que a crueldade e a violência dos regimes totalitários.…” (BENTO XVI. Audiência geral de 30 de maio de 2007. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/audiences/2007/documents/hf_ben-xvi_aud_20070530_po.html Acesso em 01 mar. 2014).
– Ainda hoje, o Senhor tem escolhido muitos para morrer pela fé, como temos testemunhado ao longo destes dias tão difíceis da dispensação da graça. Após o arrebatamento da Igreja, todos os que crerem em Cristo terão de ter este dom, visto que todos serão martirizados pelo Anticristo (Dn.7:25; Ap.6:9-11; 13:10; 20:4).
Bem se vê como será extremamente difícil e penosa a salvação depois do tempo da Igreja sobre a face da Terra. – O segundo dom, o celibato, deve ser entendido como um dom não só de celibato, mas, também, do matrimônio, pois o apóstolo Paulo se refere a este dom como de uma maneira ou de outra (I Co.7:7).
Talvez o pastor Ron Phillips tenha entendido, e com razão, que a natureza humana leva ao matrimônio (Gn.2:24) e que, portanto, o dom sobrenatural vindo da parte do Senhor seja, precisamente, o celibato, que muda a ordem natural das coisas. Paulo havia recebido este dom, mas reconhecia que isto não era para todos (I Co.7:7-9).
– O Senhor, a exemplo do que fez com Paulo, pode dar a alguns salvos esta capacidade para se manterem em celibato, ou seja, não contraírem matrimônio, não exercerem atividade sexual alguma, a fim de se dedicarem, assim, mais ao reino de Deus, já que o objetivo do celibato outro não é senão cuidar das coisas do Senhor com exclusividade, agradar apenas ao Senhor (I Co.7:32). O Senhor Jesus mencionou estes, ao falar dos eunucos que assim se fazem por causa do reino de Deus (Mt.19:12).
– O celibato é, portanto, concedido a alguns salvos para que eles se dediquem às coisas do Senhor, busquem agradar exclusivamente a Deus, direcionando as atividades que fariam para agradar a um cônjuge, para se dedicar à obra do Senhor. – Sem qualquer respaldo bíblico, porém, o ensino romanista que entende que todos os que se dedicarem ao cuidado do rebanho do Senhor tenham de ser, obrigatoriamente, celibatários, algo que a própria Igreja Romana reconhece ser apenas um “costume” estabelecido em seu meio e que, portanto, não é um dogma, algo que seja obrigatório por constar da Palavra de Deus. Muito pelo contrário, a Bíblia diz que convém que o pastor seja casado (I Tm.3:2).
– Os autores costumam também mencionar a existência de um dom de intercessão ou oração, como também um dom de hospitalidade, mas aqui entendemos, também, que os textos bíblicos mencionados não falam efetivamente de um dom, mas de condutas que devem estar presentes na vida cristã, o que se descaracteriza como um dom, que é algo que não é de todos, mas que é repartido apenas a alguns.
Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco
Site: http://www.portalebd.org.br/files/2T2014_Ap1_caramuru.pdf