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Jovens – Lição 03 – Um Coração Protegido

INTRODUÇÃO

É notório que a Bíblia é um livro que nos alerta para a necessidade de guardarmos nosso coração, cuidarmos a respeito do que o domina.

Por isso, este capítulo concentra-se em Provérbios 4 e tem como propósito aprofundar o entendimento bíblico a respeito da palavra “coração”.

Nele, mostraremos como o conceito bíblico de “coração” difere bas­tante da tendência atual de separar, por exemplo, pensamentos dos sentimentos, como se ambos fossem uma espécie de faculdades em permanente conflito.

Veremos que, quando a Bíblia se refere ao coração, ela leva em conta toda a nossa vida interior que pode ser sintetizada pelas palavras “pensamento”, “emoções/sentimentos” e “vontade”. Essas palavras integram o que a Bíblia denomina de coração. Dessa forma, é ele que motiva nosso comportamento, quer benigno, quer maligno.

O coração, portanto, tal como se apresenta na Bíblia, é o centro da vida do ser humano. O que está entronizado nesse centro dominará as demais esferas da natureza humana. Que o Espírito Santo ordene nossos pensamentos, emoções/sentimentos e vontade! Que o Senhor Jesus reja nosso coração!

I – O CONCEITO BÍBLICO DE CORAÇÃO

No seu comentário, o teólogo Earl C. Wolf aponta três discursos no capítulo 4 de Provérbios: 1) a tentativa do pai em transmitir o amor pela sabedoria ao filho (vv. 1-9); 2) a necessidade de escolha entre dois caminhos (vv. 10-19) e 3) um apelo à pureza do coração (vv. 20-27) (CHAPMAN, Milo L.; PURKISER, W. T. (et al), 2014, p. 367).

Neste capítulo, analisaremos a última seção (vv. 20-27), cuja atenção será colocada no tema do coração. Nela, as expressões “coração”, “guardar”, “olhem diretamente” e “bem ordenados” são destacadas. No capítulo anterior, mencionamos a amplitude da palavra “coração”. Neste, aprofundaremos o conceito bíblico do termo.

Na Bíblia, duas palavras são importantes para compreendermos o conceito do coração: a hebraica, lêbhâbh; e a grega, kardia.

Em Provérbios 4, a palavra hebraica para coração é lêbhâbh. O Dicio­nário Hebraico do Antigo Testamento de James Strong, presente na Bíblia de Estudo Palavras-Chave, editada pela CPAD, mostra que esse termo é um substantivo masculino que carrega o sentido de “coração”, “mente” e “ser interior” (PALAVRAS-CHAVE, 2011, p. 1719).

O Dicionário também mostra que, dentre outras possibilidades, o uso original da palavra lêbhâbh descreve a “disposição interior da pessoa (Dt 6.5; 1 Sm 16.5; 2 Cr 15.15); o “lugar onde se processa o pensamento de uma pessoa” (Js 23.14; 1 Rs 8.18; Is 6.10); “o local em que reside as emoções do ser humano” (Dt 28.47; Js 2.11; Sl 13.2).

Outro termo bíblico importante para coração é kardia, que aparece no Novo Testamento. O Dicionário Grego do Novo Testamento de James Strong, também presente na Bíblia de Estudo Palavras-Chave, mostra que o termo é usado para designar o “pensamento” ou “sentimentos” (mente); também traz a conotação de “sede dos desejos, sentimentos, afetos, paixões, impulsos, coração ou mente (Mt 5.8,28)” (PALAVRAS­-CHAVE, 2011, p. 2252). Assim, tanto a partir do Antigo Testamento quanto do Novo, a palavra coração refere-se ao ponto central da vida de uma pessoa. Em Provérbios 4, ela aparece exatamente com essa conotação.

Do ponto de vista bíblico, o coração move a vontade e as ações das pessoas, ou seja, ele é a saída da vida (Pv 4.23). Dessa maneira, do ponto de vista bíblico, o coração ganha uma amplitude na relação entre pensamento, emoção/sentimento e vontade/ação.

Essa fala de Rick Nañez é muito importante porque, desde o advento do Iluminismo, no Ocidente, houve uma cisão entre razão e emoção.

Na cultura clássica, principalmente na filosofia antiga, o entendimento sempre foi na compreensão do “caminho do meio” na operação entre razão e emoção.

A razão é uma faculdade humana, mas a emoção também é. Ambas não podem lutar entre si e nem predominar sobre a outra. A desarmonia entre elas é o problema. A história mostra isso com os adventos do Iluminismo e do Romantismo/Idealismo.

No Iluminismo, a razão dominou a emoção. Isso explica o divórcio da ciência com a Religião, a popularização do Materialismo, o advento do Positivismo de Auguste Comte (1798–1857).

Mas a própria traje­tória humana, com o advento de duas guerras e inúmeros desastres científicos, mostrou a tragédia que o Racionalismo é capaz de trazer.

O Romantismo, bem como o Idealismo, foi uma reação natural ao Racionalismo. O seu advento marca o outro extremo: predominância do subjetivismo, sentimentalismo, idealização exacerbada e fuga da realidade. A trajetória humana também mostrou que o Romantismo/ Idealismo pode ser uma tragédia existencial quando se troca a reali­dade pela fantasia ou pelo mero emocionalismo.

O sentimentalismo é uma expressão muito presente em nossa sociedade. A partir desses exemplos, é muito comum no Ocidente separar pensamento ou razão do coração.

Nesse contexto, o Movimento Protestante e Evangélico é marcado pela tensão entre fé e razão, teologia e experiência religiosa, doutri­na e presença de Deus.

A história também mostra que, quando um movimento optou pela racionalização da fé, houve uma tragédia espiritual: o Liberalismo Teológico invadiu as igrejas da Europa; houve o advento de uma ortodoxia dura e morta em que se asfixiava a presença do Espírito, os dons espirituais e a realidade pura e simples de uma experiência espiritual.

O contrário também é verdadeiro, pois a predominância apenas da experiência religiosa e a predominância apenas da vida emocional e espiritual fez explodir inúmeros movi­mentos de seitas e expressões antibíblicas de fé.

O Movimento Pentecostal sempre viveu a tensão entre emoção e razão, experiência e doutrina, fé e prática. Contudo, ao abordarem a respeito dos tipos de autoridade religiosa, os teólogos pentecostais James H. Railey, Jr e Benny C. Aker apresentam contribuições pre­ciosas a respeito de como regular a vida eclesiástica a partir de duas esferas de autoridade: as externas e as internas.

O tipo de autoridade religiosa externa é a autoridade canônica (a Bíblia) e a autoridade eclesiástica (a Igreja).

Nesse caso, a Palavra de Deus sempre será o árbitro da vida da igreja local, bem como a liderança eclesiástica no exercício das suas funções ministeriais; na esfera interna, serão a experiência e a razão humana.

A experiência acontece no sentido de viver espiritualmente a verdade bíblica aprendida; e a compreensão ocorre da verdade escrita da Palavra de Deus por meio da leitura e interpretação dos textos bíblicos sob a iluminação do Espírito Santo.

Assim, a Bíblia, a igreja local, a experiência individual e a razão constituem elementos da autoridade religiosa (HORTON (Ed.), 2019, p. 46-50) na vida eclesiástica.

Embora haja a tensão entre experiência (emoção) e razão, elas jamais serão excludentes, pois são duas realidades psíquicas do ser humano, e, do ponto de vista bíblico, ambas devem ser consideradas como esferas de uma única realidade: a do coração.

Retomando o teólogo Rick Nañez, o caminho sempre bíblico de considerar o coração é o de integrar intelecto, emoção e vontade. Isso é o que a Bíblia ensina a respeito do coração. Separar razão do coração não honra a Bíblia.

No Novo Testamento, o Senhor Jesus disse que “do coração [kar­días] procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias” (Mt 15.19).

Desse lugar mais profundo do interior de uma pessoa é que as mais importantes decisões transbordarão para as ações delas.

Por isso, devemos proteger esse centro da vida: o coração. Para isso, é preciso proteger o pensamento, as emoções/os sentimentos e a vontade, faculdades estas que formam o conceito bíblico de coração.

II – PROTEGENDO O PENSAMENTO

Retomando Provérbios 4, o sábio inicia o versículo 20 pedindo: “atenta para as minhas palavras, às minhas razões inclina o teu ouvido”. O versículo 21 exorta: “guarda-as no meio do teu coração”.

Tanto a palavra “atenta” quanto a palavra “guarda” denotam uma atividade que abrange o processo racional do pensamento. Elas remetem a ideia de ponderar, prestar atenção para o que está sendo ensinado.

Esse trabalho de processamento do pensamento tem a ver com selecionar o que será o centro da sua atenção. Esse exercício é muito importante, pois o que pensamos inevitavelmente gerará emoções e sentimentos.

Os estudos em Psicologia têm uma abordagem técnica que se con­centra nos efeitos emocionais que os pensamentos geram e transbordam em comportamento. Refiro-me à Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), considerada o padrão ouro de terapia.

Na sua obra, a psicó­loga Judith Beck, filha do criador dessa terapia, Aeron Beck, afirma que a TCC “está baseada na teoria de que o pensamento das pessoas influencia suas emoções e comportamento” (BECK, 2022, p. 13).

Esse fenômeno acontece assim: a pessoa vive uma experiência, um acontecimento. Esse acontecimento gera um pensamento automático. Esse pensamento gera uma reação emocional, comportamental e fisiológica (BECK, p. 27).

Sempre que tenho acesso aos estudos modernos baseados em evi­dências dessa terapia, percebo o quanto a tradição cristã reuniu há milhares de anos, a partir da revelação bíblica, muitos ensinamentos a respeito de nossa vida interior.

Por exemplo, quando pesquisamos a vida dos cristãos que viveram no deserto nos primeiros séculos de História da Igreja, bem como os pietistas, os puritanos, os pentecos­tais pioneiros, é impressionante o quanto se preocupavam com os pensamentos que o impediam de pensar em Deus e de abrirem-se para a vida com Ele.

No contexto atual, em que tudo nos estimula a tomar decisões com base no que sentimos somente pelas vias sensitivas do corpo, é impor­tante saber que, tanto na ciência comportamental moderna quanto na tradição cristã de vida espiritual, o que pensamos impacta diretamente nossas emoções e nosso comportamento.

É o que lemos nas palavras do apóstolo Paulo: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadei­ro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai” (Fp 4.8, grifo meu).

Ora, se é bom, se é justo, se é puro, nossas ações serão modeladas segundo essa bondade, justiça e pureza.

Saber escolher o que vamos pensar é o trabalho da inteligência, do intelecto, conectado à Palavra de Deus. Sim, como vimos, conforme a Bíblia, trata-se de um exercício do coração.

Foi Deus quem nos dotou de intelecto para escolhermos o bem, o caminho da vida; logo, a Bíblia e a fé cristã não anulam o intelecto e o pensamento, mas direciona-os segundo a ação do Espírito Santo (Jo 14.26; 16.8).

Proteger o pensamento era uma preocupação dos cristãos primitivos e dos cristãos dos primeiros séculos.

Para trilhar uma vida de santidade, era preciso erguer barreiras de proteção ao pensamento (Mt 15.19; Fp 4.8,9), e a melhor maneira de fazer isso é dedicar-se à disciplina da me­ditação bíblica. Essa disciplina sempre esteve presente na tradição cristã tanto nos denominados pais do deserto, quanto nos cristãos puritanos.

Nossa tradição pentecostal sempre observou o valor da meditação diária da Palavra de Deus. Entre nós, sempre houve o estímulo de iniciarmos a jornada diária com a meditação da Palavra de Deus nas primeiras horas do dia.

A ideia é que o que meditamos na Bíblia nas primeiras horas do dia deve tornar-se o objeto de nossa atenção ao longo de todo o dia, ou seja, nosso pensamento deve estar imerso na Palavra de Deus.

As palavras “atentar” e “guardar”, como nos ensina Provérbios 4.20,21, exorta-nos ao exercício intelectual da leitura, da reflexão e da memorização do texto bíblico.

Esse processo fecha o ciclo da meditação bíblica. Isso significa que um valor eterno, ou um conceito que o texto bíblico ensina, deve dominar nosso pensamento ao longo do dia.

Assim, quanto mais os valores divinos dominarem nosso pensamento, mais nossas emoções, sentimentos e vontade serão influenciados por eles; e o contrário também é verdadeiro: quanto mais os valores dos instintos dominarem nossos pensamentos, mais nossas emoções, sentimentos e vontade serão dominados por esses instintos (Tg 1.14,15; 3.13-16).

Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!

Fonte: https://www.escoladominical.com.br/2024/10/17/licao-3-um-coracao-protegido/

Vídeo: https://youtu.be/r8thZ7H7Z5w

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