2009 – LIÇÃO 10 – DAVI E O PREÇO DA NEGLIGÊNCIA NA FAMÍLIA
A vida familiar de Davi é um contraexemplo para os servos do Senhor, um alerta para quem deseja servir bem ao Senhor.
INTRODUÇÃO
– Temos estudado a vida de Davi, um homem segundo o coração de Deus. No entanto, ao lado de aspectos amplamente positivos desta personagem bíblica, há um prisma altamente negativo, a saber: sua vida familiar.
Davi é um verdadeiro contraexemplo quando o assunto é família, pois se conduziu mal em praticamente todos os ângulos neste segmento de sua vida.
– Este lado negativo de Davi é um importante alerta para todos os servos do Senhor, notadamente quando vivemos um período de intensa degradação da instituição familiar, como são os dias imediatamente anteriores ao arrebatamento da Igreja (Mt.24:37,38; Lc.17:26,27).
I – DAVI E AS FALHAS EM SUA EDUCAÇÃO NA CASA DE JESSÉ
– Todos os homens são pecadores (Rm.3:23).
Uma das maiores demonstrações de que a Bíblia é a Palavra de Deus está na sua imparcialidade, imparcialidade que está ausente de qualquer livro escrito pelos homens.
Deus não faz acepção de pessoas (Dt.10:17; At.10:34), de modo que mesmo os grandes heróis da fé, e Davi é um deles (Hb.11:32), são apresentados como seres humanos e, portanto, como pessoas que, ao longo de suas vidas, pecaram e sofreram as consequências de seus erros diante de Deus.
– Davi não é exceção. Embora a Bíblia o apresente como
o grande rei de Israel,
o construtor do apogeu da história israelita,
o grande guerreiro,
o escolhido para fundar a dinastia de onde proviria o Messias,
o mavioso salmista de Israel, não esconde as suas falhas, os seus vergonhosos erros.
Além do compromisso com a verdade, até porque a Palavra de Deus é a verdade (Jo.17:17) e a revelação de um Deus que é a Verdade (Jr.10:10), a narrativa das falhas e erros dos grandes homens e mulheres de Deus são, também, uma lição para os salvos, contraexemplos, ou seja, ao vermos os erros destas personagens, aprendemos como não devemos fazer, para que não se repitam as drásticas consequências constantes da narrativa bíblica.
– A principal falha de Davi narrada nas Escrituras diz respeito ao seu comportamento familiar. Davi não é um exemplo para se seguir em termos familiares, tanto na forma como se casou como também na forma como criou os seus filhos.
Não é de se surpreender, portanto, que, quando da sentença divina sobre Davi, tenha sido a sua família a principal vítima (II Sm.7:10-12).
– Pelo que observamos do texto sagrado, Davi foi criado num ambiente familiar que não o levava muito em conta.
Quando Samuel vai a casa de Jessé para ungir um dos filhos deste como novo rei de Israel, Davi, por ser “o menor”, nem sequer foi convidado para participar dos sacrifícios pacíficos oferecidos pelo velho profeta e sacerdote nem tampouco do banquete que se lhe seguiu (I Sm.16:5,11,12).
Vemos, pois, que Davi já teve uma criação de menosprezo durante sua infância e início de adolescência, o que, certamente, teve influência decisiva para o seu comportamento familiar no desenrolar de sua vida.
– É fundamental que haja uma salutar criação dos filhos no lar para que estes não só se tornem bons cidadãos e discípulos do Senhor, mas também para que saibam, no momento certo, dar o devido valor à família e se tornarem bons pais de família.
Davi era menosprezado em sua casa, foi mantido apartado até mesmo de uma ocasião singular e festiva de sua casa, que foi a visita do profeta Samuel, tendo, pois, no momento em que formava o seu caráter, levado a desprezar e a desconsiderar o ambiente familiar.
– Salomão escreve que devemos instruir a criança no caminho em que ela deve andar para que, mesmo envelhecendo, jamais ela se desvie dele (Pv.22:6) e o próprio Senhor Jesus, em repreensão aos discípulos, disse que não se deveria impedir os pequeninos de se aproximarem d’Ele (Mc.10:18; Lc.18:16),
numa clara demonstração de que, desde a mais tenra idade, devemos criar um ambiente em nossas famílias que permita a nossos filhos ter o conhecimento da Palavra de Deus e a construção de um caráter que os leve a servir ao Senhor futuramente.
– Se é importante que, desde a infância, a criança seja ensinada nos caminhos do Senhor para que construa uma vida espiritual sadia, que dirá nos demais aspectos da vida debaixo do sol.
O ensino bíblico é de que, fora da família, não há qualquer possibilidade de o ser humano construir uma vida sadia, atingir a plenitude daquilo que é propósito divino para a sua existência terrena.
– Davi foi menosprezado como filho em sua casa. Apesar de obediente a Jessé e zeloso em suas tarefas domésticas, era carente de afeto e de companhia, circunstância que muito explica seu comportamento ao longo de sua vida.
A psicologia mostra-nos que o ser humano forma o seu caráter nos três primeiros anos de vida e que tudo o que aprender e acrescer após este período é tão somente complemento daquele núcleo que permanece inalterado até o final da sua existência, salvo, obviamente, a alteração promovida pelo “novo nascimento”.
No entanto, quão poucas pessoas, na atualidade, preocupam-se com este dado e desprezam completamente a educação de suas crianças, deixando-as à mercê de uma doutrinação satânica.
– Nos dias hodiernos, é com tristeza que vemos como se mantém a mesma mentalidade dos discípulos de Cristo. Há uma completa ausência de preocupação para com os pequeninos.
Os pais omitem-se totalmente não só na educação doutrinária de seus filhos, achando que as Escolas Bíblicas Dominicais é que têm a obrigação de ensinar-lhes a Palavra de Deus, como também na própria educação secular, relegando a creches, escolas e tantas outras instituições o dever, que é dos pais, de educar e socializar os filhos.
Com a desculpa da necessidade de trabalharem, os pais limitam-se a dar o pão físico a seus filhos, não os instruindo em nada mais.
O resultado disto é a completa entrega dos filhos nas mãos do diabo e, o que é mais grave, o surgimento de uma geração despida de qualquer afeto ou sentimento familiar.
– Davi, apesar de desprezado como filho, vivia num lar que, ao menos aparentemente, se conduzia de acordo com a sã doutrina.
Davi, pelo menos, era obediente e recebeu bons exemplos de seu pai, como, por exemplo, como já vimos em lições anteriores, o cuidado com o rebanho e o zelo em não se apresentar a homens de autoridade de qualquer maneira. Por isso, apesar de seus fracassos na área familiar, pôde ter uma vida agradável ao Senhor.
Mas, como seria Davi se não houvesse este respaldo doutrinário em sua casa? Como seria Davi se, além do menosprezo sofrido em termos de afeto e solidariedade, também não tivesse tido qualquer instrução na Palavra de Deus e nos bons costumes sociais?
– É triste dizer, mas Davi seria como são muitos, milhares de “filhos de crente” nos dias hodiernos.
As estatísticas mostram que, para tristeza e vergonha dos servos do Senhor no Brasil,
a porcentagem de “filhos de crente” nos presídios e reformatórios é mais do que o dobro da porcentagem de evangélicos no país (e ainda se levando em conta as porcentagens mais amplas existentes a este respeito).
Como podemos admitir que sejam os servos de Deus os piores pais e educadores da nação?
Simplesmente porque são eles, precisamente, os que mais negligenciam na vida familiar, os que abrem ao inimigo de nossas almas uma grande brecha neste campo e o diabo, que não perde oportunidade, encontrando lugar nos lares dos crentes, “faz a festa”, roubando, destruindo e matando (Jo.10:10).
Que o estudo da vida de Davi sirva para conscientizar os pais da necessidade de assumir o dever que lhes é imposto pela Bíblia Sagrada, que é criar os filhos na doutrina e admoestação do Senhor (Ef.6:4)!
– A má formação familiar de Davi teve repercussão na vida deste homem de Deus.
Quando vai ao encontro de seus irmãos durante a guerra contra os filisteus, vemos, na reação do irmão mais velho de Davi, Eliabe (I Sm.16:28,29), a hostilidade que Davi sofria desde o instante em que havia sido ungido pelo profeta como rei de Israel.
Já não bastasse ter sido menosprezado em sua criação durante a infância e início da adolescência, depois de ter recebido a bênção da unção, Davi adquiriu a hostilidade dos de sua casa.
Teve de se respaldar em outros para saber qual era a oferta do rei Saul e para conseguir se apresentar ao monarca a fim de mostrar sua disposição para lutar contra o gigante, sem qualquer apoio familiar.
– A hostilidade e a falta de apoio familiar é um fator que muitos problemas traz para a formação e para a tomada de decisões do ser humano.
O lar é um verdadeiro “ninho”, um lugar de proteção, onde o amor, o afeto, a experiência dos pais criam condições para que a pessoa possa adquirir uma estatura que a faça capaz de enfrentar o “mundo lá fora”.
Jesus, em Seu lar humano, “cresceu em sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens” (Lc.2:52).
– Quando não há, por parte dos pais, o cumprimento de seu dever de criar os filhos na doutrina e admoestação do Senhor, quando não há o necessário companheirismo e afeto, o resultado é que os filhos não crescem, tornam-se imaturos, verdadeiros “anões”, não tendo condições nem de ter uma vida espiritual nem uma vida social equilibradas.
Não conseguem tomar as decisões certas, porque não têm referencial (falta de sabedoria);
não conseguem enfrentar a contento os problemas da vida, porque não foram ensinados como devem proceder (falta de estatura) e
muitos menos não conseguem conviver com outras pessoas, respeitando-as dignamente (falta de graça).
– Davi, ainda que de pouca idade, não se sentia bem em sua casa e o que mais lhe chamou a atenção nos comentários feitos em torno da batalha contra os filisteus, foi de que o rei daria sua filha em casamento a quem enfrentasse o gigante (I Sm.17:25,26,30).
Davi, que tinha já a promessa divina de se tornar rei de Israel, viu aí a sua grande oportunidade de ver concretizada a bênção da unção, tornando-se genro do rei.
– O que mais chamou a atenção de Davi, pois, foi a oportunidade de constituir uma família, de pertencer à família do rei, prova de que não se sentia bem em sua própria família, pelos motivos que já dissemos: o menosprezo e a hostilidade.
Quantos não procedem assim ainda hoje: buscam constituir novas famíliassomente para se livrar das famílias onde estão?
Ou, o que é pior ainda, buscam substituir suas famílias por outros grupos sociais que lhes tragam um pouco de afeto, consideração e reconhecimento, que não têm em seus lares e, por isso,
passam a frequentar gangues, quadrilhas, “tribos”, comunidades virtuais, redes sociais, torcidas organizadas de clubes de futebol, grupos vocais (inclusive nas igrejas locais) e tantos outros grupos, única e exclusivamente para ter aquilo que não encontraram em suas casas?
– A falta de afeto e bem-estar nos lares leva os jovens e adolescentes a procurar “fugir de casa”, construindo relacionamentos substitutivos, o que não é bom, mormente quando se verifica que não tiveram uma boa formação que os possibilite tomar decisões.
Não é surpreendente, pois, que, nos dias hodiernos, tenhamos tantos jovens e adolescentes envolvidos na criminalidade, nas drogas e na prostituição, inclusive os “filhos de crente”,
precisamente porque vão ao encontro do mundo buscando nele saciar aquilo que não têm em seus lares, muitos dos quais nunca foram, como deveriam ter sido, verdadeiros altares para a manifestação da glória do Senhor.
II – DAVI E AS FALHAS NA CONSTITUIÇÃO DA SUA PRÓPRIA FAMÍLIA
– Davi estava buscando sair de sua família e, ao vencer o gigante, conseguiu seu intento, pois Saul não mais o deixou voltar para a casa de seu pai (I Sm.18:2).
Imediatamente, Davi começou a servir a Saul com todo o entusiasmo e com toda a dedicação, ainda que se conduzia sempre com prudência, comportamento este que é resultado não só da presença do Espírito Santo na sua vida,
mas também de uma boa formação familiar quanto a este quesito, pois, como já dissemos, tudo nos indica que, apesar de falho em afeto e companheirismo, Jessé soube ensinar a sã doutrina a seus filhos.
– Este entusiasmo com a sua posição no reino fê-lo esquecer, momentaneamente, do desejo de casar-se com a filha do rei, até porque já tinha um outro grupo onde buscasse afeto e sociabilidade.
No entanto, quando foi atacado por Saul e feito chefe de mil, tal desejo voltou a Davi, inclusive porque Saul renovou a proposta de casamento, ainda que não tenha entregado Merabe a Davi, uma vez que este não se entusiasmou com a oferta de sair desvairadamente com sua gente de guerra (I Sm.18:17-19).
– No entanto, Davi percebeu que Mical, a outra filha de Saul, engraçava-se dele e, quando isto chegou ao conhecimento de Saul, tentou o rei fazer com que este sentimento fosse um laço para a vida do jovem que ameaçava o seu trono.
Apesar de, num primeiro instante, Davi manter-se equilibrado, ante a oferta para ser genro do rei, reconhecendo não ter posses para casar-se com a princesa, acabou sendo levado pela proposta de que bastariam cem prepúcios de filisteus para que pudesse ter a mão de Mical em casamento (I Sm.18:20-26).
– Notamos aqui como a má formação familiar de Davi o levou a uma decisão precipitada, interesseira e sem qualquer orientação divina. Davi necessitava de uma mulher, sabia que Mical estava apaixonada por ele e, certamente, também se apaixonou por Mical, pois, se assim não fosse, não teria obtido duzentos em vez de cem prepúcios de filisteus.
Um casamento nascido da atração física, da fama, do interesse, sem qualquer orientação divina, e isto por parte de um homem que tinha o Espírito Santo.
Que tristeza! Lamentavelmente, muitos agem assim ainda em nossos dias: são servos do Senhor, mas, na hora do casamento, não buscam a orientação divina, deixando-se levar por tudo, menos pela vontade do Senhor.
– Davi entregou o dobro do dote supostamente querido por Saul (que, na verdade, queria a morte de Davi pela espada dos filisteus) e, desta maneira, casou-se com Mical.
Um casamento movido por paixão e por interesses e que não poderia ter outro fim senão o desastre, o fracasso.
Davi alcançou a posição de genro do rei, mas vemos que o relacionamento dele com Mical não foi bom. Não se diz quantos anos ficaram casados, mas o fato é que Davi se dedicava intensamente a suas funções de chefe de mil, enquanto que Mical era relegada a um segundo plano, tanto que nem sequer filhos Davi teve com Mical, prova de que o relacionamento conjugal não era dos melhores.
– Aliás, o que notamos, durante toda a vida de Davi, é seu desprezo para com suas mulheres. No lamento pela morte de Jônatas, Davi exclama que a amizade que tinha com o primogênito de Saul era maior que o “amor das mulheres” (II Sm.1:26).
Se é certo que esta declaração jamais pode ser interpretada como indício de homossexualismo de Davi, também é evidente que Davi via o seu relacionamento com suas mulheres num patamar de inferioridade.
– Apaixonado por Mical, quando do momento da grande perseguição sofrida por causa de Saul, Davi viu que um casamento com base na paixão e no interesse não tem condições de perdurar. Mical, tendo sabido de toda a armadilha de seu pai, comunicou tudo a Davi, mas não quis acompanhá-lo, preferindo a corte a seu marido (I Sm.19:12-17).
Como se isto não bastasse, Davi ainda fica sabendo que Mical fora dada a outrem como mulher (I Sm,.25:44), ou seja, Mical não fez qualquer objeção em mudar de marido, desde que mantivesse a sua posição na corte.
Um duro golpe para um marido: ser abandonado pela mulher em troca de posição e conforto. Menosprezado e hostilizado na casa de seu pai, Davi agora era desprezado por sua própria mulher.
– Neste estado desesperador, Davi teve um momento importante em sua vida familiar, qual seja, a ida ao seu encontro de seus familiares, que foram encontrar-se com ele na caverna de Adulão (I Sm.22:1).
Neste instante, vemos que o Senhor, ouvindo o clamor do Seu ungido, num momento de angústia e sofrimento, ensinou-lhe o caminho correto para termos afeto e companheirismo: a família.
– Vemos nesta passagem uma linda demonstração de quanto nosso Deus prioriza a família e o papel que quer que ela exerça na vida de cada ser humano.
Apesar de menosprezado e hostilizado quando ainda não tinha a fama e a posição que adquiriu em Israel, Davi recebe a companhia de seus familiares num momento extremamente crucial de sua vida.
Temos para nós que a ida dos familiares a Adulão foi obra do Espírito Santo, pois não há como entender-se que familiares que, antes, não davam qualquer valor a Davi, fossem ao seu encontro justamente na hora em que havia perdido tudo em Israel.
– Ante o silêncio das Escrituras, tudo que conjecturemos para entender esta atitude dos familiares de Davi não passará de especulação.
Teriam os familiares de Davi sido retaliados por Saul, que teria confiscado seus bens, de forma que não lhes restava senão a fuga para ir em companhia de Davi?
Teriam os familiares de Davi sido levados ao encontro do filho menor de Jessé única e exclusivamente por medo de uma retaliação de Saul?
Não o sabemos, mas nesta ida Deus dá a Davi uma oportunidade para aquilatar o verdadeiro valor da família, a possibilidade da reconciliação, do conserto de relacionamentos dilacerados ao longo dos anos.
– Davi deveria ter aprendido a lição da importância da família com a chegada de seus familiares a Adulão, como resposta às suas orações de aflição e solidão (Sl.142).
À sua súplica e queixa de que havia olhado para a sua direita e visto, mas não havia quem o conhecesse, Deus manda a casa de seu pai, pois só a família é, além de Deus, o refúgio que falta, aquela que pode cuidar de nossa alma (Sl.142:4).
É através da família que podemos ser cercados de justo e experimentar o bem que nos faz o Senhor (Sl.142:7).
– Temos nos comportado como os familiares de Davi, indo ao encontro de nossos entes queridos quando eles estão na caverna de Adulão? Ou somente lembramos de nossos parentes quando estão junto do rei?
Têm nossas famílias servido de instrumento para a beneficência do Senhor?
– As circunstâncias adversas, entretanto, não permitiam que Davi tivesse a companhia dos familiares de forma perene. Sabendo que seu pai (que já era bem velho antes da luta de Davi contra o gigante, ou seja, anos antes deste acontecimento – I Sm.17:12) e sua mãe não podiam suportar viver como fugitivos errantes, Davi vai até Moabe, até o rei Naás, pedindo-lhe que desse asilo aos seus pais (I Sm.22:3).
– Vemos aqui que Davi, apesar dos problemas surgidos no seu lar, havia sido instruído pelos seus pais na sã doutrina, a ponto de, mesmo em meio à tribulação, arriscar-se com o único objetivo de honrar os seus pais, cumprindo, assim, o primeiro mandamento com promessa (Ex.20:12; Dt.5:16).
Quem foram os principais beneficiários por terem ensinado Davi os mandamentos do Senhor? Os próprios ensinadores, ou seja, os pais. Que isto sirva de lição e estímulo a que os pais crentes ensinem a sã doutrina a seus filhos!
– Davi tinha tido uma experiência dolorosa e difícil com o rei de Gate e, agora, teria de enfrentar um outro rei estrangeiro, que, apesar de ser inimigo de Saul (como, aliás, era Áquis), poderia, também, ter um comportamento de hostilidade a Davi.
No entanto, Davi correu o risco, porque sabia que, muito mais importante do que ter sucesso, era obedecer à lei do Senhor e honrar seu pai e sua mãe, cuidando para que tivessem guarida, um lugar protegido enquanto não sabia o que o Senhor reservava para si.
– Nos dias hodiernos, quão poucos crentes estão a honrar seus pais. E não venham dizer que isto é mandamento da lei de Moisés, visto que Jesus repreendeu os fariseus por causa de tradições que mitigavam este dever dos filhos em relação aos pais (Mt.15:3-6), chamando-o de “mandamento de Deus”, o que foi corroborado pelo apóstolo Paulo que mandou que assim fizessem os crentes (Ef.6:1-3).
Davi mostrou ser um filho amoroso e dedicado, cumpridor de seus deveres, conseguindo um lugar onde seus pais pudessem estar protegidos e amparados, já que não tinha como fazê-lo.
– Após este verdadeiro oásis na vida desértica familiar de Davi, vemos que o jovem não aprendeu a importante lição que o Senhor lhe dera em Adulão. Em vez de valorizar a família, continuou a tratar este assunto num plano inferior de seus interesses e preocupações.
– No episódio que envolveu o judaíta Nabal, que negou víveres a Davi, Davi teve contato com a mulher deste, Abigail que, com sua sabedoria e excelência de conduta, salvou a sua casa de ser atacada por Davi e seus homens.
O próprio Deus providenciaria que Nabal morresse logo em seguida e, logo em seguida, atraído pela formosura e inteligência de Abigail, Davi resolve casar-se com Abigail, que, também atraída por Davi, apressadamente aceitou o convite (I Sm.25:39-42).
– Neste segundo casamento de Davi, vemos praticamente os mesmos erros do primeiro. Senão vejamos. Davi estava extremamente irado diante da recusa e do desprezo de Nabal, que tinha em seu intento não deixar ninguém da casa de Nabal com vida até o amanhecer (I Sm.25:34).
Abigail conseguiu apaziguá-lo com muita sabedoria, prostrando-se diante dele, chamando-se de serva e com víveres em relativa abundância.
Davi impressionou-se com as atitudes de Abigail e o ódio que estava a alimentar transformou-se em atração física, pois a Bíblia nos diz que se tratava de mulher de bom entendimento e formosa (I Sm.25:3).
OBS: A tradição judaica diz que Abigail foi uma das quatro mais formosas mulheres que já viveram sobre a face da Terra (KADARI, Tamar. Abigail: midrash and aggadah. Disponível em: http://jwa.org/encyclopedia/article/abigail-midrash-and-aggadah Acesso em 21 out. 2009).
– Abigail, por sua vez, também se mostrou atraída por Davi. Não podemos dizer que tivesse segundas intenções com relação ao futuro rei, pois isto seria dizer que era adúltera, o que não tem qualquer respaldo bíblico, mas é inegável que se tratava de uma mulher carente do ponto-de-vista afetivo, pois as Escrituras nos falam que seu marido era um “homem duro e maligno nas obras” (I Sm.25:3).
– Abigail sabia que sua vida estava em risco, pois a dureza e maldade de Nabal eram tantas que não percebera ele que Davi poderia destruí-lo.
Foi isto que a motivou para ir ao encontro de Davi, mas a sua carência afetiva se revelou em seus gestos de submissão e de agrado.
Dizem os rabinos que o fato de, no primeiro encontro com Davi, ter dito ao jovem que se lembrasse dela após a sua vitória contra o inimigo (I Sm.25:31), é uma demonstração de que, mesmo antes de sua viuvez, deixou-se atrair por Davi, deixando isto claro ao jovem para que, no momento oportuno, pudesse isto dar ensejo a um relacionamento legítimo e agradável a Deus.
– Tanto foi desta maneira que, assim que Abigail recebeu o convite para o casamento, poucos dias depois da viuvez, rapidamente o aceitou, “apressou-se” para ir ao encontro de Davi (I Sm.25:42), disposta a ser a serva de Davi para lavar os pés dos criados de seu senhor (I Sm.25:41).
– Mais uma vez não vemos qualquer registro de que Davi tenha buscado a direção de Deus para este casamento. Davi casava-se pela segunda vez movido pela paixão, pela atração, que, a exemplo do que ocorrera com Mical, sabia ser mútua.
Este casamento, assim como o primeiro, logo perdeu o seu encanto, visto que, não pouco depois desses dias, a Bíblia nos registra que Davi também tomou como mulher a Ainoã de Jizreel (I Sm.25:43), sobre a qual pouco falam as Escrituras.
– No entanto, vemos que, em primeiro lugar, apesar de ter se sentido atraído por Abigail e tê-la tomado por mulher, Davi também não estabeleceu um relacionamento conjugal completo com sua mulher, tanto que não teve filhos com ela antes de os ter com Ainoã.
Tudo nos leva a crer que o mesmo comportamento que tivera com Mical, de um deslumbramento inicial, seguido de um certo desprezo, repetiu-se com Abigail.
Davi mostra que sempre deixava a sua condição de marido num plano inferior de seus interesses, preocupando-se muito mais nas pelejas e nas campanhas de seus homens do que em atender a mulheres que, por sinal, haviam resolvido se casar com ele por causa de suas carências afetivas.
– Em segundo lugar, vemos que, além da motivação do impulso, outro fator animou Davi a desposar tanto Abigail quanto Ainoã: o fato de Mical ter sido dada a outrem como mulher (I Sm.25:44).
Davi casava-se, assim, não tanto por sentir necessidade de uma companheira, mas para mostrar a todos que não se sentia abalado pelo fato de ter sido abandonado por sua primeira mulher.
Com estes dois casamentos, Davi como que procurava demonstrar uma “forra”, uma vingança em relação a Mical, como que buscava “recuperar a sua imagem” diante do povo de Israel, querendo dizer que não se intimidara nem se abalara com o gesto de Saul que procurava desmoralizá-lo aos olhos da sociedade.
– Quantos, na atualidade, não procedem do mesmo modo. Casam-se para dar satisfação a terceiros, à sociedade, aos parentes, como uma forma de autoafirmação e de satisfação do ego ou das aparências e convenções sociais, uniões que não têm como dar certo, pois, nestes casos, estão os que se casam mostrando claramente que mais amam mais a glória dos homens do que a glória de Deus (Jo.12:43).
– A família é uma instituição criada por Deus e nós, como servos do Senhor, temos, com prioridade, lembrar que não podemos formar famílias com o intuito de agradar aos homens, mas que este é um assunto dos mais importantes para que venhamos a agradar a Deus.
Como principal plataforma da própria existência humana, a família tem de ser constituída de acordo com os ditames e a vontade do Senhor, de forma que jamais poderemos sequer imaginar em nos casarmos sem que haja o agrado divino a este respeito.
– Davi pouco se importou com isso. Sentiu-se atraído seja por Abigail, seja por Ainoã e queria se mostrar firme diante de Israel mesmo depois do grande desrespeito sofrido com a perda de Mical, tendo, por isso, casado com duas mulheres, como que a dizer que, se Saul lhe havia tirado sua primeira mulher, agora tinha duas.
– Nesta sua motivação totalmente equivocada e sem qualquer orientação divina, Davi ainda seguiu o costume da poligamia, uma das muitas manifestações culturais absorvidas pelo povo de Israel dentre as nações que estavam à sua volta e que haviam sido mantidas, inclusive na lei, por causa da dureza dos corações dos israelitas (Mt.19:4-8).
– A poligamia, que a Bíblia registra ter surgido na humanidade por intermédio da civilização caimita, que era rebelde ao Senhor (Gn.4:19), foi prontamente abraçada por Davi, como uma resposta a Saul, como uma medida de autoafirmação.
Vemos, pois, que não tem cabimento algum querer-se defender a poligamia tomando a Davi como exemplo, pois tal atitude foi tomada completamente fora da orientação divina, tendo trazido a Davi graves prejuízos mais tarde.
Nunca é demasiado lembrar que o terrível homicídio havido na casa do filho de Jessé foi precisamente um crime cometido por um filho de Abigail (Absalão) contra um filho de Ainoã (Amnom).
– Ao tomar a decisão de se tornar polígamo, Davi desobedeceu à lei. Dirá alguém: mas não foi dito há pouco que, pela dureza dos corações, a poligamia havia sido permitida na lei de Moisés, ainda que modo indireto (Dt.21:15-17)?
Sim, mas Davi era ungido do Senhor e, como tal, tendo o Espírito Santo, tinha que observar com muito mais rigor a lei de Moisés, era um elemento diferenciado dentre os demais e, como havia sido ungido como rei, deveria observar a lei que proibia aos reis multiplicar as suas mulheres (Dt.17:17).
A propósito, as Escrituras indicam que Saul, o primeiro rei, teve apenas uma mulher, Ainoã, filha de Aimaás (I Sm.14:50) e uma concubina, Rizpa, filha de Aia (II Sm.3:7).
OBS: Há quem defenda que a Ainoã de I Sm.14:50 seja a mesma Ainoã de I Sm.25:43, ou seja, Davi teria desposado Ainoã, que teria sido capturada em Jizreel nos embates entre Davi e Saul, como vingança pela perda de Mical.
Entretanto, não nos parece plausível assim deduzir, pois isto seria um atrevimento de Davi que não corresponde à sua conduta durante a fase da perseguição.
– Apesar de ter duas mulheres, Davi não teve filhos enquanto não passou a reinar sobre a tribo de Judá em Hebrom, numa clara demonstração que não dava qualquer prioridade a seu relacionamento com suas mulheres, mas, sim, a suas campanhas militares.
Construiu, assim, muito mal a sua família, com a mesma falta de afeto e companheirismo que parecia ter sido a tônica de sua infância e adolescência em Belém.
– Esta falta de afeto e de companheirismo fica bem demonstrada no episódio do saque amalequita contra Ziclague.
Davi deixou a cidade desguarnecida quando foi, em companhia de Áquis, para a peleja contra Israel, tornando presa fácil do inimigo não só o seu lar, como também o de seus soldados.
Ao chegar a Ziclague, quase foi apedrejado, visto que seus soldados se revoltaram com ele diante daquela situação, mais um alerta divino para Davi dar o devido valor à família (I Sm.30:1-6).
– Quantos não têm se comportado do mesmo modo que Davi? Vão ao encontro dos inimigos na batalha por esta vida, tanto na vida espiritual, quanto na vida espiritual, mas estão a deixar seus lares desguarnecidos, à mercê do inimigo (e os amalequitas simbolizam, nas Escrituras, o adversário de nossas almas nos nossos instantes de fraqueza, de vacilação e cansaço em nossas vidas – Ex.17:8; Dt. 25:17-19; I Sm.15:2).
O adversário não tem dó nem piedade, toma tudo o que pode, e o interessante é que, no episódio, não matou qualquer familiar, mas, antes, resolveu a todos escravizar (I Sm.30:2).
É como o diabo tem feito nos dias hodiernos em muitos lares que se encontram desguarnecidos como Ziclague: vem, toma tudo, leva escravizados os familiares para, depois de fazê-los muito padecer, matá-los e destruí-los.
– O inimigo chega sorrateiramente através da “babá eletrônica” (a televisão), do “amigo eletrônico” (o computador), das más companhias e conversações, solapando a pouca convivência familiar que existe, fazendo com que “a cidade seja queimada a fogo” e os entes queridos levados para o caminho do inimigo, cativos, completamente escravizados pelo pecado, deixando apenas a amargura para os que se descuidaram e acordaram tarde demais.
Ainda há tempo para libertarmos nossos familiares, basta que sigamos a orientação do Senhor e enfrentemos o cansaço e as terríveis consequências de nossos erros.
Certamente, assim como aconteceu com Davi e seus homens, todos serão livres e muitas bênçãos receberemos do Senhor (I Sm.30:18-20).
– Mesmo diante deste novo alerta divino, Davi persistiu em sua má vida familiar. Nem mesmo o risco de morte por parte de seus próprios homens foi um sinal suficiente para fazer Davi mudar de parecer com relação a sua família.
Ainda sem filhos, seguindo a orientação de Deus, após a morte de Saul, mudou-se, com suas duas mulheres, para Hebrom, onde foi ungido rei de Judá.
– Já reinando sobre Judá, Davi percebeu que era necessário ter descendência. O fato de ter tido filhos somente quando se estabeleceu em Hebrom é menos um despertamento para a necessidade de dar o devido valor a seu relacionamento conjugal e muito mais um desencargo de suas obrigações reais, pois todo rei deve, numa monarquia, fazer sucessor, ou seja, ter filhos.
Por isso, passa a ter esta preocupação e surge, então, a sua prole. Ainoã lhe dá o primogênito: Amnom.
O significado de “Amonom” é “fiel”, expressão que mostra que, neste instante, Davi estava grato a Deus por já estar a reinar sobre a sua tribo, na convicção de que a promessa divina para sua vida seria cumprida.
– Em seguida, teve um filho com Abigail, Quileabe ou Daniel (II Sm.3:3; I Cr.3:1), cujo nome significa respectivamente “inteiramente pai” e “Deus é meu juiz”, expressões que demonstram que, neste momento, Davi, por ter filhos de ambas suas mulheres, considerou-se como pai no sentido pleno, bem como lembrando que Abigail lhe fora por esposa porque Deus o havia impedido de matar Nabal, fazendo justiça por ele.
– Nestes nomes dados a seu segundo filho (que parece não ter vivido muito, pois dele não fala mais o texto sagrado), Davi mostra, muito bem, que sua preocupação em ter filhos era o de promover a sua sucessão.
Mais uma vez o lado familiar e afetivo era relegado ao segundo plano, algo que, infelizmente, temos visto na vida de muitos servos do Senhor, principalmente daqueles que são chamados para o ministério.
Que a vida conturbada de Davi por causa deste menosprezo à família sirva de exemplo para estes obreiros, antes que seja tarde demais!
– O desprezo para com a vida familiar não pararia aí, entretanto. Já não bastasse ter aceitado a poligamia, Davi, também, adota o costume dos reis das outras nações de efetuar “casamentos políticos”, ou seja, de firmar alianças com os outros povos mediante o casamento com integrantes das famílias reais dos países vizinhos, fazendo com que a paz política se traduzisse em alianças familiares entre as dinastias, tática que até hoje caracteriza grande parte da realeza ainda existente no mundo.
OBS: Oportuno verificar que a principal religião do mundo a admitir a poligamia, na atualidade, é o islamismo.
A admissão da poligamia pelos muçulmanos deve-se, precisamente, ao fato de que Maomé, o profeta do islamismo, ter estabelecido o seu império na Arábia principalmente por meio de alianças firmadas com base em casamentos políticos.
– A Bíblia diz-nos que, uma vez em Hebrom, Davi casa-se pela terceira vez, desta feita com Maaca, filha de Talmai, que era o rei de Gesur (I Sm.3:3).
Gesur era um pequeno principado arameu a leste do rio Jordão e ao sul de Maacá, que fazia parte do território da tribo de Manassés e que não tinha sido até então conquistado pelos israelitas (Js.13:2,13), contra quem Davi havia lutado, nos tempos em que servira a Áquis (I Sm.27:8) e com quem Davi, durante sua contenda com Isbosete, quis fazer paz, a fim de melhorar sua situação política.
– Usar do casamento como instrumento para melhorar sua situação político-militar foi outro grande erro na vida de Davi e que, aliás, seria seguido por Salomão a um ponto tal que acabou por gerar a perda da unidade de Israel e quase que a salvação do terceiro rei de todo o Israel (I Rs.11:1-13).
– Hoje em dia, não é diferente. Não são poucos os casamentos firmados por conta da conveniência de interesses, não tanto para a política entre Estados, mas para a política eclesiástica, para a política empresarial, para a política local e tantas outras situações que envolvem o poder em todos os seus aspectos.
Tais casamentos são desastrosos, porquanto significam o sacrifício de uma instituição sublime e importantíssima, que é a família, a outros interesses muito menores na escala de valores estabelecida pelo Senhor. Que Deus nos guarde dos “casamentos políticos”.
– Mas Davi não se limitou a se casar com Maaca. Em Hebrom, também, casou-se com Hagite, a mãe de Adonias (I Sm.3:4).
As Escrituras informação alguma dão sobre esta mulher, mas a tradição judaica diz ter sido uma “dançarina” que Davi teria tomado por mulher em mais de seus impulsos amorosos.
O nome “Hagite” significa “nascida em dia festivo”, “festiva”, talvez daí advindo esta tradição. De qualquer maneira, pelo fato de Davi jamais ter contrariado Adonias durante toda a sua vida (I Rs.1:6), pode-se daí deduzir que Hagite tinha alguma ascendência sobre Davi, algum poder sedutor sobre ele.
Mais um casamento feito com base na paixão, no impulso, sem qualquer orientação divina e que traria a Davi sérias consequências no futuro, pois Adonias, em uma grande desonra ao pai, tentou tomar-lhe o trono quando o rei já se encontrava bem envelhecido e próximo à morte.
– O nome dado ao filho de Hagite, ou seja, “Adonias”, que significa “Jeová é Senhor”, mostra como Davi estava mesmo é ocupado de sua guerra com Isbosete e com a confirmação do reino de Israel em suas mãos.
Ao dar este nome ao filho de Hagite, notamos claramente que se estava naquele momento em que Davi percebia que Deus estava do seu lado e fortalecendo o seu partido em detrimento do de Isbosete ((II Sm.3:1)
– Davi, também, casou-se com Abital, a mãe de seu quinto filho, Sefatias (II Sm.3:4), pessoa sobre a qual também a Bíblia silencia quanto a procedência ou às circunstâncias de seu casamento com o então rei de Judá.
O nome dado a este filho, “Sefatias”, cujo significado é “Jeová tem julgado”, percebemos que Davi continuava com a primazia de suas ocupações na vida político-militar, pois tudo indica que Davi está se referindo aos movimentos de Abner para constituí-lo rei sobre todo o Israel e, inclusive, sobre o retorno de Mical ao convívio com Davi (II Sm.3:12-19).
– Ainda em Hebrom, Davi casou-se com Eglá, mãe de Itreão (II Sm.3:5). “Itreão” significa “fartura de gente” e isto nos indica, uma vez mais, que Davi tinha como objetivo, ao ter filhos com estas mulheres, tão somente assegurar a sua descendência dinástica.
Via os casamentos, portanto, como mero instrumento para a sua segurança como rei de Judá partindo para ser rei de todo o Israel, num total e completo menosprezo a sua vida familiar.
– Notemos que Davi teve um filho com cada mulher, a demonstrar que o relacionamento estabelecido com elas era meramente utilitário, visava tão somente fazer descendentes para garantir a continuidade dinástica.
Mesmo as duas mulheres que a Bíblia diz terem amado Davi, terem sido atraídas por ele (Mical e Abigail) tiveram este amor como secundário frente à amizade que Davi tinha com Jônatas, como já vimos.
– Nesse meio tempo, o retorno de Mical, uma exigência de Davi a Isbosete para continuar as tratativas de paz na guerra civil (II Sm.3:13-16), não revela qualquer sentimento que um nutrisse pelo outro nesse momento da vida de cada um.
A paixão havia esfriado completamente. Mical, insensível, como nos prova o seu comportamento de indiferença diante da demonstração de amor feita pelo seu segundo marido quando ela ia a caminho de Hebrom, aceitara a condição precisamente porque via ali a grande oportunidade de retornar a uma posição social de destaque, tornar-se rainha de Judá,
presumivelmente com proeminência sobre as demais mulheres de Davi, já que tinha sido a primeira esposa de Davi, num instante em que os da casa de Saul percebiam nitidamente que o reino estava sendo transferido a Davi.
– Por parte de Davi, o retorno de Mical era apenas um gesto de autoafirmação, uma demonstração pública a todo o Israel de que havia “recuperado” a sua mulher. Mical era um “troféu” político, uma demonstração de sua vitória sobre a casa de Saul.
Tanto assim é que não houve qualquer interesse de Davi em ter um relacionamento conjugal com Mical, tanto que com ela não teve filhos.
Esta indiferença mútua acabaria se tornando em amargura e revolta por parte de Mical, como ficaria explícito na chegada da arca a Jerusalém, quando Mical, indignada e ferida, acabaria por fazer uma indevida repreensão pública a Davi que a desprezaria em público e, como resultado desta ação inconsequente, o próprio Senhor feriria Mical com a esterilidade (II Sm.6:16, 20-23).
OBS: Alguns procuram identificar Eglá, tratada como “mulher de Davi” com Mical, procurando afirmar que Mical teria morrido no parto de Itreão. Não nos parece correto tal entendimento, pois o texto sagrado é claro ao dizer que Mical foi esterilizada e não teve filhos.
– O primeiro casamento de Davi, portanto, foi um rotundo fracasso, que terminou em mágoa, repreensões públicas de parte a parte e em maldição, já que Mical se tornou estéril.
Um casamento frustrado, onde nenhum dos cônjuges conseguiu alcançar o objetivo de Deus para homem e mulher com a família: o companheirismo, o afeto, o término da solidão (Gn.2:18). Quantos Davis e Micais há hoje nas igrejas locais…
– Davi construiu uma família com “fartura de gente”, mas com total falta de orientação divina, afeto, companheirismo. Uma família desta natureza, que assim como Ziclague, havia sido deixada completamente à mercê do inimigo, seria o alvo fácil do adversário quando o rei sofresse as consequências de seus horrendos pecados cometidos no “caso de Urias, o heteu”.
III – DAVI E SUAS FALHAS COMO PAI E MARIDO
– Davi conquistou Jerusalém e, com este gesto, como já estudado neste trimestre, iniciou a expansão de seu reino, chegando às fronteiras prometidas por Deus a Abraão.
Se na vida “profissional”, a conquista de Jerusalém trouxe um impulso sem igual a Davi, a ponto de fazê-lo entender que havia confirmação divina para o seu reinado (II Sm.5:12), tornando-o o grande conquistador da história de Israel, representou, em termos de vida familiar, o aprofundamento das falhas cometidas na constituição de sua família.
– Com efeito, logo em seguida à declaração bíblica de que Davi tivera o discernimento da confirmação do seu reino, o que teria de ter como contrapartida um maior cuidado na formação da “fartura de gente” que levara a Jerusalém, as Escrituras registram que Davi tomou mais concubinas e mulheres (II Sm.5:13).
– Apesar da confirmação do reino, Davi não teve qualquer preocupação de estruturar a família cuja constituição se dera em Hebrom, mas, bem ao contrário, assumiu, de uma vez por todas, os costumes dos reis das nações, formando um verdadeiro “harém real”, não só com mais mulheres, mas também com concubinas. Tomava, pois, a decisão de moldar a sua casa assim como os reis das demais nações, em nada se distinguindo dos monarcas de seu tempo.
– Lamentavelmente, não tem sido diferente em nossos dias. Muitos servos de Deus, ainda que confirmados pelo Senhor seja na obra do Senhor (ministério), seja na vida secular, tomam a deliberação de construir suas vidas familiares de acordo com os padrões mundanos.
Fazem “como tudo mundo faz” e as consequências não tardam a chegar. Não é outro o motivo por que, na atualidade, vemos, nas famílias dos que cristãos se dizem ser, as mesmas mazelas que vemos nos lares dos incrédulos:
- divórcios e separações,
- envolvimento dos filhos com drogas e prostituição,
- desobediência dos filhos em relação aos pais,
- falta de união e afeto entre pais e filhos e entre os cônjuges e
- até mesmo situações inadmissíveis como abusos sexuais, adultérios e homossexualismo.
Por que isto acontece nas famílias dos crentes tanto quanto nas famílias dos incrédulos? Porque muitos fizeram como Davi: resolveram adotar os mesmos costumes dos gentios, resolveram moldar a vida familiar nos mesmos ditames do mundo.
Uma vez confirmado no reino, Davi resolveu fazer tanto quanto os reis das demais nações, tomando mais concubinas e mulheres, o que contribuiria única e exclusivamente para o fracasso completo de sua vida familiar.
– Foram tantas as mulheres e concubinas tomadas por Davi que o texto sagrado apenas registra o nome dos filhos que lhe nasceram em Jerusalém: Samua, Sobabe, Natã, Salomão, Ibar, Elisua, Nefegue, Jafia, Elisama, Eliada e Elifelete (II Sm.5:14-16; I Cr.3:5-8), fora as filhas, que não foram explicitamente nomeadas e das quais conhecemos pelo menos uma, Tamar, irmã germana de Absalão (II Sm.13:1; I Cr.3:9).
– Não bastasse esta multiplicação de mulheres, a Bíblia diz-nos que Davi, também, teve mais filhos e filhas (II Sm.5:13).
Esta expressão do texto sagrado mostra-nos, claramente, que Davi era tão somente um “procriador”, alguém que estava interessado em suscitar descendentes para segurança da dinastia, mas que não se importava em criar seus filhos, como, aliás, muitos fazem nos dias hodiernos.
– Tal comportamento de Davi também não correspondia ao que era exigido pelo Senhor. Quando observamos a lei, vemos que há um dever dos pais em ensinar seus filhos a sã doutrina (Dt.6:6-9), ensino este que se faz mediante um acompanhamento diário dos filhos, a terem a presença dos pais em todos os instantes do dia, seja nos momentos de comunicação (assentar em casa), seja nas atividades (andar pelo caminho), seja no término do dia (deitar), seja no início do dia (levantar).
– A educação dos filhos exige que os pais tenham plena ciência do cotidiano de seus filhos, estejam presentes no seu universo, como referência, como aconselhadores, guias e orientadores a cada momento, formando laços de convivência e de amor que não possam ser quebrados por terceiros ao longo da jornada da vida.
Davi, entretanto, apenas tinha mais filhos e filhas, mas era completamente ausente dos filhos, não lhes ensinando coisa alguma, nem se preocupando em fazê-lo.
– Durante o relato bíblico da vida de Davi, não o encontramos, salvo às vésperas da morte, conversando com qualquer filho ou estando na companhia de qualquer filho. Jessé o chamava para que fosse ver seus irmãos (I Sm.17:17), Saul se fazia acompanhar de Jônatas nas batalhas (tanto que ambos morreram juntos) e costumava tomar as refeições com seu filho, num companheirismo, aliás,
que foi declarado pelo próprio Davi (II Sm.1:23), mas Davi, durante todo o seu reinado, não é visto dando instruções a este ou aquele filho, fazendo-se acompanhar deste ou daquele filho nas batalhas, tomando refeição com qualquer filho. Era um pai completamente ausente, que não tinha nenhuma participação na formação de sua descendência.
– Este distanciamento de Davi em relação a seus filhos evidencia-se em alguns episódios bíblicos. Quando Amnom, enlouquecido de paixão por sua meia-irmã Tamar, adoeceu por causa disso, quem o acolheu e o aconselhou não foi Davi, mas, sim, seu primo Jonadabe (II Sm.13:3-5).
Amnom, embora fosse o primogênito e, portanto, o herdeiro do trono, a quem Davi, ainda que só por motivos políticos, devia ser mais próximo, não tinha qualquer intimidade com seu pai, a ponto de ter segredado seu amor por Tamar a um “amigo”, a Jonadabe, que, então, fazia as vezes de “pai”, dando, inclusive, péssimo conselho a Amnom.
– A ausência de um pai na criação e formação do filho faz surgir “Jonadabes” na vida das crianças, jovens e adolescentes, “Jonadabes” que nem sempre são bem-intencionados, que nem sempre são procedentes do Senhor.
Muitos pais têm sido substituídos por traficantes, rufiões, pedófilos, que se apresentam para suprir as carências afetivas dos filhos abandonados, levando-os para o mundo e para a destruição.
Enquanto os pais estão ocupados com tantas coisas, como estava Davi, deixam que “Jonadabes” se aproximem e estimulem a prática do pecado e da maldade. Acordemos, pais, e assumamos nossas responsabilidades diante de Deus, pois os filhos são herança do Senhor (Sl.127:3).
– A ausência de Davi era tanta e tão notória que Jonadabe disse a Amnom que se fingisse doente, pois Davi somente viria visitá-lo se Amnom apresentasse um quadro de doença.
Que situação lamentável: um pai que só se lembra de visitar e ver o filho, embora vivendo sob o mesmo teto, se o filho ficar de cama! É esta precisamente a situação de muitos na atualidade:
o filho só tem a companhia dos pais quando adoece, só recebe atenção dos filhos quando precisa de cuidados médicos, muitas vezes hospitalares.
Aliás, a psicologia e a medicina afirmam que muitas doenças se manifestam única e exclusivamente para que o filho tenha atenção que lhe tem sido negada.
– Davi compareceu para ver seu filho ao saber que estava doente. Amnom, então, ao receber a visita do rei, pediu-lhe que Tamar lhe fosse preparar bolos, sendo atendido.
Mas, e aqui vemos como Davi era ausente, Davi não se deu ao trabalho sequer de chamar Tamar para lhe fazer este pedido, mandou apenas que Tamar fosse avisada para que fosse até onde estava Amnom (II Sm.13:7). Definitivamente, não havia qualquer diálogo entre Davi e seus filhos.
– A omissão de Davi em relação a educação de seus filhos se evidencia ainda mais quando Amnom abusa de Tamar e a despede, numa cena humilhante, cena esta que é aumentada em sua publicidade pela reação de Tamar que rasgou a roupa de muitas cores que vestia e pôs cinza sobre sua cabeça, andando desta maneira à vista de todos (II Sm.13:8-19).
Diante de tamanho escândalo, Davi apenas “acendeu-se em ira” (II Sm.13:21), não tomando qualquer atitude seja em relação a Amnom, seja em relação a Tamar. Era um pai completamente ausente, que não tinha qualquer comprometimento com o comportamento de seus filhos.
– Aqui é oportuno observar que a omissão dos pais no que respeita à disciplina dos filhos é outra falha que tem causado muito dano às famílias na atualidade.
A psicologia moderna, baseada em princípios antibíblicos, tem defendido que os pais não podem castigar seus filhos.
Não estamos aqui a defender que os pais venham a espancar os filhos, pois isto é agressão, não, castigo.
Todavia, o que pretende esta linha de pensamento é destruir a imagem da autoridade dos pais em relação aos filhos, algo que não tem qualquer fundamentação bíblica e que deve ter o rechaço de todos quantos servem a Deus.
– A correção é uma demonstração de amor (Pv.13:24), cujo resultado é o bem daquele que é corrigido(Hb.12:6-11).
As Escrituras contêm vários ensinamentos a respeito da necessidade de os pais corrigirem seus filhos a fim de lhes proporcionar um crescimento sadio e uma vida melhor, tanto no aspecto secular, quanto no aspecto espiritual (Pv.4:1; 5:23; 6:23; 22:15; 23:13,14; 29:15).
– No entanto, para que haja correção, torna-se necessário que, antes, tenha havido ensino (II Tm.3:16).
Muitos pais não corrigem seus filhos, porque não os ensinaram e, desta maneira, não têm autoridade, não têm condições de impor aos filhos alguma espécie de correção, algum tipo de castigo.
Era esta, precisamente, a situação de Davi. O rei era ausente com relação aos filhos e, portanto, diante daquele escândalo, só podia “morder-se de raiva”, ficar irado, mas não tinha qualquer condição de efetuar qualquer repreensão seja a Amnom, seja a Tamar.
– Diante da omissão paterna, Absalão, outro filho de Davi, resolveu fazer justiça com as suas próprias mãos. Passados dois anos deste episódio, Absalão põe em ação o plano que começara a arquitetar quando dos fatos, quando foi acudir sua irmã Tamar (II Sm.13:20).
– Absalão foi até a presença de Davi e o convidou para uma festa em Baal-Hazor, onde tinha tosquiadores, mas Davi, mais uma vez mostrando ser um pai ausente e desinteressado em manter uma vida familiar, não quis ir, tendo-o abençoado (II Sm.13:24-26).
Absalão pediu, então, que o rei autorizasse que Amnom fosse, tendo o rei aceitado que não só Amnom mas todos os filhos do rei acompanhassem Absalão nesta festa familiar.
– Observamos como Davi não tinha em conta a sua vida em família. Não foi à festa, embora todos seus filhos tivessem ido.
Absalão sabia muito bem que Davi não o acompanharia nesta festança, prova de que Davi não comparecia a qualquer cerimônia festiva da família.
Era um completo ausente e, quando os filhos sabem que seus pais não acompanham os seus passos, começam a ser instados a arquitetar “festejos” que estão completamente fora de parâmetros.
As “festinhas” onde há sexo, drogas e tantas coisas danosas ocorrem sempre porque os pais são ausentes, não sabem quem são os “amigos” de seus filhos, nem quais são os seus “costumes”.
Muitos, na atualidade, querem controlar os filhos com celulares, GPS, como se isto gerasse efetivo controle.
O controle da situação vem de um acompanhamento diário dos filhos, de uma efetiva convivência, de um compartilhamento que gere confiança e união entre pais e filhos, não de instrumentos ou equipamentos trazidos pela tecnologia.
– Como Davi era um pai ausente, Absalão pôde montar a sua “festinha” nas “barbas” do rei e, mais do que isto, com a própria “bênção” do pai e, na “festinha”, regada a muito vinho, acabou por matar Amnom. Davi colhia mais um fruto de sua vida familiar desastrosa (II Sm.13:27-36).
– Após praticar o crime, Absalão fugiu e se foi a Talmai, seu avô, rei de Gesur, tendo ali ficado três anos. Davi teve saudades de Absalão, uma vez consolado pela perda de Amnom, mas foi incapaz de externar tal sentimento.
Era um pai distante, ausente e que não conseguia demonstrar seu afeto por seus filhos. Não façamos isto. Pais, demonstrem seu afeto para com seus filhos! Afinal de contas, ser pai é demonstrar amor.
Por que Deus é chamado de “Pai nosso”? Precisamente porque demonstrou Seu amor para conosco de forma visível e palpável, não ficou apenas tendo dó de nós e sentindo saudades em Seu trono de glória sem nenhuma medida efetiva.
Os pais são aqueles que externam seus sentimentos aos filhos, que sabem dar boas dádivas a eles, ainda que sejam maus, como nos ensinou o Senhor Jesus (Mt.7:11; Lc.11:13).
– Entretanto, Davi se fechou, não externou seu sentimento. Joabe, seu comandante do exército, porém, notou esta circunstância e usou de um estratagema para fazer com que Davi trouxesse do exílio a Absalão, fazendo com que Davi efetuasse um julgamento em que se condenava por não permitir o retorno de seu filho (II Sm.14:1-22).
Davi, então, após ser assim “descoberto” em seus intentos, autorizou que Joabe trouxesse Absalão de volta a Jerusalém, mas não quis vê-lo nem falar com ele (II Sm.14:23,24).
– Davi mostrou-se extremamente soberbo e insensível. Embora tivesse dó e saudades de Absalão, não quis, de forma alguma, mostrar isto a seu filho, o que lhe custaria muito caro. Deixou que Absalão retornasse para Jerusalém, mas não permitiu sequer que fosse vê-lo.
Que diferença com o que José fez com seus irmãos, que, mesmo tendo sido seus algozes, não só foi visto como José teve prazer de com eles se alimentar, mesmo não se dando a conhecer num primeiro momento (Gn.43:15-17).
Quantos não fazem como Davi: não veem seus familiares, não falam com eles, guardam mágoas e ressentimentos anos a fio, apesar de ter dó e saudades deles. Davi, com este comportamento, apenas promoveu um maior distanciamento de Absalão.
Em Jerusalém, Absalão ficou mais distante de seu pai do que quando estava em Gesur, um distanciamento emocional que transformou o amor em ódio e que levou Absalão ao gesto mais extremo que um filho pode ter em relação ao pai: a rebelião. Tomemos cuidado!
– Durante dois anos, Absalão não viu a face do rei, somando um total de cinco anos de completa falta de contato. Para ser visto pelo rei, Absalão precisou criar constrangimentos para Joabe.
Absalão apresentou-se a Davi e Davi apenas o beijou, cena que não deve ser confundida pelo leitor da Bíblia. O encontro entre ambos foi meramente protocolar: Absalão se prostrou diante do rei e o rei o beijou (II Sm.14:33).
Nenhuma troca de palavras, nenhuma manifestação de afeto. Um encontro gélido, despido de qualquer afetividade, que teve como consequência apenas a consolidação do ódio no coração de Absalão e o início da execução do seu plano de revolta.
– Davi, tão cioso de seu reinado a ponto de desprezar a vida familiar, sem saber, por causa de seu desprezo para com sua família, punha em risco o seu próprio governo.
O formalismo demonstrado para com Absalão, hipócrita, pois Davi muito amava Absalão; a recusa em derramar lágrimas, em mostrar a afeição que tinha por seu filho foi o elemento que faltava para que Absalão iniciasse a sua vingança e levasse Davi para uma grande provação.
Verdade é que recuperou o reino, até porque Absalão estava fora da direção divina, sendo um homicida, um rebelde e desobediente, mas perdeu para sempre o seu filho.
Quando chorou amargamente pela morte de Absalão (II Sm.18:33), Davi, certamente, deve ter refletido que, neste encontro gélido e formal, perdera o seu filho para sempre. Pais, antes que choremos diante de uma situação irreversível, mostremos amor e afeto aos nossos filhos!
– Este distanciamento de Davi com seus filhos também é demonstrado pelo fato de que, por amor a Jônatas, Mefibosete era alguém que sempre comia na mesa do rei (II Sm.9:13).
Apesar de o gesto de Davi ser altamente elogiável (como se vê no apêndice nº 1 deste trimestre), não podemos nos esquecer de que, ao mesmo tempo em que dava honras ao filho de Jônatas, Davi desprezava os seus próprios filhos, pois não é dito, em momento algum nas Escrituras, que tivessem os filhos de Davi acesso à mesa do rei ou que, de contínuo, comiam eles com o rei, como, por exemplo, a Bíblia fala que ocorria com Saul e Jônatas.
– Não podemos, em hipótese alguma, permitir que terceiros venham a ocupar o lugar de nossos familiares em nossa vida.
A família deve ter uma posição que somente é inferior a de Deus. Tudo o mais depende de nossa vida familiar e, portanto, não introduzamos “Mefibosetes” que substituam nossa família em nossa escala de valores.
Ministros do Evangelho, lembrem-se que a família está acima da igreja em sua vida. Sem a família, não há como se ter um ministério profícuo, lição que muitos, a exemplo de Davi, vão aprender somente quando tudo já estiver irreversível, quando for tarde demais.
– Apesar da dura experiência sofrida por Davi na revolta de Absalão, não vemos que Davi tenha mudado sua conduta familiar ao retornar ao trono. Não tinha também mais muito o que fazer, já que a idade avançara, os filhos já haviam sido criados (e mal criados).
No término de sua vida, como demonstração do “modus vivendi” que havia adotado, seus servos lhe trouxeram uma moça virgem para “aquecê-lo”, Abisague.
Davi tinha gerado o costume do “harém real” e, ante a sua enfermidade e velhice, logo procuraram “ajudá-lo” com uma mulher, mulher com a qual não teve Davi relações sexuais, diante da sua avançada idade e doença (I Rs.1:1-4).
– Davi definitivamente criara uma “cultura de harém” na corte real, cultura esta que chegaria ao extremo no reinado seguinte, com Salomão e suas setecentas mulheres e trezentas concubinas que lhe perverteram o coração (I Rs.11:3) e que acabaram por dar fim ao reino de Israel.
A brecha aberta por Davi na sua vida familiar levou à destruição da nação israelita, que nunca mais se restaurou. Quando abrimos brecha na vida familiar, pomos em risco a própria igreja! Lembremos disto.
– Diante desta situação, Adonias, o filho mais velho de Davi entre os que ainda viviam, na qualidade de herdeiro presuntivo do trono, levantou-se contra o seu pai e se proclamou rei, tendo o apoio de Joabe e de Abiatar.
Este gesto, uma verdadeira desonra a Davi, diz-nos a Bíblia, é resultado de uma vida sem disciplina que viveu Adonias. O texto sagrado relata-nos que Adonias nunca foi contrariado por Davi (I Rs.1:6).
Como diz o proverbista, a falta de repreensão e de correção gera pessoas que envergonham os pais (Pv.29:15).
– No leito de morte, Davi ainda recebe um insulto desta natureza. Adonias declara-se rei e, enquanto está banqueteando, Davi recebe a visita de sua mulher Bate-Seba, em mais uma demonstração de que, apesar de ser mulher de Davi, Bate-Seba não tinha acesso à câmara do rei, onde ficava apenas Abisague (I Rs.1:15), apesar de ter sido a mulher pelo qual fizera tantas loucuras.
Assim é a paixão, passageira e que não se sustenta ao longo dos anos. Uma vida de isolamento de seus familiares era a vida de Davi.
– Sendo informado por Bate-Seba e por Natã a respeito da rebelião de Adonias, Davi é forçado a transferir o reino antes mesmo de sua morte.
Manda que Salomão seja ungido rei e proclamado como tal em Jerusalém, o que foi o bastante para que Adonias desistisse de seu intento (I Rs.1:32-53).
– Em seguida, como numa tentativa de compensar tudo quanto havia feito de errado em sua vida, Davi, no leito de morte, chama Salomão e lhe dá conselhos antes que morresse (I Rs.2:1-9), buscando orientar seu filho na sucessão, algo que será tema de uma lição ainda neste trimestre.
Somente no leito de morte, e ainda em virtude das precipitações políticas, Davi se dispõe a ter um contato mais amiúde com um filho seu. Salomão muito aproveitou esta oportunidade e tal contato, ainda que pequeno, trouxe algumas bênçãos não só para Salomão como para todo o Israel, em especial no tocante à construção do templo e à estabilização do culto a Deus.
Que bom seria se Davi tivesse feito isto desde o início, mas não o fez.
– Será que precisamos aguardar o leito de morte para tentarmos remediar os erros que cometemos em nossa vida familiar?
Davi teve esta chance, mas não podemos nos esquecer que esta oportunidade se deveu a dois fatores:
ao ultraje sofrido diante da revolta de Adonias e
ao próprio propósito divino para a salvação do homem, o que levou Davi, diante da proximidade da morte e da promessa messiânica recebida, a ter de mudar de atitude em relação a seu herdeiro e sucessor Salomão.
– Como marido, Davi não teve melhor sorte. Como já tivemos ocasião de verificar ao longo deste estudo, Davi não valorizava o amor das mulheres, vendo-as sob um ângulo utilitário tão somente.
Levado pelo impulso no instante em que decidia casar, também não cultivava o amor para com aquelas mulheres que se sentiam atraídas por ele.
– Assim se deu tanto no caso de Mical, quanto de Abigail, as suas duas primeiras mulheres, que o texto sagrado diz que amavam Davi (I Sm..18:20; 25:31,41,42), mas cujo amor Davi não correspondeu.
No caso de sua primeira mulher, vemos que Davi desprezou Mical, tratando-a tão somente como um “troféu” quando ela retorna ao seu convívio, vez que com ela sequer manteve um relacionamento conjugal, desprezo este que se transforma em amargura e revolta, a ponto de ela cometer o desatino de repreendê-lo publicamente, o que lhe causou a esterilização da parte do Senhor (II Sm.6:16, 20-23).
– Com Abigail não foi diferente. Pouco depois de ter casado com ela, Davi também se casa com Ainoã, a jizreelita (I Sm.25:43), numa clara demonstração de que o impulso demonstrado no episódio de Naval foi passageiro, a ponto de Davi ter achado outra mulher pouco depois que lhe interessou.
Abigail passa a ser tratada apenas como “mais uma mulher”, tendo da parte do rei o mesmo tratamento das demais mulheres, tanto que, assim como as outras, teve apenas um filho com o rei em Hebrom (II Sm.3:3; I Cr.3:1), prova de que passou a ser vista por Davi também sob o ângulo utilitário tão somente, o que, aliás, é próprio da “cultura do harém”.
– A palavra “marido” tem origem na raiz “masc”, que se refere ao macho, ao varão. O papel do marido, biblicamente falando, é o de cabeça do casal (Ef.5:23), ou seja, aquele a quem o Senhor incumbiu de efetuar o planejamento e a direção da vida conjugal, pois a cabeça é feita para pensar, planejar, comandar.
Como cabeça, o marido deve estabelecer quais as tarefas, quais as missões a serem cumpridas pelos integrantes da família, tarefas e missões a serem, obviamente, previamente perquiridas junto ao Senhor, que é a cabeça do varão (I Co.11:3).
– Davi, portanto, tinha todas as condições de ser um excelente marido, pois, sendo cheio do Espírito Santo, poderia ter buscado a direção do Senhor na sua vida conjugal e familiar. No entanto, não o fez e este é o primeiro fator que fez com que sua vida familiar tenha sido o desastre que foi.
– Todo marido salvo, que também tem o Espírito Santo, deve buscar a orientação e direção divina, para, então, tomar as necessárias decisões na vida familiar, pois a ele, marido, incumbe tal função.
Evidentemente que, assim como o próprio Deus permite ao homem, apesar de Sua soberania, que este traga à presença de Deus os seus desejos, planos e projetos (Sl.69:33; Is.59:1; Jr.33:3), de igual maneira o marido não deve ser um ditador, um “sabe-tudo”, devendo, sim, ser aberto ao diálogo com a mulher e com os filhos na formulação da vida familiar.
– Somente quando o marido tem um projeto de vida familiar, elaborado na direção do Espírito Santo e que tem a colaboração dos demais familiares, obterá de sua mulher a sujeição, a submissão. “Submissão” é “pôr-se debaixo de” algo, é “disposição para obedecer”.
Ora, como se pode exigir da mulher, que tem uma sensibilidade mais aguçada que a do homem, que se ponha debaixo do nada, de algo que não existe, visto que muitos maridos não têm qualquer plano de vida?
E, mais ainda, como exigir de uma mulher salva, que tem o Espírito Santo, se subordine a projetos e planos que não têm a orientação divina, já que, como seres humanos espirituais, os salvos têm a mente de Cristo (I Co.2:14-16)?
– Mas, além da incumbência de ter um plano de vida familiar na direção do Espírito Santo, o marido, também, tem de ter a iniciativa do amor. Como cabeça da mulher, deve o marido ser o primeiro a demonstrar amor por ela.
Assim como Cristo nos amou primeiro (I Jo.4:19) e, por isso, é a cabeça da Igreja, por ser Ele o próprio Salvador do corpo (Ef.5:23), o marido também deve ser o primeiro a mostrar amor pela mulher.
– A submissão da mulher ao marido depende fundamentalmente de a mulher se sentir amada pelo marido, amor que não se traduz apenas em gestos sentimentais, em carícias e em palavras (embora tudo isto seja necessário e indispensável até ante a sensibilidade feminina), mas que se deve traduzir, principalmente, em obras, em atitudes, em ações (I Jo.3:17,18).
A submissão da mulher é uma atitude de reação ao amor demonstrado pelo marido, amor este que deve chegar ao ponto de o marido estar disposto de dar a sua própria vida pela mulher (Ef.5:25; I Jo.3:16).
– Davi falhou precisamente neste quesito. Tão dedicado em suas funções profissionais, disposto a dar a sua vida pelos seus liderados, desde os tempos em que comandou parte da gente de guerra de Saul, em relação a suas mulheres não demonstrou este mesmo amor. Pelo contrário, não tomou iniciativa alguma de amor em relação a suas mulheres, o que lhe gerou os sucessivos fracassos matrimoniais.
Mical é o exemplo mais claro desta circunstância: o desprezo sofrido levou-a à revolta explícita, ao insulto público.
Muitos maridos salvos padecem do mesmo mal e têm consequências terríveis em suas vidas, máxime se envolvidos na obra do Senhor. Os maridos têm a Cristo como exemplo e devem demonstrar o amor para com suas mulheres, é deles esta iniciativa.
– Somente com relação a uma mulher Davi teve tal demonstração. Foi com Bate-Seba.
Diz-nos o texto sagrado que, após a morte do primeiro filho que ambos tiveram, em cumprimento à sentença divina proferida por intermédio do profeta Natã (II Sm.12:14), o rei tomou a iniciativa de consolar Bate-Seba. A restauração espiritual promovida em Davi fê-lo rever esta sua condição de marido insensível.
– Davi preocupou-se com Bate-Seba, com seu bem-estar, demonstrando-lhe afeto e carinho.
Acabou retomando o relacionamento conjugal com Bate-Seba e o resultado foi que não só teve um segundo filho, Salomão, como também mais outros três filhos (Simeia, Sobabe e Natã), tendo sido a única mulher de Davi que teve tantos filhos, prova de que Davi resolveu, após “o caso de Urias, o heteu” estabelecer, ao menos com uma mulher, uma vida conjugal plena (I Cr.3:5).
É interessante notar que a Bíblia, ao relatar tal circunstância, chama Bate-Seba de “Bate-Sua”, cujo significado é “filha da opulência”, dando-nos a entender, portanto, que Bate-Seba conseguiu a plenitude da femininidade, que é a de ser amada plenamente pelo marido e de atingir a maternidade.
– Tratou-se, sem dúvida, de uma evolução para a vida familiar de Davi, mas nos parece que, apesar deste progresso, o rei não mudou muito seu comportamento com o desenrolar dos anos, visto que, no final de sua vida, vemos que não mais mantinha uma vida conjugal plena com Bate-Seba, que nem sequer tinha acesso livre à recâmara do rei (I Rs.1:11,15,28).
A “cultura do harém” tinha firmemente se estabelecido na corte de Davi e impediu que o rei mantivesse esta vida conjugal plena de forma constante.
Talvez o despertar de Davi como marido tenha sido assaz tardio e as circunstâncias que ele próprio criou foram tais que não teve mais como se desvencilhar do “monstro” que havia criado.
Que isto nos sirva de lição para evitarmos chegar a situações de irreversibilidade em nossa vida conjugal.
– .Não percamos a oportunidade de, mediante esta lição, revermos nossos conceitos de vida familiar e, assim, podermos construir um lar que seja um verdadeiro altar que adore a Deus.
Amém.
Prof. Dr. Caramuru Afonso Francisco