LIÇÃO 9 – A NOVA VIDA EM CRISTO
Paulo inicia a parte prática da epístola aos romanos falando do nosso relacionamento com Deus e com o próximo.
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INTRODUÇÃO
– Um conhecido pregador e pastor brasileiro já disse, com muita propriedade, que o Cristianismo é distinto das demais religiões porque é a única crença que se firma em relacionamentos, que estabelece um parâmetro claro do relacionamento entre o homem e Deus, entre o homem e seus semelhantes.
Como exposição magna da fé cristã, a carta aos romanos confirma esta declaração, pois, na parte prática, o apóstolo está fundamentalmente interessado em mostrar que, em virtude da salvação e da justificação pela fé em Cristo, o cristão muda os seus relacionamentos.
– O primeiro relacionamento novo estabelecido na vida cristã é o relacionamento com Deus.
Fomos adotados pelo Senhor e passamos a ser Seus filhos (Rm.8:15,16) e, em virtude disto, temos, doravante, uma relação diferente da que tínhamos antes, quando não passávamos de alvo da ira divina (Rm.1:18).
Por isso, Paulo dedica a primeira parte da parte prática da epístola ao estudo deste relacionamento com Deus e dos desdobramentos dele decorrentes (Rm.12:1-8) e, em seguida, o relacionamento que devemos ter com o próximo (Rm.12:9-21), até porque o mandamento que nos deixou o Senhor Jesus é nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou (Jo.15:12).
OBS: “…a teologia de Paulo é relacional. Quer dizer, ele não estava preocupado com Deus por si mesmo ou com a humanidade por si mesma.(…).
Como a abertura da sua exposição do evangelho em Rm 1,16ss mostra claramente, sua preocupação era mais com a humanidade em relação a Deus, com os homens e mulheres nas suas relações mútuas e, subsequentemente, com Cristo enquanto resposta de Deus à condição humana.
Em outras palavras, a antropologia de Paulo não é forma de individualismo; as pessoas são seres sociais, definidas como pessoas pelos seus relacionamentos.
Na perspectiva paulina, os seres humanos são como são em virtude de seu relacionamento com Deus e com seu mundo.…” (DUNN, James D.G. A teologia do apóstolo Paulo, p.83).
I – O CULTO RACIONAL
– Após ter glorificado a Deus com um maravilhoso hino (Rm.11:33-36), o apóstolo Paulo passa a parte prática da epístola aos romanos, à aplicação do ensino e da doutrina no dia-a-dia dos crentes, no comportamento, na conduta, nas ações de cada servo de Deus enquanto estiver sobre a face da Terra.
É esta, como já vimos, uma característica dos escritos paulinos e que, por si só, basta para pôr fim a discussões e debates a respeito do papel que o apóstolo dá às chamadas “obras” na salvação do cristão, debates, aliás, que foram notórios entre vários estudiosos das Escrituras, notadamente na carta aos romanos, que muitos, a começar por Martinho Lutero (ou pela interpretação que se lhe deu), viam ser contraditório a outras passagens bíblicas, em especial a epístola de Tiago.
– No entanto, uma análise da Bíblia Sagrada permite-nos dizer, com tranquilidade, que não há qualquer contradição entre os dois escritos e que o ensino da Palavra de Deus é bem claro:
uma real salvação traz, necessariamente, de modo inevitável e indissociável, uma mudança de comportamento, uma nova conduta, ações distintas, pois o salvo é uma nova criatura e o ser uma nova criatura implica em alteração de atitudes.
Certo é que cada indivíduo é diferente e, por causa disto, as modificações não se processam do mesmo modo e na mesma velocidade, mas o fato é que, mais cedo ou mais tarde, há uma mudança de comportamento na vida das pessoas.
Assim, se Pedro somente demonstrou mudança de conduta depois de mais de três anos de convívio com Cristo e Paulo o fez em questão de dias, o importante é que ambos mudaram e de forma perceptível a todos quantos conviviam com eles, fossem ou não salvos.
– A parte prática da epístola começa com uma convocação, um apelo, um chamado, uma convocação do apóstolo.
“Rogo-vos”, que, em outras versões, é “exorto-vos” é a palavra primeira desta parte da carta aos romanos.
No texto original grego é “parakalo” (παρακαλω), que tem o sentido de exortar, apelar, convocar, chamar, rogar, mas no sentido de chamado. Exortar é estimular, incentivar, dar estímulo por meio de algo.
Paulo, após ter mostrado o maravilhoso plano de Deus para a salvação do homem e o Seu absoluto controle para o cumprimento de Suas promessas, lança um convite, um chamado aos crentes de Roma para que, diante do conhecimento deste propósito de Deus para os homens, passassem a viver de acordo com a vontade do Senhor.
OBS: É importante ver que exortar é estimular, é incentivar e não machucar ou ferir, como alguns, infelizmente, confundem na atualidade.
– Assim como o apóstolo, todos aqueles que têm conhecimento do plano que Deus tem para com o homem, que passaram a ser cientes do grande amor que Deus demonstrou ao ser humano, devem conclamar os outros a que sirvam a Deus com dedicação, com denodo, com a inteireza de suas vidas.
O verdadeiro cristão tem uma conduta de reunião das pessoas em torno dos propósitos divinos, é um elemento que soma, que une, não alguém que cria divisões, diferenças, discriminações ou seja lá o que for.
Paulo escreve esta carta porque quer se unir aos esforços dos romanos na empreitada planejada de sua viagem a Espanha, à parte do Império Romano que ainda não havia sido alcançada pela Palavra do Senhor, e, por isso, lança um apelo para que todos caminhem em direção ao propósito do plano de Deus para a salvação.
– Quão diferente, porém, é o comportamento de muitos que se dizem crentes. Em vez de trazerem um apelo para a união em torno da vontade de Deus, preferem chamar as pessoas a que fiquem à sua volta, pois são desejos de glória para si, de terem discípulos à sua volta.
Defendem, inclusive, o desmantelamento das igrejas e das congregações em torno de pequenos grupos que estejam debaixo de “seus” discípulos, que só podem ministrar porque a eles foram “transmitidas” unções supostamente recebidas com privilégio.
A verdadeira evangelização não se dá mediante grupos que se voltem em torno de A ou de B, mas, sim, de uma reunião debaixo do propósito divino.
Paulo aqui dá-nos o exemplo, chamando os crentes de Roma a que se unissem com ele para fazer a vontade de Deus e não as vontades dos homens.
Paulo não pede que se unam em torno deste ou daquele apóstolo, desta ou daquela igreja visível, mas, sim, em torno de Deus. Este é o verdadeiro chamado do Evangelho.
OBS: Percebemos, aqui, como as Escrituras são, mesmo, divinamente inspiradas.
Este gesto e chamado de Paulo foi dirigido à igreja de Roma, porque o Espírito Santo bem sabia a apostasia que ocorreria ali ao longo dos séculos, pois Roma seria a sede da igreja que se arroga o título de “mãe e senhora de todas as igrejas” e que defenderia a tese de que todos só podem se considerar cristãs se estiverem “em comunhão com o sucessor(sic) de Pedro”.
Não foi, porém, esta a Palavra de Deus para aqueles crentes no princípio.
– O pedido de Paulo, esta sua convocação, não se baseava na autoridade apostólica, muito menos no profundo conhecimento a respeito do plano de Deus para a salvação do homem que se demonstrara até aquele momento naquele magistral escrito.
O apóstolo fez questão de dizer que seu pedido se fazia “pela compaixão de Deus”, que algumas versões traduzem por “misericórdia(s) de Deus”, já que o termo grego, “oiktirmon” (οικτιρμων) tanto pode significar uma coisa quanto outra.
– Somente pela misericórdia divina, ou seja, pelo Seu amor posto em ação, é que podemos estabelecer um relacionamento com Deus.
Como já tivemos ocasião de ver na exposição de Paulo, nesta carta, todo o processo da salvação é resultado exclusivo e direto da disposição de Deus de perdoar o homem, de lhe dar uma nova chance.
O processo da salvação teve início nesta decisão soberana de Deus e só podemos nos chegar a Ele por causa deste Seu grande amor, demonstrado a nós quando ainda éramos pecadores (Rm.5:8).
– O pedido de Paulo, pois, não estava baseado nos seus supostos méritos, decorrentes de um profícuo ministério na Ásia e na Europa Oriental, já que o apóstolo escreveu sua carta ao término da sua terceira viagem missionária, quando já se dirigia a Jerusalém (Rm.15:23-25), onde seria preso (At.22:24).
O pedido de Paulo tinha seu fundamento no amor de Deus, na capacidade divina de se pôr em nosso lugar e de saber exatamente o que sentimos e somos, vez que Se humanizou na pessoa bendita de Seu Filho com este propósito (Hb.2:16-18).
– Mas qual é, afinal, este pedido de Paulo, esta sua exortação, feito com base e fundamento no amor de Deus demonstrado ao homem pela morte de Jesus Cristo?
É o de apresentar os nossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o nosso culto racional (Rm.12:1).
– Paulo quer que tenhamos um relacionamento com Deus, uma relação que é bem distinta daquela que existia antes da nossa salvação.
Como Paulo demonstrou no início da epístola, por causa do pecado, não havia mais um relacionamento entre Deus e os homens.
Os gentios, na sua rebeldia, estavam deixados ao abandono divino, abandono este que era uma reação à impiedade e injustiça demonstradas pelo homem.
No capítulo 1, por três vezes, é dito que Deus havia entregado o homem à sua própria sorte (Rm.1:24,26,28).
Um rompimento de relacionamento, um distanciamento crescente entre o Criador e a Sua criatura, iniciado e motivado pela criatura, dotada que é de livre-arbítrio.
– No capítulo 2, o apóstolo também mostra que não há um relacionamento entre Deus e os judeus, apesar da aliança firmada entre eles, porquanto, em que pese a existência da lei, os judeus não a cumprem e, por isso, também estão distantes de Deus tanto quanto os gentios, pois não é a tão-só existência da lei que estabelece uma relação com o Senhor, mas o seu cumprimento, que inexiste (Rm.2:3-6).
– A conclusão do apóstolo, portanto, é que, tanto gentios quanto judeus estão destituídos da glória de Deus, por causa do pecado, não havendo, pois, qualquer possibilidade de um relacionamento com Deus sob tais circunstâncias (Rm.3:23).
No entanto, Jesus proporcionou a possibilidade deste relacionamento, mediante a Sua morte no Calvário, trazendo-nos a nova oportunidade, a vida, que é o relacionamento com Deus (Rm.3:24).
– Este relacionamento é o culto racional, expressão que demonstra a superioridade desta relação com tudo o que havia até então, inclusive a lei dada por Moisés ao povo de Israel.
Os gentios rejeitaram cultuar a Deus, tanto que quiseram escrever para si um nome, ou seja, construir uma vida independente de Deus (cf. Gn.11:4), preferindo adorar a criatura ao Criador (Rm.1:23).
Os judeus, por sua vez, embora tenham escolhido cultuar a Deus e recebido orientações divinas para fazê-lo, não o fizeram de modo consciente. Pelo contrário, este culto, como era figura do que havia de vir, tinha como elementos animais ou vegetais, todos eles despidos de razão. O culto era feito mediante a oferta de animais e de vegetais, que não tinham consciência de seu papel no culto.
Exigia-se que os ofertantes tivessem tal consciência, que soubessem precisamente o significado de todos os rituais e cerimônias estabelecidos, mas isto, lamentavelmente, não se deu, tanto que o próprio Deus, em algumas oportunidades, revelou ao povo que, por esta falta de consciência e de racionalidade, abominava os sacrifícios que Lhe eram oferecidos (I Sm.15:12-23; Pv.21:27; Is.1:11-17; Jr.6:20; 7:21-30; Am.5:21-23; Mq.7:6-8; Ml.1:6-14).
– Jesus, porém, ao vir ao mundo, cumpriu a lei (Mt.5:17), pois Se ofereceu voluntária e conscientemente (Jo.10:18; 12:27; Hb.10:1-10), como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, para satisfazer a justiça divina.
Este sacrifício voluntário, único e que foi feito por Jesus Cristo foi aceito por Deus, porque foi efetuado por quem não tinha pecado em favor dos pecadores (Is.53:11), de forma que, agora, temos condições de ter acesso ao Pai, mediante a justificação pela fé em Cristo (Is.53:12; Rm.5:21).
E a prova indelével de que o sacrifício de Cristo foi aceito se encontra na Sua ressurreição que, por isso, mesmo é a garantia da nossa fé (I Co.15:17).
– Agora, portanto, já que Jesus Se sacrificou conscientemente por nós, temos de imitá-l’O (I Co.11:1; I Pe.2:21) e, portanto, devemos também apresentar sacrifícios a Deus, assim como o Senhor, ou seja, o culto racional.
É necessário um culto, ou seja, o nosso relacionamento com Deus não retira, em hipótese alguma, a condição divina de senhorio e de digno de glória e de honra.
Embora tenhamos intimidade com o Senhor, embora Ele já não nos chame de servos mas de amigos (Jo.15:15), isto não quer dizer que deixemos de ser servos e que não tenhamos uma posição de inferioridade diante de Deus. Ele nos trata como amigos, mas não deixamos de ser Seus servos. Lembremo-nos que Paulo inicia sua epístola aos romanos se denominando “servo de Jesus Cristo” (Rm.1:1).
– O nosso relacionamento com Deus, portanto, é, antes de tudo, um culto, isto é, um serviço, uma atitude de servir, uma adoração. A palavra grega do texto original é “latreia” (λατρεία), cujo significado é o de submissão, reconhecimento da divindade e da glória devidas ao Senhor.
É por este motivo que não podemos concordar com o pensamento que tem dominado a mente de muitos crentes, no embalo do que se defende no mundo de hoje, de que a relação com Deus é algo reservado à intimidade da pessoa, é parte da sua vida privada, particular, uma esfera onde não se pode penetrar em hipótese alguma. Não é isto que a Bíblia nos ensina.
Ela nos diz, e este texto que ora analisamos é um dos seus pontos mais proeminentes, que a vida do cristão, como um todo, em qualquer aspecto de sua vida, é um culto racional a Deus.
Assim como Jesus Se apresentou ao Pai em sacrifício, assim devemos nos apresentar, a cada dia, em sacrifício ao Senhor, mediante o culto racional.
– Mas, além de culto, o nosso relacionamento com Deus deve ser um culto “racional”.
A palavra grega é “logiké” (λογική), de onde vem a palavra “lógica”, que diz respeito a raciocínio, a razão.
Ao dizer que o nosso culto deve ser racional, à evidência que o escritor não está nos dizendo que devemos crer com base na razão, no raciocínio humano, pois a fé não é um produto da razão humana, mas algo que provém da parte de Deus (Ef.2:8).
Mas, e isto é importantíssimo, o texto nos mostra que não podemos servir a Deus de modo inconsciente, irrefletido, sem noção do que significa servir e cultuar a Deus.
O grande equívoco dos judeus foi ter deixado de meditar e de ser conscientes do significado dos ritos e dos cerimoniais estabelecidos por Moisés, passando a fazê-lo de forma automática, inconsciente, habitual ou tradicional. Por não terem esta consciência, seus sacrifícios passaram a ser abomináveis para Deus.
OBS: “…é preciso lembrar-se que o adjetivo[logiké, observação nossa] é frequentemente empregado em contextos análogos, por autores judeus e gregos, para marcar bem a diferença entre o culto formal e exterior e o culto verdadeiro que engaja o homem inteiro.
Este é o culto que os profetas pediam a Israel (Os.6,6). Cf. ainda I Pd.2.2.…” (BÍBLIA SAGRADA – TRADUÇÃO ECUMÊNICA BRASILEIRA, nota j, p.2193).
– Um dos grandes desafios que o servo de Deus tem, ao longo da sua vida cristã, é o de impedir que seu culto deixe de ser racional.
O apóstolo, quando nos fala num dos momentos mais solenes da liturgia, que é o da ceia do Senhor, faz questão de ressaltar que a participação na ceia depende do autoexame de cada um (I Co.11:28), ou seja, a vida espiritual deve ser vivida de modo racional, com consciência, com absoluta noção de cada ato, de cada atitude, de cada gesto que tomemos ao longo do nosso dia-a-dia.
– Muitos estão, infelizmente, envolvidos num culto a Deus sem qualquer racionalidade. Não têm mais a consciência do que é servir a Deus, do que estão a fazer numa igreja evangélica, de qual é o significado de ser crente, de ter aceitado a Jesus como Salvador.
Assim como os demais religiosos, consideram que ser evangélico é ter uma religião e, pasmem todos, já são muitos os que se denominam de crentes não-praticantes, que pertencem a uma denominação porque seus pais ou avós dela fizeram parte e os levaram quando crianças, adolescentes e jovens a frequentar aquela igreja local.
Muitos até desceram às águas, mas o fizeram por mero atendimento a uma exigência deste ou daquele, mas jamais tiveram o conhecimento do que é servir a Deus, do que significa ser filho de Deus.
Não é isto o que nos ensina o apóstolo. Precisamos imitar a Cristo e não a Saul! É preciso que sirvamos a Deus de modo consciente, que Lhe dediquemos um culto racional!
– Neste particular, é preciso que façamos uma autocrítica no que concerne aos crentes pentecostais.
O movimento pentecostal, na sua fase moderna, completa, agora, em 2016, cento e dez anos de existência, pois foi, em abril de 1906, que o Senhor iniciou a “chuva serôdia” da dispensação da graça, na Missão da Rua Azusa, em Los Angeles, nos Estados Unidos.
Entretanto, ao contrário do que hoje se vê, jamais a manifestação sobrenatural do Espírito Santo abriu mão da racionalidade ou da consciência do culto devido a Deus.
Por primeiro, cumpre observar que o pregador da mensagem pentecostal, o pastor norte-americano William Joseph Seymour, não foi o primeiro a ser batizado com o Espírito Santo, a mostrar que não era movido por sua experiência, mas pela racionalidade decorrente do acurado estudo da Palavra do Senhor.
Por segundo, embora os jornais da época dissessem que os crentes eram barulhentos, desrespeitavam o racismo da sociedade da época e parecessem loucos, o fato é que todas as manifestações do Espírito Santo só serviam para o aumento da glória do nome do Senhor e edificação das pessoas.
A presença do poder de Deus como na igreja primitiva, a plenitude do Espírito, portanto, jamais significou o emocionalismo, o irracionalismo, que hoje são, por muitos, considerado como “sinal da presença de Deus”.
A Palavra de Deus é a verdade e o poder de Deus não se confunde com desatinos e espetáculos lamentáveis. O culto racional é incompatível com meninices e com práticas como o “reteté”. Lembremos disto sempre.
– O culto racional exige que haja a apresentação dos nossos corpos. “Apresentar” aqui é a palavra grega “paristemi” (παριστεμι), que significa “apresentar”, “colocar à disposição”, “oferecer”.
O culto não é apenas a participação em uma reunião litúrgica, em uma reunião num templo, como muitos pensam, mas é algo muito mais profundo.
O culto é uma oferta, um oferecimento e, diz o apóstolo, que é o oferecimento dos nossos corpos.
Assim como Jesus ofereceu o Seu corpo a Deus por nossos pecados, nós devemos, agora, oferecer os nossos corpos a Deus.
– Mas o que é “corpo” para o apóstolo Paulo? Aqui, em Rm.12:1, a palavra grega utilizada é “soma” (σωμα).
James D.G. Dunn entende que, para o apóstolo Paulo, a palavra “soma” é mais do que o corpo físico, “…é o ‘eu’ corporificado, o meio com o qual ‘eu’ e o mundo agimos um sobre o outro…” (A teologia do apóstolo Paulo. Trad. de Edwino Royer, p.87), ou seja, é todo o nosso ser enquanto se relaciona com o ambiente onde vive.
Quando o apostolo fala em “apresentar os nossos corpos”, está dizendo que devemos oferecer a Deus todo o nosso ser para que ele seja um instrumento de Deus no ambiente onde nós vivemos.
– Este sentido torna-se bem claro quando observamos que Jesus assim Se ofereceu a Deus no Calvário.
A Sua decisão de fazer a vontade de Deus foi uma decisão não apenas de levar o Seu corpo físico até o patíbulo da cruz, mas, antes, foi uma decisão que envolveu tanto o Seu corpo físico, quanto a Sua alma (Mc.14:34; Jo.12:27) e o Seu espírito (Lc.23:46).
Assim também deve atuar o crente: deve submeter todo o seu ser, corpo, alma e espírito, à vontade do Senhor, oferecendo-se a Deus, de modo consciente e deliberado. Este é o culto racional.
– Uma nova conduta, um novo comportamento dependem desta decisão nossa de nos oferecer integralmente ao Senhor.
Como diz conhecido corinho cantado pelas crianças, Jesus quer “a casa toda” para morar em nós. Não existe como deixarmos parte de nós fora da ação ou do senhorio de Cristo, como têm agido muitos “crentes” na atualidade, que querem servir a Deus ao seu modo, deixando de observar o que a Palavra de Deus diz em certos aspectos das suas vidas.
Assim, não entendem que a Bíblia lhes deva guiar sua vida social, familiar, doméstica, profissional, escolar, sexual e por aí vai. Entretanto, o apóstolo é bem claro: não há culto racional se não nos oferecermos, por completo, ao Senhor.
– O Senhor quer nos ajudar e é o maior interessado em que vençamos o mundo e o nosso adversário. Jesus deu-nos, em primeiro lugar, o exemplo, mostrando que é possível vencer o mundo (Jo.16:33) e nos deixa à disposição a fé, como dom Seu e que nos vem por intermédio da Sua Palavra (Rm.10:17; Ef.2:8), para que seja possível a vitória sobre o mundo (I Jo.5:4), mas nada disso se fará se, antes, não nos oferecermos a Deus em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, se não Lhe tributarmos o culto racional.
Um exemplo disto temos na peleja de Israel contra os filisteus. Os israelitas só foram vitoriosos e Samuel pôde dizer “até aqui nos ajudou o Senhor”, depois que sacrificou tudo a Ele (I Sm.7:8-12).
– Este culto racional tem algumas características, que são evidenciadas pelo apóstolo e que são fundamentais para que saibamos bem sacrificar e não nos tornamos abomináveis ao Senhor. A primeira qualidade é que o sacrifício seja vivo.
Nós precisamos estar vivos para podermos nos oferecer a Deus. Desde a lei de Moisés não se admitia a oferta de algo que fosse morto.
O cadáver era, via de regra, imundo, ou seja, impróprio de ser apresentado ao Senhor.
Nós temos de estar vivos para nos oferecermos a Deus. Isto significa que devemos estar isentos de pecado para que nosso sacrifício seja aceito. Só temos vida se estivermos em comunhão com Deus e isto só se dá se os nossos pecados tiverem sido removidos pelo sangue de Jesus.
É preciso que tenhamos nascido de novo, que tenhamos morrido para o pecado, para que nosso sacrifício seja aceito como sacrifício vivo.
– A segunda característica é que o sacrifício deve ser santo. Além de termos tido o perdão dos nossos pecados, aceitando a Cristo como nosso Senhor e Salvador, faz-se necessário que nos mantenhamos separados do pecado.
Deus, como vimos supra, abominava os sacrifícios porque vinham eles de pessoas que não tinham as suas mãos limpas, ou seja, que não estavam separadas do pecado, mas, antes, apresentavam a Deus seus sacrifícios sem a menor preocupação com a santidade, sem a menor indagação para si mesmas se estavam, ou não, separados do pecado.
Muitos são muito escrupulosos na participação da ceia, sabendo que não o podem fazer indignamente (I Co.11:29), esquecendo-se, porém, que não é apenas no instante da ceia que estamos a cultuar a Deus.
Quando estamos na rua, no escritório, na escola, na condução, também temos de estar cultuando a Deus, mas, aí, será que temos tanto cuidado em nos apresentar como sacrifício vivo?
Infelizmente, são muitos os que assim procedem na atualidade. Muitos são os crentes que não mais se incomodam de viver numa vida de pecado e, ainda assim, querem ofertar seus corpos ao Senhor, embora sirvam eles, hoje, de instrumento para a iniquidade, o que é intolerável e inadmissível para quem diz servir ao Senhor (cf. Rm.6:12,13).
A Palavra de Deus continua a mesma, exigindo a santidade dos filhos de Deus porque Deus é santo (I Pe.1:15).
– A terceira característica é que o sacrifício deve ser agradável a Deus. “Agradável” é aquilo que é reconhecido, recebido com prazer, que satisfaz.
Deus Se mostrou satisfeito com o trabalho efetuado por Cristo no Calvário (Is.53:11) e, portanto, se agirmos como Jesus agiu, nosso sacrifício será igualmente agradável.
O que agrada a Deus? Deus Se agrada com a obediência. Noé achou graça diante de Deus porque era obediente e, por isso, após ter feito tudo o que Deus lhe ordenara, pôde apresentar um sacrifício que foi agradável ao Senhor (Gn.8:21).
Para ser agradável a Deus, é preciso que “andemos segundo o espírito” (cf. Rm.8:8).
Só se cumprirmos aquilo que está na Palavra do Senhor, se fizermos o que Ele nos manda, teremos condição de nos oferecer a Deus de modo que Lhe seja agradável.
São atitudes que agradam a Deus:
– o louvor com cântico e o engrandecimento do Seu nome com ações de graças (Sl.69:30,31;135:3; 147:1);
– temer a Deus e fazer o que é justo (At.10:35);
– ter o propósito de não pôr tropeço ou escândalo ao irmão (Rm.14:13,18);
– ajudar os que trabalham na obra do Senhor (Fp.4:18);
– interceder pelos homens e, em especial, pelas autoridades constituídas (I Tm.2:1-3);
– dedicar-se, primeiramente, à família e à recompensa dos pais (I Tm.5:4);
– sofrer agravos e padecer injustamente por causa da sua boa consciência para com Deus (I Pe.2:19,20).
II – A FORMA DO RELACIONAMENTO COM DEUS
– Mas, além de nos apresentarmos para um culto racional, o apóstolo também exige que tenhamos uma atitude adicional no nosso relacionamento com Deus:
não nos conformarmos com o mundo, mas nos transformarmos pela renovação do nosso entendimento (Rm.12:2).
– Estas palavras de Paulo levam-nos a noção de “forma”, conceito muito difundido no pensamento grego e que chegara, também, por intermédio dos judeus da diáspora, ao pensamento judaico.
Não nos esqueçamos, ainda, que Paulo, certamente, sendo, como era, de Tarso(At.21:39), tinha conhecimento filosófico, já que sua cidade era um dos mais famosos centros de estudos dos estoicos e o discurso do apóstolo no Areópago (At.17:15-34) é uma comprovação bíblica de que era conhecedor da filosofia.
– Segundo Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, em seu Dicionário Básico de Filosofia, entre os gregos, principalmente Aristóteles, “…forma é aquilo que, na coisa, é inteligível, podendo ser conhecido pela razão (objeto da ciência): a essência, o ‘definível’.
A matéria é considerada como um substrato passivo que deve tomar forma para se tornar tal coisa.…” (Forma. In: Dicionário básico de filosofia, p.104).
Quando, portanto, o apóstolo nos fala de “forma”, está-nos falando de aspectos que permitem com que as pessoas identifiquem o crente como uma pessoa salva por Jesus.
A “forma” é, portanto, tudo aquilo que faz com que se perceba que alguém é uma nova criatura em Jesus Cristo, é uma pessoa que está em comunhão com Deus.
É importante observar que não devemos fazer julgamentos pela aparência exterior, que o exterior nada vale, tanto que precisamos, em nosso culto racional nos oferecer inteiramente a Deus, a partir do nosso interior (I Ts.5:23), mas que, além desta oferta integral, torna-se indispensável que tenhamos uma aparência que permita às pessoas descobrir, pela razão, que somos salvos em Jesus.
– Por isso, além da oferta ao Senhor, torna-se necessário, diz o apóstolo, que nós não nos “conformemos com este mundo”, ou, como traduziu a Nova Versão Internacional, “não nos amoldemos ao padrão deste mundo”.
‘Conformar-se” é “estar de acordo com”, “identificar-se”. O apóstolo mostra que o salvo, de modo algum, pode assumir o padrão do mundo, viver de acordo com os valores, as crenças e os princípios existentes entre os pecadores, mas tem de ser diferente.
Não tomar a forma do mundo é uma necessidade em nosso relacionamento com Deus e é este um dos principais problemas que temos enfrentado nestes dias tão difíceis em que vivemos.
– Muitos estão hoje a defender que o crente não precisa se diferenciar do restante das pessoas. Podem ter os mesmos hábitos, os mesmos costumes, o mesmo comportamento, porque “o que importa é o coração”.
Chegam mesmo, embalados pela mentalidade mundana globalizada da atualidade, a dizer que as diferenças são puramente culturais e que, portanto, não há problema algum em se ser igual às demais pessoas com quem convivemos.
É natural, dizem, que um crente chinês seja diferente de um crente brasileiro, mas não há razão alguma para que o crente brasileiro seja diferente do incrédulo brasileiro.
Não é o que ensina a Bíblia Sagrada. Temos, sim, de ter outra forma, porque somos criaturas diferentes.
Quem assume a forma do mundo, quem se identifica com o mundo, lamentavelmente não é um salvo, pois a identificação pressupõe aprovação, amor e quem ama o mundo é inimigo de Deus, porque não ama a Deus (Tg.4:4; I Jo.2:15).
– A existência de um padrão para servir a Deus é uma necessidade por causa da própria estrutura do ser humano.
Como afirma Lair Ribeiro, “…à medida que se estabelecem padrões para a realização de atividades, todos ganham em qualidade…” (Marketing & vendas, p.167).
Deus quer que os homens se salvem e, para tanto, deixou-nos o modelo que Lhe agrada, o modelo que precisamos seguir para prosseguirmos o relacionamento que passamos a manter com o Senhor por causa de nossa fé em Cristo Jesus.
Em todo o momento, todas as coisas que foram estabelecidas por Deus o foram consoante um modelo e os grandes homens de Deus se notabilizaram sempre por terem seguido o modelo divino, a forma divina, como nos casos de Noé (Gn.6:22), Moisés (Ex.39:43; 40:16; Hb.8:5) e de Salomão (I Cr.28:12).
Nestes três exemplos, verificamos que a salvação e a manifestação da glória de Deus dependeram da conformidade ao modelo, à forma determinada pelo Senhor.
Nós, enquanto templos do Espírito Santo (I Co.6:19), também temos de seguir o modelo divino. E qual é este modelo?
O próprio Paulo nos ensina, quando escreve a Timóteo: “o modelo das sãs palavras que de mim tens ouvido, na fé e na caridade que há em Cristo Jesus.” (II Tm.1:13b).
– Devemos viver de modo a que todas as pessoas de nosso convívio nos identifiquem como servos de Deus, percebam que temos um compromisso de separação do pecado e que nosso alvo é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos.
Sempre devemos viver de modo a que as pessoas à nossa volta glorifiquem ao nosso Pai que está nos céus (Mt.5:16).
Naturalmente, portanto, sabemos que, ao longo dos anos e em virtude da diversidade de culturas que existem no mundo, o procedimento do cristão poderá variar de país para país, de tempo para tempo, no que concerne a esta forma de expressão de nossa diferença para com os incrédulos, porque a cultura é humana e, como tudo que é do homem, passageiro, mas também sabemos que aquilo que agrada a Deus, agradá-l’O-á sempre, em todo o lugar e em todas as épocas.
Assim, a forma não se confunde com a cultura, mas, em todo tempo e em todo o lugar, é necessário termos uma não conformidade com o pecado e com o mundo.
– Além de não podermos nos conformar com o mundo, também temos de nos transformar pela renovação do nosso entendimento, ou como diz a Nova Tradução na Linguagem de Hoje, “deixem que Deus os transforme por meio de uma completa mudança da mente de vocês”.
Fala-se aqui em “transformação”, em grego, “metamorfose”, expressão que nos remete à biologia, onde vemos este fenômeno denominar o processo de desenvolvimento dos insetos, notadamente da borboleta que é o resultado da transformação da lagarta e, depois, do casulo.
“Transformar” é tomar uma nova feição, um novo caráter, fazer passar ou passar de um estado ou condição a outro.
– Ora, além de o salvo não poder mais se identificar com o mundo, ele tem de ser diferente do que era antes. O salvo é uma nova criatura, tudo se faz novo na vida dele (II Co.5:17).
Por isso, ele precisa mudar a sua mentalidade. Sua mente não é mais a mesma, pois, agora, ele tem a mente de Cristo (I Co.2:16). Seus planos, propósitos, desejos, aspirações são outros.
Não pensa mais em si mesmo, mas em agradar a Deus; não quer ter fama, posição, riquezas, mas ir para o céu, desfrutar do convívio eterno com o Senhor e, por isso, nem mesmo as aflições do tempo presente são capazes de abalar a sua vida espiritual, pois seu alvo está na glória que lhe está reservada (Rm.8:18).
– O salvo passou da morte para a vida (Jo.5:24; I Jo.3:14) e, desta maneira, não pode ter o mesmo comportamento de outrora, a mesma concepção de mundo e de vida que tinha antes de aceitar a Cristo como seu Senhor e Salvador.
É, por isso, que o apóstolo diz que quem espera em Cristo somente nesta vida é o mais miserável de todos os homens (I Co.15:19), pois é alguém que se iludiu com a mensagem do Evangelho, não tendo percebido que o Evangelho é poder de Deus para a salvação de quem crê e não uma proposta de melhora de vida sobre a face da Terra.
O Evangelho traz como resultado a “transformação” e não uma “reforma”, como tem sido defendido por muitos.
O Evangelho, é verdade, modifica as estruturas sociais, proporciona uma maior dignidade ao ser humano, constrói um ambiente melhor de vida terrena, mas estes são apenas “efeitos”, “benefícios”, “consequências”, “repercussões” do Evangelho, o que, entretanto, é algo efêmero perto do que é o verdadeiro alvo e propósito da boa-nova, qual seja, a do estabelecimento da vida eterna, de um sempiterno convívio entre Deus e os homens.
Pensar no Evangelho tão somente como uma “reforma”, ou seja, “mudança introduzida em algo para fins de aprimoramento e obtenção de melhores resultados”, é apequenar o amor de Deus, é até mesmo menosprezá-lo por completo.
OBS: Não somos contrários aos vários pensadores e ministros do Evangelho que, ao longo da história, têm, através da mensagem evangélica, lutado pela melhoria da vida nas sociedades.
Aliás, não houve, na história da humanidade, mensagem que tenha melhorado tanto a vida dos homens como o Evangelho, algo que é admitido pelos próprios inimigos da Palavra de Deus, que se rendem à evidência de que “a cultura judaico-cristã” é a principal responsável pela dignificação da pessoa humana.
No entanto, não podemos reduzir a mensagem evangélica a isto.
– A transformação provém de uma mudança de mentalidade. Precisamos ter a mente de Cristo e esta mudança é chamada pelo apóstolo de “renovação”.
Para termos a mente de Cristo é preciso que passemos a ser espirituais (I Co.2:11-15) e isto, como o apóstolo já nos ensinou na carta aos romanos, dá-se no exato instante em que somos justificados pela fé, quando o Espírito Santo vem habitar em nós e nos faz “andar em espírito”.
Sem o novo nascimento, que é um nascimento da água e do Espírito (Jo.3:5), sem a conversão, jamais poderemos falar em transformação do ser humano.
– Se não nos conformarmos com o mundo e nos transformarmos pela renovação do nosso entendimento (mudarmos a nossa mentalidade), teremos condição de experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Muitos crentes preocupam-se e até desanimam quando veem irmãos que, em seus testemunhos, mostram ter intimidade com Deus e, mesmo em meio a grandes lutas, dizem saber estar na vontade de Deus.
Perguntam estes crentes: por que eu não sei o que Deus quer de mim? Como ouvir Deus falar? Como é que Deus fala? Estas interrogações são o resultado de uma vida onde não se experimenta a vontade de Deus.
A vontade de Deus não é algo que se perceba pelo intelecto, que se obtenha por uma forma teórica.
A vontade de Deus é experimentada, é resultado de uma experiência, de uma vivência, de um relacionamento.
Como o marido sabe o que pensa a mulher depois de alguns anos de casamento? Como o filho sabe qual é a opinião do pai sobre um determinado assunto antes mesmo que lhe faça a pergunta?
Por causa da convivência, da experiência decorrente de um relacionamento diário.
É isto que acontece com o filho de Deus. Ele passa a conhecer e a experimentar a vontade de Deus, confiando que ela é sempre boa, agradável e perfeita, porque não está de conformidade com o mundo e porque se transformou, sendo um homem espiritual.
– Quer experimentar a vontade de Deus? Quer saber qual é o propósito de Deus na sua vida?
É simples: não se identifique com o mundo, não viva como os incrédulos e os falsos convertidos vivem, como também se torne um homem espiritual e, certamente, a partir do momento em que você se oferecer inteiramente a Deus, não adotar o modelo mundano e mudar a sua mentalidade, com certeza, passará a experimentar a vontade de Deus na sua jornada aqui até o dia da glorificação.
III – O SERVIÇO CRISTÃO
– Em o nosso relacionamento com Deus, porém, não há apenas o aspecto de tributarmos ao Senhor o culto que só a Ele é devido, como também o de conhecermos qual é a Sua vontade.
Existe um outro aspecto importante, qual seja, o de que, enquanto seres humanos, vivemos em sociedade, em grupos, de modo que não podemos nos esquecer que o nosso relacionamento com Deus também tem de levar em consideração os outros.
O apóstolo não se esquece disto e, ao nos falar do relacionamento nosso com Deus, também nos fala da repercussão que deve ter este relacionamento em o nosso trato com as demais pessoas.
– Em primeiro lugar, mostra-nos que, em o nosso culto racional a Deus e na nossa transformação e não conformidade com o mundo, é fundamental que tenhamos noção de que somos “uma peça na engrenagem da obra de Deus”, que somos um dos membros do corpo de Cristo, que é a Igreja, este povo formado por gentios e judeus que creram em Jesus Cristo e, por isso, foram justificados.
– Esta compreensão é fundamental para que nossa vida espiritual seja frutífera e possamos cumprir o propósito de Deus nas nossas vidas.
Não vivemos para Deus apenas, mas, vivemos para Deus como instrumentos a favor dos outros que nos cercam. Somos membros de um corpo (Rm.12:4,5).
Desta maneira, quando cultuamos ao Senhor, devemos levar em conta a posição que ocupamos no reino de Deus.
– Na antiga aliança, este era um dado importante na discriminação e na determinação da oferta que haveria a pessoa de apresentar ao Senhor.
Embora Deus não faça acepção de pessoas, característica que deixou patente já no tempo da lei (Dt.10:17), é fato que, dependendo da posição ocupada pela pessoa na sociedade israelita, diferentes eram as ofertas (Lv.4:22; 19:22), isto para nos indicar que cada um tem um determinado papel e uma posição na obra do Senhor.
Não se trata de ser um maior do que o outro, até porque, na Igreja, o princípio norteador é de que os maiores devem ser os que mais servem (Mc.9:33-37; Lc.22:24-27), mas de haver uma consideração de que não estamos isolados em o nosso relacionamento com Deus, mas que a nossa comunhão com Deus também tem um aspecto voltado para os demais que estão à nossa volta, porque Deus não apenas mantém comunhão com cada um de nós, mas com o Seu povo, do qual somos integrantes.
– Quando levamos em consideração este prisma social do nosso relacionamento com Deus, temos de assumir uma posição de humildade e de moderação na nossa vida cristã.
Paulo é bem claro ao afirmar que “não devemos saber mais do que convém saber”, que devemos “saber com temperança conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Rn.12:3).
Ao tomarmos consciência de que fazemos parte de um corpo, imediatamente temos de agir certos de que não cabe a nós fazer todas as coisas na obra do Senhor, mas que devemos tão somente fazer aquilo que o Senhor deseja, porquanto a obra do Senhor é para ser feita de modo coletivo.
OBS: Na Bíblia da Linguagem de Hoje, a tradução leva-nos para um aspecto que também deve ser aqui explorado, qual seja, o de não acharmos que somos mais do que efetivamente representamos na obra de Deus.
Diz o texto de Rm. 12:3b daquela versão: “cada um dentre vós que não tenha de si mesmo mais alto conceito do que convém; mas que pense de si sobriamente, conforme a medida da fé que Deus, repartiu a cada um.” Sejamos humildes e não pensemos que somos indispensáveis na obra, a única pessoa que presta ou que vale a pena em nossa comunidade.
– Jesus, sendo Ele o próprio Filho de Deus, jamais quis fazer tudo sozinho, mas, para nos dar o exemplo, teve um ministério compartilhado com os Seus discípulos e com os homens em geral.
A todo instante, vemos Jesus fazendo aquilo que Lhe cabia fazer, mas jamais fazendo aquilo que os outros poderiam e deveriam fazer.
Ressuscitou Lázaro, algo que só Ele podia fazer, mas mandou que as pessoas tirassem a pedra do sepulcro, algo que poderia ser feito sem sua intervenção.
Ressuscitou o filho da viúva de Naim, mas mandou que parassem com o cortejo fúnebre, como também que a mãe parasse de chorar.
Multiplicou os pães e os peixes, mas mandou que os discípulos repartissem o povo e, depois, distribuíssem os pães e os peixes à multidão.
Pôs uma moeda na boca de um peixe, que pagava o Seu tributo e o de Pedro, mas mandou que Pedro pegasse o anzol e fosse ao ribeiro pescar;
Transformou a água em vinho, mas mandou que os servidores da casa enchessem de água as talhas de madeira e que depois levassem a água feita vinho para que o mestre-sala a provasse.
– Se Jesus não fez todas as coisas, Ele que é o único que tinha todos os ofícios divinos (rei, sacerdote e profeta), todos os dons divinos, pois é o próprio Deus, por que nós, que somos Seus discípulos, poderíamos querer fazer tudo sozinhos?
Somos limitados e dependemos da união de todos os servos de Deus para que, no conjunto, tenhamos o corpo de Cristo e, assim, vençamos o maligno e cumpramos a nossa missão de evangelização do mundo e aperfeiçoamento dos santos.
– Como é importante que, nos dias em que vivemos, tão difíceis e trabalhosos, não nos deixemos contaminar pelo individualismo e pela competição acirrada que caracteriza a vida mundana dos nossos dias.
A bênção do Senhor depende da existência de um ambiente de união entre os irmãos (Sl.133) e isto só ocorrerá se tivermos consciência de nossa dependência não só de Deus mas também do próximo, em especial, dos domésticos da fé, no que concerne à vida espiritual.
Precisamos uns dos outros e, em virtude disto, só nos cabe fazer aquilo que nos foi dado pelo Senhor.
Não sejamos “supercrentes”, nem nos consideremos superiores aos outros, mas que cada um saiba o que convém saber, exerça a função que o Senhor lhe outorgou, sabendo que precisa ser complementado pelos demais irmãos em Cristo Jesus.
– Paulo tinha autoridade moral para assim exortar os crentes de Roma, porque, por mais de uma vez, ao longo do seu ministério, mostrou que tinha consciência desta sua necessidade de outros irmãos.
Aos coríntios, por exemplo, lembrou que seu ministério era de evangelista e não de pastor (I Co.1:17), tendo, também, lembrado àquela igreja que sua tarefa tinha sido complementada pela de Apolo (I Co.3:6).
O apóstolo mostra que não é uma pessoa infalível, acima das demais, mas que todos devem, unidos, fazer a obra de Deus, cumprindo cada um o seu papel.
Jesus edificou a Igreja, os “reunidos para fora”, ou seja, um grupo social que, como tal, não pode servi-l’O a não ser em conjunto.
Tanto assim é que, mesmo quando encontramos algum servo do Senhor mantido em isolamento forçado, como é o caso de Pedro, quando foi preso por Herodes, ele não estava só, mas, enquanto parecia estar Pedro servindo a Deus na solidão, a igreja mantinha contínua oração por ele (At.12:5).
– Após dar conta desta realidade, o apóstolo faz uma enumeração de dons existentes na igreja do Senhor, relação esta que, a exemplo do que ocorre em outras relações que o apóstolo faz em suas cartas, não é exaustiva, nem tampouco, no trecho que estamos a analisar, preocupa-se em diferenciar entre dons espirituais ou dons ministeriais.
Isto se dá porque Paulo trata destes assuntos na parte prática de suas epístolas, ou seja, no instante em que preocupado está não em definir o que sejam os dons, mas em apontar como eles podem e devem ser exercidos no dia-a-dia do serviço cristão.
Portanto, antes de vermos contradições ou incoerências nas relações de dons, devemos analisar o contexto e observar que Paulo não está aqui a fazer uma análise “teológica” dos dons, mas em mostrar que os dons devem ser exercidos com o propósito de fazer com que cada crente complemente o outro no exercício dos dons que Deus lhe deu.
– Na perspectiva do serviço cristão, assim como no da salvação, é importante salientarmos que tudo o que há na igreja são “dons”, ou seja, faculdades, capacidades que não provêm do ser humano mas que foram dados por Deus.
Tudo é dom, tudo é algo que se encontra de posse do filho de Deus porque houve a vontade divina de transferir ao Seu filho e a aceitação por parte do filho de Deus.
– É preciso que tenhamos esta consciência, ou seja, de que o proprietário das faculdades e capacidades é o próprio Deus, que é o doador e que, numa doação, temos três características básicas, como nos ensina a ciência do direito, a saber:
a) a vontade de transferência do doador ao donatário – Deus quis transferir estas faculdades e capacidades que Lhe são próprias aos salvos.
b) a vontade de receber do donatário – Os salvos aceitaram receber os dons transferidos pelo Senhor
c) a submissão da doação ao encargo – Deus transferiu estas faculdades e capacidades com uma responsabilidade, qual seja, a de que o dom seja exercido para a Sua obra, conforme os ditames por Ele estabelecidos.
– As doações feitas por Deus são o que os juristas denominam de “doações com encargo”.
“…Encargo é a cláusula acessória aderente a um ato de liberalidade inter vivos (doação) (…) que impõem um ônus ou uma obrigação à pessoa (…) contemplada pelos referidos atos…” (DINIZ, Maria Helena. Código civil comentado, p.140).
Como o Senhor nos deixa claro na parábola dos talentos, quando recebemos algum dom da parte de Deus, este dom é dado com um ônus, com uma responsabilidade.
Se não se cumpre com este ônus ou com esta responsabilidade, no direito, a doação pode ser revogada, coisa porém que não ocorre em se tratando do nosso relacionamento com Deus, pois os dons do Senhor são sem arrependimento (Rm.11:29), inexecução, porém, que ocasionará severa responsabilização por parte daqueles que não cumprirem a ordem do Senhor (cf. Mt.25:24-30).
IV – OS DONS MENCIONADOS EM ROMANOS 12
– O apóstolo, então, passa a mencionar alguns dons, inclusive explicitando os encargos existentes para cada um.
Os dons mencionados em Romanos 12 são denominados de “dons assistenciais”, diante até do contexto da carta de apresentar quais as principais tarefas cometidas pelo Senhor à Igreja enquanto membros uns dos outros.
De qualquer modo, porém, é tradicional no estudo da Palavra de Deus dividir as faculdades concedidas à Igreja do Senhor em três grupos, a saber:
a) as operações de Deus (I Co.12:6), que seriam os poderes conferidos por Deus à igreja, conhecidos como os sinais que seguem aos que crêem e descritos em Mc.16:17,18.
b) os dons de Cristo ou ministeriais (Ef.4:7,11), que seriam os ministérios dados por Cristo à igreja para o aperfeiçoamento dos santos e a edificação do corpo do Cristo.
c) os dons do Espírito Santo ou espirituais (I Co.12:8-10), que seriam poderes concedidos pelo Espírito Santo para a transmissão e demonstração do poder de Deus na igreja.
– Há algumas relações destes dons nas cartas de Paulo, relações que não coincidem e cuja discrepância tem a ver, como já se disse, na inexistência de uma perspectiva dogmática ou doutrinária nos trechos das cartas em que elas se encontram, todas invariavelmente nas chamadas “partes práticas” das epístolas, onde a ênfase não está no conceito, na definição, mas na aplicação prática, na conduta, no comportamento.
É o que ocorre na epístola aos romanos, onde vemos, na relação, a presença tanto de dons espirituais (profecia), como dons ministeriais (profecia, ministério, ensino, exortação, repartição, presidência e exercício de misericórdia), num total de sete dons.
OBS: Matthew Henry, em seu Comentário Bíblico, chega mesmo a dizer que, na verdade, a relação apresentada se reduziria a apenas dois dons:
a profecia e o ministério, o primeiro atinente aos bispos(ou pastores, ou, ainda, presbíteros) e o segundo, aos diáconos.
Caberia aos bispos o ensino, a exortação e a presidência e aos diáconos, a repartição e o exercício de misericórdia.
– O primeiro dom mencionado nesta relação é a profecia, designação que abrange tanto o dom ministerial de profecia (Ef.4:11) quanto o dom espiritual de profecia (I Co.12:10), havendo quem defenda que o dom aqui mencionado seja apenas o dom ministerial de profecia, o que entendemos até seja, mesmo, uma interpretação correta, vez que se coaduna com o contexto de serviço cristão da argumentação do apóstolo.
– Quando se fala em profecia, é preciso distinguir, em primeiro lugar, o sentido que assume esta palavra nas Escrituras, porquanto temos, ao longo da história da salvação, três manifestações distintas sob este nome, a saber, o ofício profético, o ministério profético e o dom espiritual de profecia.
– O ofício profético inicia-se, segundo alguns, com Abraão, que é a primeira pessoa denominada de profeta nas Escrituras (Gn.20:7), mas que, segundo outros estudiosos da Bíblia, foi um ofício iniciado com Enoque, vez que Judas menciona ter ele profetizado (Jd.14).
O ofício profético teve como característica principal o da revelação progressiva do plano de Deus para com o homem.
O profeta era o porta-voz de Deus, aquele que revelava o desconhecido à humanidade, o propósito divino para a restauração do homem.
Neste sentido, o ofício profético durou até João (Mt.11:13), pois, com a vinda de Cristo, o próprio Deus Se revelou ao homem, de forma plena e integral (Hb.1:1).
São, pois, totalmente espúrias e sem qualquer respaldo bíblico a aparição de novos profetas, que nada mais são que falsos profetas, como é o caso de Maomé, Joseph Smith, Reverendo Moon e tantos quantos se disserem complementadores da revelação de Cristo ao mundo.
– O ministério profético, por sua vez, foi instituído por Cristo (Ef.4:7,11), para a Igreja, com o propósito de ser o porta-voz de Deus não mais para a revelação do plano de Deus ao homem, mas para trazer mensagens divinas ao Seu povo no sentido de encorajar o povo a se manter fiel à Palavra e para nos fazer lembrar as promessas contidas nas Escrituras.
Em o Novo Testamento, o profeta não irá acrescer nada do que foi revelado e se completou no ministério de Cristo, mas trará informações e palavras que confirmam o que já foi revelado.
Ao vermos os profetas do Novo Testamento, sempre verificamos o propósito divino de manter os crentes firmes e certos de que o Senhor está no controle de todas as coisas, para o fim de velar sobre a Sua Palavra para a cumprir. É o que se vê em At.11:28 e 21:11.
– O dom espiritual de profecia, por sua vez, não é, como diz Donald C. Stamps, comentarista da Bíblia de Estudo Pentecostal, “…poder e capacidade de servir na igreja de modo mais permanente…” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL. Dons espirituais para o crente(estudo bíblico), p.1756), como é o dom ministerial, mas, sim, “…manifestações do Espírito [que se dão] de acordo com a vontade do Espírito([I Co.]12.11), ao surgir a necessidade, e também conforme o anelo do crente na busca dos dons ([I Co.]12.31; 14.1).…” (ibid.).
A finalidade do dom espiritual de profecia é a de edificar, consolar e exortar o povo (I Co.14:3,25,26,31), de forma episódica e pontual.
– Diz o apóstolo em Romanos 12, que a profecia é dada segundo a medida da fé, ou seja, seja o dom ministerial, seja o dom espiritual estão sujeitos, em sua concessão e amplitude, à fé que tenha o agraciado com este dom.
É por isso que toda palavra profética está sujeita ao julgamento da igreja (I Co.14:29), pois deu Deus este dom mas o submetendo ao livre-arbítrio de cada um dos profetas (ministros ou portadores de dons espirituais).
Eis o principal motivo pelo qual não pode jamais a profecia prevalecer sobre a Palavra de Deus. Embora possua esta limitação, lembremos que a falta da manifestação da profecia é um fator que contribui decisivamente para a corrupção do povo (Pv.29:18).
– O segundo dom mencionado em Romanos 12 é o dom de ministério, ou seja, o de serviço, que consiste na “…disposição, capacidade e poder, dados por Deus, para alguém servir e prestar assistência prática aos membros e aos líderes da igreja, a fim de ajudá-los a cumprir suas responsabilidades para com Deus (cf. At.6:2,3)…” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, nota a Rm.12.7, p.1722).
Nos dias em que vivemos, onde muitos só querem “ser cabeça e não cauda”, a disposição para ser ajudante, assistente, adjunto, coadjutor é muito pequena entre muitas pessoas.
No entanto, quando vemos a biografia dos grandes homens de Deus, sempre verificamos que eles não estavam sós e que seus ministérios dependiam, sempre, de pessoas que estavam dispostas a ajudá-los.
Moisés tinha Arão, Hur e Josué;
Davi, Joabe, Abisai e seus valentes;
Salomão, uma equipe ministerial de primeira linha;
Elias, Eliseu e Eliseu, por sua vez, o seu moço;
Jeremias, Baruque e o próprio Senhor Jesus, os discípulos, incluídas aí as mulheres que acompanhavam Jesus em Seu ministério (Lc.8:3).
Todos nós necessitamos, e muito, daqueles que estejam dispostos a nos ajudar, sem o que nosso trabalho não poderá ser efetuado.
Saibamos valorizar aqueles que ajudam e os que são chamados a ajudar não se sintam menosprezados, pois seu papel é fundamental para o sucesso daquele que é ajudado.
Lembremos todos que um só é o Senhor, tanto dos assistentes quanto dos titulares (cf. Ef.6:9).
OBS: Nós mesmos damos graças a Deus pelos irmãos que o Senhor tem posto para nos ajudar nas nossas atividades na Sua obra, sem os quais jamais poderíamos receber as bênçãos que temos recebido ao longo destes anos em que temos servido a Deus.
– Àqueles que são chamados para servir, para ajudar, manda o apóstolo que, efetivamente, ajudem, que sirvam, que auxiliem.
É com tristeza que temos verificado, a cada dia, que, nas igrejas locais, aqueles que são postos como auxiliares não o fazem, ostentam apenas uma denominação de “vice-superintendente”, “professor assistente”, “segundo secretário”, “segundo tesoureiro” , “regente auxiliar”, “vice-líder” e assim por diante mas que, no momento da ajuda, não comparecem, não são assíduos e não demonstram sentido algum de responsabilidade, justificando que “estão ali apenas para ajudar, se for necessário”, confundindo ajuda com substituição.
Paulo é bem claro ao mostrar que os que têm o dom de ministério devem fazê-lo, ou seja, devem estar dispostos a ajudar, a auxiliar, não apenas substituir na falta ou na impossibilidade.
Ajudar não é substituir, muito menos suceder, mas estar ao lado e disposto a fazer o que for necessário, mesmo na presença de quem é o responsável.
Será que temos cumprido o encargo da ajuda? Lembrem-se de Eliseu que, só obteve porção dobrada do Espírito que repousava sobre Elias porque se dispôs a estar ao lado do profeta até o instante final e derradeiro do ministério. Só quem ajuda fielmente será exitoso numa eventual sucessão.
– O terceiro dom mencionado é um dom muito caro aos professores de Escola Bíblica Dominical, o dom do ensino, “…a disposição, capacidade e poder dados por Deus para o crente examinar e estudar a Palavra de Deus, e de esclarecer, expor, defender e proclamar suas verdades, de tal maneira que outras pessoas cresçam em graça e em piedade…” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, nota a Rm.12:7, p.1722).
O ensino foi posto pelo Senhor Jesus ao lado da evangelização como tarefa primordial da Igreja sobre a face da Terra (Mt.28:19,20), até porque o ministério terreno de Cristo pode ser resumido a duas tarefas: fazer e ensinar (At.1:1).
Isto nos mostra como é importantíssimo este dom ministerial na Igreja, pois a falta de conhecimento gera a destruição do povo (Os.4:6).
Não é por outro motivo que não se concebe que alguém seja separado para o episcopado sem que tenha condições para ensinar (I Tm.3:2), característica que sempre deve existir na vida de um obreiro (II Tm.2:24).
– Infelizmente, nos dias em que vivemos, repete-se na grande maioria das igrejas locais brasileiras o mesmo desprezo que os mestres têm tido no país, onde o professorado é aviltado de forma vergonhosa.
Muitos são os ministros que não têm aptidão para o ensino, o que é uma lástima e um retrocesso na igreja, algo que não se pode justificar com o crescimento quantitativo e que, por causa do descaso para com o ensino, jamais poderá se tornar em crescimento qualitativo do povo de Deus.
Como se não bastasse isso, até pela falta de capacidade por parte dos ministros, o espaço do ensino da Palavra tem diminuído de forma brutal nos últimos anos em muitas igrejas locais, num estado extremamente perigoso e que precisa ser revertido.
Já há igrejas que não têm mais Escolas Bíblicas Dominicais e muitas têm-nas só formalmente, com uma frequência que está na média dos 20%(vinte por cento), o que é preocupante, muito preocupante.
A falta de ensino leva à destruição do povo de Deus e é preciso acordarmos para isso. As heresias e os modismos têm encontrado guarida em nosso meio por causa deste menosprezo a que tem sido relegado o ensino em nossas igrejas locais. Despertemos enquanto é dia, antes que seja tarde demais!
– Para o dom do ensino, exige-se a dedicação ao ensino, segundo a Versão Almeida Revista e Corrigida (a Tradução Brasileira e a Bíblia na Linguagem de Hoje também seguem esta linha), que, entretanto, põe “dedicação” em itálico, ou seja, admite que a palavra é resultado de uma inferência do tradutor, não do texto literal (a Versão Almeida Revista e Atualizada usa a expressão “esmere-se no fazê-lo”).
A maior parte das versões diz apenas que quem tem o dom do ensino, que ensine. Aqui, portanto, temos a mesma mensagem relativa ao dom de servir.
O mestre não deve gerar polêmicas, mostrar erudição, criar dificuldades bíblicas, mas, bem ao contrário, deve ensinar, ou seja, fazer com que as outras pessoas entendam o texto bíblico, compreendam a Palavra de Deus e, por isso, melhorem os seus caminhos diante de Deus.
O mestre cristão tem como objetivo primordial fazer com que seus alunos fiquem mais crentes, mais santos, mais justos.
É este o alvo a ser buscado e somente quando darmos condições para que as pessoas sejam esclarecidas e resolvam, por meio deste esclarecimento, servir mais a Deus, é que se terá cumprido o papel imposto ao ensinador.
– O quarto dom mencionado em Romanos 12 é o dom de exortação, que a Nova Versão Internacional traduz por “dom de dar ânimo”. Exortar, como vimos supra, é incentivar, estimular, animar.
Na vida terrena, temos, sempre, aflições, como nos disse o Senhor Jesus, mas é necessário que tenhamos sempre bom ânimo.
Este ânimo é dado pelo Senhor e, portanto, é fundamental que as pessoas a quem o Senhor tem concedido este dom o exercitem, de modo a impedir que os crentes sejam tomados pelo desânimo, em especial nos instantes de aumento da iniquidade como os vividos pela Igreja neste período imediatamente anterior à vinda do Senhor.
– O bom ânimo, a disposição é fundamental para que se faça algo na obra do Senhor.
Quem nos mostra é o próprio Deus, que deu palavras de ânimo a Josué antes que se iniciasse, efetivamente, a sua gestão diante do povo de Israel (Js.1:6), como também o conselho que Davi, homem segundo o coração de Deus, ministrou a seu filho Salomão, pouco antes de morrer e após ter mandado aclamá-lo como novo rei sobre Israel (I Cr.22:13; 28:20) ou palavras de Jesus em algumas ocasiões (Mt.9:2,22; Mc.6:50; Lc.8:48).
Paulo, mesmo, usou deste dom no retorno às igrejas que fundara ao término da sua primeira viagem missionária (At.14:22).
– Também em relação a este dom, o encargo diz respeito a colocá-lo em prática. É preciso “usar esse dom em exortar”. Não é fácil, notadamente nos dias em que vivemos, em que se intensificam as mazelas decorrentes da impiedade crescente da humanidade.
Entretanto, é preciso que incentivemos e estimulemos as pessoas a seguir as Escrituras, a cumprir a Palavra de Deus, a confiar no Senhor. Muitos hoje têm comichão nos ouvidos, querendo apenas ouvir aquilo que desejam, aquilo que lhes permita continuar vivendo nas suas concupiscências (II Tm.4:3), mas é fundamental que os exortadores do nosso tempo tenham coragem e estimulem o povo a servir a Deus.
Exortar não é machucar nem ferir as pessoas, como alguns equivocadamente pensam, mas toda exortação tem de pronunciar a verdade, ou seja, de que devemos cumprir a Palavra de Deus, não se desviando dela nem para a direita, nem para a esquerda.
OBS: A versão da Bíblia Viva de Rm.12:8 apresenta-nos uma tradução que é bem elucidativa: “Se é pregador, veja que seus sermões sejam enérgicos e proveitosos”.
– O quinto dom mencionado em Romanos 12 é o de repartição, que a Nova Versão Internacional traduz por “contribuir”.
Jesus disse que sempre haveria pobres sobre a face da Terra (Jo.12:8), não fugindo desta realidade nem mesmo aqueles que pertencem à igreja, como nos mostra o episódio que levou à criação do diaconato (At.6:1-3). Desde o início da história da igreja, havia aqueles que padeciam de necessidades para sobreviver (cf. At.2:45; 4:35).
Se é verdade que Deus tem promessa de que o justo não será desamparado e que sua descendência não mendigará o pão (Sl.37:25), isto se deve, em grande parte, ao fato de que o Senhor, na igreja, proporciona aqueles que repartem o que têm com quem tem necessidade.
– A função de assistência social na Igreja é uma das suas pedras de toque e, sem dúvida, uma das formas mais poderosas de demonstrarmos, ao mundo, a nossa diferença e o amor de Deus que está em nossos corações.
Não é por causa disto que alteraremos a ordem das coisas e deixaremos de dar proeminência à pregação do Evangelho e ao aperfeiçoamento dos santos, em nome de um “evangelismo social” ou “evangelismo assistencial”, como alguns movimentos ou denominações têm feito, tornando-se mais organizações de assistência social do que agências do reino de Deus, mas não deixa de ser um escândalo inominável que muitas igrejas locais tenham se tornado impérios empresariais e tão avarentos que seus membros sejam obrigados a bater na porta de entidades assistenciais de outros credos.
OBS: A grande força da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil bem como dos espíritas kardecistas repousa no grande trabalho de assistência social empreendido por estes movimentos.
Muito do crescimento de alguns grupos ditos neopentecostais, como o da Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, deve-se também ao trabalho assistencial levado a efeito, que, apesar dos poucos anos de existência, já ultrapassa anos-luz de grupos bem mais tradicionais, mas que têm deixado muito a desejar no que se refere ao dom da repartição e isto no país de maior desigualdade social no mundo como é o Brasil.
Não nos esqueçamos do exemplo dado pelos cristãos de várias denominações por ocasião da tsunâmi ocorrida na Ásia em 2005.
Por causa da generosidade demonstrada por organizações cristãs da Europa e dos Estados Unidos, o governo da província indonésia de Band Aceh, abriu as portas para missionários cristãos, este que era o local mais fechado para a pregação do Evangelho naquele país, que é o maior país muçulmano do mundo.
– Com relação à repartição, determina o apóstolo que a repartição se dê com liberalidade, de modo generoso, sem mesquinhez, sem avareza. Além de termos poucos repartidores na atualidade, quando este dom é encontrado, está muito aquém da medida recalcada e sacudida, que é a forma como Deus nos abençoa (Lc.6:38).
Já imaginaram se Deus fosse tão mesquinho conosco como, às vezes, temos sido na ajuda aos necessitados?
Contribuamos generosamente para com os que precisam, não cerceando a atividade daqueles que foram chamados pelo Senhor para a repartição, pessoas que, como o apóstolo Paulo, não só repartem o que têm, mas são dotados do Senhor da capacidade de amealhar entre as pessoas contribuições para ajudar de maior vulto.
– O sexto dom mencionado em Romanos 12 é o dom da presidência. Aqui, o apóstolo fala-nos do governo na igreja, mostrando que, apesar de Cristo ser a cabeça da igreja, Ele constitui servos Seus para presidirem sobre o Seu povo.
É interessante observar a palavra utilizada pelo apóstolo, o termo grego “proistemi” (προϊστημι), que tem o sentido de “liderar”, “estar à frente”, “cuidar de”, “ajudar”, que foi muito bem traduzida por “presidir” na Versão Almeida Revista e Corrigida e que, na Nova Versão Internacional, foi traduzida por “exercer liderança”.
– Há, evidentemente, um governo na igreja, constituído por Deus, que levanta aqueles que devem presidir sobre o povo (Rm.12:8), mas este governo não deve ser visto pelos que presidem senão como um serviço,
senão como um encargo, senão como um fardo a mais, jamais como um sinal de superioridade e como uma autorização divina para que haja a exploração ou a imposição sobre os demais irmãos em Cristo. Como é admitido até mesmo pelos estudiosos que não professam o nome do Senhor, foi o cristianismo quem trouxe para a humanidade a concepção da igualdade intrínseca de cada ser humano.
– Infelizmente, muitos, nos nossos dias, não se comportam segundo este modelo bíblico.
Presidem como se fossem verdadeiros soberanos do mundo, querendo que tudo e todos estejam à sua disposição, criando estruturas que não diferem em coisa alguma das estruturas dos que “…julgam ser príncipes das gentes, [que] delas se assenhoreiam e os seus grandes usam de autoridade sobre elas” (Mc.10:42).
Acham que têm domínio sobre o rebanho, esquecendo-se que este rebanho é de Deus (I Pe.5:3), comportamento que leva a uma série de distorções e desvios, com enorme prejuízo espiritual.
– É importante observar que se trata de “presidir”, ou seja, “estar à frente”, “ser o protetor ou o guardião”, “superintender”, “cuidar”.
A função do “governante” da igreja local, portanto, é estar à frente do povo, é ser o primeiro dos crentes na linha de combate contra o pecado e contra o mal, é ser o primeiro a pisar no caminho estreito que conduz à vida eterna (Mt.7:14).
“Presidir”, portanto, não é dominar sobre o povo, mas estar à sua frente, ensinando-lhe por onde e para onde deve ir. Por isso, Pedro adverte os presbíteros para que não agissem como se tivessem domínio sobre a herança do Senhor (I Pe.5:3).
– Vemos bem o que representa esta posição que o apóstolo diz ser a dos dirigentes de igrejas locais quando verificamos quem eram os “presidentes” ou “governadores” no sistema administrativo romano daquela época.
O presidente era alguém que representava o imperador numa determinada região de uma província, como era o caso de Pôncio Pilatos, que era o governador ou presidente da Judeia (Lc.3:1), sendo ali o representante do procônsul da Síria, esta, sim, província do Império Romano, procônsul que era aquele que estava em lugar do cônsul, ou seja, do Imperador, que havia assumido as funções dos antigos cônsules romanos. O presidente, portanto, era alguém que administrava a região e tinha de prestar contas àquele que estava no lugar do Imperador.
– Assim também ocorre com os dirigentes das igrejas locais.
Eles nada mais são que “presidentes”, ou seja, estão à frente do povo, são responsáveis pelas ações e iniciativas destinadas ao cumprimento das tarefas que cabem à igreja local, mas não têm domínio sobre o povo, ou seja, administram, governam, mas têm consciência que o dono é o Rei dos reis e Senhor dos senhores, o Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, de quem é a Igreja (Mt.16:18).
Têm, sim, autoridade, como o tinha Pilatos, mas autoridade que lhe é concedida pelo Senhor e sem O Qual nada poderá fazer.
Como “presidentes”, deverão prestar contas daqueles que lhe foram confiados, assim como, na atualidade, nos regimes republicanos, os presidentes da República devem prestar contas de seus atos à população.
OBS: Quão diferente tem sido o comportamento de muitos que se querer fazer “presidentes de igreja” atualmente…
– A “presidência” deve ser feita “no Senhor”, ou seja, assim como toda a igreja está em Jesus (I Ts.1:1), isto é, tendo como base e fundamento Cristo (I Co.3:11), como fator propiciador do crescimento e da formação o próprio Jesus (II Pe.3:18) e como alvo aquilo que foi determinado pelo Senhor Jesus (Fp.3:14), o dirigente da igreja local nada pode fazer a não ser aquilo que estiver “no Senhor”, ou seja, aquilo que estiver de acordo com a vontade do Senhor, que está expressa nas Escrituras, que d’Ele testificam (Jo.5:39).
Vemos, pois, que não espaço algum para que os “governantes” façam algo que esteja além ou acima da Bíblia Sagrada, devendo tão somente observar o que está escrito.
Não foi por outro motivo que o Senhor, ao se dirigir a Josué, o novo líder do povo de Israel, foi peremptório ao dizer-lhe:
“Tão-somente esforça-te e tem mui bom ânimo para teres o cuidado de fazer conforme toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que prudentemente te conduzas por onde quer que andares.
Não se aparte da tua boca o livro desta Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto nele está escrito; porque, então, farás prosperar o teu caminho e, então, prudentemente te conduzirás.” (Js.1:7,8).
Nosso Deus é o mesmo e estas são as mesmas instruções que está a dar a quem coloca à frente de Seu rebanho. Muitos, no entanto, se arvoram no direito de, a exemplo daqueles que estavam na cadeira de Moisés, criar fardos pesados sobre o povo, repletos de doutrinas de homens (quando não de demônios) e de preceitos e mandamentos que jamais foram transcritos nas sagradas letras. Tomemos cuidado, irmãos!
– Na “presidência”, o dirigente da igreja local deve agir sempre com cuidado (Rm.12:8), até porque está a tratar e administrar algo que não lhe pertence, que é a Igreja de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Por causa deste cuidado, deve, como afirma o apóstolo, admoestar os crentes, ou seja, é preciso que os dirigentes das igrejas locais advirtam, instruam os crentes.
Este é o sentido da palavra grega “noutheteountas” (νουθετουντας). A primeira e principal tarefa do “governante” é o de ensinar o povo, de adverti-lo a respeito de como deve agir enquanto aguarda Jesus.
Todo “governante” deve ser, antes de mais nada, um mestre e é por isso que um dos requisitos para a separação de obreiros é o da aptidão para ensinar (I Tm.3:1 “in fine”).
Lamentavelmente, nos nossos dias, cada vez mais pessoas despreparadas têm sido, imprudentemente, conduzidas à frente de igrejas locais (quando não se conduzem a si próprias), causando enormes prejuízos para o trabalho de evangelização e de aperfeiçoamento dos santos, em suma, para o trabalho da igreja.
– O sétimo e último dom mencionado em Romanos 12 é o dom da misericórdia, que é o dom de transformar em ações, em atitudes concretas o bem que desejamos a alguém.
Misericórdia é o amor posto em ação, é a bondade tornada em ação concreta.
Como diz o apóstolo Tiago, como podemos dizer que amamos alguém se não suprimos as suas necessidades (Tg.2:14-17), pois o amor não é amor de palavras, mas amor de obras (I Jo.3:16-18).
OBS: Muitos entendem que este dom estaria mais relacionado com o aspecto espiritual, ao contrário do dom de repartição, segundo distinção que segue infra, a ponto de a versão da Bíblia Viva ter assim traduzido a parte final de Rm.12:8: “Aqueles que levam o consolo aos entristecidos, devem fazê-lo com disposição cristã.”
– As “boas obras”, também chamadas de “obras de misericórdia”, têm sido listadas pela tradição cristã ao longo dos séculos, nitidamente por influência da Igreja Romana que, não acidentalmente, tem sido uma instituição que tem se notabilizado, mormente nos países do continente americano, por suas obras filantrópicas (não podemos deixar de reconhecer o fato de que todos os principais projetos sociais atualmente em andamento em nosso país são direta, ou indiretamente, vinculados à Igreja Romana).
As “obras de misericórdia” são definidas como sendo “…ações caritativas mediante as quais ajudamos a nosso próximo em suas necessidades corporais e espirituais (cf. Is 58,6-7; Hb 13,3)…” (Catecismo da Igreja Romana, art.2.447, tradução nossa do texto em espanhol).
A lista, embora não possa ser considerada como exaustiva, ou seja, embora não contenha todos os atos bons que possam ser praticados, são uma válida ilustração para sabermos se temos sido bons, se “fazemos bem” assim como nosso Senhor e Salvador enquanto aqui esteve. Ei-la:
a) obras de misericórdia espirituais: instruir, aconselhar, consolar, confortar
b) obras de misericórdia corporais: dar de comer ao faminto, dar abrigo a quem não o tem, vestir ao desnudo, visitar os enfermos e os presos, enterrar os mortos, dar esmolas.
– A prática da bondade é um elemento indispensável na vida do crente, que deverá fazê-lo não só individualmente, como mostra o testemunho eloquente de Barnabé no livro de Atos dos Apóstolos, como também coletivamente, como dão exemplo robusto as igrejas locais dos tempos apostólicos, seja a igreja de Jerusalém, sejam as igrejas em Corinto, na Acaia, ou na Macedônia.
O próprio Jesus, em Seu ministério, tinha um grupo de pessoas que cuidavam dos pobres, tanto que havia uma bolsa, que ficava a cargo de Judas Iscariotes, para esta finalidade (Jo.12:4-8).
OBS: “…A função social da Igreja já iniciou com Jesus. Num espírito humanitário, Ele sempre procurou socorrer os necessitados e tinha Sua atenção voltada para a sociedade, colocando sempre as necessidades espirituais acima das materiais, com Seu espírito de misericórdia e compaixão sempre voltado a todos.
A Igreja, portadora do mesmo sentimento de amor, sempre foi voltada para o social, procurando suprir as necessidades e socorrer os crentes.(…). Valorizar a alma humana, com um valor maior que o mundo inteiro, sempre foi a filosofia do Divino Mestre, não deveriam, porém, esquecer das necessidades físicas.(…).
É perturbador para uma igreja que enfatiza a justificação pela fé e tem perdido de vista o fato de que aquilo que praticamos também se reveste de grande importância.
A ausência de tais obras é prova de ausência de fé. A fé sem obras é morta (Tiago 2.20).
…A melhor caridade é aquela que é feita com seus próprios recursos, dentro das suas possibilidades, pois fazer esmola com a ‘carteira’, riqueza dos outros não é caridade.…” (SILVA, Osmar José da. Reflexões filosóficas de eternidade a eternidade, v.6, p.120-5).
– Então, perguntemos a nós mesmos: temos uma bolsa para os pobres, ou seja, há, em o nosso orçamento doméstico, uma verba para fazermos o bem, ajudarmos os necessitados, ou o consumismo desenfreado, os gastos supérfluos, as vaidades humanas têm devorado esta quantia e, tal como Judas Iscariotes, lançamos mão daquilo que deveria ajudar quem precisa?
Nossa congregação, nossa igreja local tem uma bolsa para os pobres, ou, também, tem se envolvido em tantas atividades e tantas obras que não resta qualquer ajuda aos necessitados, até mesmo para os crentes, que dirá para os não-crentes da área abrangida por nossa igreja local?
Temos ajudado as iniciativas de irmãos valorosos e abnegados, que têm procurado minorar a crescente miséria da população que nos cerca, ou temos nos comportado como aqueles descritos em Tg.2:16?
– O exercício do dom de misericórdia deve ser feito com alegria.
De nada adianta gastarmos todas as nossas finanças em benefício dos pobres ou necessitados ou, mesmo, horas a fio de nosso tempo, para ouvir as pessoas, dar-lhes companhia e conforto, se o fizermos por obrigação, por necessidade, sem alegria, sem prazer.
Qualquer doação material feita por necessidade é apenas um gasto, uma despesa, sem qualquer valor na dimensão espiritual, como também o uso de horas numa “obra de misericórdia espiritual” nada mais será que perda de tempo.
Se, porém, fizermos com alegria, seremos agradáveis ao Senhor, porque Ele ama a quem dá com alegria (II Co.9:7 “in fine”).
– Temos servido ao Senhor como nos recomenda o apóstolo? Temos usado os nossos dons como manda a Palavra de Deus ou os temos enterrado?
Ainda é tempo, Jesus ainda não voltou. Usemos, pois, os talentos do modo como determinado pelas Escrituras Sagradas e, assim, ofereçamos um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus.
V – O RELACIONAMENTO COM O PRÓXIMO
– Depois de falar dos dons assistenciais, que são uma forma de mostrarmos uns aos outros a nossa comunhão com o Senhor, Paulo passa a tratar da dimensão horizontal da nova vida em Cristo, que é a dimensão do amor ao próximo.
– Quando o Senhor Jesus resumiu toda a lei de Moisés, fê-lo em dois mandamentos: amar a Deus e amar o próximo (Mt.22:37-40), mandamentos estes que sintetizou em um único mandamento, o Seu mandamento:
“Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo.15:12). Vemos, portanto, que o amor a Deus e o amor ao próximo foram efetivamente vividos pelo Senhor Jesus e que, deste modo, devemos imitá-l’O, tendo-O como modelo de amor.
– Por isso, o apóstolo Paulo, sem qualquer tergiversação, começa logo falando que o amor que exista entre os servos de Cristo seja autêntico, não seja fingido.
A palavra grega é “anypócritos” (ανυπρόκριτος), cujo significado é “não fingido”, “sem hipocrisia”.
O amor, portanto, deve ser uma expressão da verdadeira comunhão com o Senhor, algo que não seja uma mentira, uma simples aparência exterior, o que nos faz lembrar a vanglória judaica que fora demonstrada como produto de uma vida pecaminosa pelo apóstolo Paulo no início da epístola.
– O verdadeiro salvo é a pessoa que está em Cristo Jesus, que tem comunhão com Deus, tanto que nada pode separá-lo deste amor (Rm.8:38,39).
Por isso, estando em comunhão com a própria verdade (Jr.10:10), não tem como senão expressar um verdadeiro e genuíno amor, amor que não é apenas um sentimento, como se entende atualmente, mas, sim, um comportamento, uma conduta que seja a reprodução da conduta vivida por Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo enquanto esteve sobre a face da Terra.
– Este amor não fingido deve ser acompanhado, diz o apóstolo, pelo aborrecimento do mal e o apego ao bem (Rm.12:9).
O salvo tem uma nova natureza, a natureza sem pecado e, como tal, tem condição de, a exemplo de Jesus Cristo, rejeitar o mal e escolher o bem (Is.7:15,16).
Esta é a essência da nova natureza. O salvo é uma “nova criatura” e , por isso, pode dizer “não” ao pecado e dizer “não” para o pecado é praticar e buscar praticar o bem e se desviar do mal, dele cada vez mais se distanciar.
– Este amor não fingido é um amor de coração e que considera os outros como irmãos, sendo, também, um amor humilde, que prefere dar a honra ao outro, um amor altruísta, que leva em conta e considera o outro, que expressa a renúncia de si mesmo, que é uma condição indispensável para que sejamos discípulos de Cristo (Lc.14:33).
O amor, portanto, exige a negação do “eu”, o abandono do egoísmo e do individualismo, que são as notas características de nossos dias, dias imediatamente anteriores ao arrebatamento da Igreja (II Tm.3:2).
– “Amar cordialmente”, segundo o significado da palavra grega “philostorgoi” (φιλόστοργοι), significa “amar mutuamente, ter afeição terna”, como é o amor entre esposos, pais e filhos.
Isto nos mostra, claramente, que os salvos precisam se amar como integrantes da “família de Deus” (Ef.2:19), sendo este o reflexo de que todos somos filhos de Deus e coerdeiros de Cristo (Rm.8:17).
O verdadeiro filho de Deus considera o outro filho de Deus como seu “irmão” e o ama afetuosamente, amor que deve ser recíproco, mútuo.
– Será que temos tratado assim os nossos irmãos em Cristo?
Será que os temos visto como membros em particular do corpo de Cristo e que, portanto, desempenham funções necessária para a nossa própria sobrevivência espiritual?
Ou os temos ignorado, não raras vezes entrando em conflitos e pelejas contra eles, lutando contra eles enquanto nossa missão seria unirmos a eles para que, em união, tenhamos a bênção do Senhor para as nossas vidas (Cf. Sl.133)?
– Esta verdadeira ordem do apóstolo Paulo aos crentes de Roma leva-nos a uma profunda reflexão.
O salvo em Cristo Jesus não é uma “estrela”, não fica atrás de fama, prestígio ou poder, mas é alguém que quer se unir aos demais irmãos, sabendo que, como membros em particular do corpo de Cristo, não tem muito a fazer senão contribuir para o bem-estar do outro, pois o importante é que o corpo cresça, aumente e seja edificado em amor, bem ajustado e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte (Ef.4:16).
– Esta observação de Paulo, também, mostra como não tem qualquer fundamento bíblico a doutrina dos “desigrejados”, verdadeiros soberbos que procuram defender a tese de que os salvos não podem congregar em igrejas locais, que estariam cheias de corrupção.
Paulo manda que os crentes se amem cordialmente uns aos outros e que prefiram em honra uns aos outros, demonstrando, cabalmente, que devemos viver em união, congregados, sem o que não teremos qualquer crescimento espiritual.
A falácia dos “desigrejados” é mais uma artimanha satânica para fazer fracassar na fé aqueles que creram no Senhor Jesus.
A salvação é individual, mas o crescimento espiritual depende da mutualidade, do convívio com outros filhos de Deus, pois só assim seremos consolados, admoestados, ensinados, exortados, ajudados.
É só verificar quantas vezes aparecem as expressões “uns aos outros” e “uns dos outros” com relação aos salvos em Cristo Jesus.
– Paulo, então, diz que os crentes precisam ser “vagarosos no cuidado e fervorosos no espírito”.
Ser “vagaroso no cuidado” , que a Versão Almeida Revista e Atualizada traduz por “no zelo, não sejais remissos” .
O que o apóstolo está a dizer é que o salvo não pode ser descuidado, tem de ser zeloso, ou seja, tem de tomar todas as precauções possíveis para que não venha a se desviar da fé.
Esta afirmação lembra-nos o que diz o escritor aos hebreus, quando diz que devemos deixar o embaraço e o pecado que tão de perto nos rodeia, a fim de que possamos correr com paciência a carreira que nos está proposta (Hb.12:1), como também a advertência do Senhor Jesus, em Seu sermão profético, de que bem-aventurado é o servo que, quando Ele vier, for um servo fiel e prudente (Mt.24:45,46).
– Este zelo tem sido esquecido por muitos nos dias de hoje, que estão a se comportar como o “mau servo” mencionado pelo Senhor no sermão profético, aquele que entende que o Senhor tarde virá e que, por isso, passa a comer e beber com os temulentos (Mt.24:48-51), ou seja, os que se descuidam e acabam se envolvendo com o mundo, passando a ter comunhão com os pecadores, pessoas que perdem a salvação e que acabarão por acompanhar aqueles com que se envolveu.
– Para que não nos misturemos com o mundo, para que não sejamos descuidados, devemos ser “fervorosos no Espírito”.
Eis aí a indispensabilidade da busca do poder de Deus, do revestimento de poder e dos dons espirituais, atitude que, lamentavelmente, é tão desprezada em nossos dias.
Somente o “fervor no Espírito” poderá nos impedir de nos misturar com o mundo, manterá o nosso zelo pelas coisas espirituais, pelas “coisas de cima”.
Paulo renova esta observação para os crentes de Éfeso, quando diz que devemos nos encher do Espírito e não nos embriagar com o vinho em que há contenda (Ef.5:18).
A propósito, quem são os “temulentos’ mencionados pelo Senhor Jesus? São os que se embriagam, pois “temulento” nada mais é que “bêbado”, ou seja, aqueles que se encontram totalmente envolvidos com as coisas do mundo.
– O “fervoroso no Espírito” não é, porém, alguém que vive para si ou para se gabar de seu “alto grau de espiritualidade”, com temos visto em muitos lugares na atualidade.
Não, não e não! O zelo e o fervor no Espírito têm como propósito o servir ao Senhor.
O genuíno salvo toma cuidado para se afastar do mundo, mas tem como objetivo servir ao Senhor.
Para isto ele busca o poder de Deus e se afasta do pecado: para servir ao Senhor, para realizar a Sua obra e, deste modo, a exemplo de Cristo, glorificar a Deus nesta Terra (Jo.17:4).
– Paulo, então, voltando a lembrar que a salvação é tanto uma realidade presente como uma esperança, manda que os salvos se alegrem na esperança.
A alegria do salvo, portanto, não se encontra nas circunstâncias que o cercam, mas, sim, na esperança da glória de Deus. O salvo se alegra a cada instante porque sabe que está indo para o céu, que, brevemente, desfrutará da companhia de Cristo Jesus nas mansões celestiais. Aleluia!
– Quem tem esta esperança, suporta a tribulação, nela é paciente, pois, como já vimos em lições anteriores, entende que tudo o que ocorre é para o seu bem, para que consiga alcançar a glorificação.
A tribulação é apenas um estágio para nos levar à esperança e, com esta esperança, não termos qualquer confusão, podermos prosseguir a nossa peregrinação terrena, apesar de todas as dificuldades que venhamos a passar.
– Mas, para podermos ter êxito nesta jornada, precisamos perseverar em oração, que é o outro conselho que dá o apóstolo aos romanos. Na sua primeira carta, Paulo, escrevendo aos tessalonicenses, já dissera que era necessário orarmos sem cessar (I Ts.5:17).
Aqui, ele volta a insistir na necessidade que temos de sempre orarmos, pois a oração é um dos meios de santificação (I Tm.4:4,5) e a única forma de, desde já, ingressarmos na dimensão celestial, indo até o trono da graça (Hb.4:16).
– Em mais uma afirmação que desmente muitos dos falsos ensinos hoje em voga, Paulo mandou que os irmãos comunicassem as suas necessidades aos santos, a mostrar, pois, que o verdadeiro e genuíno salvo passa, sim, por necessidades nesta vida.
E tais necessidades não podem ser enfrentadas solitariamente, mas, sim, juntamente com os santos, em mais uma demonstração de que dependemos uns dos outros em nossa peregrinação terrena.
– A comunhão somente se constrói pela comunicação, pois esta é a ação de tornar comum e aquela já é o estado de ser comum, de modo que esta é pressuposto para aquela.
Esta comunicação, no entanto, deve ser feita aos santos, ou seja, àqueles que produzem frutos de justiça, que se encontram separados do pecado.
Devemos, portanto, ter cuidado quando relatamos as nossas necessidades, pois não podemos comunicar as nossas necessidades a ímpios, que não só não nos podem ajudar, como também serão pessoas a nos prejudicar.
– O salvo precisa, também, ser hospitaleiro, algo que, também, está muito em desuso em nossos dias.
Devemos ser hospitaleiros, receber bem as pessoas que nos visitam, as pessoas que vêm de outros lugares para o nosso convívio.
A hospitalidade, o acolhimento é uma demonstração do amor de Deus que está em nossos corações.
– Paulo, então, entra num ensinamento que revela quão profundo é o amor de Deus e quão elevado é o nível de espiritualidade exigido de todos quantos creram em Cristo Jesus. O apóstolo manda que abençoemos os que nos perseguem, jamais os amaldiçoando (Rm.12:14).
– Em nossos dias, entretanto, já os defensores da “maldição santa”, os que são hábeis em fazer “oração contrária”, querendo vingar-se daqueles que lhes estão a fazer mal.
Tais pessoas, embora procurem embasar seus sentimentos e condutas em textos bíblicos, obviamente tirados do contexto, não são verdadeiros servos do Senhor.
A conduta do cristão jamais é a de amaldiçoar ou de se vingar de quem quer que seja.
Ele traz em si o Senhor Jesus, que é amor (I Jo.4:8,16), não tendo amado apenas os Seus (Cf. Jo.13:1), mas a todo o mundo, inclusive Seus inimigos, tanto que pediu perdão ao Pai para os seus algozes (Lc.23:34).
– O salvo, como filho de Abraão, deve abençoar e, mais do que isto, ser uma bênção (Gn.12:3).
É totalmente inadmissível o que vemos vez por outra, pessoas que se dizem salvas em Cristo Jesus querendo fazer uso de sua condição de salvas para “amaldiçoar” alguém.
O salvo não pode amaldiçoar, ele somente pode abençoar.
– Paulo também exorta os salvos a que tenham compaixão, ou seja, se ponham no lugar do outro, tendo, assim, o mesmo sentimento que eles.
Por isso, devemos chorar com os que choram e nos alegrar com os que se alegram (Rm.12:15). Esta sintonia sentimental é um reflexo da comunhão que deve existir entre os salvos e do amor que devemos ter com o próximo.
– Alguém já disse que chorar com os que choram é mais fácil do que se alegrar com os que se alegram, pois, no infortúnio de alguém, é fácil que nos comovamos e compartilhemos da tristeza de alguém.
No entanto, quando alguém se alegra, não é raro que surja a inveja, o despeito, a impedir que pessoa também compartilhe da alegria do outro. Que Deus nos guarde, amados irmãos, desta situação!
Vivemos dias de intenso egoísmo e individualismo, em que as pessoas têm prazer na desgraça alheia, sendo incapazes de se alegrar com quem tem um momento feliz.
– Esta sintonia sentimental levou Paulo a exortar os crentes a que fossem unânimes, ou seja, que tivessem todos um mesmo proceder, um mesmo sentimento, um mesmo pensamento.
A comunhão com Deus leva-nos à comunhão com os irmãos, pois somos uma unidade, somos o corpo de Cristo, que é um só.
Esta unidade é bem descrita por Paulo em Ef.4:4-6: “um só corpo e um só Espirito, uma só esperança da vossa vocação, um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos”.
– Bem se vê, portanto, que a proliferação de discórdias, intrigas, pelejas, porfias, lutas e competições entre os que cristãos se dizem ser é uma cabal demonstração de que muitos não são verdadeiros e genuínos salvos.
Aliás, Judas, o irmão do Senhor, foi categórico ao afirmar que os que causam divisões são sensuais, não têm o Espírito (Jd.19). É esta a triste realidade que temos presenciado em nossos dias.
Há quem tome o provérbio popular de que “toda unanimidade é burra”, para justificar a existência de tantos conflitos entre os sedizentes cristãos, mas devemos nos lembrar de que a unanimidade aqui propalada pelo apóstolo é a “unanimidade em Cristo”, ou seja, é a unidade de Cristo com o Seu corpo, nada tendo que ver com personalidade, individualidade ou cultura.
– Esta unanimidade só é possível quando se tem a humildade, que o apóstolo, como já dissemos, preconizou ao dizer que deveríamos preferir em honra uns aos outros.
Não podemos ambicionar coisas altas, mas nos acomodar às humildes, não sendo sábio em nós mesmos.
– Quando nos tornamos discípulos de Cristo, renunciamos a nós mesmos, negamos o nosso “eu” e o “eu”, portanto, não tem mais lugar em nossas vidas.
Como disse Paulo, não somos “nós” que vivemos mas é Cristo que vive em nós (Gl.2:20).
Sendo assim, não tem porque lutarmos por posição, fama, prestígio, popularidade e outras coisas deste mundo.
Quem não mortificou o “eu”, corre trás destas coisas, “ambiciona coisa altas” e se entende sábio em si mesmo, esquecendo que o princípio da sabedoria é o temor do Senhor (Jó 28:28; Sl.111:10; Pv.9:10) e que a verdadeira sabedoria é primeiramente pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem hipocrisia (Tg.3:17).
– Nesta abnegação, torna-se possível cumprir aquilo que diz o apóstolo, qual seja, a de jamais nos vingarmos de quem quer que seja, não tornando mal por mal, não nos vingando a nós mesmos, visto que a vingança pertence única e exclusivamente a Deus (Rm.12:17,19).
– O filho de Deus não pode esquecer que é um servo, não o Senhor e que a vingança, assim como a glória, foi algo que Deus não transferiu nem delegou a quem quer que seja.
Cabe a Ele fazer justiça quando bem entender e nada temos com isso. Devemos, isto sim, diante dos inimigos, que são inevitáveis, tomar a posição que o Senhor Jesus tomou e nos mandou, qual seja, a de fazer-lhe bem, dando de beber a quem tem sede, de comer a quem tem fome, não nos deixando vencer do mal mas vencendo o mal com o bem (Rm.12:20).
– O salvo deve lugar à ira, ou seja, deve deixar a ira ir embora, escapar. Esta passagem, aliás, tem sido mal interpretada, pois veem alguns aí a justificativa para “explodirem”, para “descarregar” todo o seu furor contra alguém, quase sempre querendo fundamentar seu péssimo comportamento com base neste versículo (Rm.12:19).
– Entretanto, “dar lugar à ira” aqui significa deixar a ira escapar, esvair-se, assim como quando, num lugar cheio de algum gás, nós abrimos as janelas, portas, a fim de que o gás tenha “lugar”, ou seja, possa sair de onde está, evitando, assim, uma explosão.
Como se percebe, portanto, “dar lugar à ira” é exatamente o contrário dos “nervosinhos” que tentam justificar seus desatinos e espetáculos com esta passagem bíblica.
– Não podemos ter rancor nem mágoa de pessoa alguma. Para tanto, é verdade, necessitamos da assistência do Espírito Santo, mas a nova natureza que foi gerada pela Palavra de Deus em nós é capaz de nos fazer com que não tenhamos qualquer mágoa e, assim fazendo, não demos brecha para que percamos a graça de Deus, pois, como diz o escritor aos hebreus, a raiz de amargura nos priva da graça divina e nos faz adoecer e até morrer espiritualmente, com risco de contaminação dos outros (Hb.12:15).
– Outra grande verdade que Paulo nos mostra aqui é a de que o salvo, mesmo sendo abençoador, não se irando, tornando o mal em bem, terá inimigos neste mundo.
Diz o apóstolo que, enquanto depender de nós, devemos ter paz com todos os homens, a nos mostrar, de modo inequívoco, que nem sempre isto depende de nós.
Teremos inimigos gratuitos, pessoas que se levantarão contra nós, mas não por nossa culpa, até porque, por estarmos num mundo que está no maligno, é natural que este mundo nos aborreça (Jo.15:18-20).
– O salvo tem inimigos, mas não pode ser inimigo de pessoa alguma. Aqui reside a diferença.
As pessoas se levantarão contra o salvo, que é um “corpo estranho” neste mundo, mas o salvo não poderá se levantar contra este inimigo, nem desejar ou praticar mal contra ele.
No que depender de nós, temos de amá-los, lembrando que, infelizmente, são simples agentes de Satanás, este, sim, o nosso verdadeiro inimigo, pessoas que, por estarem escravizadas pelo maligno, são postas como instrumentos para a tentativa de nosso fracasso espiritual.
– Por fim, o apóstolo afirma que quando fazemos bem aos nossos inimigos, amontoamos brasas de fogo sobre a cabeça deles (Rm.12:20).
É outra passagem mal compreendida, pois entendem muitos que estas brasas de fogo seriam um “poder do Espírito Santo”, um “poder de Deus” sobre a cabeça dos salvos.
Não é nada disso! Se bem verificarmos o texto, Paulo está a dizer que o crente amontoará brasas de fogo sobre a “sua cabeça”, ou seja, a “cabeça dele”, a “cabeça do inimigo”.
Estas “brasas de fogo” não são qualquer demonstração de poder, mas, sim, como diz o comentarista bíblico Matthew Henry, “in verbis”: “…isto é: ‘Ou tu’: 1. ‘O levarás ao arrependimento e à amizade, e abrandarás seu espírito em relação a ti’ (aludindo àqueles que fundem metais; não apenas colocavam fogo sob eles, mas amontoavam fogo sobre eles; dessa forma Saul foi “derretido” e conquistado pela bondade de Davi -1 Sm 25.16; 25.21) – ‘tu ganharás um amigo com isso e se a tua bondade não tiver esse efeito, então’: 2. ‘Ela agravará a condenação dele e fará a maldade que tiver feito contra ti mais indesculpável.
Com isso, tu apressarás sobre ele os sinais da ira e da vingança de Deus’.…” (Comentário bíblico Novo Testamento Atos a Apocalipse. Trad. de Degmar Ribas Júnior, p. 393).
– O papel do salvo é fazer o bem, querer sempre o bem do próximo, não importando se este próximo é nosso irmão em Cristo ou é nosso inimigo. As atitudes deste ou daquele não compete a nós julgar ou apreciar. Temos de cumprir a nossa parte.
– Esta é a conduta que o apóstolo diz ser de um genuíno salvo em Cristo Jesus, são as características da “nova vida em Cristo”, como diz o título da lição.
Precisamos ver este modelo e procurar nos adequar a ele e o crescimento espiritual, a santificação nada mais é que a aproximação a cada dia, a cada instante deste comportamento previsto pelo apóstolo e, para tanto, devemos não só ter a indispensável assistência do Espírito Santo, mas a convivência com os irmãos em Cristo, pois tal crescimento depende desta nossa convivência com eles.
Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco