Lição 9 – Elias no Monte da Transfiguração
No monte da Transfiguração, vemos que o objetivo do ministério de Elias concretiza-se em Cristo Jesus.
INTRODUÇÃO
– Concluindo o estudo sobre o ministério do profeta Elias, estudaremos a sua aparição quando da
transfiguração de Cristo Jesus.
– No Monte da Transfiguração, vemos que o objetivo do ministério de Elias concretiza-se em Cristo Jesus, o único que pode restaurar espiritualmente o ser humano de forma definitiva.
I – O LEGADO DE ELIAS NAS ESCRITURAS SAGRADAS E NA TRADIÇÃO JUDAICA
– Na lição anterior, vimos a sucessão de Elias, o seu legado para as gerações posteriores. Substituído por Eliseu, vimos que o trabalho de Elias não cessou com a sua trasladação para o céu, mas teria de ter
continuidade, já que a restauração espiritual do povo de Israel não se concretizara em seus dias.
– É elucidativo que Elias, cujo nome significa “Jeová é o Senhor” ou “Jeová é Deus”, tenha sido substituído
por Eliseu, cujo nome significa “Deus é salvação” ou “Deus salva”, como a anunciar que não haveria como se ter a restauração espiritual do homem se Deus não Se manifestasse também como o Salvador, após de ter Se manifestado como Deus, como Criador. Os nomes de ambos os profetas, portanto, prenunciam que a restauração somente viria com o Salvador, com o Filho de Deus.
– De todas as três tarefas que o Senhor disse a Elias, no monte Horebe, que ele deveria fazer para que fosse erradicado o culto a Baal e a casa de Acabe (I Rs.19:15,16), apenas uma foi feita pessoalmente por Elias, que foi a unção de Eliseu e a sua preparação para a sucessão do profeta. A unção do novo rei de Israel (Jeú) e do novo rei da Síria (Hazael) não foram efetuadas por Elias, indicando, conforme já visto em lições anteriores, que o ministério de Elias teria prosseguimento através de outras pessoas, era um ministério maior que a própria pessoa do profeta Elias.
– A sucessão de Elias por Eliseu foi devidamente testemunhada por cinquenta filhos dos profetas (II
Rs.2:7), que tinham ido até o Jordão e visto tanto a abertura do rio por Elias, seu último milagre (II Rs.2:8), quanto a abertura do rio por Eliseu, quando do retorno deste após a trasladação de Elias (II Rs.2:14). Estava assim autenticada a sucessão e o prosseguimento deste ministério de zelo pelas coisas do Senhor, deste ministério de restauração espiritual de Israel.
– Tanto assim é que muitos estudiosos identificam o próprio Elias como a continuidade de um ministério iniciado pelos filhos de Levi, que demonstraram zelo pelo Senhor no meio de Israel, quando do episódio do bezerro de ouro (Ex.32:26-29), o que resultou no fato de Levi ter sido escolhido para o sacerdócio, bem assim de Fineias, o neto de Arão, o terceiro sumo sacerdote, quando do episódio de Baal-Peor (Nm.25:5-13), o que confirmou o sacerdócio na casa de Arão.
– O fato de Elias não ter morrido, mas ter sido levado para os céus mediante trasladação foi mais um fator que indicou que o seu ministério não estava encerrado, mas deveria ter continuidade. Após o retorno do cativeiro, então, tal indicação se consolidou ainda mais, pois o profeta Malaquias, o último profeta literário do Antigo Testamento, foi usado por Deus para indicar a continuidade deste ministério.
– Em Ml.3:1, o profeta vaticina que enviará o “Seu anjo, que preparará o caminho diante de Mim”, sendo que, em Ml.4:5,6, é dito que o Senhor enviará “o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor, e converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição”, palavras com que se encerra o Antigo Testamento.
– Pois bem, ante esta declaração do profeta, os judeus passaram a esperar a vinda de Elias antes da vinda do Messias. O profeta foi enfático ao afirmar que, antes que viesse o Senhor, antes que viesse o Messias, viria “o anjo do concerto”, ou seja, “o mensageiro da aliança”. Ora, quem havia levado a Israel a mensagem da necessidade de se honrar a aliança firmada com Deus no Sinai, quem tinha ido ao Sinai para ser devidamente avisado de que deveria prosseguir seu ministério para a restauração espiritual de Israel, necessária para a vinda do Messias? O profeta Elias!
– Por isso, em virtude de não ter morrido e das profecias dadas por Malaquias, cedo os judeus passaram a aguardar a vinda de Elias como um evento necessariamente anterior à vinda do Messias. Era algo considerado líquido e certo, tanto pelos escribas e sacerdotes, doutores da lei que eram, como pelo próprio povo, como podemos observar nas páginas do Novo Testamento, pois desta certeza compartilhavam tanto os doutores da lei quanto os próprios discípulos do Senhor Jesus (Mt.17:10; Mc.9:11).
– É neste contexto, aliás, que se entende porque perguntaram a João Batista se ele era Elias (Jo.1:21), bem como terem alguns achado que o Senhor Jesus era Elias (Mt.16:14; Mc.8:28; Lc.9:19).
– A tradição judaica, ainda, diante das profecias a respeito de Elias e do fato de o profeta não ter morrido, desenvolveu toda uma série de lendas e ideias a respeito do profeta. Assim, por exemplo, em toda circuncisão, é posta uma cadeira, que é “reservada a Elias”, pois, sendo ele o “anjo do concerto”, é crido que serve como testemunha de toda cerimônia de circuncisão, como testemunha de mais uma pessoa que passa a integrar o povo de Israel. Segundo tal tradição, isto seria como uma demonstração ao profeta de que, ao contrário do que dissera quando do episódio de sua depressão, Deus sempre reserva um remanescente fiel no meio de Seu povo.
– Outra tradição judaica criada por causa deste papel do profeta Elias é a existente na refeição da cerimônia da Páscoa, o chamado “sêder”. Ali, sempre é posta na mesa uma taça de vinho que é “reservada para Elias”, pois, ante a discussão entre os rabinos se são necessárias quatro ou cinco taças de vinho na cerimônia, entendeu-se que se deve deixar a quinta taça “até a chegada de Elias”, prometida como algo que virá antes da vinda do Messias, para a elucidação da questão.
– Entre os judeus, também, em algumas de suas orações, notadamente a “Havdalah”, que encerra o sábado e a “Birkat HaMazon”, que é a bênção proferida após as refeições, há menção à “vinda de Elias”, que é esperada antes da volta do Messias.
– Como se pode perceber, portanto, a imagem de Elias está vinculada entre os judeus à “restauração de todas as coisas”, à vinda do Messias, sendo pois este o papel representado por Elias no imaginário de Israel, sua figura está vinculada à própria restauração espiritual, ao próprio final da lei, à própria instauração do “novo concerto” vaticinado pelo profeta Jeremias (Jr.32:37-40).
OBS: Os muçulmanos consideram Elias (Yasin, em árabe) como profeta, um dos “justos” ou “íntegros” que, ao lado de Jesus, seriam os “pregadores da verdade” (Elias, Zacarias – o pai de João Batista, João Batista e o próprio Jesus) (6:85), que tiveram vidas solitárias e dedicadas a impedir a perdição de Israel, mas que foram rejeitados pelo povo. Segundo os místicos islâmicos, Elias e um outro profeta, chamado Kidr, anualmente se encontrariam em Jerusalém para continuar a peregrinação para Meca, imagem esta que reforça o papel de Elias como alguém zeloso pela observância da piedade. Elias é chamado no Alcorão como um dos “servos crentes” de Alá (37:130-132)
– Elias era, portanto (e ainda o é) ansiosamente aguardado pelo povo judeu, que o esperava como precursor do Messias. Era esta a esperança que acompanhava o povo de Israel nos dias de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
II – A TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS CRISTO
– Visto o que representa a figura de Elias em Israel não só nos dias de Jesus Cristo mas até na atualidade, vamos, então, analisar o episódio da transfiguração do Senhor Jesus, para, então, analisarmos o significado da aparição de Elias neste sublime momento do ministério terreno do Senhor.
– A transfiguração é mencionada nos três evangelhos sinóticos (Mt.17:1-8; Mc.9:2-8; Lc.9:28-26), a
demonstrar, portanto, a sua importância no ministério terreno de Jesus e para o Evangelho como um todo. É um momento em que o Senhor Jesus mostra toda a Sua divindade para os três discípulos mais íntimos, Pedro, Tiago e João, uma das passagens escriturísticas que demonstram, cabalmente, a divindade do Senhor Jesus.
– Quando vemos as três narrativas da transfiguração que, como em todos os episódios a envolver o ministério terreno de Cristo Jesus, são complementares entre si, notamos que a transfiguração se deu num instante em que o Senhor Jesus tem Seu papel prontamente revelado aos discípulos por obra do Pai.
– Com efeito, o episódio da transfiguração ocorreu seis dias depois que Pedro havia confessado que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus vivo, a conhecida “confissão de Cesareia” (Mt.16:16), algo que obtivera por direta revelação do Pai (Mt.16:17), ocasião em que, pela vez primeira, o Senhor Jesus revelou aos discípulos a necessidade que havia de Ele morrer pelos pecadores (Mt.16:21), bem como dos próprios discípulos Seus terem de tomar a sua cruz para segui-l’O (Mt.16:24-28).
– Esta correlação entre a confissão de Cesareia e a necessidade da morte de Jesus para o perdão dos pecados fica ainda mais evidenciada no evangelho segundo Marcos, que faz questão, também, de indicar o período de “seis dias depois” (Mc.9:2), algo que é raríssimo em seu escrito.
– Lucas, por sua vez, também reafirma a conexão entre um episódio e outro, dando um prazo de “quase oito dias depois” entre um evento e outro (Lc.9:28).
– A transfiguração de Jesus, portanto, está relacionada com a revelação do Senhor como o Cristo para os Seus discípulos, uma revelação completa e não apenas parcial. Assim, é absolutamente necessário, para se cumprir o ministério messiânico, que o Messias seja visto não apenas como o Rei, o Filho de Davi, mas também como o Servo Sofredor, Aquele que teria de padecer para expiar o pecado do mundo antes que venha reinar sobre Israel.
– O Senhor Jesus precisava mostrar aos Seus discípulos que o Seu reino não era deste mundo (Jo.18:36), que não se poderia aguardar um Messias que tivesse por finalidade tão somente trazer independência política a Israel e reerguer o trono de Davi, mas, sim, que o papel do Cristo era muito mais sublime, tinha a ver com a própria restauração espiritual da humanidade, com o retorno à comunhão com Deus.
– Por que chamou apenas estes três discípulos? Eram eles os discípulos mais íntimos do Senhor, que, não só desta vez, mas em outras oportunidades, tratou com eles de modo mais profundo do que em relação aos demais. Ademais, a estes três discípulos estavam reservadas tarefas especiais; Tiago seria o primeiro a ser martirizado; Pedro, aquele que deveria abrir a porta do Evangelho tanto a judeus quanto a gentios; João, aquele a quem seria revelado o Apocalipse, o que morreria por último entre os apóstolos.
– Como se não bastasse isso, Pedro havia sido o que o Pai escolhera para revelar que Jesus era o Cristo, o Filho do Deus vivo, mas que não admitira a ideia da morte e ressurreição do Senhor (Mt.16:22,23), enquanto que Tiago e João eram os discípulos mais influenciados pela figura de Elias (Lc.9:54) e que compartilhavam de uma visão completamente terrena do reino de Deus (Mt.20:21; Mc.10:37).
– Por isso, chamou à parte aqueles três discípulos e subiu com eles um monte. As Escrituras não dizem que monte era este, sendo que a tradição indica que teria sido o monte Tabor, “…uma colina de certa proeminência, localizada cerca de 16 km a sudoeste do mar da Galileia, no vale de Jezreel. Chega a 562 m de altitude acima do nível do mar…” (CHAMPLIN, R.N. Monte Tabor. In: Dicionário de Bíblia, Filosofia e Teologia, v.4, p.353). Sua proximidade com Cesareia, onde se deu a confissão de Pedro, indicaria que seria este o lugar para onde os discípulos teriam ido num espaço de apenas seis dias.
– O fato de Jesus ter escolhido subir a um monte para se transfigurar não deve ser fator de surpresa nem muito menos uma demonstração de que “o monte é um lugar mais santo”, como, lamentavelmente, muitos estão a defender em nossos dias, onde há verdadeira “idolatria do monte”, algo que deve ser evitado pelos genuínos e autênticos servos de Deus, que O adoram em espírito e em verdade e não dependem de montes para adorar (cf. Jo.4:21-24).
– Jesus queria um local retirado para Se manifestar em glória e, nos Seus dias, tais lugares eram,
geralmente, os montes. Por isso, vemos o Senhor Jesus sempre Se retirando para um monte quando queria um local isolado e privado para poder Se comunicar com o Pai. Foi, aliás, este o ensino que nos deixou com relação à oração, mandando-nos sempre estar um local onde pudéssemos desfrutar de um momento de intimidade com Ele em oração (Mt.6:6).
OBS: “…Se agora nos interrogarmos acerca da interpretação a dar então imediatamente aparece o simbolismo geral do monte como pano de fundo: o monte como lugar da subida — não apenas da subida exterior, mas também da interior. O monte como libertação do peso de cada dia,
como respiração do ar puro da criação; o monte que oferece o panorama para a vastidão e para a beleza da criação; o monte que me dá elevação interior e me permite pressentir o Criador.…” (BENTO XVI. Jesus de Nazaré, primeira parte: do batismo à transfiguração, p.263).
– Uma vez no monte, na companhia destes três discípulos, o Senhor se transfigurou diante deles, enquanto orava (Lc.9:28). A expressão traduzida por “transfigurou-se” é a palavra grega “metemorfote”
(μετεμορφώθη), que nos lembra a palavra “metamorfose”, que é “uma mudança de forma”, uma
“transformação”, não uma mudança de essência. Jesus, então, mostrou quem Ele era, não Se tornou em
outrem. Apenas modificou a Sua forma, para mostrar toda a Sua glória aos discípulos mais íntimos.
– É interessante notar que o apóstolo Paulo bem nos explica esta circunstância, ao dizer que Jesus era “em forma de Deus” (Fp.2:6), aniquilando-Se a Si mesmo e tomando “a forma de servo, fazendo-Se semelhante aos homens” (Fp.2:7). Assim, na transfiguração, o Senhor Se despiu desta “forma humana” e Se mostrou em Sua “forma de Deus” a Pedro, Tiago e João.
– Na transfiguração, Jesus mostrou que Ele era a luz dos homens (Jo.1:4), a luz do mundo (Jo.8:12;
12:46), o Sol da justiça (Ml.4:2), tanto que Seu rosto passou a resplandecer como o sol e os Seus vestidos se tornaram brancos como a luz, como a neve, numa brancura sem igual que nenhum lavandeiro da terra os poderia branquear (Mt.17:2; Mc.9:3; Lc.9:29).
– “…A transfiguração é um acontecimento da oração; torna-se claro o que acontece o que acontece no
diálogo de Jesus com o Pai; a mais íntima penetração do Seu ser com Deus, que se torna pura luz. Na Sua unidade de ser com o Pai, o próprio Jesus é luz de luz. O que Ele é no Seu mais íntimo, e o que Pedro tentou dizer na sua confissão, torna-se sensivelmente perceptível nesse momento: o ser de Jesus na luz de Deus, a luminosidade própria da Sua condição de ser Filho.…” (BENTO XVI. Jesus de Nazaré, primeira parte: do batismo à transfiguração, p.264).
– A transfiguração de Jesus mostra que Ele é Deus, pois a glória adveio do Seu próprio interior. “… As
informações que temos indicam que a luz não brilhou sobre Jesus, como se viesse de uma fonte luminosa exterior, mas veio principalmente de dentro d’Ele.…” (CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, com. Mt.17:2, v.1, p.452). O espetáculo é ainda mais sublime quando se entende que o episódio se deu durante a noite, pois era costume do Senhor Jesus orar à noite (cfr. Lc.6:12; 22:39; Mt.14:23,24).
– “…Aqui se torna evidente a relação e a diferença a respeito da figura de Moisés: ‘Enquanto Moisés descia do monte, ele não sabia que a pele do seu rosto irradiava luz, porque ele tinha falado com o Senhor’ (Ex.34:29-35). Por meio do diálogo com Deus, a luz de Deus brilha sobre ele e o torna também brilhante. Mas é, por assim dizer, um brilho que vem de fora sobre Moisés, que faz que ele também brilhe. Porém Jesus brilha a partir do interior, Ele não só recebe a luz, Ele mesmo é luz da luz.…” (BENTO XVI, ibid.).
– Jesus mostra aos discípulos, portanto, que Ele não é um simples homem, mas o Cristo, o Filho de Deus vivo que havia sido confessado por Pedro, mediante revelação do Pai. Ao mostrar a Sua divindade, a Sua glória, o Senhor Jesus mostra aos discípulos que vinha, sim, estabelecer um reino, um reino glorioso, não apenas um reino terrestre, como era a esperança da maior parte dos judeus, inclusive dos discípulos.
– É neste instante que aparecem dois varões que começam a falar com o Senhor Jesus, varões estes que são identificados como Elias e como Moisés (Mt.17:3; Mc.9:4; Lc.9:30). “…Tem havido muita discussão sobre como os discípulos reconheceram os personagens como Moisés e Elias. Naturalmente que a visão incluiu o reconhecimento desses personagens(…). A experiência mística, especialmente do tipo acompanhado por alguma visão, traz consigomesma a sua interpretação, o sentido e as razões da visão…” (CHAMPLIN, Russell Norman. op.cit., com. Mt.17:3, p.453).
– “…o Senhor aparece em glória e Moisés e Elias com Ele. Um, o legislador dos judeus; e o outro, igualmente distinto, o profeta que procurou reconduzir as dez tribos apóstatas do culto de Jehovah, e que, desesperando do povo, voltou para Horeb, de onde a lei tinha saído, e foi em seguida levado para o Céu, sem passar pela morte.
Estes dois personagens eminentes por excelência nas relações de Deus com Israel, um fundador, o outro restaurador do povo segundo a lei, estes dois homens aparecem com Jesus.…” (DARBY, John Nelson. Estudos sobre a Palavra de Deus: Mateus-Marcos, pp.124-5).
– A aparição de Moisés e de Elias traz-nos muitas lições. A primeira é que, tendo Jesus Se transfigurado,
aparecido em toda a Sua deidade, apresenta-se como Deus e, portanto, pode, nesta condição, entrar em contato com quem já passou para o mundo da eternidade, “in casu”, com Moisés, que morreu e foi sepultado, e com Elias, que nunca morreu mas foi trasladado para o além. Enquanto homem, Jesus jamais poderia entrar em contato com o além, mas, enquanto Deus, Ele é sempre Deus de vivos e não, de mortos (Mc.12:27). Observemos, aliás, que somente Jesus conversou com Moisés e Elias, não os discípulos. Assim, não é possível a comunicação entre vivos e mortos, como defendem os espíritas e até os católicos romanos.
– A segunda lição que a aparição de Moisés e de Elias nos dá é a de que “a lei e os profetas”, representados por ambos, encerra-se com a missão de Cristo, ou seja, a lei é integralmente cumprida por Cristo, não tendo, pois, mais qualquer vigência depois da morte de Jesus, exatamente o tema da conversa entre Jesus, Moisés e Elias (Lc.9:31). Confirma-se aqui o que o próprio Jesus anuncia no sermão do monte (Mt.5:17) e que será alvo de pormenorizado ensino pelo apóstolo Paulo em diversas passagens, mas, particularmente, na epístola aos gálatas (Gl.3), como também pelo escritor aos hebreus.
– Jesus é a confluência da lei e dos profetas, como o próprio Senhor mostrará aos discípulos no caminho de Emaús, após a Sua ressurreição (Lc.24:25-27). Por isso, a glória que d’Ele se manifesta faz com que surjam ao Seu lado os dois “campeões da lei”, Moisés, aquele que foi escolhido para ser o medianeiro da lei ao povo e Elias, aquele que zelou de forma singular para que o povo retornasse à observância da lei pelo povo. Jesus era revelado pela lei, a lei nos conduz a Ele (Gl.3:24).
OBS: “…O que o Ressuscitado explicará aos discípulos no caminho para Emaús aparece aqui claramente. A lei e os profetas falam com Jesus, falam de Jesus.…” (BENTO XVI. op.cit., p.265).
– A terceira lição que a aparição de Moisés e de Elias nos dá é a de que aos homens fiéis a Deus nesta vida está reservada a glória de Deus. É dito que Moisés e Elias apareceram com glória (Lc.9:31). Assim, se a glória exsurge do próprio interior de Jesus, ela foi transferida a Moisés e a Elias.
– Quem olhasse para a vida de Moisés, certamente notaria haver nela uma grande frustração: o grande líder não pôde entrar na Terra Prometida. Entretanto, quando ele aparece com glória no monte, verifica-se que o fato de não ter entrado em Canaã (o que agora ocorria) não era nada diante da glória de que gozava por ter sido fiel ao Senhor.
– Quem olhasse para a vida de Elias, certamente notaria haver nela também uma grande frustração: o profeta não tinha visto a derrocada da casa de Acabe e a erradicação do culto a Baal de Israel. Entretanto, quando ele aparece com glória no monte, verifica-se que o fato de não ter visto a idolatria erradicada de Israel (o que agora podia vislumbrar nesta aparição) não era nada diante da glória de que gozava por ter sido fiel ao Senhor.~
– De igual maneira, nós, que temos servido fielmente ao Senhor, podemos estar certos que as aflições do tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada se perseverarmos até o fim (Rm.8:18). Aleluia!
– A quarta lição que a aparição de Moisés e de Elias nos dá é a de que a glória de Deus somente se efetiva na vida do homem por causa da morte e ressurreição de Jesus. O cumprimento da lei, a sua superação exige o sacrifício de Jesus na cruz do Calvário pelos pecadores. O assunto da conversa entre Moisés e Elias era a morte e ressurreição de Jesus, que devia se cumprir em Jerusalém (Lc.9:31).
– Aqui é oportuno observar que a palavra que a Versão Almeida Revista e Corrigida traduz por “morte” é a palavra grega “exodon” (έξοδον), ou seja, “êxodo”, como traduz a Bíblia de Jerusalém, ou “partida”, como traduzem a Nova Versão Internacional ou a Versão Almeida Revista e Atualizada.
– A “partida” de Jesus, Seu “êxodo” representavam, naturalmente, a Sua paixão e morte, bem como a Sua ressurreição, como o Senhor Jesus havia revelado aos discípulos após a confissão de Pedro (Mt.16:21; Mc.8:31; Lc.9:22).
OBS: “…O tema de Seu diálogo é a cruz, mas entendida de um modo envolvente como o êxodo de Jesus, cujo lugar devia ser Jerusalém. A cruz de Jesus é êxodo: partida desta vida, passagem através do ‘mar vermelho’ da paixão e ida para a glória, na qual permanecem os sinais das chagas.
Deste modo, mostra-se claramente que o tema fundamental da lei e dos profetas é ‘a esperança de Israel’, o definitivo êxodo libertador; que o conteúdo desta esperança é o Filho do homem sofredor e servo de Deus, o qual sofrendo abre as portas para a liberdade e para a novidade. Moisés e Elias são eles mesmos figuras e testemunhas da paixão. Eles falam com o Transfigurado sobre aquilo que eles disseram na terra, sobre a paixão de Jesus. Mas, à medida que falam com o Transfigurado, torna-se claro que esta paixão traz redenção; que Ele foi penetrado pela glória de Deus; que a paixão será mudada em luz, em liberdade e alegria…” (BENTO XVI. op.cit., p.265).
– Para que houvesse o cumprimento da lei e dos profetas, para que se pudesse restaurar espiritualmente não só Israel mas toda a humanidade, era absolutamente indispensável que Jesus sofresse, morresse e ressuscitasse ao terceiro dia, sem o que não poderia ser tirado o pecado do mundo. O Messias era, necessariamente, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, como havia anunciado João Batista ao apresentá-l’O solenemente para o povo (Jo.1:29).
– Jesus mostrava toda a Sua glória àqueles três discípulos para que eles pudessem compreender que a
glorificação exigia o sacrifício de Cristo no Calvário e que toda a lei e os profetas anunciavam esta verdade
que era de difícil entendimento por parte dos discípulos, muito envolvidos que estavam apenas com uma ideia de restauração do reino davídico, de uma dimensão puramente terrena do ministério messiânico.
– É, assim, elucidativo que os dois “campeões da lei” que tenham surgido tenham sido pessoas que não davam valor algum ao poder político, que não se notabilizaram no serviço a Deus pela realeza. Não foi Davi quem surgiu no monte, mas, sim, Moisés, que, embora tenha liderado o povo, jamais se arrogou a condição de rei, antes, pelo contrário, havia renunciado a pretensões dinásticas por ser filho da filha de Faraó para ficar do lado do povo de Israel, bem como Elias, um profeta que contestara veementemente a dinastia reinante e que nem sequer participou pessoalmente sequer da unção da dinastia sucessora.
– “…Ele transfigurou-Se! Apareceu na Sua glória e os discípulos veem-n’O! Mas Moisés e Elias partilham
com Ele dessa glória, porque os santos do Antigo Testamento têm em Cristo, e pela Sua morte, uma parte na glória do Reino. Moisés e Elias conversam com Ele acerca de Sua morte (verso 31) [Lc.9:31]. No tempo deles, tinham falado de outras coisas. Tinham estabelecido a lei ou atuado para a ela conduzirem o povo, a fim de introduzirem a bênção. Mas agora, tratando-se de uma nova glória, tudo depende da morte de Cristo — e só dela. Tudo o mais ficou eclipsado…” (DARBY, John Nelson. Estudos sobre a Palavra de Deus: Lucas-João, p.74).
– Ao terem aquela visão gloriosa, evidentemente que os três discípulos, nem poderia ser diferente, ficaram como que paralisados, sem ação, visto que estavam a contemplar a glória de Deus. Lucas, que é mais minudente, diz que os discípulos ficaram como carregados de sono e, quando despertaram, viram a glória de Cristo e dois varões que com Ele conversaram (Lc.9:32), a sugerir, portanto, que, durante a oração de Jesus, os discípulos haviam dormido.
– Pedro, entretanto, impulsivo como era, não tardou em cessar aquele silêncio dos discípulos e, se dirigindo a Jesus (como homem, só a Jesus poderia Pedro se dirigir, pois era o único vivo que não pertencia ao além que ali estava), afirmou que era bom estarem ali e que, se o Senhor quisesse, poderia fazer três tendas, uma para o Senhor, outra para Moisés e outra, para Elias (Mt.17:4; Mc.9:5; Lc.9:33). É importante vermos que, em a narrativa de Lucas, Pedro só se dirige ao Senhor depois que Moisés e Elias se apartam do Mestre (Lc.9:33).
– Esta expressão de Pedro é vista, nos Evangelhos, como prova tanto de sua ignorância espiritual quanto do assombro que os tomara diante de tão gloriosa visão: ele não sabia o que dizia (Mc.9:6; Lc.9:33). O assombro não necessita de qualquer explicação, pois evidente.
– Mas por que se estava diante de uma demonstração de ignorância espiritual? Diz John Nelson Darby que Pedro, “…surpreendido com esta aparição, alegre por ser o seu Mestre associado com estes pilares do sistema judaico, com servos de Deus e tão eminentes, ignorando a glória do Filho do homem e esquecendo a revelação da glória da Sua Pessoa como Filho de Deus (…) deseja (…) colocar Jesus, Moisés e Elias ao mesmo nível, como oráculos…”(Estudos sobre a Palavra de Deus: Mateus-Marcos, p.125). “…Pedro não vê senão a introdução de Cristo numa glória igual à de Moisés e de Elias, ligando esta, no seu espírito, à que cada um deles era para os judeus — e a ela associando Jesus…” (DARBY, John Nelson. Estudos sobre a Palavra de Deus: Lucas-João, p.74). É o mesmo erro cometido pelos muçulmanos que, no seu Corão, põem Jesus ao mesmo nível de Elias.
OBS: Eis o trecho mencionado do Corão: “ E a Zacarias e a Yahia, João Batista, e a Jesus e a Elias — todos eram dos íntegros” (6:85) (Tradução do sentido do Alcorão para a língua portuguesa) (destaque original).
– Alguns estudiosos entendem que a confissão de Pedro teve lugar no dia da expiação e que, portanto, a transfiguração tenha se dado já durante a festa dos tabernáculos, mais precisamente no último dia da festa, chamado de “Hoshana Rabah” (i.e., a Grande Hosana), o denominado “grande dia da festa” (Jo.7:37), o que explica a expressão de Pedro no sentido de se construírem três tendas, como se fazia por ocasião daquela festividade.
– A Festa dos Tabernáculos ou Festa das Cabanas (em hebraico, “Sucot”) tinha a finalidade de fazerem os israelitas recordarem que haviam habitado em cabanas quando o Senhor os tirou da terra do Egito (Lv.23:43). Como afirma Nathan Ausubel, o último dia da festa, o Grande Hosana, era chamado pelos sábios judaicos de “… ‘o Dia do Ramo de Salgueiro’, pois era nesse dia que, com ramos de salgueiros nas mãos, os sacerdotes do Templo faziam sete vezes a volta aos altar em solene cortejo. Durante a Segunda Comunidade, o rito passou a associar-se com a promessa messiânica da redenção(…). Na sinagoga, naquela manhã, depois que se fazem os sete círculos (hakafot…), com os lulavim [palmeiras, observação nossa] nas mãos, cada fiel bate vigorosamente com seus ramos de salgueiro na bimah (a plataforma elevada na sinagoga) até despojá-los de todas as folhas, enquanto a congregação entoa o hino ‘Uma Voz Traz Boas Notícias’. Esse hino proclama triunfalmente a promessa da vinda do Messias e do estabelecimento do Reino justo de Deus na terra.…” (Sucot. In: A JUDAICA, v.6, pp.840-1) (destaque original).
– Bem se percebe, portanto, que Pedro, na sua expressão, associara o Senhor Jesus com Moisés e Elias,
entendendo que estava para vir o estabelecimento do Reino, daí porque teriam vindo aqueles que, em sua vida, tiveram frustradas as suas expectativas, para serem assistentes privilegiados deste “grande dia”. No entanto, Pedro ainda tinha uma dimensão terrena do reino, persistia em sua inadmissibilidade a respeito da morte e ressurreição de Cristo, o assunto tratado por Moisés e Elias no seu diálogo com o Senhor transfigurado.
– A realidade do reino de Deus exige de nós esta transcendência, este vislumbrar além do terreno, além do puramente material. É necessário que vejamos o reino de Deus e, para isto, é absolutamente necessário que nasçamos de novo (Jo.3:3), que estejamos além da lei, que vislumbremos a graça, que sejamos iluminados em nossa cegueira espiritual pela luz do Evangelho da glória de Cristo (II Co.4:4), uma glória que nasça do nosso interior e, portanto, seja permanente e não uma glória transitória, como a que tomou conta do rosto de Moisés (II Co.3:13).
– Para que Pedro não ficasse em seu equívoco, a Bíblia diz que, estando ele ainda a falar, uma nuvem luminosa os cobriu. “…Mas a glória de Deus manifesta-se; isto é, o sinal conhecido em Israel como morada (Shechinah) dessa glória; e a voz do Pai é ouvida. A graça pode colocar os Moisés e os Elias na mesma glória que o Filho de Deus e associá-los com Ele; mas se a estultícia do homem, na sua ignorância, pretende pô-los juntos, como tendo neles mesmos uma autoridade igual sobre o coração do fiel, o Pai tem de reivindicar imediatamente os direitos de Seu Filho. Nem um só instante se passa antes de a voz do Pai proclamar a glória da Pessoa de Seu Filho, a Sua relação com Ele mesmo, proclamando que Ele é o objeto de toda a Sua afeição, que encontra n’Ele todo o Seu prazer. É a Ele que os discípulos devem escutar. Moisés e Elias têm desaparecido. Cristo está ali só, como Aquele que deve ser glorificado, Aquele que deve ensinar aqueles que escutavam a voz do Pai. O próprio Pai o distingue, O apresenta à atenção dos discípulos, não como sendo digno do amor deles, mas como objeto das Suas próprias delícias. Em Jesus Ele se comprazia. Assim os afetos do Pai são-nos apresentados como regra para os nossos, oferecendo-lhes um objeto comum. Que posição para pobres criaturas como nós! Que graça!…” (DARBY, John Nelson. Estudos sobre a Palavra de Deus: Mateus-Marcos, p.125).
– “…A nuvem sagrada, a shekhina, é o sinal da presença do próprio Deus. A nuvem sobre a tenda da revelação mostrava a presença de Deus. Jesus é a tenda sagrada, sobre a qual está a nuvem da presença de Deus e a partir daí ‘cobre os outros com a Sua sombra’. Repete-se a cena do batismo de Jesus, no qual o próprio Pai, a partir do interior da nuvem, proclamou Jesus como Filho:’ Tu és o Meu Filho muito amado. Em Ti pus a Minha complacência (Mc.1:11). Mas a esta solene proclamação da filiação acrescenta-se agora o imperativo: ‘A Ele deveis escutar’. Aqui se torna evidente a relação com a subida de Moisés no Sinai(…). Moisés tinha recebido sobre o monte a Tora, a Palavra de Deus. Agora nos é dito acerca de Jesus: ‘Deveis escutá-l’O’ (…). Jesus é a Tora mesma(.…). A aparição está assim terminada, o seu sentido mais profundo está resumido nesta palavra. Os discípulos devem descer outra vez com Jesus e aprender sempre:é a Ele que deveis escutar.…” (BENTO XVI. op.cit., p.269) (destaques originais).
– “…’E a voz, fazendo-se ouvir, Jesus ficou só’ (versos 30-36). A glória do Reino celeste e a morte de Jesus são imediatamente colocadas em estreita relação.(…). Os discípulos devem escutá-l’O, a Ele só. A relação de Moisés e de Elias com Jesus na glória dependia da rejeição do testemunho deles pelo povo ao qual eles se tinham dirigido no seu tempo.(…). A nuvem onde o Eterno habitava em Israel, Jesus introduzi ali os discípulos, como testemunhas. Moisés e Elias desaparecem. E tendo Jesus introduzido os Seus discípulos muito perto da glória, o Deus de Israel manifesta-Se como Pai, reconhecendo Jesus como sendo o Filho em quem Ele encontra as Suas delícias. Assim, tudo é mudado nas relações de Deus com o homem (…) os discípulos, embora ainda neste mundo, encontram-se já associados com a morada de glória de onde o próprio Jehovah tinha, desde sempre, protegido Israel. Jesus, o Filho de Deus, ali estava com eles. Que posição, que extraordinária mudança para eles! É, com efeito, a transformação em glória celeste do que havia de mais excelente ho judaísmo — a transformação que se operava nesse momento para tornar novas todas as coisas.…” (DARBY, John Nelson. Estudos sobre a Palavra de Deus: Lucas-João, pp.74-5).
– Podemos, pois, perceber, mediante estes textos selecionados que a aparição da nuvem e da voz do Pai mostrou aos discípulos, de forma claríssima, que Jesus era superior a Moisés e a Elias, que não deviam os discípulos se prenderem à lei e aos profetas, mas seguirem a Cristo, o cumprimento da lei e dos profetas, cumprimento este que exigia a Sua morte e ressurreição.
– Tal glória, entretanto, não poderia ser revelada a não ser após a morte e ressurreição de Cristo, quando, então, aquela cena poderia ser divulgada pelos discípulos, como demonstração de que, efetivamente, Jesus era o Cristo, o Rei, o Salvador da humanidade, coisa que o apóstolo Pedro cumpriu literalmente, não só sendo a fonte para os escritos dos Evangelhos, mas, em uma de suas cartas, quando recordou esta passagem, como comprovação de que ele havia contemplado a majestade do Senhor no monte santo (II Pe.1:16-18), quando teve o entendimento de que d’Ele falavam os profetas (II Pe.1:19-21).
III – O PAPEL DE ELIAS NA TRANSFIGURAÇÃO
– Pedro, Tiago e João haviam contemplado a glória de Cristo, haviam percebido a Sua deidade e a sua
supremacia em relação à lei e aos profetas. Não obstante, quando desceram do monte, ainda refletindo sobre a grandiosa experiência vivida, veio-lhes uma indagação: mas, se Jesus é o Messias, por que Elias não veio primeiro? Haviam visto Elias no monte, falando com o Senhor, mas por que Elias não tinha vindo antes?
– Temos aqui a comprovação de que estes três discípulos, assim como todo o povo judeu, aguardava
ansiosamente a vinda de Elias como o precursor do Messias, esperança que acompanha até hoje os judeus, já que rejeitaram a Cristo Jesus como o Messias.
– Como bons alunos, os discípulos haviam entendido que Jesus era o Messias, que a Ele deveriam ouvir com exclusivamente, que a lei e os profetas anunciavam-n’O, mas e as profecias de Malaquias a respeito de Elias? E as tradições surgidas a este respeito?
– O Senhor Jesus legitimou esta indagação dos discípulos, pois imediatamente após esta afirmação, passa a explicar-lhes a respeito. Isto nos serve, amados, de importante lição: quando não entendermos algum trecho da Escritura, alguma doutrina, algo que não conseguirmos elucidar, não há melhor intérprete das Escrituras do que o Senhor Jesus. Busquemos a Sua face e, certamente, quando, em oração e meditação nas Escrituras, buscarmos entendê-las, o Espírito Santo, que o Senhor Jesus nos mandou para nos ensinar, tratará de nos revelar a Sua Palavra.
– Por primeiro, o Senhor Jesus chancelou tudo quanto Malaquias falou a respeito de Elias. O Senhor disse que Elias tinha de vir primeiro, sim. Percebamos, amados, que a conduta do Senhor Jesus não foi
“contextualizar”, nem “reinterpretar” o que havia sido escrito. Não, não e não! O Senhor sempre atestou a autenticidade e a veracidade das Escrituras, a ponto de chamá-las de Verdade (Jo.17:17). Se queremos ser imitadores de Cristo, devemos, portanto, sempre crer nas Escrituras, jamais querer distorcê-las ou desprezá-las, como muitos têm feito em nossos dias.
– O Senhor Jesus foi claro ao apontar que, antes do Messias, tinha de vir Elias, que tinha a incumbência de “restaurar todas as coisas” (Mt.17:11; Mc.9:12). Notamos aqui que o ministério de Elias prosseguia com outras pessoas, a partir de Eliseu, sempre no papel de restauração espiritual, restauração esta, entretanto, que só poderia ser definitiva com o Messias, com Sua morte e ressurreição.
– É então que o Senhor Jesus explica aos discípulos que Elias já tinha vindo e que haviam feito com ele o
que quiseram, assim como fariam com o Filho do homem. E os discípulos, então, compreenderam que lhes havia falado de João Batista (Mt.17:13), pois, antes, o Senhor Jesus, ao falar de João Batista, já lhes havia ensinado que ele era o Elias que havia de vir (Mt.11:14).
– Alguém, ao ouvir estas palavras do Senhor Jesus, procura ver aí uma contradição bíblica, pois João Batista, ao ser confrontado com os sacerdotes e levitas provenientes de Jerusalém, indagado se era Elias, respondeu que não o era (Jo.1:21).
– No entanto, não há qualquer contradição. Os sacerdotes e levitas, ao indagarem João Batista se ele era Elias, estavam perguntando ao profeta se ele era a pessoa de Elias, pois, como se cuidava, Elias, que não havia morrido, voltaria à Terra para preparar o caminho do Messias. Ora, João Batista não era a pessoa de Elias, tratava-se de uma outra pessoa, de forma que não poderia, mesmo, responder afirmativamente a esta indagação dos sacerdotes e levitas.
– Isto, inclusive, é importante porque os espíritas, notadamente os espíritas kardecistas, defendem a tese de que João Batista era a reencarnação de Elias, tese esta também defendida pelos baha’i, que afirmam, inclusive, que Elias teria reencarnado novamente no profeta Bab (Siyyid Ali Muhammad Shirazi – 1819-1850), cujo movimento religioso deu origem, posteriormente, à Fé Baha’i.
– Entretanto, além de João Batista ter negado que fosse Elias, o que bastaria para afastar esta tese kardecista, é também importante verificar que existem, pelo menos, três outras razões para que não se possa conceber que João Batista seja Elias reencarnado, a saber: por primeiro, Elias simplesmente não morreu e, portanto, como a reencarnação exige a morte, não poderia haver reencarnação de Elias; por segundo, se a reencarnação leva a pessoa a um estágio melhor, por que João Batista, reencarnação de Elias, iria morrer se Elias não morreu?; por terceiro, se João Batista fosse Elias reencarnado, deveria aparecer João Batista e não Elias no monte da Transfiguração, pois, quando da transfiguração, João Batista já havia morrido.
– Quando do anúncio do nascimento de João Batista, o anjo Gabriel já confirma que o Elias que havia de vir era o próprio João, pois, em sua mensagem ao sacerdote Zacarias, pai do menino, disse que o menino ”…não beberá vinho nem bebida forte, será cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe, e converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor seu Deus, e irá adiante d’Ele no espírito e virtude de Elias, para converter os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à prudência dos justos com o fim de preparar ao Senhor um povo bem disposto” (Lc.1:15-17).
– Quando do nascimento de João Batista, seu pai, Zacarias, tomado pelo Espírito Santo, profetizou a respeito da natureza do ministério do profeta, dizendo, claramente, que João seria chamado “…profeta do Altíssimo, porque hás de ir ante a face do Senhor, a preparar os Seus caminhos, para dar ao Seu povo conhecimento da salvação, na remissão dos seus pecados, pelas entranhas de misericórdia do nosso Deus, com que o Oriente do alto nos visitou, para alumiar aos que estão assentados em trevas e sombra da morte, a fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz” (Lc.1:76-80)
– Não há, pois, dúvida alguma de que João Batista era o Elias que havia de vir, o precursor do Messias, sendo, portanto, não só a continuidade mas a própria complementação do ministério de Elias que, iniciando-se com o próprio profeta, teve continuidade com Eliseu e encontra, posteriormente, em João o seu ápice. OBS: “…Jesus confirma, por um lado, a expectativa do regresso de Elias, mas completa e corrige ao mesmo tempo a imagem que dele se fazia. Ele identifica em surdina Elias, que havia de voltar com João Batista: na ação de João Batista acontece o regresso de Elias.…” (BENTO XVI. op.cit., p.266).
– A presença de Elias no monte da Transfiguração serviu, portanto, como um elemento que elucidaria aos discípulos de Jesus a esperança existente na vinda de Elias como precursor do Messias.
– Elias aparece no monte da Transfiguração para demonstrar aos discípulos que o papel de todos os profetas, que se encerraram com João, que tinha vindo no espírito e virtude de Elias, era o de “preparar um povo bem disposto”, de anunciar a vinda do Messias, de preparar o povo para o arrependimento de pecados, para a conversão, para a observância da lei, a fim de que pudessem receber o Senhor.
– Elias surge no monte da Transfiguração como figura e tipo de todos os profetas (sim, até nesta aparição, Elias vê reconhecida a sua condição de um profeta, não exclusivo como pensara equivocadamente quando do episódio de sua depressão), que foram homens levantados por Deus para dar a Israel uma revelação progressiva até a chegada do Messias, a partir do qual não haveria mais profetas, visto que seria Ele, Cristo Jesus, o próprio Deus, a revelação completa do Senhor, a própria autorrevelação do Senhor (Hb.1:1).
– Elias, como diz o nosso comentarista, é, no monte da Transfiguração, um mero coadjuvante, uma
personagem secundária, visto que toda a proeminência está em Cristo Jesus. É esta a sua exata dimensão, precisamente por causa de seu gigantismo espiritual.
– A aparição de Elias no monte da Transfiguração serve-nos, portanto, de importante lição para que
ouçamos única e exclusivamente ao Senhor Jesus, não admitindo que qualquer “profeta”, “visionário” ou qualquer outra revelação seja aceita a partir da vinda do Senhor Jesus e de Sua revelação nas Escrituras Sagradas.
– Desta maneira, são completamente espúrias todas as demais “revelações” que advieram depois de Cristo Jesus, pois ninguém mais pode revelar algo de Deus além de Cristo, nem mesmo Elias que, no monte da Transfiguração, com seu diálogo com o Senhor, patenteeou que tudo quanto foi profetizado tinha como objetivo o Senhor Jesus, que, com Sua morte e ressurreição, pode nos fazer compartilhar da glória do Pai.
– Assim, não se pode crer no que diz a fé baha’i, pois Elias não reencarnaria para trazer novas revelações. Não se pode crer, também, nas revelações supostas que Elias trouxe a Joseph Smith, fundador do mormonismo, pois nada mais Elias teria a revelar após o ministério terreno de Jesus Cristo.
– Na sua última aparição, lá no monte da Transfiguração, Elias dialoga com o Senhor Jesus a respeito da morte e ressurreição do Senhor, pois é neste episódio, em Cristo, que tem lugar a verdadeira restauração, a definitiva restauração espiritual não só de Israel mas de todo o povo. O zelo de Elias é coroado com este diálogo, quando o profeta fica ciente de que a restauração que ele tanto queria finalmente se produziria com o sacrifício de Jesus na cruz do Calvário.
– Com esta aparição de Elias no monte da Transfiguração, nós também ficamos cientes de que, se formos fiéis ao Senhor, perseverantes e obedientes, mesmo apesar de todas as decepções e agruras desta vida, também podemos ter a certeza de que não só desfrutaremos da glória de Deus para todo o sempre, mas que, também, nosso trabalho não será em vão, como, aliás, nos faz ver o apóstolo Paulo em I Co.15:57,58, precisamente “o capítulo da ressurreição”, pois é a ressurreição de Cristo que dá sentido à nossa fé e ao nosso serviço. Será que temos aprendido esta lição?
Colaboração para o portal Escola Dominical – Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco