LIÇÃO Nº 10 – NÃO FURTARÁS
A propriedade dos bens terrenos deve ser entendida como uma concessão divina ao homem.
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INTRODUÇÃO
-Na sequência do estudo dos dez mandamentos, analisaremos hoje o oitavo mandamento – não furtarás.
– A propriedade dos bens terrenos deve ser entendida como uma concessão divina ao homem.
I – QUAL É O OITAVO MANDAMENTO
– Na sequência do estudo dos dez mandamentos, analisaremos hoje o oitavo mandamento – não furtarás.
– O oitavo mandamento encontra-se, de forma clara e objetiva, como sói ocorrer com os mandamentos da segunda tábua da lei, os chamados “preceitos horizontais”, que tratam do relacionamento com o próximo, em Ex.20:15 e Dt.5:19, a saber: “Não furtarás”.
– Lembramos que este mandamento, na “fórmula catequética” de Agostinho, adotada pela Igreja Romana e pelos luteranos, este é o “sétimo mandamento”, diante da omissão do segundo mandamento (“não farás para ti imagens de escultura”) existente na mencionada fórmula. Para os judeus, este também é o oitavo mandamento.
OBS: Flávio Josefo, em sua obra Antiguidades Judaicas, ao dar o significado das dez palavras, diz que o oitavo mandamento é “não se deve roubar” (Antiguidades Judaicas III,4. Trad. de Vicente Pedroso, v.1, p.69).
– Para os que consideram que há cinco mandamentos na primeira tábua e cinco mandamentos na segunda tábua, havendo, pois, uma correspondência entre os mandamentos, o oitavo mandamento faz correspondência com o terceiro mandamento, pois ambos ocupariam a terceira posição em sua respectiva tábua.
– “…”Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão” forma par com “Não furtarás”.
E quantas vezes nós falamos em nome de Deus, coisas que Deus nunca nos autorizou a dizer. Quantos assassinatos são cometidos “em nome de Deus”. Quantas guerras são travadas “em nome de Deus”. Roubam, furtam o nome do Senhor, em vão.
Usurpam falar em nome de Deus e causam sofrimento, discriminação, segregação e preconceito. Há muita violência religiosa no mundo, supostamente “em nome de Deus”, por que o homem rouba para si algo que pertence somente ao nome santo do Senhor.…” (Os dez mandamentos, ordenanças e os estatutos. Disponível em: http://www.rudecruz.com/estudos-biblicos/antigo-testamento/exodo/os-10– mandamentos-exodo-20.php Acesso em 22 dez. 2014) (destaques originais).
– A palavra hebraica original utilizada no mandamento é “tigenov” (תגנכ), do verbo “ganav”( גנכ) cujo significado é o de “furtar” ou “roubar”, ou seja “subtrair para si ou para outrem coisa alheia”.
No entanto, além do significado próprio de “furtar” ou “roubar”, esta palavra também é usada com o significado de “enganar”, “entrar às furtadelas”, “carregar, trazer em segredo”, sempre com a ideia de uso de falsidade, uso de engano, como salienta a Bíblia de Estudo Palavra Chave, em seu Dicionário do Antigo Testamento, no verbete nº 1589 (p.1583).
OBS: “…Ao considerarmos o uso da palavra hebraica ganav, traduzida por furtar, percebemos que o oitavo mandamento não proíbe apenas o furto. Na verdade, a expressão envolve muito mais do que apenas o furto e o roubo de objetos pessoais. O alvo mais comum do furto são objetos materiais, como a prata e o ouro (Gn 44.8), e animais, como bois, ovelhas etc (Ex 22.1).
Também se fala de dinheiro e outros objetos (Êx 22.7, 12). A primeira vez que a palavra ganav aparece no Antigo Testamento é no acordo entre Jacó e Labão sobre as ovelhas salpicadas e negras (Gn 30.33).
Mas além desse uso comum, o Antigo Testamento usa a expressão hebraica em vários outros contextos. Em Gênesis 31, o verbo ganav é usado várias vezes e com significados diferentes. Ao sair de casa, Raquel “furtou os ídolos do lar que pertenciam a seu pai” (Gn 31.19, 30, 31).
Esses objetos tinham valor não apenas pelo aspecto sagrado, mas representavam também a transmissão da herança. Ao tomar posse desses ídolos, Raquel estava praticamente garantindo o seu direito à herança.
Nos versículos 20, 26 e 27 deste capítulo, a palavra ganav é usada com outro sentido. A Edição Revista e Atualizada (RA) a traduz por lograr e a Bíblia na Linguagem de Hoje (BLH), por enganar. A expressão literal é “furtar o coração”.
O versículo diz: “E Jacó logrou a Labão [= furtou o coração de Labão], o arameu, não lhe dando a saber que fugia” (Gn 31.20). Portanto, furtar o coração é enganar. Este é também, sem dúvida, o sentido de furtar neste versículo: “Não furtareis [= não enganareis), nem mentireis, nem usareis de falsidade cada um com o seu próximo” (Lv 19.11).…” (LANE, William L. Não furtarás. Disponível em: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/267/nao-furtaras Acesso em 22 dez. 2014).
– Trata-se, portanto, de um mandamento que diz respeito à ideia tanto de propriedade quanto de verdade, que exige nos relacionamentos com o próximo a prática da chamada “justiça distributiva”, ou seja, da aplicação do princípio de que se deve dar a cada um o que é seu. João Calvino bem explicita: “…Propósito: uma vez que a injustiça é uma abominação a Deus, que se dê a cada um o que é seu.
Portanto, a síntese deste mandamento será que somos proibidos de cobiçar as coisas alheias e, consequentemente, se nos ordena fazer sincero esforço em conservar a cada um seus próprios bens.
Pois, deve-se assim refletir: que a cada um vem aquilo que possui, não por contingência fortuita, mas em virtude da dispensação do Supremo Senhor de todas as coisas. Portanto, não se pode, mediante maldosas artimanhas, defraudar as posses de quem quer que seja sem que se cometa violação da divina dispensação.…” (As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, v.2, pp.166-7) (destaques originais).
OBS: O Catecismo de Heidelberg (1563) bem sintetiza esta significação ampla do mandamento, “in verbis”: “110. O que Deus proíbe no oitavo mandamento?R. Deus não somente proíbe o furto (I Co.6:10) e o roubo (Lv.19:13) que as autoridades castigam, mas também classifica como roubo todos os maus propósitos e as práticas maliciosas, através dos quais tentamos nos apropriar dos bens do próximo (Lc.3:14; I Co.5:10) , seja por força, seja por aparência de direito, a saber: falsificação de peso, de medida, de mercadoria e de moeda (Dt.25:13-15; Pv.11:1; 16:11; Ez.45:9-12) , seja por juros exorbitantes ou por qualquer outro meio, proibido por Deus (Sl.15:5; Lc.6:35).
Também proíbe toda avareza (I Co.6:10) bem como todo abuso e desperdício de suas dádivas (Pv.21:20; 23:20,21) (Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/catecismos/catecismo_heidelberg.htm Acesso em 08 jan. 2015).
– Além da chamada “justiça distributiva”, este mandamento também diz respeito à denominada “justiça comutativa”. Como bem salienta o Catecismo da Igreja Romana, que, por sua biblicidade, aqui se reproduz:
“…A justiça comutativa obriga estritamente; exige a salvaguarda dos direitos de propriedade, o pagamento das dívidas e o cumprimento das obrigações livremente contraídas. Sem a justiça comutativa, nenhuma outra forma de justiça é possível.
Distingue-se a justiça comutativa da justiça legal, que se refere àquilo que o cidadão deve equitativamente à comunidade, e da justiça distributiva, que regula o que a comunidade deve aos cidadãos proporcionalmente às suas contribuições e às suas necessidades” (§ 2411 CIC).
– Tomás de Aquino mostra que a posição deste mandamento obedece a uma lógica relacionada com a própria hierarquia de valores estabelecidos por Deus ao homem. Diz o grande teólogo medieval:
“…O Senhor proibiu em Sua lei principalmente a ofensa ao próximo: primeiramente a ofensa à própria pessoa, quando diz: ‘Não matarás’; em segundo lugar, ao cônjuge, quando diz: ‘Não adulterarás’; em terceiro lugar, nas coisas, e aqui diz: ‘Não furtarás’…” (Os dez mandamentos. Trad. de Salvador Abascal. Cit.. de Ex.20:12-17. n. 162. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 22 dez. 2014).
OBS: “…Deus – depois de colocar as duas proibições: “Não matarás” e “Não cometerás adultério” como baluartes para defender nossa vida. nosso corpo. nossa honra e reputação – quis também guardar e proteger nossos bens de fortuna pelo preceito: “Não furtarás”. que lhes serve de proteção e segurança.…” (MARTINS, Leopoldo Pires. Catecismo Romano. III, 8, § 1º, pp.473-4).
– Notamos, portanto, que, já na própria ordem dos mandamentos, temos uma nítida demonstração de que as pessoas valem mais do que as coisas, tanto que o mandamento de não furtar, que diz respeito às coisas do próximo, vem depois do mandamento que proíbe matar, que diz respeito à própria pessoa do próximo e a seu bem maior, que é a vida, como também depois do mandamento de proíbe o adultério, e que tem a ver com a necessária comunhão que se deve ter à pessoa dquele que é o mais próximo de nós, que é o nosso cônjuge.
– A ética divina estabelecida nos dez mandamentos demonstra, assim, claramente, que a pessoa humana tem prevalência, tem de ter proeminência em relação às coisas, o já mencionado princípio da dignidade humana, visto que é o homem a imagem e semelhança de Deus e não as coisas que o ser humano venha a possuir.
Devemos valorizar as pessoas e usar as coisas, mas, infelizmente, no mundo em que vivemos, há uma completa inversão de valores, pois as coisas é que têm sido valorizadas, enquanto as pessoas, usadas. Fujamos de tal comportamento totalmente contrário à vontade de Deus, amados irmãos!
– Não é por outro motivo que o Catecismo Maior de Westminster diz que um dos deveres inerentes a este mandamento é “…a moderação de nossos juízos, vontades e afetos, em relação às riquezas deste mundo…” (resposta à pergunta 141. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/catecismos/catecismomaior_westminster.htm Acesso em 23 dez. 2014), ou seja, jamais poderemos pôr as coisas acima das pessoas em nossa escala de valores, sob pena de estarmos a transgredir este mandamento. OBS: Como bem salienta o Catecismo da Igreja Romana: “Em matéria econômica, o respeito à dignidade humana exige a prática da virtude da temperança, para moderar o apego aos bens deste mundo; da virtude da justiça, para preservar o direitos do próximo e lhe dar o que lhe é devido; e da solidariedade, segundo a regra áurea e segundo a liberalidade do Senhor, que “se fez pobre, embora fosse rico, para nos enriquecer com sua pobreza” “ (§ 2407 CIC).
– Mas, ainda que este mandamento se refira às coisas, nem por isso é ele irrelevante ou admite qualquer tolerância. Como afirma o Catecismo Romano: “…Prova suficiente de que o furto é uma grave desordem, temo-la nos postulados da pr6pria lei natural, pois o furto se opõe à justiça, que dá a cada um o que é seu.
Ora, se não quisermos a destruição da sociedade humana, é necessário manter-se em vigor a divisão e partilha dos bens, estabelecidas desde o inicio pela lei natural, e confirmadas pelas leis divinas e humanas, para que cada qual possa conservar a propriedade daquilo que por direito lhe pertence.…” (MARTINS, Leopoldo Pires. op.cit., III, 8, § 7º, p.475).
II – O OITAVO MANDAMENTO
– Os rabinos judeus entendem que a proibição de furtar já se encontrava prevista nos chamados “sete preceitos dos descendentes de Noé” que, conforme já temos visto em lições anteriores, teriam sido prescritos pela humanidade ainda no jardim do Éden, com complementação após o dilúvio, quando se estabeleceu o chamado “pacto noaico”.
– Assim, entendem os doutores da lei que, quando o Senhor proibiu que se comesse da árvore da ciência do bem e do mal e que o homem poderia comer livremente de todas as demais árvores do jardim (Gn.2:16,17), estava estabelecido o princípio de que somente se pode tomar para si um bem se houver autorização do seu dono.
Assim como o Senhor era dono de todas as árvores do jardim, pois Ele as havia criado, e somente depois de uma formal autorização de Deus pôde o homem delas usufruir, com a exceção da árvore da ciência do bem e do mal, ficou consignado que não podemos nos apossar de nada que não é nosso, a menos que o proprietário o autorize.
OBS: “…Rabi Johanan respondeu: o escrito diz: E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim comerás livremente [Gn.2:16] (…) De toda árvore do jardim – não de roubo…[Nota 9 – Desde que foi necessário autorizar Adão a comer das árvores do jardim, segue-se que, sem tal autorização, i.e, quando uma coisa pertence a outro, isto é proibido]” (TALMUDE DA BABILÔNIA. Sanhedrin 56b. Disponível em: http://www.come-and-hear.com/sanhedrin/sanhedrin_56.html Acesso em 22 dez. 2014) (tradução nossa de texto em inglês).
– Ainda segundo os intérpretes judeus da lei, o roubo também teria sido demonstrado abominável aos olhos do Senhor quando Este declarou a Noé que destruiria a humanidade por causa da “violência (Gn.6:13), o que incluiria, também, o roubo, de modo que, também por este motivo, era um dos preceitos a serem observados pelos descendentes de Noé sobre a face da Terra.
– Trata-se, portanto, de um preceito moral, válido em todas as circunstâncias, para todas as nações, em todos os tempos. Isto se verifica pela própria ênfase que o apóstolo Paulo dá a este mandamento, quando se dirigia aos gentios que haviam crido em Cristo Jesus, como se verifica de Ef.4:28, por exemplo.
– O mandamento proíbe o furto. Como afirma o Catecismo Romano: “…por furto não se entende apenas o tirar alguma coisa às ocultas, contra a vontade do dono. mas também o possuir alguma coisa alheia contra a vontade do dono, que disso tem conhecimento.
E ninguém creia que quem proíbe o furto. deixe de condenar da mesma forma os roubos que se praticam com afrontosa violência. O Apóstolo já dizia: “Os salteadores não possuirão o Reino de Deus” (I Co.6:10).…” (op.cit. III, 8, § 3º, p.474).
– Devemos aqui diferenciar “furto” de “roubo”. Furto é a simples subtração de coisa alheia, enquanto que o roubo é a subtração feita mediante grave ameaça ou violência à vítima. Mais uma vez mencionando o Catecismo Romano: “…O roubo é pecado mais grave do que o furto. Além de tirar o alheio. faz violência à pessoa. e causa-lhe maior humilhação.…” (op.cit. III, 8, § 3º, p.474).
– O mandamento proíbe a prática menos grave, o que, logicamente, abrange a grave, visto que, como diz o Catecismo Romano: “…não é de estranhar que pela Lei Divina, o objeto deste Preceito seja designado como furto, que é o termo mais brando e não como roubo. Nisso houve uma razão profunda.
Furto é um termo de maior extensão do que roubo. e aplica-se a maior número de casos. Fazer roubos só está ao alcance daqueles que se avantajam por maior força e poder. De mais a mais, ninguém desconhece que pela proibição das faltas mais leves. são implicitamente proibidas também as faltas mais graves da mesma espécie.…” (op.cit., III. 8, § 4º, pp. 474-5).
– Como afirma o Catecismo da Igreja Romana: “O sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente os bens do próximo ou lesá-lo, de qualquer modo, nos mesmos bens. Prescreve a justiça e a caridade na gestão dos bens terrestres e dos frutos do trabalho dos homens. Exige, em vista do bem comum, o respeito à destinação universal dos bens e ao direito de propriedade privada. A vida cristã procura ordenar para Deus e para a caridade fraterna os bens deste mundo” (§ 2401 CIC).
– Vemos, destarte, que este mandamento contém, por primeiro, uma cláusula proibitiva, ou seja, exige que não tomemos coisa alguma alheia para nós ou para outrem, entendido aqui não somente a subtração propriamente dita dos bens, mas, também, a retenção indevida daquilo que não nos pertence, pouco importando se o fazemos com uso de violência ou grave ameaça, de modo fraudulento, ou seja, mediante engano, ou, ainda, de forma oculta, disfarçada e bem discreta. Todas estas modalidades representam furto aos olhos do Senhor.
– Mas, há, também, uma cláusula positiva, afirmativa, que, por primeiro, nos obriga a devolver ou restituir aquilo que nos pertence. A propósito, Agostinho ensinava que o pecado não é perdoado enquanto não se restitui o que foi roubado.
OBS: A propósito, transcrevemos trecho do famoso sermão do maior orador sacro da língua portuguesa, o padre Antonio Vieira, chamado de “o sermão do bom ladrão”: “…sem restituição do alheio não pode haver salvação.
Assim o resolvem com Santo Tomás todos os teólogos, e assim está definido no capítulo Si res aliena, com palavras tiradas de Santo Agostinho, que são estas: Si res aliena propter quam peccatum est, reddi potest, et non redditur, poenitentia non agitur sed simulatur. Si autem veraciter agitur non remittitur peccatum, nisi restituatur ablatum, si, ut dixi, restitui potest. Quer dizer: Se o alheio, que se tomou ou retém, se pode restituir, e não se restitui, a penitência deste e dos outros pecados não é verdadeira penitência, senão simulada e fingida, porque se não perdoa o pecado sem se restituir o roubado, quando quem o roubou tem possibilidade de o restituir.…”
– O dever de restituição é consequência lógica da circunstância de que este mandamento nos manda seguir e praticar a chamada justiça comutativa. Assim afirma o Catecismo da Igreja Romana: “Em virtude da justiça comutativa, a reparação da injustiça cometida exige a restituição do bem furtado a seu proprietário…” (§ 2412 CIC).
– Este mandamento, também, obriga-nos, como diz o Catecismo Maior de Westminster, ao dever de seguirmos “…a verdade, a fidelidade e a justiça nos contratos e no comércio entre os homens, dando a cada um o que lhe é devido…” (resposta à pergunta 141. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/catecismos/catecismomaior_westminster.htm Acesso em 22 dez. 2014).
Em todos os nossos relacionamentos que envolvem bens materiais com o próximo, não podemos faltar com a verdade, devendo sempre fazer negócios dentro do que é justo e correto, jamais querendo prejudicar o outro, a fim de ter uma injusta vantagem, que representará a lesão patrimonial do próximo.
– Como afirma Calvino: “…obedeceremos devidamente ao mandamento: se, contentes com nossa sorte, diligenciarmos por não obter nenhum outro ganho, senão o honesto e legítimo; se não visarmos a enriquecer-nos com injustiça, nem nos propusermos a arruinar o próximo em seus haveres, para que nosso patrimônio cresça; se não pugnarmos por acumular riquezas brutais e espremidas do sangue de outros; se não amontoarmos imoderadamente, de toda parte, por meios lícitos e ilícitos, aquilo com que ou nos sacie a avareza ou satisfaça à prodigalidade.
Ao contrário, porém, seja-nos este o perpétuo escopo: até onde possível, mediante conselho e assistência, a todos ajudemos fielmente a conservarem o que é seu…” (op.cit., v.2, pp.167-8).
– A principiologia que dá origem a este mandamento é a de que o Senhor, por ser o Criador de todas as coisas, é o dono de tudo o que existe. Como afirma o salmista: “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam” (Sl.24:1).
OBS: Este pensamento é encontrado no Talmude, o segundo livro sagrado do judaísmo, no chamado “Tratado dos Pais” (“Pirke Avot”), em passagem que vale a pena transcrever: “Rabi Elazar de Bartota diz: Dá-Lhe o que já é d’Ele, porque tanto você quanto tudo que você tem, a Ele pertencem.
Também o Rei David dizia: ‘Porque tudo recebemos de Ti e de Tua mão é o que Te devolvemos’ (I Cr.29:14) (Pirke Avot 3:8 apud BUNIM, Irving M. A ética do Sinai, p.150).
– Sendo o dono de todas as coisas, “…No começo, Deus confiou a terra e seus recursos à administração comum da humanidade, para que cuidasse dela, a dominasse por seu trabalho e dela desfrutasse .
Os bens da criação são destinados a todo o gênero humano. A terra está, contudo, repartida entre os homens para garantir a segurança de sua vida, exposta à penúria e ameaçada pela violência.…(§ 2402 CIC).
– Com efeito, logo após a queda do primeiro casal, o Senhor impôs a necessidade do homem de trabalhar para a sua própria sobrevivência e, para tanto, seria necessário que o homem pudesse se apropriar dos recursos naturais para que tivesse êxito na satisfação desta necessidade (Gn.3:17-19).
– Vemos, pois, que o direito de propriedade, ou seja, o poder de sujeitar as coisas ao poder do dono para a satisfação de suas necessidades, é um direito natural, legítimo, estabelecido pelo próprio Deus, para que o homem, agora necessitando trabalhar para sobreviver, pudesse obter a sua sobrevivência sobre a face da Terra.
– Erram, portanto, os marxistas que, em sua filosofia, dizem que a “propriedade privada é um roubo” e que, por isso, deve ser extinta para que se tenha o fim da injustiça e o estabelecimento do “comunismo”, um “paraíso na terra”. A propriedade privada não é um roubo, pois foi estatuída por Deus, o mesmo Deus que proíbe toda e qualquer espécie de violação à propriedade.
– No entanto, o direito à propriedade deve ser entendido dentro de um contexto, qual seja, a de que os bens são dados aos homens em geral e que a apropriação permitida por Deus não retira esta condição que Deus tem de ser o primeiro dono de todas as coisas. Como bem explicita o Catecismo da Igreja Romana: “O direito à propriedade privada, adquirida ou recebida de modo justo, não abole a doação original da terra ao conjunto da humanidade.
A destinação universal dos bens continua primordial, mesmo se a promoção do bem comum exige o respeito pela propriedade privada, pelo respectivo direito e exercício. Usando aqueles bens, o homem que possui legitimamente as coisas materiais não as deve ter só como próprias dele, mas também como comuns, no sentido de que elas possam ser úteis não somente a ele, mas também aos outros.
A propriedade de um bem faz de seu detentor um administrador da Providência, para fazê-los frutificar e para repartir os benefícios dessa administração a outros, a seus parentes, em primeiro lugar” (§§ 2403 e 2404 CIC).
– A propriedade das coisas, portanto, deve ser entendida num sentido de administração, ou seja, ao homem foi permitido se apropriar das coisas terrenas, mas dentro de uma perspectiva mais ampla de sobrevivência de toda a humanidade, que necessita desta apropriação para sua subsistência, de sorte que este objetivo estabelecido pelo Senhor jamais pode ser anulado pelo homem.
– Dentro deste contexto, bem disseram os rabinos judeus a respeito do papel que deve ter o homem em relação ao direito de propriedade, no Talmude, a saber: “ Há quatro tipos de atitudes (de relacionamento) entre os homens: aquele que diz: ‘o meu é meu, o teu é teu’, é o tipo médio e há quem diga que é o tipo de Sodoma; ‘o meu é teu e o teu é meu’, é o am-haárets, o ignorante; ‘o meu é teu e o teu é teu’, é o piedoso; ‘o teu é meu e o meu é meu’, é o perverso” (Pirke Avot 5:13).
Como se percebe, quem é egoísta, quem acha que tudo é seu, quem não leva em conta o “domínio eminente” de Deus é tido como ímpio pelos sábios judeus, pois ou é o tipo de Sodoma, ou é o perverso.
– Dentro desta perspectiva, aliás, também vemos que o mandamento deve ser entendido dentro do contexto do princípio do trabalho, um dos princípios éticos instituídos por Deus ao criar o homem, como observamos em Gn.2:15.
Deus criou o homem para que fosse um ser trabalhador, circunstância que o torna semelhante ao Senhor, que é, igualmente, um ser que trabalha (Jo.5:17). Quando o trabalho passou a ser necessário para a sobrevivência humana, por causa do pecado, foi posto como a origem lícita e legítima para a apropriação de bens (Gn.3:19).
– Destarte, o trabalho é o único meio legítimo de aquisição de bens na ordem ética estatuída por Deus, de forma que representa violação deste mandamento qualquer atitude que importe em retirada de bens de alguém para conceder a outrem, quando este outro, que os recebe, não quer trabalhar para obtê-los.
É o que ensina o apóstolo Paulo: ”Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto: que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também. Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes, fazendo coisas vãs.
A esses tais, porém, mandamos e exortamos, por nosso Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando com sossego, comam o seu próprio pão.” (II Ts.3:10-12).
– Não é por outro motivo que o Catecismo Maior de Westminster considera como violação deste mandamento “…os meios ilícitos de vida, e todos os outros modos injustos e pecaminosos de tirar ou de reter de nosso próximo aquilo que lhe pertence, ou de nos enriquecer a nós mesmos (…) a ociosidade…” (pergunta 142. end.cit.).
– Assim, mais uma vez, a ideia socialista de que se deve “tirar” bens dos “ricos” para “dá-los” aos pobres, sem que se exija qualquer contraprestação por parte destes últimos, sem que se criem perspectivas para que, pelo trabalho, os menos favorecidos possam ter condições mínimas de vida é medida que viola diretamente a lei divina e que não contribui, em absoluto, para o desenvolvimento sócio-econômico de um país.
Como temos visto na história dos países que adotaram o modelo marxista-leninista no século XX e temos visto em países que, como o Brasil, têm sido dominados por grupos político-partidários defensores de tal filosofia.
Assim, v.g., não é surpresa que, apesar da aplicação do programa Bolsa Família, a desigualdade social tenha voltado a aumentar no Brasil.
OBS: “…Nas Escrituras, se alguém está em uma situação de ruína financeira, a saída dele não é convencer o governo civil a coagir e tomar o dinheiro de outros que não estejam em situação de ruína financeira. Nas Escrituras, se alguém está em uma situação de ruína financeira e desamparada, ele deve ser socorrido voluntariamente por aqueles que podem ajudá-lo. E ai daqueles que negligenciam esse dever. Sobre estes pairam a indignação de Deus…” (BRITO, Frank. 26 jul. 2013. Respondendo ao Ariovaldo Ramos. Disponível em: http://resistireconstruir.wordpress.com/2013/07/26/respondendo-ao-ariovaldo-ramos/ Acesso em 23 dez. 2014).
III – O DESCUMPRIMENTO DO OITAVO MANDAMENTO
– Visto o significado do oitavo mandamento, passemos a observar quais são as atitudes que representam o seu descumprimento.
– Por primeiro, constitui em violação deste mandamento o furto ou roubo de qualquer bem, ou seja, a tomada de qualquer coisa que não nos pertença, seja de modo violento ou fraudulento. Como diz Tomás de Aquino, “…de muitas maneiras se comete um furto. Primeira, tomando ocultamente (…). Segunda: arrebatando violentamente.(…)” (Os dez mandamentos. nn. 163 e 164. end.cit.).
– Neste ponto, aliás, não devemos nos esquecer das práticas de desvio de recursos e de dinheiro públicos, o chamado “peculato”, uma triste constatação em todo o mundo, em todas as épocas, mas que tem tido especial guarida em nosso combalido país nos últimos tempos.
OBS: Aliás, é interessante observar que existe uma história segundo a qual o termo “larápio”, que significa ladrão, tem origem na assinatura de um corrupto juiz romano chamado “Lucius Antonius Rufus Appius”, que assinava “L.A.R. Appius”, ou seja, a palavra “larápio” surgiu exatamente por causa dos ladrões no serviço público…
– Não menos grave é a subtração de bens eclesiásticos, o chamado “sacrilégio”. Sobre esta modalidade de furto, assim se manifestou o Catecismo Romano: “…Chama-se. ”sacrilégio” o roubo de objetos sagrados.
Apesar de ser o mais ímpio e perverso dos crimes, integrou-se a tal ponto nos costumes atuais, que os bens necessários ao culto divino, à manutenção dos ministros da Igreja, ao socorro dos pobres – como tais vinculados por piedosas e louváveis fundações – são desencaminhados para a satisfação de ambições pessoais e de apetites depravados.…” (MARTINS, Leopoldo Pires. op.cit., III, 8, § 5º, p.475). Lamentavelmente, não são poucos os que têm subtraído os recursos das igrejas locais nos dias hodiernos…
– Mas não é esta a única forma de descumprir este mandamento. Outro modo pelo qual isto se dá é pela retenção do salário. As Escrituras são explícitas ao considerar violação deste mandamento tal prática, como se verifica de textos como Lv.19:13 e Tg.5:4.
OBS: “…São ladrões, por exemplo, os que não pagam aos operários o salário devido. Santiago convida-os à penitência naquela célebre passagem: “Eia, pois, vós que sois ricos, chorai, cm altos brados, as misérias que estão para vos sobressaltar”.·.. E logo acrescenta o motivo que há para tal penitência:
“Pois o salário que injustamente negastes aos trabalhadores, que segaram vossos campos, está clamando – contra vós; e o clamor dos ceifeiros chegou aos ouvidos do Senhor dos exércitos”. ti. Esse modo de roubar é objeto de forte censura no Levltico, no Deuteronômio, em Malaquias,…” (MARTINS, Leopoldo Pires. Catecismo Romano. III, 8, § 10, p.478).
– Quem retém o salário do trabalhador está retendo algo que não é seu, visto que o trabalho efetuado dá a quem trabalhou o direito de perceber legitimamente o seu salário, importando, pois, a retenção em nítida violação a este mandamento.
– Terceira forma de descumprimento deste mandamento é a sonegação de tributos. Com efeito, tem o Estado o direito de cobrar tributos de seus cidadãos, direito este explicitamente reconhecido pelo Senhor Jesus que disse que devemos dar a César o que é de César, expressão esta utilizada precisamente no contexto do pagamento de tributos (Mt.22:16-21), ensino repetido pelo apóstolo Paulo (Rm.13:7).
Como diz Tomás de Aquino: “…Com efeito, estamos obrigados a pagar estipêndio aos reis que custodiam nossa paz…” (op.cit. n. 165. end. cit.).
– Quarta forma de descumprimento deste mandamento é o tráfico de pessoas. Em Dt. 24:7, considera-se ladrão e, portanto, violador deste mandamento, quem furtasse um dentre seus irmãos com o fim de ganhar com a venda dele.
Assim, o comércio de seres humanos é considerado um furto, uma inadmissível redução da pessoa humana à condição de coisa, a inversão dos valores propugnados pelo oitavo mandamento.
OBS: Cabe aqui reproduzir o Catecismo da Igreja Romana a respeito deste tema:” O sétimo mandamento proíbe os atos ou empreendimentos que, por qualquer razão que seja, egoísta ou ideológica, mercantil ou totalitária, levam a escravizar seres humanos, a desconhecer sua dignidade pessoal, a comprá-los, a vendê-los e a trocá-los como mercadorias.
É um pecado contra a dignidade das pessoas e contra seus direitos fundamentais reduzi-las, pela violência, a um valor de uso ou a uma fonte lucro. S. Paulo ordenava a um patrão cristão que tratasse seu escravo cristão “não mais corno escravo, mas como um irmão…, como um homem, no Senhor” (Fm 16).” (§ 2414 CIC).
– Vivemos dias em que, infelizmente, o tráfico de pessoas só está a aumentar, notadamente o tráfico de pessoas para que trabalhem como mão-de-obra escrava no “mercado do sexo”.
É mais uma manifestação do “espírito do anticristo” e da iminência da volta de Cristo para arrebatar a Sua Igreja. É esta uma característica da “Babilônia”, este sistema gentílico formado à margem de Deus, que reduz o homem à condição de vil mercadoria, como se verifica claramente em Ap.18:13.
OBS: “…Aquele que reconhece a moralidade do oitavo preceito do decálogo, não requererá outra prova para a moralidade da conduta exigida no texto. Se aquele que rouba minha bolsa, meu casaco ou meu cavalo é culpado de imoralidade, ele não pode ser inocente se roubar meu pai, meu irmão, minha esposa ou meu filho.
Contra este princípio um apóstolo inspirado direciona seu argumento em sua epístola a Timóteo: “Sabendo isto, que a Lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados… para os roubadores de homens… e para o que for contrário à sã doutrina”. (I Tm 1.9-10) O roubo de homens é classificado junto dos mais detestáveis crimes.
É considerado repreensível não somente entre os antigos hebreus, mas é uma iniquidade moral em todas as épocas e nações.…” (M’LEOD. Alexander. A escravidão negra é injustificável – pte.1. Trad. de Frank Brito. 03 ago. 2012. Disponível em: http://resistireconstruir.wordpress.com/2012/08/03/a-escravidao-negra– e-injustificavel/ Acesso em 23 dez. 2014).
– Quinta forma de descumprimento deste mandamento é a infidelidade nos contratos e, aqui, temos, de pronto, a correspondência entre este mandamento e o terceiro mandamento, onde vimos, também, que se tem violação do mandamento quando não se cumprem os contratos.
Se, no terceiro mandamento, a violação se dá porque, no descumprimento do contrato, estamos a tornar indigno o nome de Deus que carregamos conosco, aqui a violação se dá em virtude de ferirmos a verdade e a justiça, que devem ser os valores a serem preservados na observância do oitavo mandamento.
– O Catecismo Maior de Westminster, na resposta à pergunta 142, mostra as modalidades em que esta infidelidade representa violação ao oitavo mandamento, a saber: “…as transações fraudulentas e os pesos e medidas falsos;(…) a injustiça e a infidelidade em contratos entre os homens ou em questões de confiabilidade;(…) a opressão, a extorsão, a usura(…) a acumulação de gêneros para encarecer o preço…” (end.cit.).
– Somos infiéis nos contratos quando empregamos o engano, a fraude para realizar um determinado negócio, celebrar um contrato. Temos aqui o chamado “estelionato”, ou seja, o uso de engano para obter uma vantagem econômica.
Quando agimos de má-fé, com o propósito de enganar alguém para trazer-lhe um prejuízo, que será, para nós, um benefício, tal artimanha é condenada pelas Escrituras e violamos o oitavo mandamento.
– Também somos infiéis nos contratos quando usamos de pesos e medidas falsos, quando damos informações equivocadas ou omitimos informações relevantes a quem está a contratar conosco. Estas práticas são condenadas em diversas passagens bíblicas, tais como Lv.19:35,36; Dt.25:13; e Pv.20:23.
– Há infidelidade nos contratos quando nos aproveitamos da situação de necessidade de quem contrata conosco e, diante disto, aproveitamos para explorá-lo, obtendo vantagens que se constituem em injustiças.
É o caso da usura, ou seja, a cobrança excessiva de juros, como também o aumento excessivo de preços de mercadorias que foram deliberadamente estocadas para o período em que houvesse falta no mercado, o que se chama de especulação.
O usurário (também conhecido como “agiota”) não tem comunhão com Deus, como vemos, claramente, do Sl.15:1,5. OBS: Assim diz o Catecismo Romano: “…Aqui pertencem, outrossim, os usurários como os mais cruéis e implacáveis dos ladrões, pois com suas agiotagens depredam e esmagam o pobre povo.
Chama-se usura tudo o que se recebe além do título ou capital emprestado, quer seja em dinheiro, quer seja em titulo pecuniário. No Profeta Ezequiel está escrito: “quem não receber usura, nem mais do que emprestou” (Ez.18:17). “E Nosso Senhor diz no Evangelho de Lucas: “Emprestai, sem esperar retribuição”(Lc.6:35).…” (MARTINS, Leopoldo Pires. op.cit. III, 8, § 11, p.478).
– Outro modo de infidelidade nos contratos é o “calote”, ou seja, o não cumprimento da obrigação de pagamento. Como diz o Catecismo Romano: “…Serão condenados, pelo mesmo crime de roubo, os especuladores de crédito e os caloteiros que, usando de crédito próprio ou alheio, fazem compras a prazo determinado, e não solvem os seus compromissos.
Tal crime se toma muito mais grave, porquanto os negociantes se prevalecem desta falta de palavra e seriedade, para venderem tudo mais caro, com grande detrimento do povo em geral. Contra eles parece aplicar-se o conceito de David: “O pecador pede emprestado e não restitui” (Sl.37:21a).…”( III, 8, § 12, p.479). Devemos aqui lembrar das palavras do apóstolo Paulo: “ a ninguém devais coisa alguma a não ser o amor…” (Rm.13:8).
– Sexta forma de descumprimento deste mandamento é a prática do suborno, ou seja, a compra, por dinheiro, de alguma vantagem, de algum benefício que não lhe seria dado se não fosse a compra efetuada. Quanto a isto, assim se manifesta Tomás de Aquino:
“…Quinta [maneira de cometer furto – observação nossa]: comprando dignidades, ou temporais. ou espirituais. Acerca do primeiro, Jó 20:15: “Engoliu riquezas, mas vomitá-las-á; do seu ventre Deus as lançará”.
Com efeito, todos os tiranos que, pela força, sujeitam reinos ou províncias ou feudos, ladrões são, e todos eles estão obrigados à restituição. Acerca do segundo, Jo.10:1: ” Em verdade, em verdade vos digo: o que não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, esse é ladrão e salteador”; e, portanto são ladrões os simoníacos [ou seja, aqueles que compram, por dinheiro, algum cargo eclesiástico – observação nossa].…” (Os dez mandamentos. n.168. end.cit.) (tradução nossa de texto em espanhol).
– Sétima forma de descumprimento deste mandamento é a receptação, ou seja, o recebimento de objetos furtados ou roubados. Como bem afirma o Catecismo Romano: “…são também ladrões os que compram coisas furtadas, os que guardam para si objetos que foram achados, segurados, ou subtraídos de qualquer maneira. Santo Agostinho dizia assim: “Se achaste alguma coisa, e não a restituíste, um roubo cometeste”.…”(MARTINS, Leopoldo Pires. III, 8, § 9º, p. 476).
– Oitava forma de descumprimento deste mandamento é o recurso a demandas forenses desnecessárias ou, como diz o Catecismo Maior de Westminster, o uso de “vexatórias demandas forenses”. Muitos se utilizam do aparelho judiciário para obter vantagens indevidas.
Calvino sobre isto assim ensinou: “Outra está numa sutileza mais velada: quando são surrupiados sob a aparência de justiça (…) Reconheçamos que se devem ter por furtos todos os artifícios em virtude dos quais passam para nós as posses e riquezas do próximo, quando se desviam da sinceridade do afeto ante o desejo de enganar ou lesar de qualquer modo.
Ainda quando os homens as obtenham em uma disputa judicial, por Deus, entretanto, não são estimadas diferentemente de furtos. Com efeito, Deus vê os longos embustes com os quais o homem matreiro procura enredilhar o espírito mais simples, até que o atraia, afinal, a suas malhas; Deus vê as leis duras e desumanas com as quais o mais poderoso oprime e prostra o fraco; Deus vê os engodos com os quais o mais astuto isca o incauto como que com anzóis, todos os quais escapam ao julgamento humano, nem vêm à cogitação…”(op.cit., v .2, p.167).
– Nona forma de descumprimento deste mandamento é o materialismo, ou seja, a colocação da posse de bens materiais como objetivo precípuo da vida, como razão de viver, algo tão comum em nossos dias.
O Catecismo Maior de Westminster diz que é pecado contra o oitavo mandamento, “…a cobiça, a estima e o amor desordenado aos bens mundanos, a desconfiança, a preocupação excessiva e o empenho em obtê- los…” (resposta a pergunta 142. end.cit.).
O apóstolo Paulo é claríssimo: ”Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores” (I Tm.6:9,10).
– Décima forma de descumprimento deste mandamento é a avareza, ainda que esta seja, em si mesma, uma violação do primeiro mandamento, já que se trata de idolatria (Cl.3:5). Como afirma o Catecismo Maior de Westminster, é pecado cometido contra este mandamento “…o ato de defraudar a nós mesmos do devido uso e conforto da posição em que Deus nos colocou. …” (resposta à pergunta 142. end.cit.).
– Quando deixamos de usufruir daquilo que legitimamente adquirimos, reduzimos nosso conforto ou as nossas condições de vida única e exclusivamente por amor do dinheiro, por desejo de acumulação, estamos a violar o oitavo mandamento, pondo-nos abaixo das coisas que adquirimos. Quando alguém se priva do uso de seus bens por amor do dinheiro, está a violar o oitavo mandamento, está a demonstrar toda a sua avareza.
– Décima primeira forma de descumprimento deste mandamento é a prodigalidade, ou seja, o gasto desmesurado, inadvertido, o chamado esbanjamento dos bens. Assim como é pecado privar-se do essencial tendo bens para tanto, também o é a dissipação dos bens, a gastança desmedida e inconsequente, com o desperdício de bens que poderiam, por exemplo, suprir as necessidades do próximo.
A “vida regalada” do rico na história contada por Jesus (Lc.16:19-31) é um exemplo de como tal comportamento é desagradável a Deus, pois revela um egoísmo que não entendeu o princípio da utilização da propriedade em prol do benefício do próximo. Outro exemplo que nos dá Nosso Senhor contra o desperdício é a Sua determinação para que as sobras dos pães multiplicados fossem devidamente recolhidas pelos discípulos (Jo.6:12).
– Décima segunda forma de descumprimento deste mandamento é a impiedade na cobrança de dívidas, a chamada “rapacidade”, que é a execução sem dó nem piedade dos devedores, privando-lhes do mínimo necessário para a sua sobrevivência. “…Ora, Deus falou assim: “Se tomaste do teu próximo uma peça de roupa como penhor, tu lha restituirás, antes que o sol se ponha. Pois ela é a sua única cobertura, o resguardo de seu corpo, e [o pobre J não tem outra com que dormir. Se ele clamar por Mim, hei de atendê- lo, porque Eu sou misericordioso” (Ex.22:26,27).…” (MARTINS, Leopoldo Pires. op.cit., III, 8, § 13, p.479).
IV – O CUMPRIMENTO DO OITAVO MANDAMENTO
– Cumprimos o oitavo mandamento quando antedemos à verdade e à justiça em nossos relacionamentos com o próximo no que concerne às coisas, aos bens. Sempre que não agirmos de modo enganoso, que não quisermos obter uma vantagem injusta em nossos negócios com o próximo, estaremos cumprindo o mandamento de não furtar.
– Igualmente cumprimos o oitavo mandamento quando não pomos as coisas acima das pessoas, quando não tornamos objetivo de nossa vida o ganhar bens, o enriquecer, pois, assim fazendo, sempre estaremos a respeitar a dignidade da pessoa humana e, deste modo, não iremos, de modo algum, praticar as diversas modalidades de furto condenadas no oitavo mandamento.
– Cumprimos o oitavo mandamento quando temos a consciência de que tudo o que temos tem uma destinação universal, ou seja, jamais podemos usar dos bens que adquirimos legitimamente de modo egoístico, sem pensar no próximo, sem pensar no outro.
A propriedade tem uma função social, ou seja, destina-se a trazer o bem não só do proprietário, mas também do próximo. Assim, estamos sempre obrigados a suprir as necessidades daqueles que precisam, daqueles que não têm o mínimo suficiente para uma existência digna. Por isso, jamais poderemos viver “regaladamente”, de forma a desperdiçar bens que poderiam ser muito melhor utilizados em favor dos mais necessitados.
– Cumprimos o oitavo mandamento quando demonstramos “…o cuidado e empenho providentes em adquirir, guardar, usar e distribuir aquelas coisas que são necessárias e convenientes para o sustento de nossa natureza, e que condizem com a nossa condição…”(Catecismo Maior de Westminster, pergunta 141. end.cit.), ou seja, quando, por intermédio do trabalho, procuramos obter os recursos necessários para termos uma vida digna, como também para que nossa família o tenha, sem, no entanto, partirmos para a indevida privação daquilo que justamente nós podemos usufruir, nem tampouco querermos galgar posições que não correspondem aos nossos ganhos, numa ostentação indevida e que somente nos levará à ruína.
– Cumprimos o oitavo mandamento quando cumprimos o dever da restituição, restituindo aquilo que foi indevidamente por nós tirado do próximo. Aliás, é importante observar que são obrigados a restituir não só aqueles que subtraíram algo do patrimônio alheio, como também aqueles que mandam, aconselham, consentem, participam, não impedem, não denunciam, apadrinham, louvam e aprovam aqueles que subtraem algo de alguém.
V – O ALCANCE DADO PELO SENHOR JESUS AO OITAVO MANDAMENTO
– O oitavo mandamento não foi explicitamente tratado pelo Senhor Jesus no sermão do monte. Ao contrário do que faz com os demais mandamentos, o Senhor Jesus não usou da expressão “ouvistes o que foi dito pelos antigos(…) eu, porém, vos digo”, com a qual tratou tanto o sexto quanto o sétimo mandamentos. Depois de tratar do sétimo mandamento, em seguida ao sexto, no sermão do monte, o Senhor Jesus passou a falar do perjúrio, como já estudamos ao analisar o terceiro mandamento.
– Não nos esqueçamos, porém, que o terceiro mandamento está relacionado com o oitavo, de modo que, ao falar sobre a necessidade de se ter um falar “sim, sim; não, não” (Mt.5:37), o Senhor está também a tratar do oitavo mandamento, que, como vimos, tem seu cumprimento na verdade e na justiça no relacionamento com o próximo.
– Neste ponto, portanto, o Senhor já demonstra que o oitavo mandamento está vinculado com a fidelidade, com a lealdade, com uma atitude de compromisso com a verdade, que deve proceder do coração, pois, como afirmou Nosso Senhor é do coração que procedem os furtos (Mt.15:19).
– Igualmente, ao tratar com o mancebo de qualidade, o Senhor volta a mostrar o devido alcance do mandamento de não furtar. Ao indagar o jovem, o Senhor lhe perguntou se cumpria o mandamento de não furtar (Mt.19:18). Ante a resposta afirmativa do rapaz, mandou que ele vendesse todos os seus bens, desse- os aos pobres e, assim fazendo, teria um tesouro nos céus, devendo, então, seguir a Cristo (Mt.19:21).
– Ante a recusa do jovem, que saiu da presença do Senhor entristecido, Jesus deu, então, valioso ensino a respeito da necessidade que temos de não nos prendermos às riquezas, residindo no amor às riquezas um obstáculo a mais para que os ricos entrem no reino dos céus (Mt.19:23).
– Contra o materialismo, a busca desmedida das coisas materiais, que tem sido, infelizmente, a tônica de muitos que cristãos se dizem ser, máxime diante da falsa pregação da teologia da prosperidade, o Senhor Jesus, na parábola do rico insensato, ensinou-nos que “…a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui” (Lc.12:15).
– No próprio sermão do monte, o Senhor Jesus fala a respeito da necessidade de ajudarmos os necessitados, por meio da esmola, cuja prática é ratificada, ainda que tenha sido censurado o modo farisaico de autoexaltação em tal atitude (Mt.6:2-4), bem como de não buscarmos ajuntar tesouros na terra (Mt.6:19-21), pois não se pode servir a Deus e ao dinheiro simultaneamente (Mt.6:24).
– A prioridade, ensina-nos o Senhor, não é em relação à satisfação das necessidades materiais, mas, sim, a busca pela satisfação das necessidades espirituais, pois, se buscarmos o reino de Deus e a sua justiça, todas as coisas materiais nos serão acrescentadas (Mt.6:31-33). O Senhor, então, enfatiza a necessidade de darmos mais valor às coisas de Deus e às pessoas do que às coisas.
– O Senhor, também, foi além da mera fidelidade nos contratos. Na verdade, além do simples cumprimento do dever, Jesus ensina Seus discípulos a fazerem até mais do que lhes é exigido em virtude do amor. Como ensinava o saudoso pastor Severino Pedro da Silva, não basta andarmos “a milha do dever”, mas devemos, também, trilhar a “milha do amor”, sempre procurando fazer o melhor para suprir a necessidade do próximo (Mt.5:41).
– Não basta, pois, que cumpramos as nossas obrigações assumidas para cumprir o oitavo mandamento, mas é mister que o façamos com disposição, com alegria, com entusiasmo, de boa vontade, como algo que nasce do coração e não apenas de uma cláusula contratual ou de uma necessidade.
É por isso que o apóstolo Paulo diz que Deus ama àquele que dá com alegria (II Co.9:7). – Não furtar, portanto, para o Senhor Jesus é muito mais do que deixar de subtrair algo de alguém ou, mesmo, de restituir o que foi indevidamente retirado ou, ainda, ser fiel nos contratos e obrigações assumidos.
Não furtar é reconhecer, de coração, que tudo quanto possuímos é uma concessão divina e que devemos utilizar tudo isto para o bem do próximo e para usufruirmos do que legitimamente adquirimos para a glória de Deus.
Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco