LIÇÃO Nº 11 – A MORDOMIA DAS OBRAS DE MISERICÓRDIA
O servo de Deus necessariamente produz boas obras.
INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo da doutrina da mordomia cristã, veremos hoje a mordomia das obras de misericórdia ou das boas obras.
– O servo de Deus necessariamente produz boas obras.
I – A FÉ SEM OBRAS PARA NADA APROVEITA
– Na sequência do estudo da doutrina da mordomia cristã, analisaremos a questão da mordomia das obras de misericórdia ou que também pode ser chamada de mordomia das boas obras.
– A expressão “obras de misericórdia” foi utilizada por Tomás de Aquino (1225-1274), o grande teólogo da Idade Média e disseminada, ao que parece, a partir do século XVI em Portugal, quando da fundação das primeiras “Santas Casas de Misericórdia”,
instituição nascida para a prática da benemerência no Reino de Portugal e suas colônias, entre as quais o Brasil, para identificar as atitudes e comportamentos que se esperavam dos cristãos tendo em vista a sua qualidade de servos de Deus.
– Esta ideia de que, por serem salvos por Cristo, deveriam os cristãos praticar “obras de misericórdia” ou “boas obras”, para se utilizar de uma expressão bíblica, encontra guarida notadamente na epístola universal de Tiago, mais precisamente na passagem de Tg.2:14-26,
onde está o núcleo central da questão da fé e das obras, que é o principal tema da mencionada epístola e que a tem causado uma série de discussões ao longo da história da Igreja, diante do entendimento de alguns, de que haveria uma contradição entre o que ensina Tiago e o que ensina o apóstolo Paulo em seus escritos.
– Tiago estava a discorrer sobre a “lei real”, a “lei de Cristo” ou “lei da liberdade”, mostrando que o verdadeiro servo de Cristo Jesus tinha de ter maior justiça do que os escribas e fariseus (Mt.5:20), uma vez que, ao contrário dos religiosos judeus daquele tempo, não se preocupava apenas em ter uma aparência exterior de santidade,
mas uma santidade real, que advinha desde o interior, tanto que, se quebrasse um mandamento, estaria a quebrar todos os outros, uma concepção bem diferente daquela defendida pelos religiosos meramente formais.
– Já este entendimento de Tiago mostra-nos, com absoluta clareza, que seu entendimento é em tudo coerente e harmônico com o do apóstolo Paulo, que, também, em seus escritos, mostra que a fé nasce de uma operação sobrenatural,
através do ouvir pela Palavra de Deus (Rm.10:17),
fé que opera a justificação do homem (Rm.5:1),
fazendo com que o homem venha a ter comunhão com o Senhor, passando a ter vida espiritual.
– Mantendo esta linha de pensamento, o irmão do Senhor, então, faz uma pergunta importantíssima: “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?” (Tg.2:14).
– Esta indagação de Tiago está relacionada com o discurso que estava a proferir, onde, repudiando a aparência exterior, havia dito:
“Assim falai, e assim procedei, como devendo ser julgados pela lei da liberdade, porque o juízo será sem misericórdia sobre aquele que não fez misericórdia, e a misericórdia triunfa do juízo” (Tg.2:12,13).
– Percebe-se, portanto, que o tema tratado do Tiago é o da necessidade de uma harmonia entre o que se fala e o que se faz, mostrando que um verdadeiro servo de Cristo não somente fala a respeito do Evangelho, mas vive conforme o Evangelho, pois, a “lei da liberdade” nada mais é que o Evangelho.
– Portanto, quando Tiago faz a pergunta: “porventura a fé pode salvá-lo?”, está a se referir uma fé meramente de palavras, uma fé professada apenas com dizeres, que não correspondia a uma vida de comunhão com o Senhor, uma suposta fé que nada mais era que uma reprodução do farisaísmo no meio dos que cristãos se dizem ser.
– Tiago mostra que nada adiantava dizer que se cria em Jesus Cristo, se a vida não correspondesse a este suposto crédito.
É o mesmo que se alguém dizer, nos dias de hoje, que alguma pessoa tem crédito para com ela, mas não confia em coisa alguma que aquela pessoa diga ou faça.
– Não são poucos, em nossos dias, que age desta maneira reprovada por Tiago.
Dizem ser cristãos, dizem crer em Jesus Cristo, mas suas vidas não demonstram haver esta confiança, esta crença.
Fazem o que bem entendem, vivem como se Jesus não existisse, não fazendo o que a Palavra de Deus indica, embora possam, muitas vezes, dizer de cor os credos, as profissões de fé das diversas denominações cristãs. São falsos cristãos, visto que, como diz o irmão do Senhor, possuem uma fé inoperante, que não tem qualquer valor.
– No sermão do monte, o Senhor Jesus deixou bem claro que uma das formas pelas quais um discípulo Seu seria reconhecido pelos seus frutos, ou seja, pelas suas obras, pois elas revelam o que há no interior (Mt.7:15-20).
– Na parábola do semeador (Mt.13:1-23; Mc.4:1-20; Lc.8:4-15), o Senhor Jesus bem demonstrara que a fé genuína é aquela que produz frutos.
Naquela parábola, o Senhor Jesus mostra que a semente é a Palavra de Deus e que somente quando ela cai em boa terra, haverá a produção de frutos.
Como a Palavra de Deus é o meio pelo qual se transfere a fé para o homem, vemos que somente quando ela produz frutos é que saberemos, realmente, que ela foi gerada num ser humano.
– Nas Suas últimas instruções, o Senhor Jesus também ensinara que havia escolhido os Seus discípulos para que eles dessem fruto e fruto permanente (Jo.15:16).
– Deste modo, vemos que Tiago em nada discrepa dos ensinos do Senhor Jesus ao mostrar que havia absoluta necessidade de que o autêntico servo de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo é uma pessoa que demonstra,
por suas atitudes, por seu comportamento, que teve uma transformação interna, que é uma nova criatura em Cristo Jesus e que, portanto, não vive mais conforme os filhos da desobediência nem os filhos da ira, mas, agora, vivem para fazer a vontade de Deus.
– O apóstolo Paulo também segue esta mesma linha de pensamento, em que pese ter se entendido, erroneamente, que haveria uma contradição entre o que diz o apóstolo dos gentios e o irmão do Senhor.
– Na própria epístola aos romanos, conhecida como a epístola da justificação pela fé, vemos que o pensamento de Paulo é exatamente o pensamento apresentado tanto pelo Senhor Jesus, como por Tiago, Seu meio-irmão.
– Paulo, em Rm.12, mostra, com clareza, que os irmãos, ou seja, os salvos na pessoa de Jesus Cristo, deveriam “transformar-se pela renovação do seu entendimento” (Rm.12:2) e,
deste modo, o amor não deveria ser fingido, aborrecendo o mal e se apegando ao bem (Rm.12:9) e este amor não fingido, este apego ao bem levava o servo de Cristo a comunicar com os santos nas suas necessidades (Rm.12:13), bem como a dar de comer ao inimigo que tivesse fome e dar de beber ao inimigo que tivesse sede (Rm.12:20).
– Portanto, que diferença há entre o pensamento de Paulo e de Tiago? Nenhuma!
O apóstolo dos gentios é bem claro ao mostrar que aquele que tem a sua mente transformada, aquele que experimentou, de verdade, a vontade de Deus, que nasceu de novo, recebendo a fé pela Palavra de Deus, é alguém que se apega ao bem e que aborrece o mal e esta atitude o faz realizar boas obras, pois ele é capaz, inclusive,
de dar de comer e beber aos seus próprios inimigos, porque agora está impregnado do amor de Deus e, por conseguinte, do amor fraternal, do amor ao próximo, que é a mesma “lei real” mencionada por Tiago.
– Notamos, portanto, que o ensino bíblico é de que a fé em Cristo Jesus gera, por primeiro, uma transformação interior, a pessoa entra na graça de Cristo,
passa a ter uma nova vida, passa a ter comunhão com o Senhor e esta comunhão faz com que o salvo na pessoa de Nosso Senhor seja uma pessoa que, doravante, pratica boas obras, faz o bem, pois é um imitador do seu Senhor, que, no mundo, andou fazendo bem, curando a todos os oprimidos do diabo (At.10:38).
– A fé é provada, portanto, com a prática de boas obras. Sem que haja estas obras, não é possível que se possa dizer que alguém tenha fé.
Pode dizer que tem fé, pode pronunciar com seus lábios não só que tem fé, mas até recitar um “credo religioso”, mas isto nada vale, isto para nada aproveita, isto não demonstra que se tenha fé.
A fé somente é comprovada mediante uma conduta, um comportamento que revele a presença desta nova criatura em Cristo Jesus.
– A justificação do homem pela fé, ou seja, o ato pelo qual o homem passou a não ser mais considerado culpado por Deus por causa do sacrifício de Jesus na cruz do Calvário, é um ato imperceptível aos olhos humanos, algo que não podemos ver com nossos próprios olhos.
– No entanto, quando uma pessoa é justificada pela fé e passa a ter paz com Deus (Rm.5:1), ela recebe o amor de Deus em seus corações (Rm.5:5) e este amor de Deus pode ser provado mediante atitudes concretas, que revelam esta nova natureza advinda da salvação.
– Assim como Deus prova o Seu amor para conosco porque Cristo morreu por nós quando nós ainda éramos pecadores (Rm.5:8), ou seja, através de um ato concreto, de entrega total em favor do homem, em favor do próximo, o cristão, ou seja, aquele que é “parecido com Cristo”, que é um “pequeno Cristo”, também provará ter o amor de Deus se agir de igual modo, estando pronto a amar o próximo como a si mesmo, a entregar-se em prol do outro.
OBS: “…a prática das obras é em todos os lugares necessária: sem ela o nome de cristãos não nos poderá ser útil.
E não fiquem surpresos, pois, digam-me, que ganha o soldado que está em um exército, se ele não se mostra digno do serviço militar, no combate em favor do rei que o alimenta?…” (JOÃO CRISÓSTOMO. Nona homilia: da penitência – daqueles que faltam nas assembleias –da mesa santa – do julgamento. Cit. Tg.2:14-17. n, 18900. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 18 jun, 2014) (tradução nossa de texto em francês).
II – A FÉ É MANIFESTADA PELO AMOR AO PRÓXIMO
– Tiago mostra que a fé é provada pela presença do amor de Deus na vida do que se diz salvo em Cristo Jesus, seguindo, assim, neste passo, precisamente o que Paulo ensina aos romanos, como já dissemos supra, sendo, aliás, em certo sentido,
até menos exigente que o apóstolo dos gentios, na medida em que este fala que o salvo precisa dar de comer e de beber aos seus inimigos, enquanto que o irmão do Senhor exemplifica este amor com os próprios irmãos.
– Tiago afirma que se um irmão ou irmã estiverem nus e com falta de mantimento cotidiano e forem simplesmente despedidos por um que se diz cristão, sem que lhes sejam dadas as coisas necessárias para o corpo, tal atitude será completamente sem qualquer proveito e não provará, de forma alguma, que o sedizente cristão que assim procedeu agiu como se tivesse fé (Tg.2:15,16).
OBS: Reproduzimos aqui, por sua biblicidade, trecho de encíclica do ex-chefe da Igreja Romana, João Paulo II:
“…Em virtude da participação na missão real de Cristo, o apoio e a promoção da vida humana devem atuar-se através do serviço da caridade, que se exprime no testemunho pessoal, nas diversas formas de voluntariado, na animação social e no compromisso político.
Trata-se de uma exigência sobremaneira premente na hora actual, em que a « cultura da morte » se contrapõe à « cultura da vida », de forma tão forte que muitas vezes parece levar a melhor.
Antes ainda, porém, trata-se de uma exigência que nasce da « fé que actua pela caridade » (Ga 5,6), como nos adverte a Carta de S. Tiago: « De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé se não tiver obras?
Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhe disser: “Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos”, sem lhes dar o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará?
Assim também a fé: se ela não tiver obras, é morta em si mesma » (Tg 2,14-17). No serviço da caridade, há uma atitude que nos há de animar e caracterizar: devemos cuidar do outro enquanto pessoa confiada por Deus à nossa responsabilidade.
Como discípulos de Jesus, somos chamados a fazermo-nos próximo de cada homem (cf. Lc 10,29-37), reservando uma preferência especial a quem vive mais pobre, sozinho e necessitado.
É precisamente através da ajuda prestada ao faminto, ao sedento, ao estrangeiro, ao nu, ao doente, ao encarcerado — como também à criança ainda não nascida,
ao idoso que está doente ou perto da morte —, que temos a possibilidade de servir Jesus, como Ele mesmo declarou: « Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes » (Mt 25,40).
Por isso, não podemos deixar de nos sentir interpelados e julgados por esta página sempre atual de S. João Crisóstomo: « Queres honrar o corpo de Cristo?
Não O transcures quando se encontrar nu! Não vale prestares honras aqui no templo com tecidos de seda, e depois transcurá-Lo lá fora, onde sofre frio e nudez » (Homílias sobre Mateus, L, 3; PG 58,508).
O serviço da caridade a favor da vida deve ser profundamente unitário: não pode tolerar unilateralismos e discriminações, já que a vida humana é sagrada e inviolável em todas as suas fases e situações; é um bem indivisível.
Trata-se de «cuidar » da vida toda e da vida de todos. Ou melhor ainda e mais profundamente, trata-se de ir até às próprias raízes da vida e do amor.
Partindo exatamente deste amor profundo por todo o homem e mulher, foi-se desenvolvendo, ao longo dos séculos, uma extraordinária história de caridade, que introduziu, na vida eclesial e civil, numerosas estruturas de serviço à vida, que suscitam a admiração até do observador menos prevenido.
É uma história que cada comunidade cristã deve, com renovado sentido de responsabilidade, continuar a escrever graças a uma múltipla ação pastoral e social.
Neste sentido, é preciso criar formas discretas mas eficazes de acompanhamento da vida nascente, prestando uma especial solidariedade àquelas mães que, mesmo privadas do apoio do pai, não temem trazer ao mundo o seu filho e educá-lo.
Cuidado análogo deve ser reservado à vida provada pela marginalização ou pelo sofrimento, de forma particular nas suas etapas finais.…(JOÃO PAULO II. Evangelium vitae, n.87. Cit. Tg.2:14-17. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 18 jun. 2014).
– Nesta ilustração, por primeiro, Tiago evoca aqui, uma vez mais, o sermão do monte, quando o Senhor Jesus mostra que as necessidades básicas materiais de um ser humano é a comida, a bebida e o vestir (Mt.6:31,32), ensino este que é repetido por Paulo (I Tm.6:8).
– Assim, precisamos ter muito cuidado com o consumismo desenfreado e o materialismo excessivo que tem dominado muitos corações dos que cristãos se dizem ser em nossos dias.
O mundo está a levar muitos servos do Senhor Jesus a se preocuparem em demasia com a satisfação de desejos que vão muito além do que é absolutamente essencial, que é o sustento e o vestido, de sorte que,
por causa desta obsessão, tem deixado de lado as coisas realmente importantes e essenciais, que são as eternas, as relativas ao reino de Deus e sua justiça.
– Nos dias em que vivemos, muitos já não mais se contentam com o sustento e o vestir, querendo uma vida regalada, uma vida dotada de todo o conforto e de tudo quanto a tecnologia tem oferecido e, para tanto,
tem se dedicado horas e horas de suas vidas para obter recursos que possam arcar com todas estas comodidades, muitas delas excessivas e que são tornadas “essenciais” pela publicidade, pela propaganda, dentro da ganância própria dos sistemas econômicos vigentes neste mundo sem Deus e sem salvação.
– Todavia, como servos de Cristo Jesus, como pessoas que dão prioridade ao reino de Deus e à sua justiça (Mt.6:33), temos de ter uma mentalidade completamente distinta, não só priorizando as coisas espirituais, mas também reconhecendo que o Senhor quer que todos os homens tenham o necessário para sobreviver, ou seja, a comida, a bebida e o vestir, que são coisas necessárias, como reconheceu o Senhor Jesus.
– Desta forma, sabendo que o nosso Deus reconhece que o sustento e o vestir são necessários, não podemos, de modo algum, nos conformarmos com uma sociedade em que tais necessidades básicas são negadas aos seres humanos,
enquanto muitos querem ter uma vida regalada, repleta de comodidades que, em si, não são necessárias, mas que levam muitos a negligenciar o mínimo necessário para o seu próximo, num egoísmo que é próprio de uma sociedade que não serve ao Senhor, numa sociedade dominada pelo pecado, que é iniquidade, ou seja, injustiça (I Jo.3:4).
– Ora, sabendo que o Senhor Jesus disse que o Pai sabe que necessitamos destas coisas materiais (comida, bebida e vestimenta) (Mt.6:32), é completamente incompreensível que quem experimentou a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm.12:1-2),
permita que um irmão ou irmã careça destes elementos em sua peregrinação terrena e, vendo que alguém está a passar fome, sede ou não tenha com que se vestir, assim permaneça.
– Como posso chamar alguém de irmão ou irmã, dizendo que temos o mesmo Pai, se não damos a este irmão ou irmã o necessário para que ele coma, beba ou vista, sabendo que o nosso Pai sabe que necessitamos destas coisas?
Como alguém pode dizer estar em comunhão com Deus se não atenta para estas necessidades do próximo?
– Se somos filhos de Deus, se passamos a participar da natureza divina (II Pe.1:4), é natural que compreendamos a necessidade do irmão faminto e nu e, deste modo, supramo-lhes a necessidade, dando o necessário para que ele supere esta situação de carência com que se apresentou a nós.
– Alguém pode dizer que tal atitude somente seria devida por quem é abastado, por quem recebeu de Deus mais do que necessitava, pois, repetindo ensino dos rabinos judeus, tal pessoa,
que teria além do necessário, assim teria recebido precisamente para ser um agente de Deus, alguém pronto a ajudar os necessitados, pois teria um débito para com Deus.
– Não resta dúvida de que aquele que tem mais do que o necessário, assim recebeu da parte de Deus para repartir com os pobres, é, de certo modo, alguém que Deus constituiu na Terra para poder ajudar o próximo, tendo este dever diante do Senhor, que o constituiu com o além do necessário para exercer este ministério.
– No entanto, o fato de haver abastados, pessoas que têm além do necessário, não exime os demais, se realmente são filhos de Deus, de ajudar aquele que precisa.
Mesmo aquele que não é rico, materialmente falando, mas que é um verdadeiro servo de Deus, tem o dever de ajudar aquele que está a precisar mais do que ele.
Tiago não diz que apenas os ricos devam ajudar, mas, sim, que, se um irmão ou irmã vier até nós carecendo do que é absolutamente necessário, devemos nós, independentemente de nossa condição social ou econômico-financeira, suprir as suas prementes necessidades.
– Aí vemos que há uma verdadeira fé. A fé não só se revela na prática das boas obras, pois não há que se falar em fé que não produza frutos, como também na própria confiança em Deus.
Quando alguém que não tem muitos recursos ajuda o próximo, ele está a provar que confia em Deus, visto que o Senhor afirma que nosso Pai sabe que precisamos comer, beber e vestir, mas que acrescentará todas estas coisas se buscarmos, com prioridade, o reino de Deus e a sua justiça (Mt.6:33).
OBS: Reproduzimos, aqui, palavra do ex-chefe da Igreja Romana, Paulo VI, por sua biblicidade:
“…não é verdadeiro que a fé seja um entrave à ação. Neste ponto de vista, também, o contrário é que é verdadeiro: a fé exige a ação, ela é um princípio dinâmico de moralidade (justus ex fide vivit)[o justo viverá da fé – observação nossa], o homem inspira sua própria vida diante da sua fé.
É uma expressão sintética do pensamento de São Paulo (Hb.10:38) e São Tiago precisa:
“a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma” (Tg.2:17). A fé comporta uma exigência de ação que emerge em caridade, isto é, em uma ação movida pelo amor a Deus e ao próximo.…” (PAULO VI. Audiência de 5 de junho de 1968. Cit. Tg.2:14-17. n.31. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 18 jun. 2014).
– Ora, quando ajudamos um necessitado, não o que nos sobra, mas com o que temos e que até nos poderá fazer falta, estamos buscando o reino de Deus e a sua justiça, visto que o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo (Rm.14:17).
Ao dar o que comer, beber e vestir ao nosso irmão ou irmã, mesmo que isto, em tese, possa nos fazer falta, nós estamos cumprindo a vontade de Deus,
demonstrando nossa compaixão para com aquele que é imagem e semelhança de Deus, e tal gesto, certamente, fará com que o Senhor nos acrescente o que é necessário, não permitindo que nada nos falte. Esta é uma atitude de fé, de confiança em Deus e na Sua Palavra.
– Despedir alguém que está necessitado sem lhe suprir a necessidade não é demonstração de fé, mas de grande hipocrisia. Dizer que o Senhor suprirá a necessidade, fazendo uma oração com o necessitado, mas não se dispondo a ajudá-lo é mera retórica, é a negação da própria fé.
Quem assim age demonstra não confiar em Deus, pois não se sujeita a ajudar a pessoa, tornando-se participante da confiança em Deus do que é ajudado. A fé verdadeira traduz-se por atitudes, não por meras palavras.
– O apóstolo João repete este ensino de Tiago, ao mostrar que o verdadeiro amor também não se prova com palavras, mas com obras (I Jo.3:17,18).
O apóstolo do amor é claríssimo ao mostrar que quem tem o amor de Deus não cerra as suas entranhas, ou seja, tem um interior aberto ao próximo, que está decidido a promover o bem do outro, a se entregar para o outro.
– Por isso Tiago chama o amor ao próximo de “lei real”, ou seja, quem ama o próximo, quem tem fé em Deus, pois o amor é decorrência da fé, que é o meio pelo qual entramos nesta graça (Rm.5:1,2),
é alguém que faz bem ao próximo, pois o amor é sobretudo um comportamento, uma conduta que se segue a um simples sentimento. Diz João que conhecemos o amor porque Cristo deu a vida por nós e nós, por conseguinte, devemos dar a nossa vida pelos irmãos (I Jo.3:16).
– É a “lei real”, ou seja, algo que se pode constatar na realidade cotidiana, no dia-a-dia, naquilo que vemos e ouvimos, não algo que esteja apenas no “mundo das ideias”, algo que esteja apenas na mente e no discurso, sem qualquer repercussão na vida diária.
– Uma fé sem obras, diz Tiago, é morta em si mesma, ou seja, é uma fé que não existe, que é uma mera invencionice mental, uma ilusão.
Pode até ter nascido em algum momento, como nos dá conta o Senhor Jesus na parábola do semeador, mas que deixou de existir, porquanto não é provada pela prática de boas obras.
– Fé sem obras é uma ilusão, algo que não existe nem pode existir. Tiago é bem claro ao dizer que não faz sentido alguém dizer que tem fé, não tendo obras ou alguém dizer que tem obras, não tendo fé (Tg.2:18).
– É precisamente neste ponto que vemos que Tiago não pode, em absoluto, ser utilizado como justificativa bíblica para aqueles que defendem a salvação pelas obras.
Tiago diz que se alguém diz que tem fé e outro diz que tem obras, ambos estão iludidos, falam sobre o que não existe, mas o irmão do Senhor é enfático em afirmar que a estes ele mostraria a sua fé pelas suas obras.
– Já vimos que alguém que diz ter fé e não tem obras, é meramente um falante, alguém que diz algo que não possui efetivamente. Uma fé meramente de palavras, de discurso inexiste, é uma ilusão de uma mente deturpada pelo maligno.
– Tiago é incisivo ao dizer que crer que Deus existe é algo que até os demônios fazem (Tg.2:19), até porque conviviam eles com Deus antes de pecarem.
Assim, quando alguém afirma que Deus existe não está a demonstrar qualquer fé, mas faz uma mera constatação intelectual, sem qualquer resultado prático, pois se até os demônios o fazem, e estão eles irremediavelmente condenados ao lago de fogo e enxofre (Mt.25:41), o fato de alguém dizer que crê que Deus existe é absolutamente irrelevante em termos de salvação.
OBS: “…A fé morta é uma fé que atinge apenas o intelecto. A fé dos demônios atinge o intelecto e também as emoções.
Os demônios têm um estágio mais avançado de fé que muitos crentes. A fé dos demônios não é apenas intelectual, mas também emocional.
Eles creem e tremem!…” ((LOPES, Hernandes Dias. Tiago: transformando provas em triunfo. Comentários expositivos Hagnos. São Paulo: Hagnos, 2006. p.51. Digitalização de Emmanuence Digital).
– Tal afirmação de Tiago é extremamente importante, pois nos mostra que muitos que se dizem cristãos, religiosos ou piedosos, pelo simples fato de afirmarem crerem em Deus, estão completamente enganados e iludidos.
O chamado “ateísmo prático”, ou seja, um modo de vida que não leva em conta a vontade de Deus, é um mal que tem assolado milhões e milhões de pessoas que se afirmam tementes a Deus, mas não o são.
Tem sido esta uma grande ilusão nos nossos dias, inclusive entre os que cristãos se dizem ser.
– Com efeito, é muito triste verificarmos a existência de “cristãos nominais”, ou seja, pessoas que dizem ser cristãs, que dizem crer em Cristo Jesus, mas que se limitam a isso, não tendo qualquer atitude que demonstre crerem elas em Jesus, simplesmente porque não fazem o que Cristo manda, mas tão somente o que bem entendem.
São pessoas que caem nesta armadilha mencionada por Tiago, que não são melhores que os próprios demônios, ou quiçá, são piores que os demônios,
pois Tiago diz que estes seres malignos estremecem quando se lhes é dito o nome do Senhor Jesus, quando o Senhor Jesus a eles se apresenta, enquanto que estes “ateus práticos” nem se incomodam com a presença de Deus, pois, para eles, em suas vidas reais, em suas atitudes e comportamentos, há uma completa indiferença em relação a Deus, vivem como se Deus não existisse, embora digam que creiam na Sua existência.
Será que não estamos assim, amados irmãos? Pensemos nisto!
OBS: “…em dado momento de nossas vidas, antes da conversão, do chamado de Deus para vivermos a glória da regeneração em Cristo, éramos ateus, pois vivíamos sem Deus.
Lembram-se que a palavra ateu quer dizer “sem Deus”? Pois bem, todos nós, sem exceção, ainda que tendo o conhecimento inato de Deus, o qual o próprio Deus colocou em nosso coração, vivemos sem ele, até que sejamos por ele transformados. De criaturas em filhos.(…)
Paulo se refere aos efésios e, por tabela, a todos nós que vivíamos segundo a carne e pela carne, como ateus práticos. Eles não negavam a existência de Deus, pelo contrário, eles cultuavam outros deuses. E, muitos, diziam servir a Deus, amá-lo, honrá-lo. Porém, suas vidas revelavam o contrário.
Ao darem vazão aos seus instintos e intentos carnais eles negavam a Deus ignorando-o, fazendo exatamente tudo o que lhe afrontava, pervertendo os seus caminhos, afastando-se de todo o seu conhecimento, desobedecendo-o e rejeitando os seus preceitos.
Eles, como nós, viviam para satisfazer os seus prazeres e desejos, na forma do pecado, e assim seus discursos eram aparentemente piedosos, reverentes, mas em seus corações e em suas vidas havia apenas a descrença em Deus:
‘Confessam que conhecem a Deus, mas negamno com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toa a boa obra’ [Tt 1.16], resume o apóstolo.
O fato de usarem o nome de Deus não os faz dignos dele; pois o Deus que diziam servir e adorar nada tinha a ver com o Deus vivo e verdadeiro, o Deus bíblico.
E é aqui que o problema tem contornos ainda mais dramáticos; pois eles, como nós, criavam a ilusão de estar servindo a Deus, de cultuá-lo, de se colocar a seu serviço, quando não queriam nada com ele.
Elegeram um Deus “postiço”, um substituto, e o fizeram objeto de adoração.(…). Quando ouço coisas do tipo:
“Não leio a Bíblia, mas eu sirvo a Deus”, pergunto para a pessoa: Mas a qual Deus?
Elas, na maioria das vezes, dizem servir a um Deus que não podem identificar, um Deus indeterminado, impessoal. Ele estaria mais para uma entidade abstrata e imprecisa, e, como servir e adorar o que não se conhece ou pode conhecer?
Então, normalmente dizem: “Esta é a minha fé, e Deus a aceita como ela é!”. Nisso há alguma razão. Ele tem uma fé que não é sobrenatural, que não provém de Deus, mas uma fé humana, claudicante, frágil e enganosa. Uma fé gerada em seu próprio coração iníquo.
E que o lança ainda mais na ilusão ao afirmar que Deus a aceita como ela é, mas como sabê-lo? Deus falou diretamente com ele? Ou não passa de uma suposição, um pensamento derivado da sua necessidade de manter-se distante e protegido da verdade?
Todos fomos assim um dia; ateus práticos, que não dizíamos negar a Deus, mas o negávamos diariamente mantendo-nos ignorantes quanto a ele, mantendo-nos distantes dele, presumindo que os nossos conceitos e opiniões pudessem ser superiores à Revelação escriturística, de forma que ela fosse dispensável.
De forma que tanto a moral que tínhamos, como a ética, como o julgamento, eram claramente uma indisposição, uma má vontade contra ele.
Qualquer um que diga conhecer e servir a Deus fora dos padrões estabelecidos pelo próprio Deus é um ateu prático. Certamente ele não professará a fé ateísta, mas se manterá como um ateu secreto.…” (Ateísmo prático. Disponível em: http://afeexplicada.wordpress.com/2012/03/27/ateismo-pratico/ Acesso em 17 jun. 2014)
– Tiago chama de homem vão aquele que diz ter fé mas que não pratica boas obras (Tg.2:20).
Esta afirmação de Tiago é interessante, porquanto revela que o homem que diz ter fé mas não pratica boas obras, e, portanto, cuja fé é morta, é um homem do mundo, alguém que não se tornou nova criatura em Cristo Jesus.
Ao chamá-lo de “vão”, ou seja, vazio, o irmão do Senhor como que faz uma conotação com os escritos de Salomão, mais precisamente o livro de Eclesiastes, onde o sábio rei vai chamar de “vaidade” tudo quanto existe sobre a face da Terra, tudo quanto sucede debaixo do sol (Ec.1:2; 12:8), ou seja, aquilo que é próprio deste mundo, que não tem ligação alguma com Deus.
– De igual forma, porém, é aquele que pratica boas obras, mas não tem fé. De nada adianta fazermos bem, se não confiamos em Deus, se não recebemos de Deus, pela Palavra de Deus, a fé em Cristo Jesus, que nos proporciona a salvação, a entrada na graça de Deus.
– Fazer coisas boas, dar coisas boas a alguém nada representa no campo espiritual.
O Senhor Jesus foi claríssimo ao dizer que as pessoas más sabem dar boas dádivas aos seus filhos (Mt.7:11). Portanto, alguém pode fazer o bem ao próximo sem que isto represente que tenha fé em Deus.
– As obras, por si sós, não operam a salvação, porque a salvação não vem do homem, ela vem de Deus.
Quando alguém não recebe a Palavra de Deus, e, portanto, não recebe a fé, que vem pelo ouvir pela Palavra de Deus (Rm.10:17), pois a fé é um dom de Deus (Ef.2:8),
tem-se que não se tem fé e, portanto, as boas ações eventualmente praticadas não representam um fruto da fé, mas, sim, uma demonstração de autossuficiência que é espiritualmente desastrosa.
– A prática de boas obras sem fé é uma exaltação humana. O homem pensa que, ao fazer o bem ao próximo, adquire condições de obter a vida eterna, de conseguir, por seus próprios méritos, a religação com Deus.
É por esta razão que todas as religiões humanas têm, em seus preceitos, a prática de boas obras como forma de obtenção da salvação ou do que a ela equivale conforme os seus preceitos, algo como “evolução espiritual”, “progresso espiritual” e tantas outras coisas mais.
– Era este pensamento típico das falsas religiões que tanto indignou Martinho Lutero e os reformadores em geral e que os levaram a reaviventar o ensino bíblico da justificação pela fé.
As obras não justificam o homem, não o tornam bom, algo que é feito apenas pela fé em Cristo Jesus.
Tal situação, aliás, jamais foi defendida por Tiago, como admite, atualmente, a própria Igreja Romana, como se vê, por exemplo, no documento chamado de “Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação da Federação Luterana Mundial e da Igreja Católica”, em que se afirmou o seguinte:
“Confessamos juntos: somente por graça, na fé na obra salvífica de Cristo, e não por causa de nosso mérito, somos aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que nos renova os corações e nos capacita e chama para as boas obras” (Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação. In: WIKIPÉDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_Conjunta_Sobre_a_Doutrina_da_Justifica%C3% A7%C3%A3o Acesso em 17 jun. 2014).
OBS: O ex-chefe da Igreja Católica Bento XVI também reconheceu este fato em uma de suas catequeses sobre o apóstolo Paulo, em trecho que, por sua biblicidade, reproduzimos:
“…seguindo São Paulo, vimos que o homem não está em condições de se tornar “justo” com as suas próprias acções, mas só pode realmente tornar-se “justo” diante de Deus porque Deus lhe confere a sua “justiça” unindo-o a Cristo, seu Filho.
E o homem obtém esta união com Cristo através da fé. Neste sentido São Paulo diz-nos: não são as nossas obras que nos tornam “justos”, mas a fé.
Contudo, esta fé não é um pensamento, uma opinião, uma ideia. Esta fé é comunhão com Cristo, que o Senhor nos doa e por isso se torna vida, conformidade com Ele.
Ou, por outras palavras, a fé, se é verdadeira, se é real, torna-se amor, caridade, expressa-se na caridade. Uma fé sem caridade, sem este fruto não seria verdadeira. Seria fé morta.
Encontramos por conseguinte na última catequese dois níveis: o da irrelevância das nossas acções, das nossas obras para a consecução da salvação e o da “justificação” mediante a fé que produz o fruto do Espírito.
A confusão destes dois níveis causou, ao longo dos séculos, não poucos mal-entendidos na cristandade (…) a centralidade da justificação sem obras, objeto primário da pregação de Paulo, não entra em contradição com a fé ativa no amor; aliás, exige que a nossa mesma fé se exprima numa vida segundo o Espírito.
Com frequência viu-se uma infundada oposição entre a teologia de São Paulo e a de São Tiago, que na sua Carta escreve:
“Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta” (2, 26).
Na realidade, enquanto Paulo está antes de tudo preocupado em mostrar que a fé em Cristo é necessária e suficiente, Tiago realça as relações consequenciais entre a fé e as obras (cf. Tg 2, 2-4).
Portanto quer para Paulo quer para Tiago a fé ativa no amor confirma o dom gratuito da justificação em Cristo.
A salvação, recebida em Cristo, tem necessidade de ser constituída e testemunhada “com respeito e temor. De facto, é Deus quem suscita em vós o valor e as obras segundo o seu desígnio de amor.
Fazei tudo sem murmurar e sem hesitar… mantendo firme a palavra de vida”, dirá ainda São Paulo aos cristãos de Filipos (cf. Fl 2, 12-14.16).…” (Audiência de 26 de novembro de 2008. Catequese de São Paulo – XIV: a doutrina da justificação – da fé às obras. Disponível em: http://escritosdepaulo.blogspot.com.br/2010/05/catequese-14-de-bento-xvi.html Acesso em 17 jun. 2014).
– Completamente falso, portanto, qualquer ensino que diga que, por meio da prática de uma boa obra, o homem alcançará a salvação ou qualquer favor espiritual que implique em uma redenção, pois a salvação não pode vir das obras para que ninguém se glorie (Ef.2:8,9).
– É evidente que a prática de boas obras, ao traduzir uma fé operante e viva, faz com que os homens cresçam espiritualmente, pois a fé é algo que pode crescer (Lc.17:5; Mt.13:31 c.c. Lc.13:19),
bem como credenciam os homens a receberem galardão no Tribunal de Cristo (II Co.5:10; Ap.22:12), mas tudo isto são consequências de uma redenção, não trazem a redenção em si.
– Por isso, não pode ser aceita a posição adotada pela Igreja Romana, reafirmada no Concílio de Trento, convocado para combater a Reforma Protestante, de que a prática de boas obras produz um “aumento de graça”, mediante o qual se eliminam as “obrigações de penas temporais a pagar”, que é, precisamente,
a origem da doutrina das indulgências, ou seja, da necessidade de prática de boas obras para perdão das “penas temporais” resultantes dos pecados cometidos, algo que, lamentavelmente, não está apenas no Romanismo, mas em muitas práticas que se veem hoje em dia entre os que se dizem ser evangélicos, que acham que por fazerem isto ou aquilo “encurralam” Deus a lhes conceder bênçãos.
III – AS OBRAS DE MISERICÓRDIA
– O apóstolo Paulo disse, na epístola aos efésios, que o Senhor fez as boas obras para que nós andássemos nelas (Ef.2:10), a nos mostrar que, como servos de Cristo Jesus, temos o dever de praticar boas obras, as chamadas “obras de misericórdia”.
– Tais “boas obras” foram determinadas pelo próprio Senhor Jesus, quando, em Seu sermão escatológico, ao dissertar sobre o julgamento das nações, disse quais as atitudes que farão com que alguns ingressem no reino milenial de Cristo e outros, não, conforme o comportamento que tiveram para com os judeus e os que seguirem a Cristo durante a Grande Tribulação, obras estas que estão elencadas em Mt.25:34-40, a saber:
alimentar os famintos;
dar de beber aos quem têm sede;
vestir os despidos;
abrigar os sem abrigo;
visitar os doentes e
visitar os cativos.
Além destas seis obras constantes deste texto, foi acrescida também a de sepultar os mortos, prática sempre considerada meritória não só entre os judeus, mas também entre os gentios, como se verifica da narrativa bíblica a respeito da aquisição por Abraão de uma sepultura para Sara (Gn.23:3-20)
ou da preocupação de José de Arimateia, que a Bíblia diz que era discípulo de Jesus, senador honrado e que esperava o reino de Deus, teve em proporcionar uma sepultura a Cristo (Mt.27:57,58; Mc.15:43; Lc.23:51,52; Jo.19:38).
– Sobre cada uma destas obras já falamos supra, pois é esta a temática de Tiago, de modo que não nos estenderemos aqui em cada uma delas.
Basta-nos dizer que o Senhor Jesus deixou bem claro que quando fazemos quaisquer delas ao próximo, estamos a fazer a Ele e a ninguém mais.
Quando deixamos de fazê-lo, estamos recusando a fazer a Cristo e quem não o fizer jamais terá a companhia do Senhor, não desfrutará dela, não porque as obras salvem ou santifiquem, mas porque as obras revelam efetivamente se somos, ou não, servos do Senhor, se somos nós que vivemos mas se é que Cristo que vive em nós (Gl.2:20).
– Mas não são apenas estas sete obras que são tradicionalmente consideradas como “obras de misericórdia”.
Além destas sete obras, denominadas de “obras corporais”, também costumam ser listadas sete outras obras, chamadas de “obras espirituais”, a saber:
instruir os ignorantes;
aconselhar os duvidosos;
advertir os pecadores;
suportar os erros pacientemente;
perdoar as ofensas de bom grado;
confortar os aflitos e
interceder em oração por todos.
– Não fazemos o bem apenas quando proporcionamos benefícios materiais às pessoas, mas, também, quando buscamos o seu aprimoramento espiritual durante a peregrinação terrena.
Daí, porque, as “boas obras” também estejam presentes em ações que não dizem respeito ao homem exterior, mas ao homem interior (alma e espírito).
– Instruir os ignorantes, ou seja, ensinar os que não sabem é uma destas obras.
O Senhor Jesus mandou que a Igreja ensinasse as nações e os salvos (Mt.28:19,20) e esta é a principal demonstração de que os servos do Senhor têm o dever de ensinar os que não sabem, máxime no que concerne às coisas espirituais.
– Aconselhar os duvidosos é outro dever que compete a todo servo de Deus.
Judas, o irmão do Senhor, diz que devemos ter piedade daqueles que estão duvidosos (Jd.22), a fim de salvar alguns, arrebatando-os do fogo, tendo deles misericórdia com temor (Jd.23).
Os que duvidam estão paralisados espiritualmente (Tg.1:6) e, como na vida espiritual não há estacionamento, isto significa que estão a decrescer, a definhar, até porque estão mortalmente feridos pelos dardos inflamados do maligno (Ef.6:16).
Necessitam, portanto, de pronto socorro, a fim de que venham a se fortificar na fé e retomar o crescimento espiritual, a caminhada para os céus.
– Advertir os pecadores é outro dever que compete a todo servo de Deus e tal advertência nada mais é que a evangelização, a pregação do Evangelho.
Devemos lembrar aos pecadores que eles precisam se arrepender de seus pecados, sair da geração perversa e crer em Cristo Jesus para terem a vida eterna (At.2:37-40).
É nosso dever, pois, se não houver quem pregue, como poderão crer (Rm.10:14)?
– Suportar os erros pacientemente nada mais é que demonstrar ter a qualidade do fruto do Espírito denominada longanimidade.
Trata-se de repetir o que fez o Senhor Jesus, que, conforme nos diz o escritor aos hebreus, “suportou as contradições dos pecadores contra si mesmo”, desprezando a afronta, suportou a cruz (Hb.12:2,3),
a fim de alcançar o objetivo que lhe fora previsto pelo Pai, ou seja, assentar-Se no trono de Deus à Sua destra.
– Devemos, a exemplo do Senhor, não injuriar quando formos injuriados; não ameaçando quando padecemos, mas nos entregando Àquele que julga justamente (I Pe.2:23).
Assim fazendo, daremos um bom testemunho e não seremos motivo para escândalo, permitindo que o Espírito Santo possa atuar na vida daqueles que nos prejudicam, pois, fazendo assim, não se deixando vencer do mal, mas vencendo o mal com o bem, amontoaremos brasas de fofo sobre a cabeça dos que agem mal contra nós (Rm.12:20,21).
– Perdoar as ofensas de bom grado é outro indeclinável dever do servo de Deus, algo que faz parte de nossa mordomia.
O Senhor Jesus deixou bem claro que o perdão que damos ao próximo é condicionante para que recebamos o perdão de Deus, como está não só no sermão do monte (Mt.6:14,15),
como na parábola do credor incompassivo (Mt.18:23-35), que foi uma ilustração para o ensino de que devemos perdoar “setenta vezes sete”, ou seja, sempre (Mt.18:21,22).
– Confortar os aflitos é a próxima obra espiritual de misericórdia. Sabemos todos que, neste mundo, teremos aflições (Jo.16:33) e, portanto, é mister que procuremos aliviar a dor, a angústia e o sofrimento que sabemos que o próximo terá ao longo de sua jornada por esta Terra.
Para tanto, devemos nos preparar, tendo um relacionamento com o Deus de toda consolação, pois Ele nos consola para que, então, possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação (II Co.1:4).
– De certo modo, quando praticamos as chamadas “obras corporais de misericórdia” estamos a confortar os aflitos, mas não é apenas através daquelas obras que faremos tal conforto, pois, muitas vezes,
impedidos de ajudar materialmente, podemos sempre ouvir os que sofrem, fazer-lhes companhia, gestos que produzem um conforto na alma e espírito daquele que está atribulado.
– Por fim, a obra espiritual por excelência que é a intercessão por todos os homens, a utilização de nossa posição de sacerdotes (Ap.1:6), para poder comparecer diante do trono da graça (Hb.4:16), no santo dos santos do santuário celestial (Hb.10:19), para pedir em favor do próximo. Devemos interceder por todos os homens (I Tm.2:1).
– Deus não ouve a pecadores, somente àqueles que O temem (Jo.9:31) e, portanto, as pessoas incrédulas dependem de nossa intercessão para que sejam beneficiadas pelo Senhor,
como também há necessidade que intercedamos pelos nossos irmãos, já que a oração feita por um justo pode muito em seus efeitos (Tg.5:16) e quando há um acordo entre dois servos de Deus aqui na Terra, tal é confirmado nos céus (Mt.18:19).
– Se cumpríssemos esta obra de misericórdia, certamente que nossa sociedade estaria bem melhor do que seu estado atual, porquanto é através desta intercessão que obtemos uma vida quieta e sossegada (I Tm.2:2), que se tem paz na cidade (Jr.29:7).
– Nossa condição de servos do Senhor obriga-nos a praticar estas “boas obras”, é nossa mordomia. Se não tivermos boas obras a apresentar, como poderemos dizer que cremos em Deus? Pensemos nisto!
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://portalebd.org.br/classes/adultos/4421-licao-11-a-mordomia-das-obras-de-misericordia-i