LIÇÃO Nº 2 – A MORDOMIA DO CORPO
A doutrina da mordomia mostra-nos que o homem é um mero administrador do que Deus lhe deu, inclusive de seu próprio ser, que é tricotômico, ou seja, composto de corpo, alma e espírito.
INTRODUÇÃO
– A doutrina da mordomia, como temos visto ao longo deste trimestre, ensina-nos que a posição do homem, diante de Deus, é a de mordomo, ou seja, administrador daquilo que Deus tem criado na Terra.
– Ora, o próprio homem não é, assim, proprietário de si mesmo. As Escrituras são claras em afirmar que “Do Senhor é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que neles habitam”(Sl.24:1) (ou na NVI:
“Do Senhor é a terra e tudo o que nela existe, o mundo e os que nele vivem”). Desta forma, o homem deve prestar conta de o seu próprio ser, em toda a sua inteireza, ou seja, espírito, alma e corpo.
I – DESCRIÇÃO BÍBLICA DA CRIAÇÃO DO HOMEM
– Nesta lição, estaremos analisando a estrutura tricotômica do homem diante da narrativa bíblica da criação, para, então, falarmos do do exercício da própria mordomia em relação a uma das partes do homem, qual seja o corpo, o homem exterior (II Co.4:16).
Nosso objetivo será demonstrar que o homem é tricotômico e que todo o seu ser deve estar submetido à vontade e ao senhorio de Deus, o que se complementará na próxima lição, que tratará do “homem interior”.
– De pronto, devemos considerar que, entre os estudiosos da Bíblia, existem duas correntes de pensamento a respeito do modo de ser do homem.
Alguns entendem que o homem é composto de duas partes, uma material, a que chamam de corpo e outra, imaterial, a que chamam de “alma”.
Esta forma de pensar é a doutrina adotada oficialmente pela Igreja Romana e que encontra ressonância entre alguns segmentos ditos evangélicos ou protestantes. A esta linha de pensamento denomina-se “dicotomia”.
OBS: “…O mistério da vida é desconcertante, e mais do que nunca quando uma análise da parte imaterial do homem é empreendida. (…).
Quando se refere ao “homem interior”, a Bíblia emprega vários termos – alma, espírito, coração, carne, mente – e a questão que surge é se esses elementos são separados e devem existir um separado do outro, ou se eles são funções ou modos de expressão e um ego.(…).
A questão que se levanta a essa altura, que tem ocupado e dividido os teólogos de todas as gerações, é a seguinte: é o homem um ser dicotômico – duas partes, material e imaterial, com a suposição de que a alma e espírito são a mesma coisa – ou se ele é um ser tricotômico – corpo, alma e espírito ?…” (CHAFER, Larry Sperry. Teologia sistemática, t.1, v.2, p.585-6).
– Segundo a dicotomia, o homem seria formado apenas de corpo e alma, sendo que alma e espírito seriam a mesma coisa.
Esta postura, entretanto, embora tenha encontrado muitos adeptos, não é a que melhor se apresenta na Bíblia Sagrada.
Embora haja trechos das Escrituras em que há uma consideração da alma e do espírito como sendo uma só parte do homem, tais passagens devem ser compreendidas tão somente como trechos que dizem respeito à parte imaterial do homem, parte esta que, muito adequadamente, é denominada por Paulo de “homem interior” (Ef.3:16).
Alma e espírito têm algumas semelhanças, mas isto não quer dizer que sejam a mesma coisa, mas, ao revés, é um indicativo de que são partes distintas do homem.
– Pelo que se percebe da história da Igreja, o pensamento dicotômico ingressou na teologia como resultado da grande influência que a filosofia grega exerceu nos primeiros estudiosos que desenvolveram a doutrina dicotômica.
A maior parte dos primeiros teólogos que defenderam esta linha de pensamento eram oriundos da filosofia neoplatônica, ou seja, de uma corrente filosófica que se desenvolveu a partir do século III d.C., exatamente no período em que o Cristianismo alcançava um grande crescimento, inclusive entre as elites sociais e intelectuais do Império Romano.
– Os filósofos neoplatônicos baseavam seus pensamentos na filosofia de Platão, filósofo grego que viveu no século III a.C., que entendia que o homem era composto de corpo e de alma.
Há, inclusive, quem ache que Platão tenha sido, de alguma forma, influenciado em seu pensamento por crenças hinduístas, em especial as referentes à reencarnação e à pré-existência da alma.
Para Platão, o homem seria constituído de duas partes: o corpo e a alma. O corpo seria a parte física do homem e, como tal, desprezada por Platão, que via na matéria um mal em si, a fonte de toda a imperfeição humana; já a alma, imortal, seria a parte imaterial do homem, ou seja, a parte sem matéria, que seria a reprodução de um mundo verdadeiro, o chamado “mundo das ideias”.
– Os filósofos neoplatônicos, dos quais o mais conhecido foi Plotino (205-270), desenvolveram este pensamento de Platão e passaram a considerar que a alma seria a imagem, o reflexo de uma ideia primeira, o chamado Uno ou Um, que não teve dificuldade de ser identificado, pelos filósofos que se converteram ao Cristianismo, a Deus.
OBS: “…O Um de Platão, ou seja, o princípio da unidade, nas formas ou idéias mais elevadas(…) acabou equivalente a um Deus transcendental.
Esse Deus transcendental relacionar-se-ia com o mundo mediante uma série de intermediários, os quais se derivariam do Um através do princípio da emanação.
Isso posto, a realidade seria uma espécie de série gradativa de seres que, partindo o Um imaterial terminaria na matéria.
O homem participaria, até certo grau, do divino, embora esteja preso à matéria.(…). A matéria, considerada por si mesma, é irreal.
Ela é apenas uma espécie de epifenômeno do real. A matéria é o limite e a barreira contra a qual a Alma que emana se estilhaça em grande multiplicidade e diferenciações.
A alma seria anfíbia, podendo viver para baixo, nos mundos inferiores da matéria, antes de, finalmente, tornar-se material; ou, então, viver para cima, retornando à sua Fonte originária(…).
O processo da salvação ou restauração começaria pela rejeição do que é mundano e material(…).
Muitas reencarnações supririam o teatro de ações onde os homens se debatem. Pode-se dizer, pois, que Plotino foi o pai do misticismo ocidental, calcado em muito sobre ideias orientais.
Mas, visto que Plotino tanto se estribava em Platão, talvez seja correto dizer que Platão é que foi o verdadeiro pai do misticismo ocidental…” (CHAMPLIN, Russell Norman. Neoplatonismo. In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.4, p.484-5).
– Percebemos, portanto, que a concepção de que o homem seja formado de corpo e de alma é resultado da incorporação de pensamentos que são alheios às Escrituras, advindos da filosofia grega e, já pela origem, são pensamentos que não podem ser considerados como sendo genuinamente bíblicos.
Agostinho, Guilherme de Ockham e Tomás de Aquino foram pensadores cristãos grandemente influenciados por esta filosofia e seus escritos e ensinamentos acabaram por adotar a dicotomia, entendendo que o homem fosse apenas corpo e alma.
– Entretanto, quando verificamos as Escrituras, vemos que a Bíblia distingue no homem três partes, a saber: espírito, alma e corpo.
Segundo a corrente de pensamento dita tricotômica, a alma e o espírito são partes distintas, diferentes do homem, não se confundindo, portanto. Textos bíblicos indicam que alma não é o mesmo que espírito.
Em I Ts.5:23, é dito que o homem todo é composto de “todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”.
Em Hb.4:12, lemos que ” a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até a divisão da alma e do espírito…”.
Quando vemos o homem modelar das Escrituras, ou seja, Jesus, observamos que a Bíblia diz que Ele possuía corpo (Jo.19:38), alma (Mt.26:38) e espírito (Lc.23:46).
– Além das Escrituras revelarem que há uma distinção entre alma e espírito, ou seja, que não são a mesma coisa, ainda que possam ter algumas semelhanças e sejam inseparáveis, como veremos adiante (o que explica a existência de textos em que as palavras “alma” e “espírito” correspondem a “homem interior”),
temos que tal interpretação é a que melhor se coaduna com o relato bíblico da criação, pois é dito que Deus fez o homem à Sua imagem e semelhança (Gn.1:26,27).
Ora, se o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, deve ter a mesma estrutura da divindade e sabemos que Deus é uma triunidade (Pai, Filho e Espírito Santo, cfr. Mt.28:19), de forma que o homem, também, deve ser uma triunidade.
– A posição tricotômica, ademais, é a única que explica e conforma a estrutura humana para a sua posição estabelecida por Deus para o homem na terra, como temos aprendido neste estudo da doutrina da mordomia.
Sendo uma triunidade, explica-se tranquilamente a posição de mordomo que o ser humano tem na criação da terra.
Enquanto administrador, o homem tem de se relacionar com o seu Senhor (e, para tanto, é dotado de espírito), consigo mesmo (e, para tanto, é dotado de alma) e com as demais coisas criadas na terra, colocadas sob sua autoridade (e, para tanto, é dotado de corpo).
A linha de pensamento dicotômica, além de partir de uma concepção pessimista em relação à matéria, como se ela fosse algo de mau (pensamento desmentido pelas Escrituras, como vemos em Gn.1:31),
não explica este relacionamento do homem com Deus e esta posição diferenciada do homem em relação às demais criaturas terrenas.
OBS: “…Muitos evangélicos modernos têm defendido a posição da tricotomia. A asseveração de C.I. Scofield é tão boa quanto outra. Diz ele:’ O homem é uma trindade.
Que a alma e o espírito humanos não são idênticos se comprova pelos fatos de que são divisíveis (ver Hb.4:12) e que alma e espírito são claramente distinguidos quando do sepultamento e da ressurreição do corpo.
É sepultado o corpo natural (no grego, ‘soma psuchikon’, ‘corpo animado’) e é ressuscitado corpo espiritual (no grego, ‘soma pneumatikon’, ‘corpo espiritual’), conforme se lê em I Co.15:44.
Portanto, asseverar-se que não há diferença entre alma e espírito é dizer que não há diferença entre o corpo mortal e o corpo ressurreto.…” (CHAMPLIN, Russell Norman. Dicotomia, tricotomia. In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.2, p.148).
– Não é por outro motivo, aliás, que foi esta a posição adotada na Declaração de Fé das Assembleias de Deus, “in verbis”:
“…Entendemos que o ser humano é constituído de três substâncias, uma física, corpo, e duas imateriais, alma e espírito. Exemplo dessa constituição nós temos no próprio Jesus. Essa doutrina é chamada tricotomia. Cristo é apresentado nas Escrituras com essas três características distintas e essenciais…” (cap.VII, n.1, p.78).
– Quando observamos o relato bíblico da criação, de imediato se percebe que o homem foi criado de forma distinta dos demais seres criados na Terra.
Enquanto que os demais seres foram criados tão somente pela palavra do Senhor, o homem foi objeto de cuidado especial, tendo Deus deixado bem claro que o ser humano seria um ser diferente, pois seria feito à imagem e semelhança de Deus e que, além disso,
seria constituído como superior em relação aos demais. A expressão divina de Gn.1:27 encerra, portanto, todos estes elementos, seja o de uma estrutura diversa e distinta dos demais seres, seja a condição de superior aos demais.
– É por este motivo que não se pode considerar que a estrutura do homem seja idêntica a dos demais seres criados na Terra, como querem pretender as teorias evolucionistas que dominaram as ciências biológicas a partir do século XIX, com as obras de Lamarck e de Darwin, pois há uma distinção fundamental entre os homens e os demais seres.
Todos os seres criados na Terra, com exceção do homem, são guiados pelo instinto e, se são dotados de alguma inteligência, esta se dá e se revela apenas por força do adestramento, da repetição, sem qualquer consciência, como ocorre com os primatas ou com outros seres,
ao passo que o homem é totalmente diferente, tendo a capacidade de inferir, de criação, de novos conhecimentos além dos que foram aprendidos e absorvidos pela repetição e observação.
Daí porque ser erro manifesto querer-se confundir a alma dos animais com a alma humana, como quando se aplica um texto bíblico como o de Gn.9:4 ao ser humano.
– No relato da criação do homem, portanto, a Bíblia já nos informa que o homem seria um ser diferenciado e, realmente, dos seres criados na Terra, o homem é o único que é tricotômico, que é triúno, que é dotado de espírito, alma e corpo. Esta estrutura é a única que explica porque o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, bem assim como teria capacidade de dominar sobre os demais seres.
– Por isso mesmo, a parte final do item 2 do Cremos de nossa Declaração de Fé, que diz crermos “em um só Deus” (…)
“…Criador do Universo, de todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, e, de maneira especial, os seres humanos, por um ato sobrenatural e imediato, e não por um processo evolutivo (Dt.6:4; Mt.28:19; Mc.12:29; Gn.1:1; 2:7; Hb.11:3 e Ap.4:11)”. Enfatiza-se o caráter específico da criação do homem.
– Esta estrutura, ademais, era própria tanto do homem, quanto da mulher. Deus, ao anunciar a criação do homem, fê-lo também distinto dos seres celestiais, pois, se os anjos eram, também, dotados de moralidade e de consciência, não eram capazes de se reproduzir (cfr. Mc.12:25).
O homem, entretanto, foi criado para que se multiplicasse, para que se reproduzisse e, por isso, Deus o criou sexuado (Gn.1:27,28).
Assim, tanto o homem quanto a mulher têm a mesma estrutura tricotômica, não sendo senão um triste resquício cultural decorrente da cegueira espiritual causada pelo pecado o entendimento de certos estudiosos das Escrituras, ainda na época da lei judaica, que colocavam em dúvida o fato de a mulher ser, ou não, dotada de alma e de espírito.
– É interessante observar, a propósito, que tanto na criação do macho, quanto da fêmea, Deus foi cuidadoso e operou distintamente com relação aos demais seres criados na Terra.
Para criar o homem, Deus procedeu diferentemente do restante da criação, soprando nas narinas do homem formado mas ainda sem vida, enquanto que, no tocante à mulher, Deus fez cair profundo sono sobre Adão e, então, fez a primeira clonagem de que se tem conhecido na história da humanidade.
Nada fez pelo simples poder de Sua Palavra, para demonstrar Seu cuidado e o papel preponderante que estava reservando ao ser humano na Sua criação sobre a Terra.
– A narrativa bíblica da criação do homem é desenvolvida em dois instantes nas Escrituras: de forma sucinta, no capítulo 1 do livro do Gênesis, em meio a narração da criação de todas as coisas e, depois, de forma pormenorizada no capítulo 2.
Esta repetição tem sido alvo de muitas conjecturas e pensamentos entre os estudiosos da Bíblia, mas quer nos parecer que razão têm aqueles que indicam aí mais um fator demonstrativo do valor do homem para Deus, de sua superioridade perante todas as demais criaturas terrenas, bem como um próprio indicador de que queria Deus que ficasse bem patente à humanidade, a quem se dirigem as Escrituras, que nós temos um lugar especial reservado na ordem estabelecida pelo Senhor.
– O relato da criação, portanto, revela que, tanto o homem como a mulher, foram criados com propósitos certos e determinados, que deveriam ser perseguidos por estas criaturas distintas e superiores criadas sobre a face da Terra. Deus fez o homem e a mulher para dominar sobre as criaturas terrenas e para serem, por assim dizer, o elo de ligação entre o Criador e a criação.
– Homem e mulher deveriam cuidar da criação, administrá-la e , de forma livre e espontânea, amar a Deus, obedecer-Lhe e desfrutar de uma íntima comunhão com seu Criador.
Era este o propósito divino estabelecido quando da criação do ser humano. O homem, portanto, não seria jamais dono de si, mas existiria para fazer a vontade d’Aquele que o criou.
II- AS SUBSTÂNCIAS MATERIAL E IMATERIAL DO HOMEM
– Na segunda narrativa a respeito da criação do homem, no capítulo 2 do livro do Gênesis, a Bíblia mostra como se deu esta criação.
Já na primeira narrativa, ficou evidenciado que o homem era diferente dos demais seres criados na Terra, porque havia sido feito à imagem e semelhança de Deus e com autoridade e domínio sobre os demais seres.
As Escrituras, assim, revelam, claramente, já ao introduzir o homem na ordem cósmica, que era ele um ser distinto.
– No capítulo 2, entretanto, a narrativa bíblica é mais explícita, é mais pormenorizada, trazendo informações a respeito desta diferença, desta distinção que já havia sido indicada no capítulo 1.
– Inicia-se a narrativa mediante uma expressão nova, que até então não havia surgido na narrativa da criação.
Afirma-se que Deus formou o homem do pó da terra. Esta expressão é a tradução do original hebraico “yatsar”( )ָיצר , que quer dizer dar a forma de um vaso por parte de um oleiro, verbo que é reproduzido em textos como Is.29:16 e Jr.18:4.
O relato bíblico, portanto, faz questão de nos revelar que Deus não tirou o homem, nesta parte, do nada, como fez com os demais seres, mas, bem ao contrário, utilizou-se de algo já existente, ou seja, o pó da terra, o barro, a argila, para dele fazer parte do homem.
– Feito para dominar sobre os demais seres, o homem foi feito, em parte, de algo já existente na criação, para que não se esquecesse de sua condição de criatura, para que não se vangloriasse e se achasse superior aos demais seres.
Do pó da terra foi feita uma parte do homem, parte esta que passou a ser conhecida como a sua parte física, ou seja, a parte que vem da natureza (“physis” em grego quer dizer natureza), como a sua parte material, isto é, a parte que vem da matéria, e o pó da terra, tem demonstrado a química, é uma substância que possui praticamente todos os elementos encontrados na natureza.
OBS: “…O pó em forma de limo da terra, ou argila, conforme dizem algumas versões bíblicas, é formado por diversas substâncias orgânicas que fazem parte da constituição do corpo humano.
Este pó não se refere simplesmente a algum boneco feito de barro, como os humanos fazem, para significar ou representar alguma coisa.
Devemos entender, acima de tudo, que se trata da integração de substâncias ainda hoje encontradas na formação do corpo físico humano.
Estão presentes em tal variedade que, através de novas pesquisas, a ciência ainda consegue descobrir novas substâncias nos corpos físicos, substâncias estas, muitas vezes, capazes de determinar a hereditariedade de certos indivíduos ou coisas semelhantes.
O Criador não precisou sujar as mãos de barro, como faz qualquer oleiro de nossos dias, juntando água e amassando o barro, para fazer um boneco. O Senhor formou pelo poder e força de Sua Palavra, ou quiçá só por Seu pensamento.
Toda a composição que Ele desejou, as substâncias incluídas como parte do corpo humano para formá-lo com características diferentes dos outros animais, toda ela foi feita pelo Seu poder.…” (SILVA ], Osmar José da. Reflexões filosóficas de eternidade a eternidade, v.2, p.423).
– Aquele que domina é feito, em parte, daquilo de que é constituído o dominado. Esta figura é uma expressão que deve causar nossa reflexão, pois jamais devemos nos esquecer que aquele que é colocado acima de outros jamais deve se esquecer que é constituído do mesmo material dos outros, jamais deve se esquecer de que é um igual em relação aos demais, ainda que esteja numa posição de destaque.
O ministério de Jesus é profícuo e exitoso, “porque assim o que santifica, como os que são santificados, são todos de um; por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos.” (Hb.2:11).
Muito dos erros e desastres que vemos em lideranças e autoridades decorre, precisamente, da falta de consciência de que, em essência, somos iguais e que jamais devemos nos esquecer desta realidade.
– Esta parte material do homem é o corpo, que foi tomado do pó da terra e que, com o pecado, foi determinado que a este pó da terra tornasse (Gn.3:19).
O corpo é separado do restante do homem, por ocasião da morte, que é, por isso, chamada de morte física, ou seja, a separação da parte natural da parte sobrenatural do homem.
O corpo que agora temos é um corpo natural, submetido às regras da natureza, frágil e débil, visto que veio do pó da terra, mas não é algo danoso ou que cause, por si só, o mal, pois, sendo fruto da natureza, é algo bom, como nos anuncia a Palavra de Deus (Gn.1:31).
Tanto assim é que a palavra “homem” (adam), em hebraico, é derivada da palavra “terra” (adamah).
OBS: É oportuno aqui observar que a relação entre o corpo do homem e o pó da terra é uma ideia recorrente em diversos povos e culturas, a indicar que esta ideia original, evidentemente transmitida pelo primeiro casal a seus descendentes, não foi apagada totalmente da memória dos povos.
Assim, se formos observar a mitologia grega a respeito da criação de todas as coisas, veremos que o poeta Hesíodo nos traz uma narrativa muito semelhante à bíblica, fazendo questão, ainda, de dizer que ao pó da terra teria sido adicionada água a fim de se formar a argila.
– Mas o trecho bíblico prossegue, dizendo que, feita a parte material do homem, “…Deus soprou em seus narizes o fôlego de vida; e o homem foi feito alma vivente”(Gn.2:7), ou seja, criou a parte imaterial do homem, constituída da alma e do espírito.
Este é o aspecto totalmente diverso entre o homem e os demais seres vivos criados na Terra. O homem é dotado de uma parte imaterial, que o faz sobrenatural, ou seja, que o coloca acima da natureza e que lhe permite dominar sobre ela.
Esta parte imaterial, resultado do sopro de Deus, é o que Paulo denomina de “homem interior” (Rm.7:22; Ef.3:16), porque é a parte do homem que não aparece aos nossos olhos, parte do homem que as Escrituras identificam figurativamente como “mente” (v.g., Rm.7:25), “coração” (v.g., Pv.4:23) e “rins” (v.g., Ap.2:23).
– O fôlego de vida soprado por Deus não é o ar que conhecemos, mas a própria vida dada ao homem, a própria imagem e semelhança de Deus.
Deus é imagem e semelhança de Deus exatamente porque Deus lhe imprimiu algo de Sua essência, algo que veio diretamente d’Ele, ao contrário do restante da criação, que foi feito a partir da vontade divina expressa por Sua Palavra.
– Apesar de reconhecermos que há vários estudiosos que consideram que a expressão “alma vivente” de Gn.2:7 quer significar tão somente que o homem passou a existir enquanto ser vivo após este soprar de Deus,
não podemos deixar de considerar que a expressão deva ser entendida como sendo a indicação de que o homem passou a ter uma parte imaterial, passou a ser dotado de uma substância imaterial ( o “homem interior”).
Entende-se que, ao tempo de Moisés, os judeus não tinham, ainda, uma noção de uma parte imaterial do homem e que o Pentateuco não mostra qualquer ideia a respeito da tricotomia (ou mesmo dicotomia) do homem.
Entretanto, devemos observar que o texto bíblico é objeto de revelação divina e que é indiferente se o autor do escrito tinha a exata noção da amplitude e da profundidade do texto que escreveu.
O fato é que a Palavra é de Deus e, como tal, esta expressão quer, mesmo, indicar ao homem que há, nele, uma parte imaterial, uma parte sobrenatural, que não se confunde com o seu corpo, dado que, ao longo da história de Israel, passou a ser compreendida na gradual revelação divina.
– Ao se dizer que o homem foi feito “alma vivente”, está sendo dito que o homem é uma alma que tem vida, ou seja, é uma alma que está em comunhão com Deus, pois vida, aqui, não é uma mera existência, mas é uma demonstração de existência de uma comunhão entre Deus e a Sua criatura.
Deus soprou nos narizes do homem e ele foi feito “alma vivente”, ou seja, surgiu deste sopro uma alma e esta alma tinha consciência de que vinha de Deus e estava ligada a Ele.
Temos, então, as duas instâncias do homem interior: a alma, que é a sede dos sentimentos e do entendimento; o espírito, que é a sede da consciência da existência de uma relação de dependência do homem em relação a Deus.
É neste sentido que podemos, aqui, reproduzir o ensino de C.A. Auberlen, mencionado por Larry Chafer:
“corpo, alma e espírito não são nada além da base real dos três elementos do ser humano, consciência do mundo (corpo, observação nossa), autoconsciência (alma, observação nossa) e consciência de Deus (espírito, observação nossa)” (CHAFER, Larry Sperry. Teologia sistemática, t.1, v.2, p.592).
OBS: “…Em nenhum outro ser, seja ele dotado de corpo animal, ou seja um ser angelical, ouviu-se dizer que Deus soprou sobre ele, dando-lhe o fôlego de vida.
Foi esse fôlego de vida que tornou o homem um ser capaz de raciocinar, empregar a razão, memorizar, possuir consciência, tornando-se semelhante ao Senhor.
O corpo humano é, sem dúvida, a mais bela obra-prima do Criador. O que o faz belo é a vida intelectual e espiritual que permite a participação da própria vida de Deus.(…).
Com o sopro divino, o homem recebeu vida para sempre, mas pela desobediência perdeu esse direito de vida eterna. Jesus veio para nos dar vida eterna(…).
Para alcançar a vida eterna que Deus soprou sobre Adão no Éden, é preciso que a mentalidade humana volte a ser como o Criador a fez quando soprou sobre o homem. Jesus fez isto sobre Seus discípulos, ao soprar sobre eles(…).
Ao pecar, o ser humano perdeu o espírito de vida eterna e sobre ele caiu a condenação da morte; para reverter este quadro, é preciso que ele se volte para Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo, o único caminho, verdade e vida e receba a presença do Senhor, tornando-se templo do Espírito Santo.
A palavra ‘espírito’, no original, significa pneuma, vento, sopro. Esta é a grande diferença entre os seres humanos e os animais.
Os animais não receberam o sopro, vento, espírito e, por isso, não têm entendimento como o homem.”( SILVA, Osmar José da. Reflexões filosóficas de eternidade a eternidade, v.2, p.41-2).
– Vemos, além disto, que o homem é mero objeto da ação de Deus, pois é dito que foi quem Deus tanto que formou o homem, como também que o fez alma vivente.
Em ambas as expressões bíblicas, o homem é apresentado apenas como tendo sido o resultado da ação divina.
É em virtude desta situação que o homem não pode, em hipótese alguma, arrogar-se o direito de ser proprietário de si mesmo, que pode achar que seja “dono de seu nariz”
(aliás, é interessante notar esta expressão do linguajar popular em nossa língua, porquanto ela reflete bem o engano deste pensamento, pois a Bíblia, textualmente, diz que foi Deus quem formou o nariz do homem e, neste nariz, soprou o fôlego de vida, ou seja, o homem não é mesmo dono do seu nariz).
Esta realidade é a razão de ser de toda a doutrina da mordomia e, em especial da mordomia cristã em relação a nós mesmos.
– Na próxima lição, veremos mais pormenorizadamente o que é a alma e o que é o espírito. No entanto, apenas para indicarmos que são partes diferentes do ser humano, podemos observar que a alma é a sede dos pensamentos e dos sentimentos do homem, a sede da sua personalidade, da sua individualidade, a parte do homem que tem consciência de si mesmo.
Já o espírito é a parte do homem que faz a relação dele com Deus, é a sede da consciência, daquele instrumento que nos permite discernir o certo do errado, é o elo de ligação entre Deus e o homem, a instância em que tomamos consciência da existência e da soberania de Deus.
II – HOMEM, O BEM MAIOR DE DEUS NA TERRA
– Pela narrativa bíblica da Criação, como vimos, Deus demonstra todo o Seu cuidado e Seu zelo para com o homem e o Seu propósito de tornar o homem a principal criatura Sua na face da Terra.
O homem foi criado com o propósito de ser o administrador, o mordomo de toda a criação na Terra.
OBS: É interessante observar que os judeus entendem que a narrativa bíblica da Criação é uma demonstração do amor de Deus.
É o que consta no tratado Pirke Avot do Talmude, que ora transcrevemos: ” Ele (Rabi Akiva) dizia:
Amado é o homem, pois foi criado à imagem de Deus, e como prova desse amor lhe foi dado saber que ele foi criado à imagem de Deus, conforme foi dito: ‘ Porque Deus fez o homem à sua imagem.’ …” (Pirke Avot 3,18a apud BUNIM, Irving M.. A ética do Sinai, p.180).
– Ao mesmo tempo, porém, Deus mostra ao homem, através das Escrituras, que o homem é uma criatura Sua, que é resultado do Seu poder e que, portanto, embora esteja colocado acima das demais criaturas, deve obediência e submissão ao seu Criador.
A narrativa da criação não deixa qualquer margem a dúvidas: embora superior às criaturas terrenas, o homem é inferior a Deus e deve a Ele toda a razão de Sua existência.
– Foi Deus quem formou o homem (ou seja, quem determinou a integração das substâncias do pó da terra para dar surgimento ao corpo).
Foi Deus quem soprou nas narinas do homem e o fez alma vivente (ou seja, quem deu o fôlego de vida, quem criou a alma e o espírito do homem).
Desta maneira, o homem tem consciência de que não pode se assenhorear sequer de si mesmo, pois todo o seu ser, espírito, alma e corpo, devem sua existência única e exclusivamente a Deus e, portanto, a Deus deve prestar contas no dia aprazado pelo Senhor, este, sim, o verdadeiro proprietário do ser humano.
– Quando chegamos a esta conclusão, observamos, claramente, que nossas atitudes, que nossa conduta devem ser feitas levando única e exclusivamente a vontade divina, pois Ele é o nosso Senhor, por direito de criação, estando todo o nosso ser envolvido nesta dependência e pertinência.
– Neste ponto, aliás, percebemos qual falho é o pensamento difundido por muitos de que Deus somente está interessado em partes da vida do ser humano, de que Deus somente quer de nós a tomada de certos posicionamentos ético-morais, de certas posturas em determinados momentos ou instantes de nossas vidas.
Se bem nos conduzirmos, ou seja, se fizermos aquilo que, aos nossos olhos e aos olhos da sociedade em que vivemos, seja razoável, justificável e compreensível, estaremos agradando a Deus e, assim, alcançando a Sua compreensão e a Sua bênção.
Deus não é um ser que possa ser tratado desta maneira, pelo simples motivo de que não somos nós quem ditamos as regras ou que estabelecemos se isto é, ou não, tolerável, compreensível ou razoável. O Senhor de nossas vidas é Deus e não nós.
Não temos qualquer direito de dizermos o que devemos, ou não, fazer, pois todo o nosso ser pertence a Deus.
Espírito, alma e corpo foram feitos por Deus e devem exercer as atividades estabelecidas pelo seu Criador e na forma por Ele determinada.
Quando nos arrogamos o direito de decidir o que fazer na “nossa vida”, estamos cometendo um grave equívoco, pois a vida nunca foi, não é e jamais será “nossa”. Tudo é de Deus e aqui somos meros administradores de nossa própria existência.
– Esta submissão do homem a Deus, entretanto, depende da vontade do homem, pois, tendo sido constituído à imagem e semelhança de Deus, o homem, além de ser tricotômico, é também livre, ou seja, tem o livre-arbítrio, pode escolher servir a Deus, ou não, como ficou bem claro na primeira expressão divina feita ao homem que se encontra registrada nas Escrituras em Gn.2:16,17.
O homem deveria fazer a vontade de Deus, deverá prestar contas perante o Senhor daquilo que Deus lhe tem confiado, mas, por ser um ser moral, tal obediência não é algo senão fruto de uma consciência, de uma manifestação de vontade.
O homem pode escolher entre o bem e o mal e, em virtude disto, é tentado a crer que pode se assenhorear de sua vida, que pode manter uma vida independente de Deus. Ao crer nesta possibilidade, o primeiro casal pecou e ocasionou a perda da comunhão com o Senhor.
– Entretanto, Deus não tem outro prazer senão que o homem possa retomar esta comunhão inicial com o Senhor e esta foi a razão pela qual enviou Seu Filho ao mundo. Jesus não veio senão buscar e salvar o que se havia perdido (Lc.19:10).
Veio, em lugar da separação entre Deus e o homem, que é a morte, estabelecer a vida e a vida com abundância (Jo.10:10).
Por isso, se o homem quiser se submeter integralmente a Deus, deve aceitar a Cristo como seu Senhor e Salvador.
– Esta submissão exige que conheçamos a vontade de Deus para as nossas vidas, pois só assim poderemos dedicar todo nosso corpo, alma e espírito ao senhorio de Deus. Esta vontade nós a conhecemos através das Escrituras, porque são elas que testificam de Cristo (Jo.5:39).
Ora, só mesmo as Escrituras podem nos fazer cumprir a mordomia, porquanto só elas têm condição de penetrar até à divisão da alma e do espírito e das juntas e medulas e ser apta para discernir os pensamentos e intenções do coração (Hb.4:12).
Larry Chafer afirma que “…a distinção entre alma e espírito é tão incompreensível quanto a própria vida, e os esforços dos homens em estruturar decisões devem sempre ser insatisfatórios…” (Teologia sistemática, t.1, v.2, p.588) e, neste ponto,
tem razão o teólogo, pois somente a Palavra de Deus sabe, precisamente, onde termina a alma e onde começa o espírito e tem condições de distinguir entre um e outro, não propriamente quanto a seus conceitos, mas na sua atuação no dia-a-dia de cada um de nós.
Com tamanha capacidade, a Bíblia Sagrada é, portanto, o guia seguro e certo para que cumpramos a mordomia que nos foi determinada pelo nosso Senhor.
– Vemos, assim, que a doutrina da mordomia nos mostra, claramente, porque deve a Bíblia Sagrada ser a nossa única regra de fé e prática.
As Escrituras são a Palavra de Deus, cujo poder de penetração supera toda e qualquer entendimento ou inteligência humanos e, por isso, não podemos, mesmo, admitir pensamentos que digam que a Bíblia é fruto da cultura de um povo ou resultado de um magistério de uma instituição humana.
A Bíblia é a própria revelação divina e a ela devemos nos submeter por ser o único guia seguro de Deus para o homem.
– Por fim, embora já o tenhamos dito supra, é importante salientar que o homem é visto diante de Deus como uma integralidade.
Ou servimos a Deus com todo o nosso ser ou não O estaremos servindo. Pode ser que alguém, diante dos homens, apareça como alguém que esteja servindo a Deus sinceramente, mas que, no íntimo, tenha parcelas de suas vidas que não estão submetidas ao Senhor,
áreas de sua vida, ocultas aos demais homens, em que Deus não tem domínio, uma verdadeira “reserva de mercado” para o ego, para a carne, enfim, pontos em nossa vida em que ainda cometemos o equívoco de querer sermos senhores, “pequenos deuses”.
Se isto pode ficar encoberto ante os nossos familiares, ante os nossos irmãos em Cristo, na igreja local, no trabalho ou na escola, saibamos que isto não está encoberto diante de Deus, que tudo vê, que a tudo assiste.
Aliás, esta verdade bíblica encontra-se, não por coincidência, na sequência do texto que nos mostra o poder das Escrituras, como se poderá verificar da leitura de Hb.4:13: “todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos d’Aquele com quem temos de tratar”.
– Se, porventura, temos nos tornado usurpadores de um direito que não é nosso, ou seja, se temos nos comportado como se fôssemos donos de nós mesmos em alguma área de nossas vidas, é momento de, ao estudarmos esta lição, nos rendermos inteiramente ao Senhor, nos renunciarmos a nós mesmos (cfr. Mt.16:24) e
deixarmos que o Senhor venha nos dominar completamente. Somente aqueles que forem fiéis, que se submeterem integralmente ao Senhor poderão receber o “vinde” maravilhoso que nos está prometido (Mt.25:34), pois serão aqueles que foram fiéis no pouco (o nosso próprio ser) e, por isso, serão colocados sobre o muito (i.e., o reino que está preparado para os servos do Senhor) (cfr.Mt.25:23).
– O assunto é sério e envolve a nossa própria salvação. Ainda é tempo oportuno, desvencilhemo-nos de nossas tolices (e, quando dizemos tolices, não estamos sendo fortes, pois o Sl.2:4 diz que o Senhor Se ri das “declarações de independência em relação a Deus ” proveniente dos rebeldes, pois isto é uma tolice, algo digno de riso, de zombaria) e,
com humildade, voltemo-nos ao Senhor e, com o coração contrito, submetamo-nos inteiramente a Ele, repetindo a oração do salmista:
“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos e vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno.” (Sl.139:23,24).
Como diz o poeta sacro anônimo: “Quando tudo perante o Senhor estiver, e todo o teu ser Ele controlar. Só, então, hás de ver que o Senhor tem poder, quando tudo deixares no altar” (refrão do hino 577 da Harpa Cristã).
III – A NATUREZA MATERIAL DO CORPO
– A Bíblia Sagrada diz que, quando Deus criou o homem, fê-lo do pó da terra (Gn.2:7), demonstrando, assim, que o corpo é a parte do homem constituída de matéria.
Tal afirmativa bíblica, aliás, encontra-se cabalmente comprovada pela ciência, pois no organismo humano são encontrados todos os elementos químicos da terra, ainda que em quantidades variadas e pequenas, já que boa parte do nosso organismo é constituído de água.
– A constituição material do corpo humano faz com que ele esteja submetido às leis da natureza, às leis físicas (“physis”, em grego, quer dizer natureza), de forma que o corpo humano, enquanto tal, é idêntico aos demais corpos existentes na natureza, tendo, assim, as mesmas qualidades e características das demais substâncias corporais, tais como, peso, massa, extensão, submissão a espaço e a tempo.
– Vemos, portanto, que o fato de o corpo ser uma substância material não é um mal em si. Muito pelo contrário, o corpo foi feito substância material por expressa vontade de Deus e tudo o que Deus fez foi muito bom (Gn.1:31).
– É importante insistirmos neste ponto, porque, desde os mais remotos tempos antigos, notadamente entre os hindus, há uma crença de que o corpo, por ser material, é um mal em si, é algo que atrapalha a comunhão com Deus ou o progresso espiritual.
Este pensamento, inclusive, foi adotado na filosofia grega, notadamente por Pitágoras e por Platão, tendo, da filosofia grega, chegado a influenciar o pensamento de alguns teólogos e filósofos cristãos a partir do final da Antiguidade e que está por detrás de muitas práticas esotéricas e supostamente científicas que têm angariado muitos seguidores na atualidade (yoga, reiki, terapia holística etc.).
OBS: O pensamento de que o corpo é um mal em si é encontrado, com grande clareza, na filosofia de Platão (século III a.C.), o primeiro filósofo grego cuja obra praticamente toda chegou até nós.
Vejamos, por exemplo, um trecho do seu diálogo Fédon:
“… _ Que dizer da aquisição mesma da inteligência ? O corpo é ou não um estorvo, quando se toma como colaborador na pesquisa ?
O que desejo significar é isto: os dados da visão e da audição trazem aos homens alguma verdade ? ou se passa o que nos vivem repetindo os poetas, que nada ouvimos e nada vemos com exatidão ? Sem embargo, se não são exatos nem seguros esses, muito menos os outros sentidos corporais, todos, sem dúvida, inferiores a esses. Ou achas que não o são ? (…). _
Quando – tornou ele – a alma atinge a verdade ? pois toda a vez que procura examinar algo em colaboração com o corpo, é por ele manifestamente induzida em erro.(…)
Com efeito, o corpo nos causa milhões de ocupações, devido à precisão de alimentos e ainda, se nos sobrevêm doenças, elas nos embaraçam a caça da realidade.
Amores, desejos, temores, fantasias de toda a sorte e frioleiras sem conta é o de que ele nos atulha a ponto de, como se diz com razão, tolher-nos deveras a possibilidade de alguma vez sequer compreender alguma coisa.
De fato, guerras, querelas, combates, nada os provoca senão o corpo e seus apetites, pois as guerras todas se produzem por causa da posse dos bens, e somos obrigados a adquirir os bens por causa do corpo, como escravos a seu serviço.
Dele é a culpa, se todas essas necessidades nos privam de lazeres para a filosofia.…” (PLATÃO. Diálogos. Cultrix, p.146-7).
– A matéria não é obstáculo a que se sirva a Deus. O homem foi criado num corpo material, do pó da terra e habitava em plena comunhão com Deus no jardim do Éden.
A Bíblia mostra-nos que Deus fez o homem reto (Ec.7:29) e, portanto, como o homem já era dotado de matéria quando foi criado, isto indica que a matéria não é um mal em si, nem empecilho para que se sirva a Deus.
Tanto assim é que, até a queda, o primeiro casal serviu a Deus sem qualquer dificuldade, embora fossem dotados de um corpo material. Jesus, também, é um exemplo de quem possuía um corpo material igual ao nosso (Hb.10:5) e que, nem por isso, pecou (Hb.4:15).
– As pessoas não podem confundir entre o corpo e a natureza pecaminosa do homem, que as Escrituras denominam de “carne”.
O corpo (em grego, “soma”-σῶμα) é a parte material do homem, o homem exterior, a parte do homem que faz contacto com o mundo físico e que pertence ao mundo físico, o ” pó da terra”.
Já a carne (em grego, “sarx”-σάρχ) é a natureza pecaminosa do homem, é a tendência rebelde, egoísta e que leva o homem ao pecado, a parte do homem que não quer se submeter ao senhorio de Deus, presente não no corpo, mas no homem interior (alma e espírito).
A carne, deste modo, não são os tecidos, os músculos nem os órgãos do nosso corpo (não estamos aqui falando de carne como quando nos referimos à carne que compramos no açougue), mas os sentimentos, desejos e paixões da alma contrários à vontade de Deus, algo que será objeto de nosso estudo mais adiante neste trimestre.
É por causa desta confusão entre corpo e carne que se chegam a algumas conclusões que aproximam o pensamento de alguns estudiosos da Bíblia aos dos filósofos já mencionados, algo que deve ser evitado, pois sem qualquer respaldo bíblico e que tanta confusão e margem ao ingresso de falsas doutrinas têm ocasionado em nosso meio.
OBS: ” …Em o Novo Testamento uma distinção marcante deve ser feita entre σῶμα e σάρχ (transliteração nossa).
A primeira palavra é geralmente usada para indicar a carne física, enquanto que a última é mais ampla em sua importância, e refere-se algumas vezes ao corpo físico (cf. Hb.5.7) e em outras vezes incorpora aquilo que é imaterial e ético em seu significado, com referência específica à natureza caída do homem.(…).
Estas declarações (Rm.7.15-25, observação nossa) demonstram que a verdade de que o apóstolo (Paulo, observação nossa) incluiu na palavra carne tudo o que constitui o homem não-regenerado.…” (CHAFER, Lewis Sperry. Teologia sistemática, t.4, v.7, p.71).
– A Bíblia deixa-nos isto bem claro ao apresentar algumas figuras a respeito do corpo, figuras estas que nos dão a exata posição do corpo no ser humano, qual o seu papel e o que ele deve representar na nossa vida.
– Por primeiro, a Bíblia refere-se ao corpo como sendo um tabernáculo ou uma tenda. Paulo diz que o nosso corpo é a “nossa casa terrestre deste tabernáculo” e, mais, que se trata de uma casa que irá se desfazer (II Co.5:1).
Pedro, também, utiliza-se da mesma figura, ao afirmar que ” brevemente hei de deixar este meu tabernáculo” ( II Pe.1:14).
– Esta figura do corpo como sendo o tabernáculo é muito profunda e significativa. Trata-se de uma expressão utilizada por quem tinha pleno conhecimento do significado do tabernáculo para o povo de Israel.
A palavra “tabernáculo” quer dizer habitação, morada e diz respeito à construção móvel que Deus determinou que Moisés fizesse e que acompanhou o povo na sua peregrinação no deserto e que existiu até a construção do templo no reinado de Salomão. O que o tabernáculo pode nos ensinar a respeito do nosso corpo?
– Primeiramente, o tabernáculo era uma construção móvel (Nm.10:21), ou seja, era uma edificação que não foi feita para ficar no mesmo lugar durante todos os tempos, mas algo que ia de um lugar para outro, embora estivesse seguindo um caminho pré-determinado por Deus (qual seja, a Terra Prometida).
O nosso corpo, também, não é algo que foi feito para perdurar para sempre. O corpo é algo passageiro, algo que tem um tempo determinado, algo que está submetido ao espaço e ao tempo, algo que envelhece, algo que se modifica, mas algo que deve ser conduzido com um objetivo previamente determinado pelo Senhor, assim como o tabernáculo era levado pelo povo para um lugar já mostrado a Israel por Deus.
– Quando temos consciência de que o nosso corpo é uma construção móvel, é algo que serve para nossa peregrinação no caminho traçado pelo Senhor para cada um de nós, temos uma conduta totalmente diferente com relação a nosso corpo do que o temos feito ou que as pessoas sem esta consciência fazem.
Não podemos tratar o corpo como algo irrelevante para Deus quando tomamos consciência de que ele é algo que devemos conduzir na nossa caminhada para o céu.
– Em segundo lugar, o tabernáculo era uma construção que foi feita para um determinado período da história de Israel (I Rs.8:4), ou seja, não foi algo que perdurou para sempre. Nosso corpo, de igual forma, não foi feito para durar para sempre.
Nosso corpo é do pó da terra e a ele tornará (Gn.3:19) ou, se estivermos entre aqueles que serão arrebatados ainda vivos, teremos nossos corpos transformados num corpo glorioso(I Co.15:52).
O corpo é uma casa terrestre que se desfará, como diz o apóstolo Paulo. Quando sabemos que o nosso corpo irá se desfazer, que ele não herdará a vida eterna, não damos vazão a pensamentos e a desejos instigados pela natureza pecaminosa que têm por finalidade e objetivo a satisfação de necessidades criadas unicamente para o corpo, pois, então,
teremos noção de que o corpo é algo passageiro, algo feito apenas para esta dimensão terrestre e que não pode comprometer a nossa eternidade.
– Em terceiro lugar, o tabernáculo foi construído segundo um modelo dado por Deus a Moisés (Ex.25:40).
Nosso corpo foi feito segundo a vontade de Deus, pois foi o próprio Deus que o formou e, portanto, deve ser utilizado segundo o modelo estabelecido pelo Senhor, ou seja, deve ser usado e administrado de acordo com a forma determinada por Deus e que se encontra nas Escrituras Sagradas.
Qualquer uso do corpo fora destes parâmetros, portanto, é algo que não deve ser admitido nem adotado por um mordomo do Senhor.
– Quando percebemos que o corpo foi feito por Deus e segue um modelo Seu, imediatamente abandonamos o falso pensamento de que ” Deus só quer o coração” e de que as coisas relativas ao corpo são irrelevantes do ponto-de-vista de nossa vida espiritual ou que sejam até assunto que prejudique a nossa comunhão com o Senhor.
Passamos a ter consciência de que o corpo não é primordial no nosso contacto com Deus mas tem um papel a cumprir, de tal maneira que temos de levá-lo em conta e com ele também nos ocuparmos para que sejamos achados servos fiéis e prudentes por nosso Senhor.
– Em quarto lugar, o tabernáculo não se confundia com a glória de Deus (Ex.40:34-38), mas era através dele que o povo de Israel notava a presença e a direção de Deus na caminhada para Canaã.
Nosso corpo, de igual maneira, não se confunde com a glória de Deus. Nosso corpo é matéria, enquanto que Deus é espírito (Jo.4:24), mas é o nosso corpo que serve de receptáculo para a glória do Senhor, para o Seu Espírito.
É neste corpo que habita a Divindade (Jo.14:23), de tal maneira que o corpo é também figurado como sendo o templo do Espírito Santo (I Co.6:19).
Por causa disto, tudo o que fazemos neste mundo é conhecido dos demais homens através deste corpo e, por meio dele, as pessoas darão, ou não, glória a Deus pelos nossos atos (Mt.5:16) e é pela forma de que dele nos utilizamos que seremos julgados pelo Senhor no tribunal de Cristo (II Co.5:10).
– Quando temos consciência de que o nosso corpo é o instrumento que Deus nos dá para que, neste mundo, o Seu nome seja glorificado pelas obras que façamos, quando percebemos que ele é o veículo pelo qual os demais homens notarão a presença e a direção de Deus em nós e para eles, passamos a ter um comportamento totalmente diverso da conduta negligente e displicente que muitos têm levado em relação aos seus corpos.
Os homens não têm condições de ver o nosso interior, de compreender-nos pelo que há dentro de nós, mas somente perceberão o que há em nós, a nossa eterna salvação, a nossa pureza, a nossa felicidade através de nosso corpo, pois é ele que, a exemplo do tabernáculo, fará o homem natural notar que, dentro de nós, dentro daquele invólucro, está a presença e a direção do Senhor.
– Em quinto lugar, o tabernáculo era uma edificação que, exteriormente, não causava esplendor, admiração ou atenção. Com efeito, revela-nos a Bíblia que a parte externa do tabernáculo era composta de uma cobertura de peles de texugo em cima(Ex.25:14),
última cobertura de uma série de camadas de outras peles, cobertura que não causava nenhuma admiração a quem a visse, ao contrário, por exemplo, do templo (seja o primeiro, seja o segundo, como vemos, v.g., em Mt.24:1).
De igual modo, o nosso corpo não deve ser o alvo de nossas atenções. A satisfação de suas necessidades não deve ser o centro de nossas vidas (Mt.6:33), mas devemos procurar aparecer menos na aparência e na fisionomia e nos conscientizarmos de que, sobre nós, sobre o nosso corpo, deve reluzir a glória de Deus (Jo.3:30).
– Quando nos conscientizamos de que o nosso corpo não deve ser um fim em si mesmo, nossa conduta passa a ser diferente do comportamento que tanto tem caracterizado os nossos dias de culto ao corpo e a tudo o que lhe diz respeito, culto este que tem, inclusive, já invadido os que cristãos se dizem ser.
Vivemos, hoje, a época do domínio da moda, da aparência, da beleza estética, com um sem-número de distúrbios e desequilíbrios de toda a sorte.
Teremos a devida conduta e nos aproximaremos da modéstia que tanto caracterizou o nosso Senhor em sua vida terrena se nos lembrarmos de que o corpo não deve ter parecer nem formosura, mas deve ser capaz de tornar visível a glória de Deus para os que conosco convivem.
– Em sexto lugar, o tabernáculo era uma edificação que foi feita com a vinda de materiais de todo o povo de Israel, de tudo quanto Deus tinha dado ao Seu povo quando ele saiu do Egito, uma contribuição coletiva e voluntária de todos os israelitas (Ex.35:20-29).
De igual modo, Deus, ao fazer o corpo do homem, teve a contribuição de todos os elementos da terra, pois, como vimos, a composição química do organismo humano possui todos os elementos, ainda que em pequenas quantidades, como a demonstrar que o nosso corpo é o resultado de uma cooperação coletiva de toda a natureza.
– Quando observamos que o nosso corpo é resultado de uma combinação de todos os elementos da terra, percebemos, como nunca, que o homem deve respeitar a natureza e dela cuidar com extremo zelo, pois somos, por assim dizer, uma síntese da natureza.
Deus fez-nos desta natureza, dotou-nos de um corpo que é a combinação de toda a natureza, para que nos sentíssemos integrados nela, como elemento-chave para a manutenção do seu equilíbrio.
Quando não exercemos bem esta mordomia, sofremos juntamente com a natureza e, tal como ela, nosso corpo aguarda uma redenção (Rm.8:22,23).
– Em sétimo lugar, o tabernáculo foi substituído pelo templo de Salomão, mais majestoso e cuja glória ficou indelevelmente marcada na mente dos israelitas, mesmo após décadas de cativeiro (Ed.3:12).
De igual modo, o nosso corpo, tal qual o tabernáculo, tem a glória de Deus sobre nós, quando a Ele nos consagramos e, através de nosso corpo, esta glória é demonstrada aos demais seres humanos, mas não se trata de um corpo glorioso, de um corpo que tenha a glória como sua característica.
Este corpo terreno jamais será caracterizado pela glória, pois é um corpo terreno, corpo este que será substituído por um corpo espiritual, um corpo glorioso (I Co.15:40-49).
– Quando temos consciência de que o corpo que agora temos será substituído por um corpo espiritual, por um corpo glorioso, passamos a viver diferentemente, na perspectiva da vinda de Jesus e da eternidade, perspectivas estas indispensáveis para que tenhamos um vida santa e consagrada a Deus.
– Além de ser comparado a um tabernáculo, o corpo é também chamado de “templo do Espírito Santo” (I Co.6:19), numa perspectiva que já vimos, em parte, ao tratarmos da consideração do corpo como tabernáculo, pois tanto o templo, quanto o tabernáculo nos dão de ideia de morada, de habitação.
Esta morada e esta habitação, entretanto, representam algo mais do que o que já temos falado, ou seja, de que seja uma morada de Deus.
Quando dizemos que o corpo é o templo do Espírito Santo, devemos ter a exata noção desta afirmação diante do que se entendia por templo na época em que foi escrito o texto pelo apóstolo Paulo.
– Quando Paulo fala em templo, está se referindo a um lugar de adoração, a um lugar onde a divindade era cultuada.
Como judeu que era, Paulo, ao se utilizar da expressão “templo” bem sabia que estava se referindo a um lugar de adoração, pois o templo era a casa santificada pelo próprio Deus, onde Deus prometera estar presente e atento a todas as súplicas do Seu povo (I Rs.9:3; II Cr.7:16) bem como casa de sacrifício, onde Deus prometer estar pronto a perdoar e purificar o Seu povo (II Cr.7:12-14).
Ao mesmo tempo, enquanto apóstolo dos gentios, escrevendo para gentios (“in casu”, os coríntios), Paulo sabia que o templo era um local onde se praticava o culto às divindades, onde os gentios sacrificavam e praticavam atos que agradavam aos deuses, tanto assim que, por exemplo, os deuses de fertilidade tinham seus templos como verdadeiros prostíbulos e locais de obscenidades.
– Assim, quando Paulo nos afirma que o nosso corpo é templo do Espírito Santo, está nos dizendo que o corpo deve ser uma parte do homem que deve ser destinada a agradar ao Senhor.
O corpo é um local onde devemos adorar a Deus, um lugar onde devemos demonstrar a pureza de nosso interior, um lugar que deve demonstrar o perdão dos nossos pecados, um lugar onde tudo o que façamos tenha por objetivo agradar a Deus.
Muito ao contrário dos que defendem a falsa doutrina de que “Deus só quer o coração”, o que a Bíblia nos ensina, através desta figura, é que o corpo é o lugar em que devemos adorar a Deus, ou seja, servi-l’O.
É através do corpo que estaremos comprovando se, realmente, fomos santificados, fomos perdoados, fomos purificados e se, realmente, estamos agradando a Deus.
– Outra expressão bíblica utilizada para o nosso corpo é a que compara o corpo humano a um vaso de barro.
Jeremias, no capítulo 18 de seu livro, relata-nos a experiência que Deus lhe fez passar na casa do oleiro, em que diz que o homem nada mais é do que um vaso de barro nas Suas mãos (Jr.18:6) e, no livro de Lamentações, afirma que os filhos de Sião “são reputados por vasos de barro” (Lm.4:22).
Paulo, quando escreve aos coríntios, também afirma que temos o conhecimento de Jesus Cristo, um verdadeiro tesouro, “em vasos de barro” (II Co.4:2) e torna a fazer a comparação do homem como um vaso de barro quando escreve a Timóteo, dizendo que
“…há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém para desonra” e que “… se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor…” ( II Tm.2:20,21).
– A imagem do oleiro e do vaso é uma figura bíblica que nos fala do homem exterior, do corpo humano e que demonstra que seu criador é o Senhor, tanto quanto das demais partes do ser humano (alma e espírito).
Também nos dá conta de que o corpo é um elemento material e que é feito do pó da terra.
Mas o prisma que queremos aqui ressaltar desta figura bíblica é a que diz respeito ao corpo como um veículo para a comunicação da glória de Deus.
O vaso tem de ter um conteúdo. Não basta que tenha um material, mas que seja usado para guardar um conteúdo.
Paulo afirma-nos que este conteúdo tem de ser um tesouro, ou seja, que o vaso esteja próprio para “a iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo” ( II Co.4:6b).
Nosso corpo deve servir para que Jesus seja glorificado entre os homens, deve refletir “como um espelho a glória do Senhor” (II Co.3:18).
– Quando falamos que nosso corpo é um vaso de barro, ressaltamos a fraqueza de nosso corpo, a sua debilidade, a sua fragilidade, a sua dependência extrema da parte do oleiro, que é o Senhor.
Quando nos conscientizamos de que nosso corpo é débil, é frágil, é apenas um vaso de barro, não damos importância à aparência, passamos a ser vigilantes quanto à manutenção do conteúdo, pois o vaso, em si mesmo, valor algum tem, pois é apenas um vaso de barro,
mas o que está dentro de si, o tesouro, este, sim, é dotado de valor e nos faz valer algo. Devemos valorizar o que está dentro de nós, jamais nos deixando iludir pelo astucioso comprador, o adversário de nossas almas (Pv.20:14).
IV – PECADOS CONTRA O CORPO
– Vimos que o homem é uma integralidade, ou seja, o ser humano é uma triunidade, composto de corpo, alma e espírito.
Desta forma, não podemos falar em pecado que seja apenas do corpo, apenas da alma ou apenas do espírito.
O pecado é uma decisão que o homem toma em sua inteireza, daí porque se sujeitará às consequências do pecado de forma completa, ou seja, tanto corpo, alma e espírito serão reunidos para serem lançados no lago de fogo e de enxofre, que é a segunda morte (ainda que o corpo não seja mais o mesmo do pó da terra, que a ela terá tornado quando da morte física ( Ap.20:11-15).
– Assim, ao contrário do que afirmam os hinduístas e os seguidores de seus pensamentos contrários à matéria, a matéria não é em si má nem pode levar ao pecado e à desobediência por si só.
O corpo não é um mal em si nem conduz ao pecado por si só. O corpo não pode pecar independentemente da alma e do espírito, como também não é uma mortificação do corpo ou uma vida de meditação e de desprendimento do material que nos conduzirá à salvação ou à libertação do pecado.
Jesus mostrou-nos isto claramente ao ter vivido sempre num corpo físico e material sem que, por causa disto, tenha pecado alguma vez.
Aliás, a ideia de que a matéria era a fonte do pecado foi o princípio doutrinário do gnosticismo, ensino que foi repudiado já nos tempos apostólicos (Cl.1:21,22;2:18,23; I Jo.4:1-3; II Jo.7).
– Isto precisa ficar bem explicado, porque, como o corpo por si só não pode pecar, não podemos entender que as ações próprias do organismo humano sejam pecaminosas por si mesmas.
É a ignorância destas circunstâncias que, por vezes, têm gerado muitos mal-entendidos e muitas considerações que se revelam fruto de fanatismo e de desequilíbrio e que não têm qualquer respaldo bíblico.
– O corpo tem algumas necessidades, que devem ser supridas, pois tais necessidades são próprias da estrutura que foi criada por Deus.
Ao criar o homem, Deus fê-lo dotado de um corpo e este corpo tem algumas necessidades básicas para a sua sobrevivência, tais como a fome, a sede, a excreção, o crescimento, o gasto de energia etc.
Jesus, enquanto esteve entre nós, comprovou isto, pois, como homem, teve todas estas necessidades, sentindo fome, sede, cansaço, bem como se submetendo a um normal desenvolvimento físico (Lc.2:52).
– Devemos, então, compreender que o corpo tem necessidades que são próprias da sua estrutura e que devem ser supridas, pois nós não somos de nós mesmos e, como Deus nos preparou um corpo, devemos administrá-lo a contento, suprindo suas necessidades de forma a termos uma vida saudável, de forma a podermos usar o nosso corpo para a glória de Deus.
Neste sentido, temos de tomar todos os cuidados concernentes à nossa alimentação, ao sono, à manutenção da homeostase, qual seja, o equilíbrio que existe em todo organismo dotado de saúde.
– Entretanto, devemos, também, observar que estas necessidades e a forma de sua satisfação devem seguir uma ordem de prioridades que não é posta por nós, mas, sim, pelo autor do modelo, ou seja, de acordo com a vontade de Deus, que é o Senhor, o dono do nosso corpo.
Por isso, ao verificarmos as necessidades do nosso corpo, devemos compreender aí aquilo que Deus disse ser necessário e que Jesus bem sintetizou como sendo o comer, o beber e o vestir (Mt.6:31,32).
Além disso, Deus também estabeleceu que devemos, num determinado estágio de nossa vida, deixarmos nosso lar paterno e constituir uma família, para que, assim, com nosso cônjuge,
possamos suprir, também, a necessidade sexual (Gn.2:24), necessidade esta que não se resume só à procriação (Gn.1:28), mas envolve também uma comunidade de vida(Gn.2:24) e a obtenção de uma vida de satisfação afetivo-emocional (Ct.1:2,3).
– É, precisamente, no desvio do modelo, do padrão estabelecido por Deus que encontramos o pecado contra o corpo. Como sabemos, pecado, em grego, é “harmarthia” (ἁμαρτία), que significa desvio do alvo, tortuosidade.
O pecado nada mais é que um desvio de alvo, que uma tortuosidade, ou seja, uma distorção da retidão.
Por isso, como dissemos supra, podemos afirmar que Deus fez o homem reto, mas que ele, em sua rebeldia contra o Senhor, fez suas invenções e, como tal, pecou, pois o pecado é, exatamente, este desvio criado pelo homem.
– Há pecado contra o corpo, portanto, toda vez que o homem faz uma má administração do seu corpo, ou seja, desvia-se do modelo estabelecido por Deus para o corpo e pratica atos em que há esta distorção, há este desvio, há esta alteração do modelo estabelecido pelo Criador.
– Teremos pecado contra o corpo sempre que o homem, ao se rebelar contra a ordem, contra o mandamento de Deus, efetuar esta atitude de rebeldia através do corpo que, assim, ao invés de ser instrumento para a glória de Deus, será um meio, um veículo para a desobediência.
V – CANAIS PARA O PECADO
– O corpo é a parte do nosso ser que faz contacto com o mundo físico, com o que nos rodeia. É o veículo pelo qual mantemos relações com os demais seres, vivos ou inanimados.
As funções do organismo que fazem este contacto com o mundo exterior são chamadas de “sentidos” e, tradicionalmente, são cinco os sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato.
Estas atividades, portanto, são as que permitem que nós tenhamos noção e consciência do mundo que nos cerca, de tal maneira que há quem diga que o conhecimento só é possível por causa da existência dos sentidos.
– Ora, como o corpo, segundo o projeto de Deus, é o veículo pelo qual nós mostramos a Sua glória aos demais seres, é natural que haja uma preocupação toda especial no modelo divino para o uso dos sentidos e é, também, certo que os sentidos, se mal utilizados, acabarão sendo canais para o pecado.
Deste modo, os sentidos não são um mal em si, mas é através deles que estaremos usando o nosso corpo como instrumento para a glória de Deus ou, ao contrário, como instrumentos para a desobediência, para a rebeldia, para o pecado.
– Todo o nosso corpo deve ser consagrado a Deus e usado da forma determinada pelo Senhor, mas, sem dúvida, os órgãos dos sentidos devem ser um papel preponderante nesta consagração.
Ainda nos recordamos de lição da Escola Bíblica Dominical que tivemos no final de nossa infância, em que, durante um trimestre todo, aprendemos a respeito da santificação de cada parte de nosso organismo (olhos, mãos, pés, ouvidos, boca, cabeça).
Que tenhamos esta consciência de que todo o nosso organismo deve ser um instrumento para a glória do nome do Senhor.
– É exatamente por causa disto que devemos ser vigilantes no uso dos nossos sentidos, porquanto é por meio deles que glorificaremos a Deus ou que, ao contrário, pecaremos.
Observemos, mais uma vez, que os sentidos, em si, não são nem maus nem bons, são funções que foram criadas pelo Senhor para que, por eles, corpo, alma e espírito glorifiquem a Deus e cumpram com a sua missão para os quais foram criados.
– No entanto, é através dos sentidos que se inicia o processo de contacto com o mal, pois as tentações se valem dos sentidos para que os pecados sejam concebidos e consumados.
– Pois bem, o sentido mais poderoso do homem é, sem dúvida, o da visão. O próprio Jesus salienta que “a candeia do corpo são os olhos, de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz” (Mt.6:22).
Vemos, portanto, que o próprio Senhor nos mostra que a visão é um sentido primordial para que possamos manter uma vida santificada diante d’Ele.
– Vemos que o sentido por que se processou a consumação do primeiro pecado da humanidade foi, precisamente, o da visão, pois, dizem as Escrituras, no fatídico versículo 6 do capítulo 3 de Gênesis que “… vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer…”(destaque nosso).
Também notamos que toda a depravação e violência que levou à destruição de toda a geração antediluviana teve seu início também pela visão, pois assim nos relata a Bíblia Sagrada:
“…Viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas…” (destaque nosso). Davi, um homem segundo o coração de Deus, cometeu abomináveis pecados a partir de falta de vigilância na visão:
“…Davi se levantou do seu leito, e andava passeando no terraço da casa real e viu do terraço a uma mulher que se estava lavando; e era esta mulher mui formosa à vista” (II Sm.11:2b) (destaques nossos).
Por fim, o diabo também não deixou de tentar Jesus através da visão:
” Novamente o transportou o diabo a um monte muito alto e mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e a glória deles” (Mt.4:8) (destaque nosso). Não é à toa, portanto, que Jesus nos manda tomar cuidado com a visão.
– Da visão advém uma série de pecados contra o corpo, pois, como afirma o Senhor Jesus, ” se os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!” (Mt.6:23).
As palavras do Senhor, uma vez mais, são verdade e vida! Quando verificamos o altíssimo índice de imoralidade, de promiscuidade e de prostituição que existe hoje em dia, bem percebemos o que gera uma falta de santificação da visão, pois tudo isto é movimentado, estimulado e incentivado pela pornografia, que nada mais é que o uso da visão como fator de erotização e de descontrole do instinto sexual.
– A prostituição é chamada pela Bíblia como sendo um pecado contra o próprio corpo (I Co.6:18), algo que o homem tem de fugir (I Co.6:18) e tal fuga envolve, em primeiro lugar, uma vigilância e uma contínua santificação de nossa visão.
Quando a Bíblia fala em “prostituição”, não se está referindo apenas ao comércio do corpo, como estamos habituados no nosso linguajar atual, mas é tradução da palavra grega “porneia”(πορνεία), que significa “impureza sexual”, ou seja, é algo muito mais amplo do que o simples comércio do corpo.
Assim, quando a Bíblia nos manda fugir da prostituição, manda-nos fugir de toda e qualquer ação que revele impureza sexual, seja ela de que natureza for.
– Também é importante observar que, embora as Escrituras estejam dizendo que a prostituição é um pecado contra o corpo, não é ele o único pecado contra o corpo nem a prostituição se apresenta como sendo um pecado maior do que os demais.
Há pessoas que entendem que a prostituição e o adultério sejam pecados mais graves que os outros. São pecados e, como tal, devem ser abominados pelo povo de Deus, mas não são mais graves do que outros pecados.
Não existe “pecadinho” nem “pecadão”, tudo é pecado e tudo nos impede de termos comunhão com Deus e a vida eterna, por conseguinte.
– Devemos, também, observar que, dada a sua importância como principal órgão encarregado da função da visão, os olhos são, muitas vezes, mencionados na Bíblia como símbolos e figuras de atitudes pecaminosas, pois os olhos são o principal órgão que faz o contacto do corpo com o mundo exterior, sendo, pois, o principal denunciador do que há no homem interior.
Dentro desta ideia que a Bíblia fala em “olhos altivos” (Pv.6:17), reveladores de soberba, de orgulho, que veremos é um pecado com nascimento no espírito; “olhos malignos” (Pv.23:6), reveladores de malícia, de malignidade, um pecado com nascimento na alma; “olhos cheios de adultério” (II Pe.2:14), reveladores de lascívia, pecado com nascimento no corpo, muitas vezes com início na visão.
– O segundo sentido que verificaremos é a audição, importante sentido, ainda que menos proeminente do que a visão.
A audição é importantíssima para que tenhamos direção, orientação, é um sentido que está ligado ao próprio equilíbrio da pessoa (não é à toa que os órgãos responsáveis pela audição também o sejam pelo equilíbrio do homem).
Não é por outro motivo que as Escrituras insistem em que o homem dê ouvidos a Deus, ouça o que Ele tem a nos dizer (Dt.4:30; 31:12,13ç Hb.3:7,8). Não é por outra razão que a Bíblia afirma que a fé vem pelo ouvir e o ouvir pela Palavra de Deus (Rm.10:17).
– A audição apresenta-se, assim, como um sentido fundamental para que o homem alcance a salvação, pois é ouvindo que irá conhecer o amor de Deus revelado na pessoa de Jesus Cristo.
É através da audição que as almas são alcançadas e se arrependem, como vemos no dia de Pentecoste:
“…E, ouvindo eles isto, compungiram-se em seu coração e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: Que faremos, varões irmãos ?” (At.2:37) (destaque nosso).
Por isso mesmo, Paulo afirma que a fé vem pelo ouvir e o ouvir pela Palavra de Deus (Rm.10:17).
– Não ouvir, não permitir que a Palavra de Deus possa ser ouvida é o trabalho que o nosso inimigo e a natureza pecaminosa do homem fazem para que a audição não cumpra o seu propósito conforme o modelo divino para o nosso corpo.
Através de diversas formas, o homem rebelde contra Deus não tem dado ouvidos ao Senhor e à Sua Palavra.
Vivemos dias em que os homens “… tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências e desviarão os ouvidos da verdade voltando às fábulas” (II Tm.4:3b-4). – As pessoas somente param para ouvir aquilo que lhes convêm e rejeitam tudo aquilo que lhes possa magoar ou trazer uma reflexão séria a respeito de sua vida com Deus.
Lamentavelmente, proliferam os pregadores que somente estão a dizer aquilo que o povo quer ouvir, deixando de trazer mensagens da parte do Senhor.
Estes se enquadram perfeitamente na descrição do profeta Jeremias, a saber: “…eis que seus ouvidos estão incircuncisos, e não podem ouvir; eis que a palavra do Senhor é para eles coisa vergonhosa; não gostam dela” (Jr.6:10).
– Com preocupação, vemos que, mesmo nos nossos cultos, a Palavra de Deus tem sido cada vez menos ouvida.
Ocupa-se o tempo de nossas reuniões com cânticos e mais cânticos, de conjuntos vocais e/ou de instrumentos, de cantores individuais, de duplas, trios e quartetos, enquanto que ao pregador da noite são reservados (quando são reservados) os últimos quinze ou vinte minutos da reunião.
Como poderemos ter uma igreja espiritualmente alimentada ou pessoas se convertendo ao Senhor se a fé vem pelo ouvir pela Palavra de Deus?
– Nada temos contra os cânticos ou contra a música, pois sabemos que o Senhor habita no meio dos louvores (Sl.22:3) e que é sacrifício agradável a Deus o que provém dos nossos lábios (Hb.13:15).
Entretanto, a parte musical é apenas parte do culto de adoração a Deus (I Co.14:26), que não pode deixar de ter a doutrina nem tampouco a manifestação dos dons espirituais.
– Além do mais, quando falamos em música, estamos a falar na música inspirada, ou seja, no salmo, aquele verdadeiro louvor a Deus, aquela música que tem por objetivo enaltecer a Deus e colocar todo o nosso ser, através da melodia, diante do altar do Senhor.
Todavia, o que temos ouvido, com cada vez mais intensa frequência, é o uso de melodias e ritmos que, ao invés de nos elevar à presença de Deus, causa-nos reações corporais, alterações nervosas, muitas vezes meras transposições de melodias e harmonias usadas em músicas profanas, com um letra “evangélica”.
São os “comichões dos ouvidos” que têm dominado amplamente muitos setores e segmentos das igrejas locais nos nossos dias.
– A audição tem servido, assim, a começar dos ” ambientes sacros” para o estímulo à sensualidade, à alteração emocional, tudo levando à prática do pecado e ao enfraquecimento espiritual.
Como se não bastasse isso, a audição, hodiernamente, tem sido muito utilizada para a corrupção dos bons costumes, através das más conversações (ICo.15:33), das chocarrices (i.e., gracejos petulantes, grosseiros, atrevidos – Ef.5:4) e
das parvoíces (i.e., idiotices, tolices – Ef.5:4), ao mesmo tempo em que prolifera a chamada ” pornofonia” (i.e., a manutenção de conversas imorais, a troca de pensamentos e desejos sexuais entre pessoas por telefone ou outro meio auditivo).
Devemos ter cuidado no que falamos e como falamos, pois tudo que provier de nosso aparelho fonador, para ser ouvido pelos outros, deve contribuir para a edificação espiritual nossa e de nossos ouvintes.
– O tato é o sentido seguinte que verificaremos. Através deste sentido, sentimos as reações de nosso organismo frente ao mundo exterior, ou seja, o calor, o frio, a natureza das superfícies etc.
A pele é o tecido que nos faz ter tato e, como tal, os membros apresentam-se como os órgãos primordiais para que exerçamos esta função.
Quando falamos nos membros, referimo-nos aos pés (membros inferiores) e às mãos (membros superiores), órgãos cujas atividades devem estar, sempre, submetidas à vontade do Senhor.
– As mãos estão relacionadas, nas Escrituras, às obras, às ações que façamos por meio do corpo.
Neste sentido, aliás, temos a conhecida expressão do salmista: “… confirma a obra das nossas mãos; sim, confirma a obra das nossas mãos” (Sl.90:17b). Mãos falam de trabalho, de obras, de atividades.
Como sinceros mordomos de Deus, devemos trabalhar honestamente, obtendo do fruto do nosso trabalho o nosso sustento (Ef.4:28).
As mãos devem, também estar prontas para a ajuda ao necessitado (Ef.4:28), como também estar limpas, ou seja, serem honestas e puras (Jó 17:9).
As mãos têm servido, entretanto, para a desonestidade, para a fraude e para a falsidade, com cada vez mais intensidade.
– As mãos, também, estão relacionadas ao conforto, ao afeto e a carícias. Através das mãos, podemos expressar a nossa sensibilidade para com os entes queridos (Ct.2:6; 5:14; 8:13).
Inobstante, nos nossos dias tão maus, além de as mãos serem utilizadas para agressões, espancamentos demonstradores de ódio e de violência (Mt.24:49; Lc.20:10), não raro são também utilizadas para a promiscuidade e toda a sorte de imoralidade (I Co.5:9-11).
– Os pés, por sua vez, como são os principais responsáveis pela locomoção do homem (I Co.12:21), são associados nas Escrituras à ideia de direção, de orientação, de sequência da vida espiritual até a glorificação.
A Bíblia refere-se ao “andar” sempre com o significado de manutenção de uma vida diária e contínua com Deus.
Devemos sempre caminhar no caminho estreito, que conduz à vida, desprezando todo e qualquer atalho, toda e qualquer facilidade que inexista na sã doutrina.
– Os pés falam-nos, também, do cuidado que temos de ter quanto aos lugares onde levamos nosso corpo.
Devemos sempre nos desviar do mal (Jó 1:1) bem como fugir da aparência do mal (I Ts.5:22).
– Não somos favoráveis ao pensamento de isolamento completo do cristão do ambiente social, pois não é este o ensinamento de Jesus a respeito do assunto. Jesus diz-nos, claramente, que estamos no mundo embora do mundo não sejamos (Jo.17:11,15,16).
Se a Igreja se encontra, ainda, na terra é para buscar os doentes, para que possam ser sarados pelo Senhor.
Assim, um comportamento isolacionista é contrário à conduta evangelizadora que deve ter o cristão, pois o próprio Jesus vivia entre os pecadores.
– Entretanto, isto não significa que devamos andar como andam os pecadores. Muito pelo contrário, é preciso que sejamos prudentes e saibamos nos portar com sabedoria, indo só até onde a mão de Deus alcança.
O mordomo do Senhor, portanto, não porá o seu corpo, através de seus pés, em ambientes inconvenientes, em antros de perdição e de pecado, pois sabe que, embora todas as coisas lhes sejam lícitas, nem todas lhes convêm (I Co.6:12).
– O paladar é o sentido relativo ao gosto. O paladar está relacionado com a alimentação e, neste ponto, devemos evitar os excessos e abusos, tão característicos da imoderação e da falta de controle.
A glutonaria e os excessos relacionados à ingestão de bebidas alcoólicas são o resultado da falta de controle com respeito ao paladar.
A mesma ilusão que leva à busca desmedida do prazer nas atividades sexuais é a causadora dos excessos relativos ao paladar.
A glutonaria é fruto da natureza pecaminosa do homem, tanto que é elencada entre as obras da carne (Gl.5:21).
– Por fim, temos o olfato, que é de todos os sentidos o que menos relacionamento com o mundo exterior realiza.
O olfato está quase sempre associado ao paladar, também sendo, quando fora do controle divino, um fator a estimular a glutonaria e a embriaguez.
O olfato, também, está relacionado à afetividade e sensualidade (Ct.1:3,12;4:16), pois não poucas vezes o relacionamento amoroso está entremeado com o uso de perfumes e aromas, como forma de sedução e de atração, algo que também tem servido para o desenvolvimento da lascívia e da prostituição.
VI – CONSEQÜÊNCIAS DO PECADO CONTRA O CORPO
– Dizem as Escrituras que ” um abismo chama outro abismo” (Sl.42:7a). Deixando que os órgãos dos sentidos sejam utilizados para que haja a desobediência, a rebeldia, ou seja, permitindo que o corpo seja um instrumento para o pecado,
o homem não só causa um mal que afeta o homem interior, porquanto gera a divisão entre ele e o seu Criador (Is.59:2), que nada mais é senão a morte espiritual (Rm.6:23), como também traz a destruição do corpo, pois o pecado contra o corpo contribui e acelera o processo de morte física.
– Muitas são as consequências do pecado contra o corpo, das quais podemos elencar algumas, a saber:
a) doenças – as ações pecaminosas contra o corpo são, antes de mais nada, atividades que são contrárias ao modelo estabelecido por Deus.
Ora, tendo sido o Criador do corpo humano, Deus sabe como devemos manter a homeostase, ou seja, o equilíbrio do corpo que nos permite ter saúde.
Não havendo a observância do modelo divino, o resultado será um inevitável desequilíbrio, que é a falta de saúde, ou seja, a doença.
Assim, a vida de promiscuidade, de prostituição e de imoralidade tem gerado todas as doenças sexualmente transmissíveis que se conhecem durante toda a história da humanidade.
Doenças como a gonorreia, a sífilis e, ultimamente, a aids só existem por causa do ambiente promíscuo que existe na sociedade.
Doenças como a obesidade, os problemas do coração, vários tipos de câncer estão associados a condutas inadequadas de alimentação e a vícios dos pacientes como a embriaguez e o fumo, por exemplo
b) vícios – o pecado contra o corpo, também, gera uma série de vícios, que escravizam as pessoas que, no afã de serem independentes de Deus e de Sua Palavra, acabam pecando e, como já advertia Jesus, quem comete pecado é servo do pecado (Jo.8:34).
Assim, milhões e milhões de pessoas, hoje, agridem seus corpos e o destroem única e exclusivamente porque estão escravizados pelo vício.
Os alcoólatras, os fumantes, os dependentes químicos, os sexomaníacos, os que se alimentam compulsivamente, são todas pessoas que, por não viverem conforme o modelo divino, acabaram levando seus organismos para dependências e vícios que os estão matando aos poucos e causando uma série de problemas para si, seus familiares e para a sociedade.
c) problemas sociais – o pecado contra o corpo não se limita a trazer problemas para as pessoas pecadoras, mas, diante da proliferação do pecado no meio da sociedade, acaba gerando uma série de problemas que prejudicam e criam sérias dificuldades para toda a sociedade.
Assim, a promiscuidade, a prostituição e a imoralidade desintegram as famílias e, com a desintegração familiar, temos a própria perda de controle sobre a sociedade, com o aumento da criminalidade e da violência, que também têm seus índices alimentados pelos vícios, em especial o alcoolismo e a dependência química.
Não bastasse isso, o aumento das doenças faz com que se aumentem sobremaneira os gastos com a saúde, contribuindo sensivelmente para a falência do sistema de saúde pública e o aumento da desigualdade e da marginalização sociais.
– Vemos, portanto, quanto mal causamos a nós mesmos e ao nosso próximo quando pensamos que o corpo que Deus nos deu é nosso e dele podemos fazer o que quisermos. Estejamos sempre conscientes de que o corpo foi o tabernáculo que Deus nos deu, provisório, temporário, frágil,
não prioritário mas que, mesmo assim, nestas coisas que só Deus faz, pode ser usado para que a glória de Deus seja revelada até aquele dia em que o nosso novo corpo terá já em si a própria glória que hoje apenas refletindo.
Que a administração do nosso corpo possa tornar reais as palavras do poeta sacro que dizem: ” Faze-me vaso de bênçãos, Senhor, vaso que leve a mensagem de amor. Eis-me submisso, pra Teu serviço. Tudo consagro-Te, agora, Senhor.” (refrão do hino 304 do Cantor Cristão.
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://portalebd.org.br/classes/adultos/4181-licao-2-a-mordomia-do-corpo-i