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LIÇÃO Nº 2 – O NASCIMENTO DE UMA LIDERANÇA PROFÉTICA EM ISRAEL  

 

 As circunstâncias do nascimento de Samuel já demonstram o papel que teria na história de Israel. 

INTRODUÇÃO

 – A narrativa do nascimento de Samuel mostra que ele seria alguém especial na história de Israel. 

– Deus sempre cuida do Seu povo, não é indiferente. 

I – A SITUAÇÃO ESPIRITUAL DE ISRAEL ANTES DO NASCIMENTO DE SAMUEL 

– Após uma lição introdutória, daremos início propriamente ao estudo dos dois livros de Samuel, nos seus mais importantes temas, iniciando, como não podia deixar de ser, com o episódio do próprio nascimento de Samuel, que é um milagre, já que sua mãe era estéril. 

– Antes, porém, de verificarmos as circunstâncias deste nascimento e as lições que podemos dele extrair, mister se faz dar um quadro da situação espiritual e política de Israel naqueles dias, situação esta que é descrita em Jz.2:7-23 em texto cuja autoria a tradição judaica atribui ao próprio Samuel. 

– Israel vivia o período dos juízes, um período caracterizado por um “círculo vicioso” em que, geração após geração, havia uma ignorância a respeito das coisas de Deus, pois os pais não ensinavam aos filhos a lei do Senhor e, em virtude desta deficiência,

as famílias eram influenciadas pelo modo de vida dos gentios, até porque, em desobediência ao próprio Deus, não haviam destruídos todos os moradores primitivos da terra de Canaã e esta convivência com eles havia sido um laço para a própria vida espiritual dos israelitas. 

– Assim, desconhecendo a lei do Senhor e sofrendo a influência dos povos que viviam no meio deles, os israelitas inevitavelmente adotavam uma vida desagradável ao Senhor, adotando a idolatria e todas as atitudes decorrentes dela, como a imoralidade sexual e toda sorte de pecados, negando, assim, a condição de “reino sacerdotal e povo santo”, que haviam prometido ser quando do pacto firmado no monte Sinai (Ex.19:6). 

– Em virtude deste desvirtuamento espiritual, que já durava mais de 300 anos, o povo de Israel não prosperava em aspecto algum, até porque seu bem-estar material dependia do cumprimento da aliança,

como ficara estabelecido no chamado “pacto palestiniano”, firmado nos montes Ebal e Gerizim, conforme determinado por Deus (Dt.27 e 28; Js.8:30-35).

Tudo o que uma geração conquistava com o suor do seu rosto, era tomado pelos povos inimigos, visto que, neste “círculo vicioso”, sempre que uma geração assumia a direção do povo, em uma vida descompromissada com o Senhor,

Deus permitia que algum povo estrangeiro dominasse os israelitas, num período de “opressão”, que só terminava quando o povo, clamando a Deus, se arrependia de seus pecados e, então, o Senhor levantava um juiz, que era um libertador que, assumindo o comando de Israel, livrava o país daquela “opressão”. 

– No entanto, depois que o juiz morria, tudo voltava ao que era antes. A geração que havia se arrependido e clamado a Deus não ensinava a lei de Deus aos seus filhos e o processo se repetia.

Consequência disso é que a nação não tinha progresso, ficando numa mesmice de servidão e de miséria, tanto do ponto-de-vista sócioeconômico-político, quanto do ponto-de-vista espiritual. 

– Nos dias em que se inicia a narrativa do livro de Samuel (um livro único na Bíblia hebraica que, como vimos, foi dividido em dois por causa de sua extensão quando da elaboração da Septuaginta), estava-se na judicatura de Eli, quando Israel se encontrava sob a opressão dos filisteus. 

– As Escrituras não esclarecem como Eli, que era “o sacerdote” no tabernáculo, que, desde o término da conquista de Josué, fora estabelecido em Siló (Js.18:1),

assumiu a condição de juiz de Israel, sendo certo que isto ocorreu quando ele já estava no exercício do sumo sacerdócio, já que morreu com 98 anos de idade (I Sm.4:15), tendo julgado a Israel apenas 40 anos (I Sm.4:18).

OBS: Flávio Josefo limita-se a dizer que Eli assumiu a judicatura após a morte de Sansão:

“…Depois da morte de Sansão, Eli, grãosacrificador, governou o povo de Israel…” (Antiguidades Judaicas V, cap.11, n.213. In: JOSEFO, Flávio. História dos hebreus. Trad. de Vicente Pedroso, v.1, p.121). 

– Pelo que se pode depreender, Eli deve ter assumido a condição de juiz de Israel em algum momento após a morte de Sansão, época em que os filisteus exerciam uma grande opressão sobre Israel, opressão esta que apenas começou a ser afastada com Sansão (Jz.13:5). 

– Emblemático que, nesse tempo, Eli tenha assumido a judicatura do povo. Era o primeiro sacerdote que o fazia, mas o fato é que a sua assunção a este posto não era por uma determinação divina, como nas demais ocasiões, nem para efetuar uma libertação do povo.

Bem ao contrário, mesmo após a retumbante vitória que Sansão havia obtido contra os filisteus na sua morte, matando mais inimigos do que em toda a sua vida (Jz.16:30,31), houve que como uma conformidade dos israelitas com a submissão aos filisteus. 

– Eli, então, passa a julgar o povo, a partir de Siló, que, bem ou mal, era o local da demonstração da unidade do povo de Israel, por ser o local do culto a Deus, mas numa atitude completamente alheia aos desígnios divinos.

Em Siló, havia o culto formal a Deus, um culto porém que era completamente despido de espiritualidade verdadeira e autêntica, visto que incapaz de retirar a idolatria e os maus costumes adotados dos povos gentios que era a característica de toda a nação. 

– Deus havia levantado um nazireu para começar a libertar o povo dos filisteus, mas este nazireu havia descumprido seus votos.

Agora, o povo, sem consultar ao Senhor, escolhera o próprio sacerdote para dirigilo, mas o sacerdote, infelizmente, à frente de um culto formalista e completamente despido de espiritualidade, seria também incapaz de trazer qualquer melhoria para o povo.

Era hora de o Senhor levantar alguém que pudesse, no exercício do sacerdócio, mas que também fosse um profeta, trazer o povo ao arrependimento e romper com este círculo vicioso, que tinha, inclusive, comprometido a própria presença de Deus no tabernáculo (Sl.78:56-64). 

II – ELCANA E SUAS MULHERES 

– A narrativa do livro de Samuel começa dizendo que havia um homem de Ramataim-Zofim, da montanha de Efraim, cujo nome era Elcana, que era efrateu, ou seja, morava na região que havia sido destinada à tribo de Efraim. 

– “Elcana” significa “possessão de Deus” e isto já nos mostra que, apesar da situação espiritual completamente adversa pela qual passava Israel, Deus não tinha deixado de ter o controle da situação, lembrando que Israel era, sim, “a propriedade peculiar de Deus dentre todos os povos” (Ex.19:5). 

– O nome do pai de Samuel já nos indica que o Senhor faria desta personagem um instrumento para quebrar e romper este “círculo vicioso”, impedindo, assim, que o povo de Israel perdesse a sua identidade como “reino sacerdotal e povo santo”.

Assim como fez com Israel, o Senhor também faz isto com a Igreja. Ao longo da história, temos visto que Deus sempre tem preservado o Seu povo, apesar dos inimigos externos e internos que sempre têm aparecido.

As sete cartas que Jesus mandou João escrever para as sete igrejas da Ásia Menor são um retrato desta história da Igreja, onde sempre há, pelo menos, um remanescente fiel que é visto, observado e protegido pelo Senhor. Somos “possessão de Deus”, somos “ovelhas do Seu pasto” (Sl.100:3).

 

– O texto afirma que Elcana tinha duas mulheres (I Sm.1:1) e isto, de pronto, para o mais desavisado, seria um sinal de que se tratava de uma pessoa totalmente envolvida com os costumes gentílicos, mais um que havia se descomprometido com a lei do Senhor, pois sabido que o princípio divino é o da família monogâmica. 

– Entretanto, o relato bíblico diz-nos que Elcana era um servo do Senhor, pois subia de ano em ano a adorar e a sacrificar ao Senhor em Siló.

Tratava-se, pois, de alguém que servia a Deus, que procurava seguir a lei do Senhor e isto numa época em que as pessoas, como dissemos, não tinham qualquer compromisso com as coisas divinas. 

– Como explicar, então, que Elcana tivesse cedido à bigamia, que não era aprovada por Deus?

O texto bíblico explica: Ana, uma das mulheres de Elcana, não tinha filhos, enquanto que Penina, a outra mulher, possuía prole (I Sm.1:2). 

– O fato de Ana ser mencionada em primeiro lugar é um indicativo de que era ela a primeira mulher de Elcana.

Na verdade, Elcana casou-se com Ana e, ao verificar que ela era estéril, por força das pressões culturais daquela época, que considerava a mulher estéril como u’a maldição, deveria dela se divorciar, ainda que a lei nada dissesse a respeito especificamente.

No entanto, como Elcana amava Ana, em vez de repudiá-la, tomou outra mulher, cumprindo com o seu dever de multiplicação, sem que tivesse de abandonar a mulher que amava, uma situação tolerada pelo Senhor, pelo que se depreende do que consta em Dt.21:15,16.

OBS: A possibilidade de divórcio por causa da esterilidade da mulher vinha desde o Código de Hamurábi, vigente em Ur dos caldeus, pátria de Abraão.

Dizem os artigos 138 a 140 daquela lei: “138º – Se alguém repudia a mulher que não lhe deu filhos, deverá dar-lhe  importância do presente nupcial e restituir-lhe o donativo que ela trouxe consigo da casa de seu pai e assim mandá-la embora. 139º – Se não houve presente nupcial, ele deverá dar-lhe uma mina, como donativo de repúdio. 140º – Se ele é um liberto, deverá dar-lhe um terço de mina.” 

O Talmude contém o preceito que exige o divórcio nestes casos: “Se um homem se casou com uma mulher e ficou com ela por dez anos e ela não deu à luz, ele não pode mais negligenciar a mitzvá de ser frutífero e multiplicar-se. C

onsequentemente, ele deve divorciar-se dela e casar com outra pessoa, ou ainda ter outra esposa enquanto ainda estiver casado com ela.

Se ele se divorcia dela, ela pode se casar com outro homem, pois não é necessariamente por ela que ela e seu primeiro marido não tiveram filhos, e o segundo marido tem permissão para ficar com ela por dez anos” (Yevamot 64-a. Disponível em: https://www.sefaria.org/Yevamot.64a.3?lang=bi Acesso em 06 ago. 2019). 

– Elcana mostra, assim, que, ante as pressões culturais da época, ter abrido mão da monogamia, mas preferiu a bigamia a abandonar a mulher que amava, revelando, assim, ser uma pessoa que servia ao Senhor.

Este amor de Elcana era demonstrado claramente, tanto que dava a Ana a porção mais excelente do sacrifício, o que, aliás, causava uma competição indesejável entre Ana e Penina. 

– Uma vez mais vemos nas Escrituras Sagradas a imparcialidade divina, uma das provas de que a origem dos escritos é divina.

Apesar de se tratar de um servo de Deus, Elcana não era perfeito, tanto que, ao não esconder sua predileção por Ana, trazia transtornos no convívio familiar. 

– O fato de Elcana dar a porção excelente a Ana dos sacrifícios, mostra, também, que Elcana era alguém que ofertava sacrifícios pacíficos ao Senhor, ou seja, era uma pessoa grata a Deus, que adorava ao Senhor, mesmo diante da circunstância de que sua mulher amada não lhe dava filhos.

Elcana, também, demonstrava que, em meio a uma apostasia generalizada do povo, mantinha-se fiel ao Senhor, ensinando sua família, ao contrário do que geralmente acontecia em Israel naquela época, a lei do Senhor e a servir-Lhe. 

– Elcana apresenta-se, deste modo, como um exemplo a ser seguido por nós nos dias de hoje, dias também de apostasia no meio do povo de Deus, dias em que, a exemplo do que acontecia com Israel, que estava prestes a perder o local da habitação de Deus (Sl.78:59,60), estamos na iminência do término do tempo da Igreja sobre a face da Terra.

Nestes dias, devemos guardar a palavra da paciência de Deus, para que também sejamos guardados da ira divina que se avizinha (Ap.3:10). 

– Sempre é partir de uma família que o Senhor vai atuar na sociedade. O ambiente familiar é fundamental e é a base para que se tenha um serviço a Deus, para que se tenha comunhão com o Senhor e com o próximo.

Foi num ambiente familiar fiel a Ele, algo raríssimo naquele tempo, que Deus começou o processo de restauração espiritual de Seu povo.

Foi do descuido doutrinário da família que Israel havia entrado no “círculo vicioso” do período dos juízes, seria por intermédio de uma família que dele sairia. 

– Nos dias de hoje não é diferente. A igreja é o povo de Deus aqui na Terra mas é formada por famílias, tanto que ela mesma é chamada de “família de Deus” (Ef.2:19).

Se os salvos em Cristo soubessem o poder que suas famílias tem para a realização da obra de Deus, seriam muito mais cuidadosos com o cumprimento da vontade divina no seio familiar. 

– A preferência que Elcana dava a Ana lhe acarretava grandes dissabores. Penina, cujo nome significa “coral”, tinha inveja de Ana, porque, mesmo dando filhos e filhas a Elcana (I Sm.1:4),

 não lhe conquistava o coração e isto ficava evidente quando da refeição que se seguia ao sacrifício anual de gratidão que a família oferecia em Siló.

 

– Em consequência disto, Penina irritava Ana, cujo significado é “cheia de graça”,  para a embravecer, de tal modo que Ana se balava emocionalmente, chorava e não comia a porção excelente que lhe havia sido dada pelo seu marido (I Sm.1:6,7). 

– Observemos que o trabalho do invejoso é sempre este: o de fazer a pessoa perder o que adquiriu pelos seus méritos.

Ana recebia a porção excelente do sacrifício, mas dele não usufruía, não participava da refeição, dos momentos felizes que o amor do seu marido lhe proporcionava, porque dava ouvidos às irritações de sua competidora, acaba se embravecendo, se entristecendo, como era o objetivo de Penina. 

– Mas havia um problema ainda maior com a atitude de Ana. Ela deixava de participar de uma refeição sagrada, que era o complemento do sacrifício de gratidão e adoração a Deus (Lv.7:15-21), de modo que sua competidora lhe privava de um momento espiritual importante, sublime, a razão de ser da própria ida até Siló. 

– Quantas vezes o inimigo de nossas almas, que está competindo com o Senhor pelo domínio de nossa vida, também não age desta maneira, irritando-nos, fazendo-nos deixar o foco do serviço ao Senhor e nos privando, com suas falsas acusações, de termos comunhão com Deus? Não podemos agir desta maneira. 

– De certo modo, ocorria na família de Elcana o que estava a ocorrer no povo de Israel.

Os israelitas deixavam-se levar pelas irritações, pelas provocações do inimigo, e, por causa das brechas que haviam aberto no cumprimento da lei, caíam nos laços do adversário e perdiam a comunhão com o Senhor.

Envolvidos com a idolatria e os maus costumes pecaminosos dos gentios, os israelitas viviam a chorar, a lamentar a sua triste sorte, as suas opressões, decorrência direta do seu pecado, ao mesmo tempo em que se privavam de uma comunhão com Deus, apesar de Deus já lhes ter escolhido como Sua “propriedade peculiar dentre os povos”.

– Todos os anos, Penina destruía esta comunhão de Ana com o Senhor e abalava até o relacionamento dela com seu marido Elcana que, legitimamente, ficava chateado com a tristeza de Ana, já que tudo fazia para agradar-lhe, procurando ser melhor do que dez filhos para ela (I Sm.1:8). 

III – O PEDIDO DE ANA 

– Num determinado ano, porém, Ana mudou a sua atitude. Em vez de chorar e entrar nas provocações de Penina, tomou uma outra deliberação, importantíssima deliberação não só para ela mas para todo o povo de Israel. 

– Desta feita, Ana não se deixou abalar pelas irritações de Penina. Pelo contrário, é dito que ela comeu e bebeu em Siló (I Sm.1:9), ou seja, desfrutou da porção excelente que Elcana lhe deu e, por conseguinte, também completou a sua adoração ao Senhor, sendo-Lhe grato. 

– É importante observar que Ana precisava ser grata ao Senhor por tudo o que Ele lhe estava a dar, apesar da sua esterilidade e dos inúmeros problemas que isto lhe trazia.

Temos de ser gratos ao Senhor por todos os benefícios que nos tem feito (Sl.116:12-14).

Sempre teremos dificuldades e problemas neste mundo, mas não podemos deixar de agradecer pelo que o Senhor nos concede, pois não somos merecedores de coisa alguma que temos d’Ele recebido.

– Ana não completava a sua adoração a Deus, deixava-se entristecer, sendo, de certo modo, ingrata não só para com seu marido Elcana, mas com o próprio Senhor, já que,

apesar do opróbrio que era a sua esterilidade, tinha alcançado a graça de não ser abandonada pelo seu marido, que continuava a amá-la e a tratava com excelência.

A ingratidão é um pecado, não pode estar presente no coração dos que servem a Deus (Lc.6:35; II Tm.3:2). O servo de Deus deve ser agradecido (Cl.3:15).

 

– Quando Ana finalmente adorou ao Senhor, foi-Lhe grata, começou a alterar a sua situação.

Depois que adorou ao Senhor na refeição, foi até a casa do Senhor e ali abriu o seu coração para o Senhor, com amargura da alma, orando ao Senhor e chorando abundantemente (I Sm.1:9,10). 

– Observemos que a sua tristeza em relação a sua esterilidade persistia, mas ela soube não permitir que seus sentimentos afetassem a sua adoração a Deus.

Muitos não conseguem entender esta realidade. A parte de nosso ser que nos faz ligação com Deus é o espírito, enquanto que a sede dos nossos sentimentos está na alma.

Uma vez em comunhão com o Senhor, devemos adorá-l’O em espírito e em verdade, não permitindo que nossos sentimentos afetem esta comunhão que desfrutamos com o Senhor. 

– Ana vivia triste por causa da sua esterilidade, mas, pela vez primeira, desde que tinha uma competidora, resolveu adorar a Deus independentemente de seus sentimentos e, depois da adoração, foi até a casa do Senhor e, com amargura da alma, chorou abundantemente. 

– Ana, também, passou a entender que quem poderia resolver o seu problema era o Senhor.

Aqui fez o que o patriarca Jacó insinuou para a sua amada Raquel. Quando esta pediu a ele que lhe desse filhos senão ela morria, Jacó foi bem consciente ao dizer que o problema tinha de ser levado a Deus, pois é Ele quem abre a madre (Gn.30:1,2). 

– Ana foi pedir a Deus um filho, pois era Ele quem lhe havia cerrado a madre (I Sm.1:5). Temos de aprender, como Ana, a buscar ao Senhor, pois Ele é a solução dos nossos problemas.

Com o progresso tecnológico-científico, os seres humanos têm se achado autossuficientes e passaram a buscar menos a Deus, quando ainda O buscam, e o resultado só tem sido a frustração. 

– Ana foi buscar a Deus e resolveu, então, fazer um voto, dizendo que, se Deus lhe desse um filho, dá-lo-ia ao Senhor por todos os dias de sua vida, fazendo dele um nazireu (I Sm.1:10,11). 

– O pedido de Ana revela aqui uma extrema submissão a Deus. Depois de tê-l’O adorado por completo e ido buscar a Sua presença, pede ao Senhor um benefício, mas um benefício que seria devolvido ao próprio Deus. Pediu um filho que seria entregue ao serviço do Senhor. 

– Ana estava em uma profunda comunicação com o Senhor, pedindo-lhe um milagre e já se dispondo a abrir mão do próprio milagre pedido, uma total entrega ao Senhor.

O sacerdote Eli estava ali, vendo aquela mulher apenas balbuciar seus lábios, comportando-se como alguém que não conseguia falar direito, como se estivesse embriagada.

O sacerdote, então, que estava sentado em uma cadeira (e proximamente falaremos deste “ministério da cadeira” de Eli), passou a repreender Ana, tendo-a por embriagada.

– Mas Ana já tinha aprendido a não permitir que os sentimentos atrapalhassem seu relacionamento com o Senhor e, portanto, mesmo vindo uma repreensão injusta da parte do sacerdote, isto não a abalou. 

Ela apenas disse que não estava embriagada, mas era uma pessoa atribulada de espírito, que havia derramado a sua alma perante o Senhor.

Sua sinceridade comoveu o sacerdote que lhe abençoou dizendo para o Senhor lhe conceder o que havia pedido a Deus (I Sm.1:14-17). 

– Naquele mesmo instante, demonstrando ter fé em Deus, Ana abandonou a tristeza, voltou até a família e completou a adoração ao Senhor e, honrando a sua fé, o Senhor Se lembrou dela e ela concebeu, dando ao filho o nome de “Samuel”, que significa “ouvido por Deus”, “pedido a Deus” (I Sm.1:20).

IV – A ENTREGA DE SAMUEL AO SENHOR 

– Ana era estéril, mas o Senhor fez um milagre, fazendo-a conceber. Samuel era, portanto, mais uma personagem que Deus põe na história de Israel por caminhos sobrenaturais, para mostrar que é o Seu povo, a Sua propriedade peculiar dentre todos os povos. 

– O início da ação divina para a libertação de Israel das mãos dos filisteus também havia se dado com um milagre de abertura de madre, pois a mãe de Sansão também era estéril (Jz.13:2), e agora, no prosseguimento deste plano do Senhor, nascia Samuel, que também daria prosseguimento a este processo. 

– Observemos, ainda, que, entre a fala de Eli e a concepção de Samuel houve algum tempo (I Sm.1:20), tempo que não é explicitado no texto, mas que deve ser inferior a um ano, já que, no sacrifício anual, Ana já tinha tido a criança (I Sm.1:21), a demonstrar que Ana, realmente, creu em Deus e, desde a fala do sacerdote, não mais ficou triste.

Quem vive por fé não precisa ver o que está para vir, desde já vive como se já tivesse recebido a bênção (II Co.5:7).

Aprendamos com Ana, pois o próprio Senhor Jesus disse que são bem-aventurados os que não viram mas creram (Jo.20:29). 

– Ana, então, não subiu ao sacrifício anual, dizendo que somente iria a Siló para cumprir o voto de entregar o menino ao serviço do Senhor, tendo, então, Elcana dito a ela que poderia fazê-lo, mas que deveria cumprir seu voto.

Elcana, como marido, poderia ter anulado o voto de Ana (Nm.30:6-8), mas não o fez, porque sabia que havia um propósito divino de usar a criança em prol da Sua obra. 

– Elcana, portanto, de certa forma, também entregou o filho para o Senhor. Era uma família extremamente grata a Deus e que estava abrindo mão de um milagre em prol da obra do Senhor.

Esta disposição trouxe imensos benefícios para todo o Israel. Temos tal disposição? Pensemos nisso!

– Quando Ana levou o menino desmamado para a presença do Senhor em Siló, fê-lo de modo definitivo, para que criança ficasse para sempre ali (I Sm.9:23).

Levaram o menino até Siló e lá ofereceram um sacrifício pacífico ao Senhor e informaram o sacerdote da petição que Ana havia feito, dizendo que estavam a entregar a criança, ainda de tenra idade, ao Senhor. 

– Samuel passou, então, a pertencer ao Senhor, foi dado a Ele e, por isso, foi inserido na linhagem sacerdotal.

Muitos questionam o fato de Samuel ter sido sacerdote se não era da tribo de Levi e, sim, de Efraim, já que Elcana era efrateu (I Sm.1:1). 

– Por primeiro, cumpre observar que, quando as Escrituras dizem que Elcana era efrateu, está dizendo que morava numa cidade que pertencia à tribo de Efraim.

No entanto, Elcana não era da tribo de Efraim e, sim, da tribo de Levi, o que ficamos a saber em I Cr.6:27, quando vemos que Elcana era levita, da linhagem de Coate.

Cumpre observar que não era difícil haver levitas morando em cidades das demais tribos de Israel, mesmo as que não eram reservadas para eles, como é o caso do levita mencionado em Jz.17:7,

o que já era um sinal do desleixo espiritual que havia naquela época, a ponto de os levitas virarem migrantes, precisamente porque não eram devidamente cuidados e sustentados pelo restante do povo de Israel, como era o dever dos israelitas (Lv.18:24).

– Mesmo Elcana sendo um levita e não alguém da tribo de Efraim, a objeção permanece, já que não era de linhagem sacerdotal, pelo contrário, era um coatita.

Ocorre que Samuel foi dado ao Senhor, foi entregue ao sacerdote e, assim, como que foi adotado por Eli e, como tal, passou a pertencer à família sacerdotal. Era um filho por adoção, alguém que foi entregue ao Senhor.

– Esta condição sacerdotal de Samuel prefigura a condição sacerdotal da Igreja.

Todos nós somos filhos de Deus por adoção, porque entregamos nossas vidas ao Senhor Jesus (Rm.8:15; Gl.4:5; Ef.1:5).

Agora, somos inseridos no povo de Deus e, como passamos a pertencer a uma nação sacerdotal, fomos feitos reis e sacerdotes por Cristo Jesus para Deus Pai (Ap.1:5,6). 

– Samuel, na qualidade de coatita, mesmo se estivesse no exercício de sua função (o que não ocorreria, vez que Elcana, seu pai, inclusive até morava numa cidade da tribo de Efraim), jamais poderia sequer ver o que havia no tabernáculo, havendo um cuidado todo especial para que os coatitas não fossem extirpados do meio do povo (I Sm.4:18-20).

Entretanto, por ter se tornado propriedade do Senhor, pôde, inclusive, oferecer sacrifícios (I Sm.6:9), ainda que nunca tenha sido sumo sacerdote, não podendo, pois, ingressar no lugar santíssimo. 

– Nós, também, que antes não tínhamos acesso a Deus, por causa do pecado, fomos comprados por bom preço (I Co.6:20; 7:23; I Tm.2:6) e, por isso mesmo, agora podemos, não como Samuel, apenas oferecer sacrifícios agradáveis a Deus (I Pe.2:5), mas entrar mesmo no santuário pelo caminho que nos abriu o Senhor Jesus (Hb.10:19-22). Aleluia! 

– Ana cumpriu seu voto ao Senhor, ofereceu sacrifícios ao Senhor e, em seguida, adorou a Deus (I Sm.1:24-28).

E qual foi resultado da adoração? Ana foi visitada pelo Espírito Santo e, em oração, proferiu um cântico (I Sm.2:1-10), e, como sabemos, todo cântico no Antigo Testamento é uma mensagem profética. 

– Ana alcança, assim, o máximo estágio espiritual que se poderia ter naquele tempo, qual seja, o de proferir uma palavra profética, de ser visitada pelo Espírito Santo, resultado de uma vida de intimidade com Deus, que começou no instante em que não permitiu mais que as irritações do adversário lhe perturbassem a comunhão com o Senhor.

– Nós que hoje não somos visitados, mas somos habitação do Espírito Santo (Jo.14:17; I Co.6:19), temos ainda mais de obter a plenitude do Espírito em nossas vidas, mas, lamentavelmente, muitos estão muito aquém de Ana, apesar de Ana ter vivido em outra dispensação. E por que isto acontece?

Porque, ao contrário de Ana, tais pessoas não têm uma vida de intimidade com o Senhor, não O adoram em espírito e em verdade, não Lhe são agradecidos, não buscam a Sua presença, não estão dispostos a tudo oferecer ao Senhor. Pensemos nisso! 

– O cântico de Ana, além de ser um canto de gratidão pelo milagre recebido, é uma exaltação da soberania divina, uma mensagem extremamente oportuna para um povo que estava deixando Deus de lado e que menosprezava a lei do Senhor. 

– Neste cântico, além de revelar a soberania de Deus sobre todas as coisas, Ana também, inspirada pelo Espírito Santo, mostra que justos e ímpios não terão o mesmo destino na Terra e que o homem não prevalecerá pela força.  

– Como se não bastasse, a mensagem profética ainda fala do ungido do Senhor, cujo poder seria exaltado e que quebrantaria os que contendiam com o Senhor.

Renovava-se a promessa de que o Senhor traria o profeta dito por Moisés para levar Israel a uma plena comunhão com Ele (Dt.18:15-19), algo que parecia esquecido e utópico em meio ao lamentável estado espiritual em que estava o povo.  

– Tudo indicava que não haveria condição alguma de se cumprir tal promessa, mas o Senhor a renovava, por intermédio da boca de uma mulher que, antes tida por amaldiçoada,

enfrentara todas as adversidades e aprendera que é na adoração a Deus, na confiança em Deus que se derrubam todas as dificuldades, em que se deve estribar toda a vida de um integrante do povo de Deus.

 

– O Senhor vela pela Sua Palavra para a cumprir (Jr.1:12) e, num momento de grande crise espiritual, renovava as Suas promessas para o Seu povo e diante daquele que exercia os dois principais ofícios do país, o de sacerdote e o de juiz. Nada pode frustrar os planos divinos (Jó 42:2 NAA). 

– Os israelitas estavam a provocar incessantemente o Senhor, Sua presença está na iminência de ser retirada do tabernáculo em Siló, mas Deus não Se esquecia do Seu amor para com a humanidade e de que Israel seria a nação por meio da qual viria o Cristo,

o Redentor da humanidade. Por isso mesmo, usava uma mulher que havia n’Ele crido e resolvido buscá-l’O e a tê-l’O como o Seu supremo bem para renovar esta promessa. 

– Nos dias hodiernos, não tem sido diferente. É fato que o Redentor já veio, mas Ele prometeu voltar e, por isso, em meio às muitas crises que assolam o povo de Deus nestes últimos tempos, tempos trabalhosos (II Tm.3:1),

o Senhor Se utiliza daqueles que resolvem busca-l’O e que têm n’Ele o Seu supremo bem, para renovar a esperança da Sua vinda, para não nos fazer esquecer de que Ele virá arrebatar a Sua Igreja antes que venha a ira futura ( I Ts.1:10). 

– Tal cântico foi entoado em Siló, para que todos os que ali estavam ficassem bem conscientes disto.

Ali estavam, certamente, os que ainda se mantinham fiéis ao Senhor, como era o caso de Elcana e de sua família, mas também ali estavam os que, a despeito de uma suposta religiosidade, apenas se serviam de todo o aparato criado para a adoração a Deus para dele se servirem em seu próprio proveito, como era o caso dos filhos de Eli (I Sm.2:12). 

– O cântico de Ana foi ouvido tanto pelos piedosos como pelos sacrílegos, para que ninguém pudesse se escusar de que não tinham sido devidamente avisados. Hoje em dia não é diferente.

O Senhor continua a avisar o Seu povo a respeito de Suas promessas, seja pelo ministério profético, ou seja, a pregação e exposição da Palavra de Deus (At.6:2,4), seja pela manifestação dos dons espirituais, cuja função é exortar, consolar e edificar o povo do Senhor (I Co.14:3).

Também estão a ouvir tanto os piedosos, quanto os sacrílegos, para que ninguém se dê por desavisado. A que grupo pertencemos? Que Deus nos guarde. 

– O Senhor mostrava, através desta mensagem, que se iniciava um novo tempo para o Seu povo. Com o fim de dar andamento ao Seu plano salvífico, o Senhor começava a mudar as coisas em Israel.

Como diz Russell Norman Champlin, “…Na verdade, Samuel foi o último juiz de Israel e o primeiro da grande linha de profetas de Deus…” (Elcana. In: Dicionário de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.2, p.315). 

– O nascimento de Samuel e sua dedicação a Deus representava o início de um novo tempo para Israel, o tempo dos profetas, inclusive literários, que se sucederiam até Malaquias, mantendo viva a presença do Senhor no meio do povo, até que viesse o Cristo. 

– Aproximava-se o abandono de Deus de Siló, o serviço religioso do tabernáculo estava a ponto de fracassar, mas isto não impediria Deus de continuar junto ao Seu povo, a partir de homens de Deus que pudessem trazer mensagens a Israel. 

– Não que não tenha havido profetas entre Moisés e Samuel, mas a ação dos profetas era, até então, episódica, o que deixaria de ocorrer a partir de então, quando o Senhor permanentemente haveria de falar com o povo, ante a degeneração da liderança sacerdotal. 

– E seria esta liderança profética que também haveria de instituir a liderança real, ante a rejeição de Deus como rei sobre Israel, algo que já se vislumbrara nos dias de Gideão (Jz.8:22,23), estabelecendo, assim, os três ofícios que seriam reunidos na pessoa do Messias.

– O Senhor tudo anuncia antecipadamente, por intermédio daquele cântico, mas, passado o êxtase de Ana e cumprido o voto, Elcana vai para Ramá, cidade de Benjamim (Js.18:25), onde passou a residir, a indicar, mesmo, que se tratava de um levita migrante, de que não era da tribo de Efraim. 

– Ali, em Ramá, o Senhor é propício a este casal e Ana vem a ter mais outros cinco filhos, três filhos e duas filhas (I Sm.2:21), a nos mostrar que Deus nos dá sempre mais o que pedimos ou pensamos, quando realmente temos n’Ele o nosso sumo e único bem e fim.

Ana havia pedido tão somente um filho para dá-lo a Deus e o Senhor recebeu seu filho, mas lhe deu a alegria de exercer a maternidade com cinco outros frutos de seu amor com Elcana. 

– Samuel ficou, porém, em Siló, servindo ao Senhor, perante o sacerdote Eli. Verdade é que Samuel foi em tenra idade para Siló (I Sm.2:24).

Muito se discute que idade tinha Samuel ao ser desmamado, até porque o desmame não era tão rápido como em nossos dias, mas também não era algo que se fizesse numa idade avançada na infância, ainda mais neste caso em que o texto sagrado diz que era o menino ainda muito criança. 

– Entretanto, não temos razões para achar que isto se tenha dado antes que Samuel fizesse algum uso da razão, a exemplo do que ocorreu com Moisés (Ex.2:9), ainda que menos tempo que Moisés, a quem se diz que é alguém que estivesse já grande quando foi levado à casa de Faraó.

Por isso, toda esta estrutura familiar de serviço e adoração a Deus foi, de algum modo, transmitido a Samuel, que, ademais, era anualmente visitado por seus pais (I Sm.2:18,20), estrutura e influência estas que foram fundamentais para que Samuel não se contaminasse com o clima espiritual adverso que se vivia no tabernáculo por causa dos filhos de Eli. 

– Samuel aprendeu, desde cedo, a servir a Deus e a ministrar perante o Senhor, realmente se dedicava às coisas divinas, cumprindo, assim, com suas atitudes, o voto que sua mãe havia feito.

Ao contrário de Sansão, foi alguém que jamais quebrou a sua dedicação a Deus, o que seria fundamental para que cumprisse plenamente os desígnios divinos para ele.

– Devemos, também, ser firmes e constantes, sempre abundantes no Senhor (I Co.15:58), sabendo que o nosso trabalho não é vão no Senhor e que temos de cumprir a carreira que nos está proposta (Hb.12:1,2; II Tm.4:7). 

– Samuel servia a Deus como um sacerdote, como alguém que deveria ministrar, como propriedade de Deus, mas o Senhor tinha planos mais altos para aquele jovem, como ele próprio haveria de descobrir. É o que veremos na próxima lição. 

Ev.  Caramuru Afonso Francisco

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