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LIÇÃO Nº 2 – PARA OUVIR E ANUNCIAR A PALAVRA DE DEUS     

(A PARÁBOLA DO SEMEADOR – Mt. 13:1-23; Mc.4:1-20; Lc.8:4-15)     

Na parábola do semeador, Jesus mostra-nos a necessidade da pregação do Evangelho para a salvação das almas, bem assim o livre-arbítrio do homem.

INTRODUÇÃO 

– Uma das parábolas mais conhecidas de Jesus é a parábola do semeador, que encerra uma lição preciosíssima a respeito da natureza do reino de Deus e de como se dá a salvação das almas.

– A parábola do semeador é uma das chamadas “parábolas do reino de Deus”, que se encontram reunidas, no evangelho segundo escreveu Mateus, no capítulo 13, um conjunto de sete parábolas que têm como propósito esclarecer os servos do Senhor a respeito do que significa o reino de Deus, estudo que, na teologia sistemática, envolve a chamada “basileilogia”, disciplina raramente encontrada, hodiernamente, nos cursos teológicos.

– Na parábola do semeador, Jesus mostra, claramente, o que é o processo da salvação e a participação divina e humana correspondentes.

I – AS CIRCUNSTÂNCIAS DA PARÁBOLA E A PARÁBOLA PROPRIAMENTE DITA

– Como vimos na primeira lição deste trimestre, as parábolas surgem explicitamente, no evangelho segundo escreveu Mateus, no capítulo 13, quando o evangelista descreve um momento particularmente difícil no ministério de Jesus, quando começa a tomar corpo a oposição por parte dos judeus, partindo da Sua própria família (Mt.12:46-50).

– Após ter mencionado este fato, Mateus registra sete parábolas de Jesus, inclusive vinculando o episódio à profecia do livro de Isaías (Mt.13:14), dentro do propósito principal do evangelista que é o de mostrar aos judeus que Jesus é o Messias prometido.

Estas sete parábolas dizem respeito ao reino de Deus, que é o tema da pregação do Senhor, como nos revela Marcos no introito de seu evangelho (Mc.1:14).

– Ao ensinar a respeito do reino de Deus nas primeiras parábolas explícitas do evangelho, quando, deliberadamente, o Senhor anuncia que assim passaria a ensinar, é-nos mostrado que a prioridade para os discípulos do Senhor é ter consciência do que é o reino de Deus, que, afinal de contas,

é o que será anunciado aos homens. A importância, pois, deste assunto está demonstrada não só por ter sido o primeiro tema tratado pelo Senhor por meio de parábolas, como também pelo número de parábolas que tiveram como tema o reino de Deus.

– Não devemos achar que Jesus tenha falado todas as sete parábolas do capítulo 13 de Mateus de uma só vez, partilhando, neste ponto, do pensamento de Russell Norman Champlin a respeito.

Parece mais provável que o evangelista tenha, por uma questão de estilo, reunido num só capítulo todos os ensinamentos a respeito do reino de Deus, todas as parábolas proferidas por Jesus a este respeito.

Todavia, esta circunstância não retira o fato de Jesus ter dado prioridade a este assunto, bem assim ter mostrado que a realidade do reino de Deus é tão sublime e tão acima da capacidade humana, que teve Ele de Se dedicar na construção de sete parábolas para bem explaná-la aos Seus servos.

– Jesus passa a ensinar por parábolas porque está sofrendo oposição e entende ser o momento de iniciar um maior aprofundamento de Seus discípulos.

As parábolas, acessíveis a tantos quantos queiram compreendê-l’O, seriam objeto de interesse e dedicação por parte daqueles que, realmente, quisessem servil’O.

Temos dado a mesma prioridade ao reino de Deus que os discípulos de Jesus naquela época? Será que nossos interesses estão no reino de Deus?

Se realmente pertencemos ao corpo de Cristo, se temos Cristo por cabeça, é imperioso termos a mente focada no reino de Deus e não nas coisas desta vida.

OBS: A Tradução Ecumênica Brasileira (TEB) traduz Mt. 13:11 da seguinte forma: “porque a vos é dado conhecer os mistérios do Reino de Deus”. Justificam os tradutores esta versão da seguinte maneira:

“…em vez do passado composto foi dado, a tradução interpreta com o indicativo presente o pretérito perfeito grego (resultado presente de uma ação passada), este presente significa que o dom não se tornou coisa possuída, mas exprime uma relação que o une ao doador…”(BÍBLIA – Tradução Ecumênica, nota b, p.1883). Esta justificativa parece-nos muito apropriada, pois revela que o conhecimento dos mistérios do reino de Deus depende de uma contínua comunhão entre Deus e o homem.

– Jesus proferiu esta parábola quando uma grande multidão o cercou na praia, em Cafarnaum, quando o Senhor estava assentado num barco. A história é simples, como ocorre em todas as parábolas contadas por Cristo.

Um semeador saiu a semear e, ao lançar a sua semente, encontrou quatro tipos de terrenos: o pé do caminho, os pedregais, os espinhos e a boa terra.

Dependendo de cada terreno, a semente teve um destino diferente: a que caiu ao pé do caminho, serviu de alimento para as aves do céu; a que caiu nos pedregais, germinou mas, por falta de raízes, vindo o sol, secou-se; a que caiu nos espinhos, germinou e teve até um certo crescimento, mas os espinhos cresceram e a sufocaram e, por fim, a que caiu na boa terra, cresceu e produziu fruto, em diferentes quantidades (trinta, sessenta e cem). Eis, em suma, a parábola do semeador, que está registrada em Mt.13:3-9, Mc.4:3-9 e Lc.8:5-8.

II – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA(I): O SEMEADOR E A SEMENTE

– A parábola do semeador é uma das parábolas cuja interpretação se encontra no próprio texto sagrado, um dos casos de “interpretação autêntica”, ou seja, o próprio Jesus explicou o significado da parábola, de modo que não devemos senão nos circunscrever aos ensinos do Mestre, a fim de compreendermos qual o sentido da parábola. A interpretação da parábola do semeador encontra-se registrada em Mt.13:18-23, Mc.4:14-20 e Lc.8:11-15.

II.1 – O semeador: personagem que não precisava de qualquer explicação

– A primeira observação que devemos fazer é de que a primeira personagem da parábola é o semeador.

Jesus pouco fala do semeador. Diz, no introito da parábola, que o semeador saiu a semear e, o que é interessante, nem sequer faz qualquer referência ao semeador na explicação da parábola. Parece, assim, ter total desprezo pela figura do semeador, como se ele fosse um elemento sem importância no contexto da parábola.

– No entanto, se bem analisarmos a parábola, veremos que o semeador, embora não tenha sido explicado pelo Senhor na interpretação, é uma figura fundamental em toda a história, tão fundamental que carece até de qualquer explicação.

Sem o semeador, não haveria como a semente atingir cada um dos terrenos mencionados na parábola. O semeador é uma figura importantíssima para que a semente seja lançada, tão importante que o Senhor não precisou sequer explicar o que quer que fosse a seu respeito, pois evidente e óbvio que o semeador era o iniciador de todo o processo que nos mostraria o que é o reino de Deus.

– Jesus não necessitava explicar coisa alguma a respeito deste semeador, porque se tratava de uma personagem demasiadamente conhecida de todos os ouvintes da parábola.

Quem da multidão que estava ouvindo o Mestre não conhecia um semeador? Ainda que estivéssemos numa área litorânea, às margens do Mar da Galileia, o que permitia inferir que boa parte daquela multidão vivia da pesca ou de alguma atividade urbana, quem não sabia quem era um semeador? 

Jesus não fez qualquer consideração a respeito dosemeador, porque este tinha sido um ponto compreendido por todos, que não precisava, mesmo, de qualquer explanação.

– O semeador representa o próprio Jesus, que leva a semente, que, como veremos dentro em pouco, é a Palavra de Deus. Jesus não precisa explicar quem Ele era, pois Ele mesmo ali estava e, desde o início, estava pregando a respeito da chegada do reino de Deus.

OBS: “…Portanto, o Senhor é-nos apresentado aqui como começando uma obra independente de toda a relação precedente de Deus com os homens, trazendo com Ele a semente da Palavra que semeia no coração por meio do Seu ministério.

Onde ela é compreendida, onde permanece, onde não é pisada nem secada, produz frutos para a glória do Senhor e para felicidade e proveito de todo aquele que a guarda em seu coração.…” (DARBY, John Nelson. Estudos sobre a Palavra de Deus: Mateus-Marcos. Trad.de Martins do Valle, p.89).

– O semeador é aquele que tem de fazer o esforço mecânico de tomar a semente e levá-la até os terrenos onde ela há de ser lançada.

O semeador é aquele que trabalha, que, sem escolher o que fazer, tem consciência de seu dever de levar a semente aos mais variados lugares. Por isso, Jesus podia dizer que trabalhava, assim como o Seu Pai (Jo.5:17).

– O semeador revela-nos que Deus, em Sua infinita soberania, destinou o ser humano para ser o instrumento através do qual a Palavra de Deus produziria os efeitos que foram determinados pelo Senhor.

Deus poderia fazer nascer e frutificar a Sua Palavra através de diversas maneiras, mas escolheu o uso do semeador. Por isso, o próprio Jesus Se humanizou para que a Palavra de Deus chegasse até nós.

Não é o semeador que faz a semente, não é o semeador quem faz a semente germinar ou crescer, mas é o semeador quem leva a semente aos diversos e diferentes terrenos.

Não resta dúvida de que uma semente pode germinar e nascer sem que, para tanto, seja necessário um semeador, basta ver que, antes que o homem cultivasse o solo, os vegetais se reproduziram, utilizando o Senhor, para isto, seja de outros seres vivos (como os insetos, v.g.), seja de fenômenos inanimados (como o vento), mas Jesus, ao iniciar a Sua parábola, diz que o semeador saiu a semear.

O processo de introdução do homem no reino de Deus depende da existência do semeador, não porque Deus não pudesse fazer de outra maneira (como chega, mesmo, a fazer, como o Senhor nos dá a entender em Lc.19:40), mas porque quis que assim se fizesse pelo Seu grande amor que tem para com o homem, tornando-o participante ativo do processo da sua própria redenção.

– Jesus foi enfático: O semeador saiu a semear. Com esta declaração, Jesus demonstrou que não era possível haver outro meio pelo qual a Palavra de Deus poderia chegar à humanidade, a não ser pelo semeador.

O uso do artigo definido “o” indica uma certeza, uma exclusividade que está perfeitamente de acordo com o ensinamento do sermão do monte, quando Jesus apresenta haver apenas um caminho estreito que leva à vida eterna, como também aos Seus discursos onde Se apresenta como O caminho, A verdade e A vida, o único mediador entre Deus e os homens.

Jesus é O semeador, o único instrumento capaz de levar a Palavra até o homem, a única via de salvação.

OBS: Verdade é que, na Versão Almeida Revista e Corrigida(ARC) e na Edição Contemporânea de Almeida(ECA), o texto de Lc.8:5 parece discrepar deste entendimento, pois ali o artigo definido é substituído por um artigo indefinido, de modo que a versão é “Um semeador saiu a semear”.

Contudo, o texto grego emprega o artigo definido, assim como no registro da parábola em Mateus e em Marcos, de forma que temos de considerar que o uso do artigo indefinido não é a melhor tradução para o texto original, tanto que a Tradução Brasileira (TB), a Versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) e a Nova Versão Internacional (NVI) utilizam o artigo definido, assim como a Versão do Padre Antonio Pereira de Figueiredo, a Bíblia de Jerusalém, a Edição Pastoral e a Tradução Ecumênica Brasileira.

– A caracterização de Jesus como sendo o semeador, também mostra, claramente, qual é o papel da Igreja em relação ao reino de Deus.

A Igreja, diz-nos a Bíblia Sagrada, é o corpo de Cristo (I Co.12:27; Ef.4:12), de forma que, como corpo do Senhor, temos de também ser o semeador.

Não foi à toa que Jesus determinou aos Seus discípulos que fossem pelo mundo todo e pregassem o Evangelho a toda criatura (Mc.16:15), precisamente porque somos O semeador, somos o corpo de Cristo, o instrumento humano que Deus quer Se utilizar para que a Sua Palavra chegue a todos os terrenos, chegue a toda a humanidade.

Tratase de algo que Jesus nem precisou explicar aos Seus discípulos, mas que, nos nossos dias, é uma realidade de que os cristãos não conseguem perceber.

A falta de uma visão evangelística, portanto, é algo extremamente grave, pois é algo que era percebido por todos os ouvintes de Cristo, uma das poucas coisas que foi compreendida por todos na parábola. Como pode um crente, que se diz filho de Deus, que diz ter a mente de Cristo, não conseguir ter maior discernimento do que a multidão cega e surda às coisas de Deus que estava às margens do lago de Genezaré?

– Outra expressão interessante da parábola refere-se ao fato de que o semeador saiu a semear, ou seja, se o semeador saiu, isto nos indica que ele tinha entrado antes ou, então, que ele estava dentro de algum lugar antes do início de todo o processo de semeadura.

Com efeito, Jesus estava na glória do Pai quando de lá saiu para fazer a semeadura. Saiu do convívio glorioso, saiu do céu para entrar neste mundo a fim de nos salvar(Hb.10:5). O trajeto seguido por nosso Salvador foi o trajeto da humilhação.

A Sua saída significou o despir-Se da glória, o esvaziar-Se da glória, a fim de que assumisse a forma humana, a forma de servo e, acho nesta forma, chegasse até a morte, e morte de cruz (Fp.2:5-8). 

– A Igreja, que é o corpo de Cristo, também tem de sair para semear. Se ela deve sair, é porque entrou. Mas onde a Igreja entrou? O próprio Jesus responde: a Igreja entrou no reino de Deus (Jo.3:5 “in fine”). E quem entra no reino de Deus?

Jesus também responde: aquele que nasce da água e do Espírito (Jo.3:5). E como podemos entrar no reino de Deus? É Jesus ainda quem responde: Eu sou a porta, se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens (Jo.10:9).

– O verdadeiro e genuíno filho de Deus é aquele que nasceu de novo, que nasceu da água e do Espírito, que entrou no reino de Deus.

Quando entramos no reino de Deus, porém, também temos de sair, sair para semear, algo que só pode fazer quem já entrou, quem nasceu de novo, quem é uma nova criatura em Cristo Jesus.

Por isso, Jesus só vai explicar a parábola para quem tem interesse, para quem percebe que está no reino de Deus, para quem entrou e, por isso, vê o reino de Deus (Jo.3:3).

OBS: “…Este reino exige uma metamorfose radical no ser humano, caso contrário ele não poderá nem vê-lo, nem nele entrar; o que deixa claro que quando alguém vê esse reino, já está dentro. Porque só quem entrou consegue vê-lo, ele só pode ser visto pelo lado de dentro.

É como se alguém passasse sempre por uma nave invisível, até que um dia é sugado para dentro dela e, então, inevitavelmente, a vê.…” (RAMOS, Ariovaldo. Devolvam a minha igreja. http://www.invsc.org.br/artigos/devolvam_minha_igreja.htm Acesso em 31 jul. 2018)

– O semeador tem de sair, não pode ficar na glória, na presença de Deus. O semeador precisa sair, porque a semente não é feita para ser guardada, mas, sim, para ser semeada. Não há sentido algum em o semeador ficar com a semente na mão e não distribuí-la.

A semente não foi ele quem fez, a semente não é propriedade dele, por isso, deve fazê-la produzir e isto só será possível se ele sair e lançá-la nos terrenos existentes. Se o semeador não sair, a semente não produzirá fruto, a força vital da semente não entrará em ação.

Qual seria a reação do dono da semente se o semeador não lançasse a semente? Por que, então, muitos de nós somos tão inertes, nestes nossos dias, com a semeadura? 

II.2 – A semente: a Palavra de Deus

– Depois do semeador, que carecia de qualquer explicação, Jesus começa a ensinar os Seus discípulos a respeito do significado desta parábola. Por primeiro, cumpre-nos esclarecer que o próprio Senhor informa que o significado da parábola estava reservado aos discípulos, não à multidão.

Como já deixamos esclarecido na lição anterior, isto não quer dizer que Jesus apenas Se revelaria aos “iniciados”, como querem fazer crer alguns, mas, muito pelo contrário, que a revelação dos mistérios espirituais é uma resposta ao interesse e à dedicação do ser humano.

– Ao encerrar a parábola, Jesus fez um convite a toda a multidão: quem tem ouvidos para ouvir, ouça (Mt.13:8). É o mesmo convite que o salmista faz ao povo: se hoje ouvirdes a Sua voz, não endureçais os vossos corações (Sl.95:7,8); que Jesus faz às igrejas da Ásia :

quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas (Ap.2:7,11,17,29; 3:6,13,22). Jesus, portanto, abre a oportunidade para tantos quantos queiram saber o significado da parábola. A oportunidade é para todos, mas não são todos que se dispõem a entender a parábola.

De igual modo, a salvação é para todos, mas não serão todos os que serão salvos. A oportunidade de se salvar é real para todo ser humano, mas não serão todos que se salvarão.

Jesus deixou a oportunidade  para todos saberem o significado da parábola, mas muitos não o quiseram e serão responsáveis pela atitude tomada. Que Deus nos guarde de rejeitarmos o convite do Mestre!

– Cercado apenas pelos discípulos, pois só os discípulos de Jesus querem ouvi-l’O (Mt.13:10), Jesus começa a explicar o significado das parábolas. O gesto dos discípulos é o gesto mais correto: acercar-se de Jesus, ou seja, chegar perto de Jesus.

O segredo para conhecermos e entendermos as palavras de Jesus é nos aproximarmos d’Ele. Por isso, o apóstolo Tiago, irmão do Senhor, que tanto O desprezara durante o Seu ministério, depois de ter tido um encontro singular com Seu Senhor e meio-irmão carnal (I Co.15:7), pôde bem verificar como é importante nos aproximarmos de Jesus, tanto que escreveu que, quando nos chegamos a Deus, Ele Se chega a nós (Tg.4:8a).

O caminho para termos maior conhecimento do Senhor, de sabermos d’Ele mais, é nos aproximarmos d’Ele. A atitude do crente deve ser a concretização dos versos do poeta sacro João Gomes da Rocha no primeiro verso do hino 187 da Harpa Cristã: “Mais perto quero estar meu Deus de Ti”.

– Só os discípulos de Jesus ouvem as palavras do Senhor, bem como veem o que Senhor está fazendo. Por isso, são bem-aventurados, ou seja, mais do que felizes.

Que nunca percamos a visão e a audição espirituais, que estejamos em comunhão com Deus, dentro do reino de Deus e, assim, teremos a visão do Senhor.

O importante não é termos “visões”, “revelações”, mas, muito mais do que isto, é termos a certeza de que podemos ver o autor e consumador da nossa fé, de que não deixamos de olhar para Jesus.

– A semente, diz-nos Jesus, é a palavra do reino, é a Palavra de Deus. Quando pregamos, devemos pregar a Palavra de Deus.

Anunciar o reino de Deus é anunciar a Palavra de Deus. Jesus deixa isto bem claro. O semeador saiu a semear, ou seja, o trabalho do semeador é levar a semente, que é a palavra do reino, que é o evangelho, que é a Palavra de Deus.

Não estamos aqui neste mundo para pregar costumes, doutrinas de homens, conceitos filosóficos, teses teológicas. Não, não e não!

Estamos aqui para semear, para levar a palavra do reino, a Palavra de Deus. Jesus ensina-nos isto, pois Sua mensagem é clara, sucinta e objetiva: O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho (Mc.1:15).

– Muitos, nos nossos dias, se preocupam em pregar um belo e eloquente sermão, em demonstrar erudição, conhecimento filosófico, atualização e profundidade no saber humano, mas nada disto é necessário.

Devemos semear, ou seja, levar a palavra do reino, levar a Palavra de Deus para os mais diversos terrenos existentes. A semente não é resultado de nosso esforço, nem de nosso conhecimento.

O semeador leva a semente. O semeador não é o engenheiro genético que produziu a semente transgênica no laboratório, mas é aquele que leva a semente para o terreno. Ao engenheiro compete discutir sobre a qualidade, sobre a saúde e a segurança do produto.

Ao semeador, compete apenas semear. Se ele começar a discutir os aspectos do produto e não semear, seu trabalho terá sido inútil.

Assim fazem muitos hoje: discutem, debatem e se perdem nos meandros do produto (ou seja, da Palavra de Deus), esquecendo-se de que seu papel é um só: semear. O semeador saiu a semear. Isto é o que devemos fazer!

– Para semear, porém, o semeador tinha de conhecer a semente. Era preciso que a identificasse. Se não deve discutir a sua estrutura, a sua qualidade, é indispensável que o semeador saiba onde está a semente, o que é a semente, a fim de poder pegá-la com a finalidade de levá-la até o terreno.

Assim, se não devemos nos perder nos devaneios intelectuais, também não podemos admitir o chamado “anti-intelectualismo”, ou seja, a atitude de muitos que não se preocupam em conhecer a semente.

Se o semeador não soubesse o que é e onde estava a semente, não poderia sair a semear. É fundamental que o semeador conheça a Palavra de Deus, que saiba o que ela é, a fim de que tenha condições de semear.

Na evangelização, o cristão deve demonstrar conhecimento da Palavra, pois, senão seu trabalho será seriamente prejudicado.

A melhor atitude é dizer o que já sabe, o que já experimentou do Senhor. Quanto ao mais, façamos como Filipe fez com Natanael. Indagado sobre se poderia vir algo bom de Nazaré, o futuro apóstolo não titubeou, respondeu a Natanael: vem e vê (Jo.1:46).

– Deus quis que o homem tivesse participação no processo da salvação das almas, participação esta consistente na divulgação da Palavra.

Ao invés de Ele próprio, de um ser angelical ou da natureza, o Senhor quis nos escolher para formarmos um corpo e, assim reunidos, anunciarmos o Evangelho. Deus escolheu o semeador para semear a semente e, por isso, temos de fazê-lo.

Mas não nos iludamos. Jesus deixa bem claro que a semente não é produto humano, não germina, não cresce nem frutifica por causa do semeador.

Nela, semente, está a força vital. É na Palavra de Deus que se encontra a vida, daí porque Jesus ter dito que Suas palavras eram espírito e vida (Jo.6:63).

– Muitos têm se esquecido desta verdade que é trazida por Jesus nesta parábola. A semente é vida, nela está a vida, independentemente de ter havido germinação, crescimento ou frutificação.

A semente que caiu à beira do caminho nem sequer germinou, mas nela estava a vida. A semente que caiu na boa terra, que frutificou, também tinha a mesma vida que havia naquela.

A diferença esteve na receptividade que teve a palavra, não na palavra em si. Por isso, não devemos nos preocupar se, ao semearmos, não houver, aparentemente, conversões de almas. Este trabalho não é o nosso.

O nosso é semear e, para tanto, devemos nos esforçar, pois aí está a nossa parte, a nossa responsabilidade, responsabilidade que não é pouca, como bem mostrou o grande pregador católico e um dos maiores, senão o maior orador em língua portuguesa, o padre Antônio Vieira, no seu famoso “Sermão da Sexagésima”, cuja leitura recomendamos.

III – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA(II): OS TERRENOS DA MORTE

III.1 – O primeiro terreno : a beira do caminho

– Depois de nos ter mostrado o semeador e a semente, Jesus começa a ensinar os discípulos a respeito dos terrenos mencionados na parábola, onde o Senhor procura Se deter. Se Jesus nada fala sobre o semeador e pouco fala sobre a semente, é nos terrenos que irá concentrar a Sua interpretação, pois os terrenos representam os ouvintes da palavra.

Como já tivemos ocasião de estudar na lição anterior, Jesus é um exímio mestre porque se preocupa, principalmente, com o aluno, isto é, com o receptor da Sua mensagem. Ao Se deter no estudo dos terrenos, Jesus mostra que Seus discípulos deveriam dar especial atenção aos ouvintes da Palavra de Deus.

Não devemos agir como muitos pregadores dos nossos dias, que estão interessados em si mesmos, quando pregam a Palavra do Senhor, que o fazem para ter fama, dinheiro e exaltação própria.

Ao pregarmos a Palavra de Deus, devemos ter toda a nossa atenção voltada para o ouvinte, para aquele que irá ouvir a palavra.

É preciso conhecermos o terreno onde estamos semeando, sabendo que a semeadura é indistinta, ou seja, deve ser feita em todos os terrenos, pois não cabe ao semeador fazer escolha, até porque, se Jesus bem os distinguiu, isto é consequência de Ele ser Deus e bem saber o que está no homem (Jo.2:25), privilégio que não se estende aos seres humanos (I Sm.16:7).

– A semente que caiu à beira do caminho representa, ensina-nos o Intérprete oficial e autêntico desta parábola, a palavra que foi ouvida por quem não a entendeu, de modo que o maligno vem e arrebata o que foi semeado no seu coração, maligno representado pelas aves que comeram a semente. Lucas ainda informa que a semente foi pisada antes de ser comida pelas aves dos céus.

– O ensino de Jesus mostra-nos que a Palavra de Deus deve ser entendida por quem a ouve. Isto é importante porque, para que alguém possa entender a Palavra de Deus, é necessário que concorram dois fatores: em primeiro lugar, que a Palavra seja transmitida de modo a que seja compreendida; em segundo lugar, que a pessoa que a ouve queira compreender, assim como havia o desejo dos discípulos de Cristo em entender o significado das parábolas.

OBS: “…Quando a Palavra é semeada num coração que a não compreende, quando ela não produz nenhuma relação de inteligência, de sentimento ou de consciência entre o coração e Deus, o Inimigo deita-a fora, ela não permanece no coração.

Aquele que a ouve não é menos culpado. A semente lançada no coração era adequada a todas as necessidades, à natureza e ao estado espiritual do homem.…” (DARBY,  John Nelson. op.cit., p.89).

– A primeira parte, como se observa, é um concurso de Deus e do pregador. A Bíblia diz que a palavra é levada pelo Espírito Santo até os ouvidos do pecador, daquele que está ouvindo a mensagem.

O Espírito Santo procura convencer o homem do pecado, da justiça e do juízo (Jo.16:8). Este convencimento do Espírito, porém, depende da pregação da palavra. O semeador tem de sair a semear.

Quando a Palavra é semeada, isto é, quando é pregada, anunciada, o Espírito Santo faz o Seu papel de convencimento, levando até o homem a fé, este dom de Deus (Ef.2:8). É preciso, pois, que o semeador fale a palavra do reino, pregue a Palavra de Deus.

Quando, porém, ele não o faz, não há como haver o convencimento. Daí porque não haver salvação de almas na pregação do que não for a Palavra de Deus.

– Mas, para que haja salvação, Jesus diz que o pecador tem de entender a palavra do reino. Quando não a entende, ensina-nos nesta parábola, o maligno vem e arrebata o que foi semeado.

O entendimento é uma operação que envolve a mente da pessoa. Não se trata aqui apenas de uma operação sobrenatural, espiritual, mas, antes de mais nada, de uma operação intelectual, até porque o espírito do pecador está morto e precisa ser vivificado.

Mais uma vez, Jesus mostra-nos que é essencial que o semeador leve em conta o terreno, ou seja, que o pregador leve em consideração o ouvinte.

Não devemos falar uma linguagem que seja inacessível ao ouvinte. Muitos hoje se esquecem que o pecador precisa entender a mensagem para poder ser convencido pelo Espírito Santo.

Será que nos esquecemos do desespero do eunuco quando, indagado por Filipe, disse que não poderia entender o que estava lendo já que não havia quem o ensinasse (At.8:30,31)?

A falta de quem faça o pecador entender a palavra é o motivo pelo qual o maligno tem arrebatado a palavra de muitos corações.

– Embora somente Lucas tenha registrado esta particularidade, é interessante ver que a semente só foi comida pelas aves, depois que foi pisada. Perguntamos nós: quem pisou a semente?

Ora, a semente não poderia se pisar, assim como não é próprio das aves fazê-lo, já que suas patas são frágeis para isto.

Tudo nos leva a crer que quem pisou a semente foi o próprio semeador, ou seja, como a semente foi lançada à beira do caminho, onde terra não havia, o semeador acabou por pisá-la.

A semente pisada representa a palavra que é desmentida pelas atitudes do próprio pregador. Lamentavelmente muitas belas palavras são cabalmente desacreditadas pelas atitudes de quem as profere.

Como falou Vieira, no sermão já mencionado, há pregadores que “desfalam” tudo o que pregaram quando saem do púlpito e caminham até a porta da igreja, ou seja, que com seus gestos fazem com que a palavra do reino caia em descrédito. Observemos que não é a semente que deixou de ter força vital.

A Palavra de Deus que é evangelizada permanece para sempre (I Pe.1:25), mas estas atitudes do pregador como que “pisam” a palavra, de modo que o pecador não a compreende, não a entende e, por causa disto, o maligno a arrebata do coração do ouvinte.

– A parábola mostra-nos, também, que o maligno acompanha a pregação da palavra do reino e se interessa, particularmente, para que ela não seja entendida pelo pecador. Para tanto, criará um sem-número de oportunidades e de ocasiões para evitar que a palavra seja compreendida.

O pregador deve ter esta consciência. É comum ouvirmos os pregadores, nos cultos evangelísticos, na hora do apelo, pedir aos crentes que orem pelos pecadores, porque, neste instante, uma batalha espiritual é travada para impedir a salvação da alma.

Isto é uma realidade, mas não devemos nos esquecer que esta batalha não se dá na hora do apelo, mas, desde o instante em que a pessoa resolveu ir até o templo, ela teve início.

Infelizmente, muitos não se percebem disto e deixam se criar as mais variadas condições que impedem o pecador de entender a palavra.

O resultado disto é que, na hora do apelo, depois que não houve qualquer compreensão por parte do pecador, o maligno vem e, sem qualquer oposição, arrebata a palavra que foi semeada no coração do ouvinte.

– Mas há uma segunda parte, que é a do próprio ouvinte. É preciso que ele queira, que ele esteja disposto a entender a palavra do reino. O entendimento, a compreensão, Jesus mostra-nos claramente, depende de haver interesse por parte do ouvinte.

Assim como os discípulos quiseram entender o significado da parábola e se aproximaram de Jesus com esta finalidade, faz-se mister que a pessoa queira entender a palavra do reino e se aproxime de Jesus.

Por isso, não se deve esquecer de que a salvação é, sobretudo, uma manifestação do livre-arbítrio que Deus deu ao homem. Ninguém pode ser forçado a crer em Jesus, ninguém pode ser obrigado a aceitar a Cristo ou a se fazer crente.

Não é por força nem por violência, mas pelo Espírito Santo (Zc.4:6). Não se deve deixar de convidar e insistir com alguém a respeito da salvação, pois isto é uma demonstração do nosso amor para com ela, mas, de forma alguma, devemos partir para o campo da coação, do constrangimento, pois o entendimento da palavra do reino é algo que também depende da pessoa, do seu querer.

– A lição de Jesus também nos mostra que não existe o que se poderia denominar de “conhecimento acumulado da salvação”. A parábola diz que o foi semeado é arrebatado pelo maligno, ou seja, é tirado, não fica qualquer vestígio.

Não se pode, pois, evangelizar com base no que já foi pregado antes, pois não ficou qualquer sequela da pregação. Dirá alguém que o ouvinte tem memória e, portanto, o que foi falado foi gravado em sua memória.

Ousamos contrariar pelo ensino que Jesus nos dá nesta parábola: o pecador não entendeu a palavra e, portanto, o que ficou gravado na sua memória, se é que algo foi ali gravado, não foi a palavra, não foi sequer o seu entendimento da palavra, que não existiu. Foram imagens que não correspondem à palavra e que, portanto, não podem ser consideradas, pois só a palavra do Senhor é a verdade (Jo.17:17).

Ora, como Deus tem compromisso apenas com a Sua palavra, não podemos nos basear no que foi pregado antes, mas, sim, encetarmos nossos esforços para que a palavra do reino seja pregada novamente e que, desta vez, haja entendimento, pois tudo o que se passou foi arrebatado pelo maligno.

– Assim, identificado um pecador que não aceitou a Cristo porque não entendeu a palavra do reino, cumpre ao semeador observar e descobrir porque não houve entendimento. Foi por falta do pregador ou por ausência de vontade do pecador ? 

Deve-se, pois, esmerar em se fazer compreendido, em retirar todos os fatores que impedem o entendimento por parte do pecador, para que a nova semente lançada não fique à beira do caminho outra vez.

III.2 – O segundo terreno: os pedregais

– A semente que caiu sobre pedregais (ou sobre pedra, na linguagem de Lucas) representa aquele que, tendo entendido a palavra, aceita o evangelho mas, como não tem raiz em si mesmo, ao surgir a perseguição, que é representado pelo sol na parábola, não resiste e morre, assim como a plantinha que não encontra terreno em que possa se enraizar. A perseguição provoca escândalo e, por causa disto, a pessoa abandona o evangelho.

– A primeira observação que fazemos é que houve, neste caso, germinação da semente, ou seja, operou-se o novo nascimento, como Jesus descreve a salvação para Nicodemos no capítulo 3 de João. A semente germinou, ou seja, a vida surgiu, houve efetiva salvação.

A parábola, aliás, serve-nos para mostrar que a salvação pode morrer, ao contrário daqueles que defendem a ideia de que “uma vez salvo, salvo para sempre”. Jesus diz que o pecador recebeu a palavra e, mais, recebeu-a com alegria, tanto que a plantinha germinou.

– Entretanto, a salvação não depende apenas do novo nascimento. O que Jesus nos ensina claramente é que, após ter germinado, a semente precisava de terreno para crescer. A semente precisa crescer, não basta que tenha nascido.

Também na vida espiritual, não podemos conceber que alguém tenha a vida eterna sem que, ao mesmo tempo, promova o seu crescimento espiritual.

A vida espiritual é dinâmica, é vida e, como tal, não comporta nenhum momento de estagnação, de estabilidade. Quem está em Cristo, é uma nova criatura, mas uma criatura que precisa crescer até a estatura de varão perfeito, até a estatura completa de Cristo, ou seja, sempre, já que isto é impossível de ser alcançado.

– Quem aceita a Jesus, tem uma alegria imediata, contagiante, um vigor espiritual que o Senhor tanto aprecia, como nos dá conta na Sua carta à igreja de Éfeso.

É o primeiro amor, que não deve ser confundido com imaturidade, nem muito menos abafado. A euforia do novo convertido deve ser mantida, mas não pode ser desacompanhada de um crescimento espiritual.

Se o novo convertido é animado e feliz, não deve se manter sem conhecimento da palavra do reino. Faz-se necessário que crie raízes, e estas raízes exigem uma vida contínua de oração e de estudo da Palavra de Deus.

Somente pelo ensino da Palavra e por uma busca incessante da presença de Deus, teremos raízes, teremos condições de nos enraizarmos e, assim, não corrermos o risco de morrermos espiritualmente.

– Jesus disse que a semente germinou, surgiu uma pequena planta que, porém, não teve para onde crescer. O terreno era pedregoso, ou seja, não tinha terra que permitisse a formação de raízes que sustentassem um crescimento.

A pedra fala-nos de resistência, de dureza, de algo sem vida. Se, na nossa vida com Cristo, não deixamos que o Senhor esmiúce a penha(Jr.23:29), ou seja, esmague a pedra que é a nossa resistência, o nosso eu, a nossa autossuficiência, o terreno ficará pedregoso e não poderemos crescer espiritualmente. O resultado é que, quando vier a provação, a adversidade, não resistiremos e morreremos.

– A falta de crescimento faz com que o crente, o salvo não resista às adversidades. A parábola fala-nos do sol, que representa a tentação, a provação, a luta, o sofrimento.

Isto nos mostra, claramente, que a vida com Cristo não é mil maravilhas, não é uma vida sem qualquer adversidade, como insistem em pregar os “pregadores da prosperidade” ou os “pregadores da confissão positiva”, que são os grandes responsáveis pelos escândalos que têm levado muitos a abandonarem a fé nos nossos dias.

Como afirma o sábio Salomão, o dia da adversidade também foi feito por Deus (Ec.7:14) e isto não se circunscreveu ao Antigo Testamento, já que Deus é o mesmo e não muda (Tg.1:17). Além do mais, Jesus, nesta parábola, está falando a respeito da pregação do evangelho, algo que é próprio da nossa dispensação.

– O que nos faz vencer a dificuldade é a presença de raízes, é uma sólida estrutura espiritual, resultado de uma vida de oração e de meditação na Palavra do Senhor.

Os grandes heróis do texto sagrado venceram as adversidades porque tinham intimidade com Deus, porque eram portadores de um crescimento espiritual incessante. Não há como perseverarmos até o fim se não tivermos crescimento espiritual, se não tivermos raízes. 

– Não é à toa que o adversário, tendo sido derrotado na batalha do entendimento, luta para que o crente não venha a criar raízes. Nesta sua luta, o adversário procura desviar a igreja local de todo e qualquer trabalho de ensinamento da Palavra ou de busca do Senhor em oração.

Para tanto, cria uma série de distrações, que afadigam demasiadamente os crentes, que, como Marta, acabam desperdiçando a melhor parte. Estudos são substituídos por reuniões onde não se ouve a palavra.

Os próprios cultos transformam-se em “shows”, em apresentações, sendo reservado tempo mínimo para a palavra do reino.

Muitos, como os discípulos, ainda, passam a admirar as grandes pedras que são erguidas no terreno, como se isto não fosse pedra sobre pedra que será derribada ao aparecer da primeira perseguição, ao surgir da primeira dificuldade.

Como se não bastasse isso, ainda surgem aqueles que negam que o crente passe dificuldades e, quando elas vêm, surge o escândalo e, como só se falava em prosperidade e em mar de rosas, o crente fica profundamente decepcionado e, sem raiz, pois nem sequer sabe o que é estudar a palavra do reino, vem a morrer espiritualmente.

– Para evitar este estado de coisas que, lamentavelmente, é o mais corriqueiro dos nossos dias (basta ver o número crescente de pessoas que se afastaram do evangelho), é necessário que haja o esforço do semeador para que, assim que se verifique a germinação, que não é difícil de se perceber dada a alegria com que se recebeu a palavra, haja um esforço para que o terreno pedregoso seja esmiuçado, para que se criem raízes, a fim de se evitar que, ao surgir da tribulação, haja o desvio espiritual.

III.3 – O terceiro terreno: o espinhal

– A terceira semente caiu entre os espinhos.

Esta não apenas germinou, como a que caíra sobre os pedregais, como também chegou a crescer, mas, ao mesmo tempo em que ela crescia, também cresceram os espinhos, que acabaram por sufocar a planta, que também veio a morrer.

Jesus identifica este terreno com aquele que, embora tenha sido salvo, embora tenha até criado raízes, não percebeu que estava entre espinhos e deu espaço para que estes espinhos crescessem.

Ora, estes espinhos são, explicou Jesus, os cuidados desta vida, a sedução das riquezas, ou seja, as coisas deste mundo que acabam tendo prevalência a ponto de sufocar a planta e impedir que ela frutifique.

– Não basta que tenhamos uma vida espiritual crescente, mas, além de criar raízes, temos de ser vigilantes.

A semente caiu entre os espinhos, ou seja, estava no lugar apropriado para o crescimento de espinhos, o terreno era o espinhal e o lugar reservado para espinhal não permite que outro tipo de vegetal se desenvolva.

O terreno, assim, desde o início, apesar do desenvolvimento apresentado, era um local onde havia lugar para o espinho. Isto nos fala de pessoas que não servem a Deus de coração inteiro, de pessoas cujos corações estão sempre propícios para as coisas desta vida.

– Deus exige de Seus servos dedicação total e exclusiva. Parodiando o lema de uma conhecida loja de departamentos de nosso país, o crente deve ter dedicação total a Jesus.

Não podemos permitir, em hipótese alguma, que a nossa vida tenha lugar para algo que não seja o Senhor Jesus.

Jesus, ao resumir todos os mandamentos, disse que o maior e grande mandamento era amar o Senhor Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o pensamento (Mt.22:37).

Devemos, com exclusividade, servir ao Senhor, o que significa que nosso coração não deve ter lugar para nada mais.

O terceiro terreno é o terreno que permite que outrem além do Senhor tenha lugar para crescer. O resultado é inevitável: num determinado instante, este outro sufoca a vida espiritual da pessoa, que vem a morrer espiritualmente.

– Os espinhos são os cuidados desta vida, é a sedução das riquezas. Como disse Paulo, o amor do dinheiro é a raiz de toda a espécie de males (I Tm.6:10).

A busca de riquezas materiais, a troca das coisas de cima pelas coisas deste mundo, tão condenada por Paulo na epístola aos colossenses (Cl.3:1,2), tem sido a causa de muitos fracassos espirituais, como nos registra o próprio texto sagrado em exemplos tristes como os de Balaão (Jd.11), de Acã (Js.7:20,21) ou de Simão(At.8:21-23).

Lamentavelmente, os nossos dias são dias em que muitos não querem servir a Deus, mas se servir da obra da Deus, inclusive fazendo dos crentes mero instrumento de lucro.

Com sua esperteza, estão, mesmo, ganhando fortunas, e, com estas fortunas, farão ainda mais fortunas, pois os crentes nada mais são do que negócio e negócio feito com palavras fingidas (II Pe.2:3).

No entanto, isto é prova de que a vida espiritual que neles havia já foi há muito sufocada e, para estes, diz-nos a Palavra do Senhor, não será tardia a sentença e a sua perdição não dormita.

OBS: Nunca o momento foi tão propício para o crente se deixar enganar pelas coisas desta vida. Veja, por exemplo, o que se diz a respeito do chamado “segmento gospel” do mercado:

“…’O mercado de produtos para evangélicos movimenta aproximadamente 500 milhões de reais por ano e gera em torno de 1 milhão de empregos diretos e indiretos’, afirma Eduardo Berzin Filho, diretor executivo da EBF Eventos, que organiza feiras de negócios dirigidas para o público evangélico.(…).

No ano passado, os CDs de música religiosa ocuparam o segundo lugar entre os mais vendidos no país, com 19% do mercado, só perdendo para o gênero pop-rock, que ficou com 28% do bolo.

‘Cerca de 80% do mercado religioso é formado pela música gospel’, afirma Maurício Soares, diretor de marketing e venda da Line Records, uma das três grandes gravadoras evangélicas do país.

As estrelas do setor colecionam números milionários…” (FARNESI, Luciana. Um mercado movido pela fé. Exame, ano 39, nº 3, edição 836, 16 fev. 2005, p.60-1). Vigiemos!

– Não se trata aqui de defender as ideias das chamadas “ordens mendicantes” que surgiram na Igreja Romana na Idade Média, onde o voto de pobreza é considerado essencial para o serviço a Deus, mas de mostrar como, nos dias em que vivemos, mais do que nunca se faz preciso impedir que os espinhos tenham guarida em nossos corações. Os espinhos cresceram porque ali era um lugar propício para eles.

A  semente fora lançada entre os espinhos, mas, se, ao mesmo tempo em que se criavam raízes, os espinhos também fossem sufocados ou retirados, certamente que não chegaria o instante em que os espinhos sufocariam a plantinha nascida da semente.

– Para evitar que o espinhal venha a sufocar a planta que resultou da germinação e do crescimento da semente, impõe-se que o semeador trabalhe no sentido de retirar os espinhos, de não deixar que o terreno seja propício ao desenvolvimento dos espinhos.

Deve-se, ao mesmo tempo em que se criam raízes para a planta, extirpar as raízes dos espinhos, o amor do dinheiro, o materialismo, o individualismo, o egoísmo, a busca do prazer e da opulência, a fim de impedir que os espinhos cresçam, pois, com o crescimento deles, lamentavelmente haverá morte espiritual.

IV – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA(III): O TERRENO DA VIDA

– Depois de ter mencionado três terrenos em que a semente nada produziu, Jesus fala-nos da boa terra. Esta disparidade indica-nos, sem sombra de dúvida, que maior será a quantidade daqueles que não aceitarão a Cristo do que os que O aceitarão.

Jesus não quer iludir pessoa alguma. Os homens são maus e não é fácil a sua conversão. Deus quer que todos os homens se salvem, mas não serão muitos os que alcançarão a salvação.

Isto não deve desanimar o semeador, pois não é problema dela a questão dos terrenos. Ele tem de semear, e semear em todos os terrenos, mas o Senhor, que é a própria Verdade, a ninguém ilude, como, aliás, já o havia feito no sermão do monte, ao apresentar a parábola dos dois caminhos (Mt.7:13,14).

– Esta constatação de Jesus não deve nos impressionar, mas foi feita para os Seus discípulos, ou seja, foi uma consideração dirigida àqueles que O haviam aceito. Assim, não pode ser uma mensagem de desânimo, mas, sim, uma mensagem de regozijo e de cautela.

Regozijo, pois cada crente, ao ter consciência de que faz parte de um grupo minoritário, de que não está do lado mais numeroso, passa a ser mais grato a Deus e a dar o devido valor ao imenso amor que o Senhor nos tem, bem como o significado da misericórdia divina para conosco.

Cautela, porque o fato de estarmos hoje junto ao Senhor não é uma circunstância que seja imutável, depende de um contínuo crescimento espiritual, crescimento que esmiúce a penha da incredulidade em nossas vidas e de uma contínua vigilância, que não nos deixe, em momento algum, deixar de amar a Deus sobre todas as coisas.

– Parte das sementes caiu na boa terra, diz-nos Jesus. Por isso, germinou, cresceu e frutificou, tendo alguns produzido cem, outros, sessenta e ainda outros, trinta. Jesus explicou que este é o que ouve e compreende a palavra, dá fruto, produzindo cem, sessenta ou trinta. Estes são, portanto, os Seus verdadeiros e genuínos discípulos. 

–  São Seus discípulos, em primeiro lugar, porque ouviram e compreenderam a palavra do reino. Ora, como já tínhamos visto ao estudarmos a semente que caiu à beira do caminho, para que haja entendimento foi necessário que o pregador tenha se feito compreender, que o Espírito Santo tenha convencido o pecador, que entendeu o que foi dito, e que o pecador tenha querido a salvação, tenha querido entender.

Por isso, Jesus diz que a boa terra é aquele que ouviu e compreendeu. Houve compreensão porque se quis entender, se quis compreender.

Jesus disse que quem quiser segui-lO deve negar-se a si mesmo e é precisamente esta a situação do pecador cujo coração é uma boa terra. Nesta terra, ele se negou a si mesmo, compreendeu que Jesus tem de ter tudo em sua vida e, por isso, nasceu de novo.

– A boa terra permite o nascimento da semente, como também ocorrera nos pedregais e no espinhal. Mas, na boa terra, o terreno permite o crescimento das raízes, não há resistência, a pedra dá lugar à terra, que é o mineral moído e esmiuçado pela Palavra de Deus.

Sem qualquer resistência do eu, do orgulho, da autossuficiência, o pecador simbolizado pela boa terra é humilde de espírito e, como tal, ama, fazendo o que Jesus manda. Passa, então, a crescer, a deitar raízes a palavra do reino, fortificando-se cada dia mais.

– A boa terra, porém, além de permitir o crescimento das raízes, é um lugar propício apenas para o desenvolvimento da planta que resultou da germinação da semente.

É terra, mas é uma boa terra, ou seja, uma terra adequada e voltada apenas para o crescimento da planta nascida da semente.

É um coração que não tem outro interesse, que não tem outra prioridade a não ser Cristo Jesus, a não ser a palavra do reino. Por isso, não surgem espinhos nesta boa terra, por isso nada compete com o amor de Deus, que é exclusivo e dedicado.

– Crescendo e não tendo nada que a possa sufocar, a planta completa o seu ciclo vital e, assim, frutifica, produz fruto que, como vimos no 1º trimestre de 2005, é o fruto do Espírito, o caráter cristão que nos faz imagem e semelhança de Deus (Gl.5:22).

A diferença básica entre este terreno e os demais é que, nos outros, não havia frutificação, não havia fruto, não havia vida completa, vida plena.

Pelo contrário, à beira do caminho, nem germinação houvera; nos pedregais, houvera germinação, mas não crescimento; nos espinhos, germinação e crescimento, mas não frutificação. O que caracteriza a vida espiritual, portanto, ensina-nos Jesus nesta parábola, é a presença do fruto do Espírito.

Por isso, Jesus, no sermão do monte, havia dito que distinguiríamos os salvos dos perdidos através dos frutos (Mt.7:20).

– Mas Jesus também nos ensina que, se todos os salvos frutificam, sem exceção, que é este o sinal da salvação, a marca da redenção na vida de cada discípulo Seu, também é verdade que nem todos são iguais.

Jesus fez questão de ressaltar que um produziu cem, outro, sessenta e, ainda outro, trinta. A frutificação não é idêntica, os crentes não são robôs em série, que não se distinguem uns dos outros, mas, muito pelo contrário, há aqueles que são mais produtivos do que outros.

O Senhor, inclusive, ao Se comparar à videira verdadeira, fez questão de dizer que costuma podar os menos frutíferos para que se tornem mais frutíferos (Jo.15:2).

– A parábola do semeador mostra-nos que, no reino de Deus, devemos reconhecer os salvos pelos seus frutos. O que caracteriza a vida espiritual é a presença do fruto, não importa em que quantidade.

A característica da boa terra é a presença de fruto, é a frutificação, que venceu os obstáculos ao entendimento da palavra, a provação do dia da adversidade bem como a sedução das coisas desta vida.

Estamos continuamente lutando contra estes fatores que têm apenas um objetivo: matar-nos e destruir-nos para que não produzamos o fruto do Espírito.

Entretanto, temos de ser a boa terra, temos de receber a palavra do reino em um terreno propício e exclusivo para o seu desenvolvimento em nós.

Que Deus possa nos abençoar para que, em assim fazendo, tenhamos como, naquele dia, ouvirmos do Senhor:

“Vinde, benditos de Meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mt.25:34). És tu, depois de estudarmos esta parábola, um dos tais?

Ev.  Caramuru Afonso Francisco

Fonte: http://www.portalebd.org.br/classes/adultos/2913-licao-2-para-ouvir-e-anunciar-a-palavra-de-deus-i

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