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LIÇÃO Nº 3 – ÉTICA CRISTÃ E DIREITOS HUMANOS   

A ética cristã é a que dá a real dignidade à pessoa humana.

INTRODUÇÃO

 – Quando se fala em ética, na atualidade, logo vem à baila a temática dos direitos humanos.

 – A ética cristã é a que dá a real dignidade à pessoa humana, o que nem sempre ocorre com a defesa dos direitos humanos.

I – A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

– Quando falamos a respeito de ética, logo vem à baila a discussão referente à temática dos direitos humanos, visto que a própria noção de direitos universais do ser humano, de valorização da pessoa humana é essencial para que se possa falar em uma ordem que seja de acordo com a moral e com a ética.

 – Não resta dúvida de que a ética depende da valorização do ser humano e que uma ética que não dê destaque à pessoa humana está fadada ao fracasso e não pode subsistir.

 – A ética cristã, que também pode ser denominada de ética bíblica, que tem seus fundamentos na Bíblia Sagrada, que é a Palavra de Deus, a verdade (Jo.17:17), tem como um de seus princípios basilares precisamente esta valorização da pessoa humana, o que se costumou chamar de “dignidade da pessoa humana”.

 – Quando Deus resolveu criar o homem, começou, também, a criar a ordenação ética que deveria reger o mundo, e isto é sintomático. Até o momento em teve a decisão de criar o homem, não se encontra, no texto sagrado que narra a criação, qualquer disposição a respeito de uma ordenação ética sobre a face da Terra.

 – Somente quando a Santíssima Trindade resolve criar o ser humano, que deveria ser feito à imagem e semelhança de Deus, é que temos o início da criação de um “mundo ético”, de um mundo de valores, de um mundo que delimitaria o que era o certo e o que era o errado, a nos demonstrar, portanto, que a ordenação ética e moral existe única e exclusivamente por causa do homem.

É, aliás, exatamente isto que o Senhor Jesus ensinará quando diz que o sábado foi feito para o homem e não vice-versa (Mc.2:27), mostrando, pois, que o homem é o próprio objetivo de uma ordem moral, estando, assim, em posição de proeminência e relevância com relação a todo sistema ético.

 – Ao deliberar criar o homem, o Senhor já mostra este papel de preponderância do homem, pois diz que irá fazê-lo “imagem e semelhança de Deus” (Gn.1:26)

 É uma situação singular que nenhuma outra criatura tem: somente o ser humano é “imagem e semelhança de Deus”, ou seja, somente o ser humano faz lembrar de Deus, somente o ser humano é uma espécie de “representante”, de “espelho” para o Criador.

 – Todo e qualquer ser humano, portanto, é uma reminiscência de Deus, é um “espelho” do Criador e, como tal, deve ser profundamente respeitado, residindo aí a sua “dignidade”. O ser humano é “digno”

porque foi feito à imagem e semelhança de Deus (Gn.1:27). Toda vez que se aviltar ou se desrespeitar um ser humano, estar-se-á a desrespeitar o próprio Criador, pois todo ser humano é “imagem e semelhança de Deus”.

OBS: O Compêndio da Doutrina Social da Igreja Romana foi muito feliz ao sintetizar esta dignidade da pessoa humana, “in verbis”:-

 “…A mensagem fundamental da Sagrada Escritura anuncia que a pessoa humana é criatura de Deus (…).

Portanto, ‘por ser à imagem de Deus, o indivíduo humano tem a dignidade de pessoa: ele não é apenas uma coisa, mas alguém.

É capaz de conhecer-se, de possuir-se e de doar-se livremente, entrar em comunhão com outras pessoas, e é chamado, por graça, a uma aliança com o seu Criador, a oferecer-lhe uma resposta de fé e de amor, que ninguém mais pode dar em seu lugar’…” (PONTIFÍCIO CONSELHO ‘JUSTIÇA E PAZ’. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 108, p.72).

 – “Dignidade”, diz o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é “qualidade moral que infunde respeito; consciência do próprio valor; honra, autoridade, nobreza”. Ora, o ser humano merece respeito precisamente porque foi criado “à imagem e semelhança de Deus, foi feito a “coroa da criação” (Sl.8:4-8).

 – Tanto assim é que, ao deliberar criar o homem, o Senhor disse que ele dominaria sobre toda a criação terrena (Gn.1:26-28), fazendo-o o mordomo da criação terrena, o administrador de tudo quanto existe sobre a face da Terra, pondo-o, portanto, acima de todos os demais seres terrenos, algo que ficou evidenciado quando é o homem quem dá nome a todos os animais (Gn.2:19,20), e dar nome é nítido gesto de demonstração de autoridade e supremacia.

 – A ética cristã, portanto, tem como princípio primeiro esta dignidade da pessoa humana, esta autoridade do homem sobre toda a criação terrena, esta condição singularíssima que faz do homem um ser distinto de toda a criação, um ser único, que é imagem e semelhança de Deus e que se apresenta como um elo entre o mundo espiritual e o mundo material.

 – Por isso, a dimensão relacional do ser humano é também algo singular e inexistente em qualquer outra criatura.

Feito para ser o elo entre o mundo espiritual e o mundo material, como também para ser o mordomo da criação terrena, tendo, portanto, de com ela se relacionar, ao mesmo que deveria se relacionar com o próprio Criador, em nome de quem haveria de administrar, vemos que o ser humano foi feito para não viver solitário, mas em compartilhamento seja com a natureza criada, seja com outros seres humanos, seja com o próprio Criador.

 – “…A semelhança com Deus põe em luz o fato de que a essência e a existência do homem são constitucionalmente relacionadas com Deus do modo mais profundo.

É uma relação que existe por si mesma, não começa, por assim dizer, num segundo momento e não se acrescenta a partir de fora.

Toda a vida do homem é uma pergunta e uma busca de Deus. Esta relação com Deus pode ser tanto ignorada como esquecida ou removida, mas nunca pode ser eliminada. Dentre todas as criaturas, com efeito, somente o homem é ‘capaz’ de Deus” (…).

O ser humano é um ser pessoal criado por Deus para a relação com Ele, que somente na relação pode viver e exprimir-se, e que tende naturalmente a Ele.

 A relação entre Deus e o homem reflete-se na dimensão relacional e social da natureza humana. O homem, com efeito, não é um ser solitário, mas ‘por sua natureza íntima, um ser social’ r ‘sem relações com os outros não pode nem viver nem desenvolver seus dotes’.

Em relação a isso é muito significativo o fato de que Deus criou o ser humano como homem e mulher (cf. Gn.1:27).

Muito eloquente é, efetivamente, ‘aquela insatisfação que se apodera da vida do homem no Éden, quando lhe resta como única referência o mundo vegetal e animal (cf. Gn.2:20).

Somente a aparição da mulher, isto é, de um ser que é carne de sua carne e osso dos seus ossos (cf. Gn.2:23) e no qual vive igualmente o espírito de Deus Criador, pode satisfazer a exigência de diálogo interpessoal, tão vital para a existência humana.

No outro, homem ou mulher, reflete-se o próprio Deus, abrigo definitivo e plenamente feliz de toda a pessoa’.…(PONTÍFICIO CONSELHO ‘JUSTIÇA E PAZ’. op. cit., nn. 109 e 110, p.73).

 

– Assim, ao mesmo tempo em que o homem é posto como o ser mais importante sobre a face da Terra, o fato de ser “imagem e semelhança de Deus” e de ser o elo entre o mundo espiritual e o mundo material, faz com que a sua dignidade dependa desta capacidade que ele tem de se relacionar, ou seja, como “imagem de Deus” (Gn.1:27), o homem não pode cumprir o seu propósito, a sua razão de ser se não se relacionar com Deus, com os outros seres humanos e com a natureza criada.

 – A dignidade da pessoa humana, portanto, somente se completa e se perfaz se o homem estiver se relacionando com o Senhor e com os outros seres humanos e, dentro deste relacionamento, poder exercer devidamente o seu domínio sobre a criação terrena.

 – Por isso mesmo, o Senhor somente abençoa o ser humano quando já existente o primeiro casal (Gn.1:28), revelando nesta bênção que o propósito divino estabelecido ao homem somente se cumpriria se houvesse a união e comunhão de homem e mulher tanto para frutificação como para multiplicação, sendo que a frutificação nada mais é que a produção do fruto do Espírito, ou seja, o resultado de uma vida de comunhão com o Criador.

A vida do homem estava, assim, na guarda e lavoura do jardim no Éden (Gb.2:15), algo a ser feito por ambos, tanto homem como mulher, em unidade de esforços, mas que também dependia do momento íntimo que o primeiro casal tinha diariamente com o seu Criador (Gn.3:8).

 – O homem, portanto, embora seja o ser mais importante da criação terrena, embora ocupe, em toda a criação, tanto de céus quanto de terra, um lugar singularíssimo, jamais poderia cumprir seu objetivo se não estivesse em relacionamento com Deus e com o próximo.

 – Não é, pois, qualquer surpresa que o Senhor Jesus tenha dito que toda a lei mosaica, que, por ter sido dada a Israel por Deus traduzia precisamente a ética estabelecida pelo Senhor ao homem, se resumia no amor a Deus e no amor ao próximo (Mt.22:34-40), ou seja, no correto relacionamento que se tenha com Deus e com o próximo. 

 – O novo mandamento trazido pelo Senhor Jesus (Jo.15:12), que é da mesma essência do antigo (I Jo.2:3-8), mostra quem é o homem que está de acordo com o plano divino, ou seja, o homem que ama o próximo como Jesus amou, ou seja, aquele que segue o exemplo deixado pelo homem perfeito (I Pe.2:21-24), que é o Senhor Jesus, o último Adão, que amou a Deus e ao próximo (Jo.13:1; 15:13; Rm.5:8).

 II – OS DIREITOS HUMANOS

 – A ideia de “direitos humanos” exsurge notadamente quando da discussão da existência de direitos fundamentais da pessoa humana, de direitos que decorriam da própria natureza humana, direitos que independiam de haver ou não um governo ou uma lei que os reconheça.

 – Notadamente quando se discutia a necessidade de limitação dos governos na época do absolutismo monárquico, dentro do chamado “pensamento liberal”, ganhou força a ideia destes “direitos naturais”, ideia esta que esteve presente em obras de filósofos da época, como também em documentos de movimentos políticos baseados neste ideário como a Independência dos Estados Unidos da América e a Revolução Francesa.

 – A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América é bem clara neste sentido, “in verbis”: “…Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade.…”.

 – Também é esta a postura da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborado na Revolução Francesa:

 “Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.

Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”.

– Como se percebem destes documentos, entende-se que o homem, pelo simples fato de existir, possui direitos, que lhe seriam concedidos pelo próprio Deus e que os governos têm o dever de preservar tais direitos.

 – Esta ideia de direitos ínsitos à natureza humana foi, como se verifica, em primeiro lugar, reportada à criação, ao próprio Deus, dentro do que está previsto nas Escrituras, o que se entende tendo em vista que vigorava uma cultura cristã tanto na Europa Ocidental quanto na América colonizada pelos europeus.

 – A ideia dos “direitos humanos” ganhou grande impulso ao término da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo assistiu aos horrores do extermínio em massa de pessoas, tendo, então, surgido a ideia de uma Declaração Universal dos Direitos do Homem, elaborada pela Organização das Nações Unidas, cujo preâmbulo assim dispõe:

 “…Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem;…”. 

 – No seu artigo 1º, assim dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Artigo 1°. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

 – Como se pode perceber, aquela ideia que, inicialmente estava vinculada à criação divina, passou a dispensar a questão da criação divina como base da própria dignidade da pessoa humana, dentro do próprio distanciamento do pensamento intelectual da doutrina cristã ao longo dos séculos XIX e XX, o que é algo bem presente na Organização das Nações Unidas.

 – Com esta perda da referência dos “direitos humanos” a Deus, começou a haver uma natural e óbvia dissociação entre a ética cristã e os “direitos humanos”, a ponto de sob a rubrica de “direitos humanos” se passarem a defender atitudes e ações que contrariam frontalmente a Palavra de Deus.

 – O Papa João Paulo II, que foi chefe da Igreja Romana entre 1978 e 2005, na sua encíclica “Evangelium vitae”, onde defende diversos pontos da ética cristã em relação à vida humana, fala deste fenômeno de dissociação, “in verbis”:

“…om as perspectivas abertas pelo progresso científico e tecnológico, nascem outras formas de atentados à dignidade do ser humano, enquanto se delineia e consolida uma nova situação cultural que dá aos crimes contra a vida um aspecto inédito e — se é possível — ainda mais iníquo, suscitando novas e graves preocupações:

amplos sectores da opinião pública justificam alguns crimes contra a vida em nome dos direitos da liberdade individual e, sobre tal pressuposto, pretendem não só a sua impunidade mas ainda a própria autorização da parte do Estado para os praticar com absoluta liberdade e, mais, com a colaboração gratuita dos Serviços de Saúde.…” (Evangelium vitae n. 4. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangeliumvitae.html Acesso em 07 fev. 2018).

 – Em outra passagem, assim se manifesta João Paulo II:

 “…Mas queremos concentrar a nossa atenção, de modo particular, sobre outro género de atentados, relativos à vida nascente e terminal, que apresentam novas características em relação ao passado e levantam problemas de singular gravidade: é que, na consciência colectiva, aqueles tendem a perder o carácter de « crimes » para assumir, paradoxalmente, o carácter de « direitos », a ponto de se pretender um verdadeiro e próprio reconhecimento legal da parte do Estado e a consequente execução gratuita por intermédio dos profissionais da saúde.

Tais atentados ferem a vida humana em situações de máxima fragilidade, quando se acha privada de qualquer capacidade de defesa.

Mais grave ainda é o facto de serem consumados, em grande parte, mesmo no seio e por obra da família que está, pelo contrário, chamada constitutivamente a ser « santuário da vida ». Como se pôde criar semelhante situação?

Há que tomar em consideração diversos factores. Como pano de fundo, existe uma crise profunda da cultura, que gera cepticismo sobre os próprios fundamentos do conhecimento e da ética e torna cada vez mais difícil compreender claramente o sentido do homem, dos seus direitos e dos seus deveres. …” (Evangelium vitae, n. 11 . end. cit.).

 – E o ex-chefe da Igreja Romana também afirma, em feliz síntese:

“…Chega assim a uma viragem de trágicas consequências, um longo processo histórico, o qual, depois de ter descoberto o conceito de « direitos humanos » — como direitos inerentes a cada pessoa e anteriores a qualquer Constituição e legislação dos Estados —, incorre hoje numa estranha contradição:

precisamente numa época em que se proclamam solenemente os direitos invioláveis da pessoa e se afirma publicamente o valor da vida, o próprio direito à vida é praticamente negado e espezinhado, particularmente nos momentos mais emblemáticos da existência, como são o nascer e o morrer.

(…) as raízes da contradição que se verifica entre a solene afirmação dos direitos do homem e a sua trágica negação na prática, residem numa concepção da liberdade que exalta o indivíduo de modo absoluto e não o predispõe para a solidariedade, o pleno acolhimento e serviço do outro.

Se é certo que, por vezes, a supressão da vida nascente ou terminal aparece também matizada com um sentido equivocado de altruísmo e de compaixão humana, não se pode negar que tal cultura de morte, no seu todo, manifesta uma concepção da liberdade totalmente individualista que acaba por ser a liberdade dos « mais fortes » contra os débeis, destinados a sucumbir.…(op.cit., nn.18,19).

 – O que se percebe é que a dispensa da referência a Deus com relação aos direitos humanos fez com que se tivesse exatamente o que ocorreu quando da queda do homem, momento em que o primeiro casal acreditou que poderia ser independente do Senhor (Gn.3:4,5) e acabou se tornando escravo do pecado (Jo.8:34).

 – Quando o ideário dos direitos humanos se descolou da criação divina perdeu a sua própria legitimidade, a sua própria razão de ser e, por isso mesmo, deu brecha para que a própria pessoa humana seja aviltada e desprezada, como, aliás, temos observado nas sucessivas declarações de direitos e convenções internacionais aprovados pela Organização das Nações Unidas nos últimos anos.

 III – A ÉTICA CRISTÃ E OS DIREITOS HUMANOS

 – A desvinculação do ideário dos direitos humanos em relação a criação divina leva à confusão que se faz entre liberdade e autonomia, que é fundamental para entendermos o real sentido da ética cristã.

 – Deus criou o homem um ser moral, ou seja, que sabe discernir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado.

 O homem, ademais, foi criado um ser livre, ou seja, ele pode escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado.

É o que vemos claramente no texto bíblico, visto que o Senhor ordena ao homem que não deveria comer da árvore da ciência do bem e do mal e que, quando o fizesse, certamente morreria (Gn.2:16,17).

 – Esta passagem bíblica mostra-nos, por primeiro, que Deus é o Senhor, pois Ele “ordenou”, ou seja, Ele é quem dá as ordens, Ele é quem afirma o que é certo e o que é errado, o que é o bem e o que é o mal.

Tal circunstância faz com que, de pronto, já se saiba que existe, sim, o bem e o mal, que isto não é fruto de uma construção social, de um momento histórico ou da mente humana.

 – Diante deste senhorio divino, que se verifica pela palavra “ordenou”, temos que o homem é, sim, dotado de livre-arbítrio, mas isto não significa que não esteja sujeito a Deus. Liberdade não significa autonomia, ou seja, não é o homem quem determina as regras de conduta, cabendo-lhe apenas obedecer, ou não, segundo o livre-arbítrio que recebeu do Senhor.

 – Quando, porém, o homem confunde esta liberdade com autonomia, com independência em relação a Deus, que foi, precisamente, a mentira satânica que levou à queda do primeiro casal, temos a elaboração de um sistema ético que se pretende desvinculado do Senhor e cujos valores passam a variar, uma vez que os homens são inconstantes e mutáveis.

 – É o que temos visto com a ideia de “direitos humanos”. Além dos direitos humanos chamados de “primeira geração”, previstos, como já vimos, quando da discussão sobre os limites do poder dos governantes sobre os governados, que envolvem o direito à vida,

o direito à propriedade, as liberdades públicas, também surgiram os chamados “direitos humanos de segunda geração”, que são os chamados “direitos sociais, econômicos e culturais”, entre os quais se encontram, entre outros, os direitos das relações de trabalho, o direito à educação.

Por fim, surgiram os chamados “direitos humanos de terceira geração”, que envolvem os direitos difusos e da coletividade, tais como os direitos relacionados ao meio-ambiente, inclusão digital, consumidor e outros tantos.

 – A desvinculação dos direitos humanos à ideia de Deus e a própria concepção de que a dignidade da pessoa humana reside no fato de o homem ser imagem e semelhança de Deus faz com que não se tenha mais uma concordância entre a ética cristã e os direitos humanos.

 – Não resta dúvida de que “…o movimento rumo à identificação e à proclamação dos direitos do homem é um dos mais relevantes esforços para responder de modo eficaz às exigências imprescindíveis da dignidade humana…” (PONTÍFICIO CONSELHO ‘JUSTIÇA E PAZ’, op.cit., n.152, p.92), mas não podemos jamais nos esquecer que “…a fonte última dos direitos humanos não se situa na mera vontade dos seres humanos, na realidade do Estado, nos poderes públicos, mas no próprio homem e em Deus seu Criador…” (ibid., n.153, p.93).

– Por conta disso, jamais poderão ser admitidos postulados ditos de “direitos humanos” que contrariem os princípios estabelecidos por Deus e que foram revelados nas Escrituras Sagradas. A Palavra de Deus é a verdade (Jo.17:17) e qualquer “direito humano” que venha a ser declarado e que contrarie o quanto estabelecido por Deus não passará de uma manifestação de independência e de rebeldia contra o Senhor.

 – Lamentavelmente, em nossos dias, não são poucos os que têm proclamado “direitos fundamentais” que nada mais são que expressões desta rebeldia, como, por exemplo,  “direitos à orientação sexual e à identidade de gênero”, “direito ao aborto seguro e legal”, “os direitos da Terra” e tantos outros que têm sido preconizados e que se constituem em nítidas violações da ética cristã.

 – A ética cristã privilegia o homem, é o único sistema ético que dá ao ser humano a sua real dimensão como “coroa da criação”. Qualquer sistema ético desvinculado da ética cristã jamais traz ao ser humano um lugar de destaque. Basta ver que estes movimentos atuais da linha adotada pela Organização das Nações Unidas e outros movimentos globais têm, na verdade, desprestigiado o ser humano. Senão vejamos.

 – Quando se defende o “direito ao aborto seguro e legal”, não se está permitindo a eliminação de fetos, que são seres humanos e, portanto, se permitindo a violação do mais elementar dos direitos humanos que é o direito à vida?

 – Quando se defendem os “direitos da Terra”, numa colocação da natureza acima do próprio ser humano, que passa a ser tratado como um obstáculo à própria existência do planeta, não se está aviltando o ser humano, reduzindo-o a uma posição inferior ao que Deus o constituiu na criação, pois de dominador sobre a criação terrena, passa a ser dominado por ela?

 – O único humanismo autêntico e verdadeiro é aquele que deriva da Palavra de Deus, é aquele que põe o homem no seu exato lugar e o exato lugar do homem está revelado tão somente nas Escrituras, pois é a posição estabelecida pelo Criador quando criou todas as coisas.

E somente em Cristo, de que as Escrituras testificam (Jo.5:39), o homem alcançará esta posição e terá a sua dignidade.

– Mais uma vez, por sua profunda biblicidade, citamos aqui o João Paulo II:

“…O homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se o não experimenta e se o não torna algo seu próprio, se nele não participa vivamente.

 E por isto precisamente Cristo Redentor, como já foi dito acima, revela plenamente o homem ao próprio homem.

Esta é — se assim é lícito exprimir-se — a dimensão humana do mistério da Redenção. Nesta dimensão o homem reencontra a grandeza, a dignidade e o valor próprios da sua humanidade. No mistério da Redenção o homem é novamente « reproduzido » e, de algum modo, é novamente criado.

Ele é novamente criado! « Não há judeu nem gentio, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher: todos vós sois um só em Cristo Jesus ».

O homem que quiser compreender-se a si mesmo profundamente — não apenas segundo imediatos, parciais, não raro superficiais e até mesmo só aparentes critérios e medidas do próprio ser — deve, com a sua inquietude, incerteza e também fraqueza e pecaminosidade, com a sua vida e com a sua morte, aproximar-se de Cristo.

 Ele deve, por assim dizer, entrar n’Ele com tudo o que é em si mesmo, deve « apropriar-se » e assimilar toda a realidade da Encarnação e da Redenção, para se encontrar a si mesmo. Se no homem se actuar este processo profundo, então ele produz frutos, não somente de adoração de Deus, mas também de profunda maravilha perante si próprio.

Que grande valor deve ter o homem aos olhos do Criador, se « mereceu ter um tal e tão grande Redentor », se « Deus deu o seu Filho », para que ele, o homem, « não pereça, mas tenha a vida eterna ».

Na realidade, aquela profunda estupefacção a respeito do valor e dignidade do homem chama-se Evangelho, isto é a Boa Nova. Chama-se também Cristianismo. Uma tal estupefacção determina a missão da Igreja no mundo, também, e talvez mais ainda, « no mundo contemporâneo ».

Tal estupefacção e conjuntamente persuasão e certeza, que na sua profunda raiz é a certeza da fé, mas que de um modo recôndito e misterioso vivifica todos os aspectos do humanismo autêntico, está intimamente ligada a Cristo.

Ela estabelece também o lugar do mesmo Jesus Cristo — se assim se pode dizer — o seu particular direito de cidadania na história do homem e da humanidade.

 A Igreja, que não cessa de contemplar o conjunto do mistério de Cristo, sabe com toda a certeza da fé, que a Redenção que se verificou por meio da Cruz, restituiu definitivamente ao homem a dignidade e o sentido da sua existência no mundo, sentido que ele havia perdido em considerável medida por causa do pecado.

E por isso a Redenção realizou-se no mistério pascal, que, através da cruz e da morte, conduz à ressurreição.

A tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e, de modo particular, do nosso, é a de dirigir o olhar do homem e de endereçar a consciência e experiência de toda a humanidade para o mistério de Cristo, de ajudar todos os homens a ter familiaridade com a profundidade da Redenção que se verifica em Cristo Jesus.

Simultaneamente, toca-se também a esfera mais profunda do homem, a esfera — queremos dizer — dos corações humanos, das consciências humanas e das vicissitudes humanas.…” (JOÃO PAULO II. Redemptor hominis, n.10. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paulii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_04031979_redemptor-hominis.html Acesso em 08 fev. 2018).

 – Jamais existiriam “direitos humanos” se não tivesse havido a ética cristã. Entretanto, os “direitos humanos”, para serem efetivamente respeitados e observados, exigem a observância da ética cristã, e, a partir do momento que se distanciam dela, não passam de um simulacro, de um engano, que leva, em nome dos “direitos humanos” ao aviltamento do próprio homem. Pensemos nisto! 

Ev.  Caramuru Afonso Francisco

Fonte: http://www.portalebd.org.br/classes/adultos/2032-licao-3-etica-crista-e-direitos-humanos-i

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