LIÇÃO Nº 3 – MISSÕES TRANSCULTURAIS NO ANTIGO TESTAMENTO DEUS
INTRODUÇÃO
-A mensagem da salvação é para toda a humanidade.
-O caráter universal da mensagem da salvação revela-se no Antigo Testamento.
I – AS MISSÕES TRANSCULTURAIS ATÉ A ENTREGA DA LEI A ISRAEL
-Vimos, na lição anterior, que o caráter universal da mensagem da salvação decorre da própria natureza divina. Deus ama o homem que formou e quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade (I Tm.2:4).
-Além disso, Deus não faz acepção de pessoas (Dt.10:17; II Cr.19:7; At.10:34; Rm.2:11; Ef.6:9; Cl.3:25; I Pe.1:17), de sorte que o chamado à salvação é para todos os homens, tanto que a anunciou ao primeiro casal.
-Portanto, as chamadas “missões transculturais”, ou seja, a pregação do Evangelho a outras etnias, outros povos, outras nações, não é algo que somente tenha aparecido com o início da atividade da Igreja no dia de Pentecostes, pois algo que decorre da própria natureza divina e, como Deus é eterno (Dt.22:7. Sl.10:6; Is.40:28; Jr.10:10), tem-se que este caráter universal da pregação do Evangelho se revelou desde os primórdios da história da humanidade.
-Expulso do jardim do Éden, o primeiro casal passou a lavrar a terra e dela obter, do suor do seu rosto, o seu sustento (Gn.3:23) e, assim, inicia-se a história humana, com a formação primeiro das famílias e dos chamados clãs, que são grupos de famílias, com um ancestral comum.
-Até o dilúvio, portanto, não temos propriamente a formação de “nações” ou de “etnias”, mas, sim, verdadeiros clãs, formados a partir das linhagens, das descendências dos filhos do primeiro casal, que eram muitos (Gn.5:4).
-Nestas linhagens, duas mereceram destaque no texto bíblico: a de Caim, o primogênito do primeiro casal (ao menos após a queda – Gn.4:1) e a de Sete, o filho que Deus deu ao primeiro casal em lugar de Abel (Gn.4:25).
-Nota-se, aqui, que, pelo menos até a quinta geração, estas duas principais linhagens tinham modos de vida diferentes, gerando como que duas culturas diferentes.
A linhagem de Caim, construída sem a presença do Senhor (Cf. Gn.4:16), e a linhagem de Sete, cujo centro era a invocação do nome do Senhor (Gn.4:26).
-Esta diferença fez com que o texto sagrado considerasse a linhagem de Sete como sendo “os filhos de Deus”, enquanto as demais linhagens, notadamente a de Caim, foi denominada de “filhos dos homens” (Gn.6:2).
-Esta distinção já nos permite verificar que, ao menos no início da história, havia uma separação inclusive de convivência entre estes dois grupos, gerando, assim, ainda que de forma ainda muito tênue, uma distinção de modo de vida, que poderia ser como que um embrião de uma etnia, entendida esta como sendo um grupo de pessoas de mesma condição, de mesmo modo de vida.
-No entanto, com a multiplicação dos homens, logo começou a haver contato e mistura entre as linhagens e o que se verifica, pela narrativa bíblica, é que a piedade que caracteriza a linhagem de Sete foi substituída pelo modo de vida pecaminoso e ímpio da linhagem de Caim, a ponto de a terra ter se enchido de violência e de corrupção (Gn.6:5,11,12).
-Isto, entretanto, não se fez sem o devido aviso da parte do Senhor que, já nesta ocasião, levanta um profeta, Enoque, para anunciar que a desobediência a Deus acarretaria o juízo divino (Jd.14), juízo este que ocorreria quando da morte do próprio primogênito de Enoque, Metusalá (nome cujo significado é “quando este morrer, isso virá”).
-O que se percebe, portanto, é que a invocação ao nome do Senhor que caracteriza a vida dos setitas não foi mostrada aos outros clãs, não houve a transmissão da promessa da redenção dada ao primeiro casal, e o resultado deste silêncio, desta falta de conscientização acabou por levar a linhagem piedosa a se corromper e a compartilhar do modo pecaminoso dos caimitas e dos demais.
-Quando não se anuncia a salvação, quando não se mostra aos que vivem diferentemente de nós as promessas feitas por Deus para a humanidade, o resultado é a assimilação e a adoção da vã maneira de viver e a perda da própria identidade como povo de Deus.
-Somente Noé e sua família se mantiveram fiéis ao Senhor e, por isso, foram poupados do dilúvio. Mas Noé não se manteve calado. Durante os cem anos em que ficou a construir a arca, anunciou a todos os homens o juízo iminente (Hb.11:7; II Pe.2:5).
-Percebe-se, portanto, que o Senhor sempre tinha o propósito de anunciar a todos os homens a salvação, mesmo havendo esta nítida separação entre os que serviam ao Senhor e os que não O serviam.
-Depois do dilúvio, formou-se aquela comunidade única, que, na terceira geração, passaria a ser comandada por Ninrode, surgindo, então, propriamente, um “poder político”.
-Entretanto, esta única comunidade, que possuía uma única cultura, rebelou-se contra o Senhor e o resultado disto foi a confusão das línguas, para que se dispersassem, dando origem, de pronto, a setenta nações, que são identificadas em Gn.10.
-É a partir daí, então, que surgem as nações, as diferentes culturas que passam a ser criadas a partir dos grupos que, por terem a mesma língua, passaram a conviver, surgindo, então, esta barreira que tem de ser superada para que a mensagem do anúncio da salvação venha a ser conhecida por todo o mundo, por toda criatura.
-Logicamente que cada uma destas culturas tinha, no seu âmago, a memória daquilo que foi transmitido por Noé a seus filhos e estes a seus descendentes, a mesma mensagem que o próprio Noé pregara aos seus contemporâneos, que, infelizmente, não deram crédito à pregação e que, aliás, foram devidamente confrontados com sua incredulidade lá no Hades quando o Senhor ali esteve após a Sua morte (Cf. I Pe.3:18- 20).
-É a este elemento que o missiólogo e missionário Don Rochardson (1935- ) denominou de “fator Melquisedeque” e cuja descoberta muito facilita a comunicação da mensagem da salvação em uma determinada cultura.
-No entanto, ante a rebelião generalizada, o Senhor tratou de formar um povo que pudesse ser Sua propriedade peculiar dentre todos os povos, onde nascesse o Salvador, precisamente para que todas as nações fossem alcançadas pelo Seu amor.
Por isso, chama Abrão em Ur dos caldeus, para que ele saísse da sua parentela, da casa do seu pai e da sua terra para uma terra que lhe seria mostrada, pois Deus tinha o propósito de formar uma grande nação e de, em Abrão, fazer benditas todas as famílias da Terra (Gn.12:1-3).
-Notemos aqui que, para poder cumprir a vontade divina, Abrão tinha de sair do meio do seu povo, ou seja, há uma separação entre o que serve a Deus e o que não serve, mas, até em virtude desta separação, faz-se necessário que seja apresentada aos incrédulos, àqueles que não têm relacionamento com Deus, a mensagem da salvação.
-Abrão tinha uma vida distinta da dos demais que habitavam a terra de Canaã. Era chamado “o hebreu” (Cf. Gn.14:13), o que mostra a sua diferença em relação aos demais, com os quais ele era apenas confederado (Cf. Gn.14:13), ou seja, mantidos relacionamentos com eles mas resguardando a sua independência, tanto que, ao não querer receber qualquer bem de Sodoma, deixou seus aliados livres para que pegassem o que bem quisessem (Gn.14:22-24).
-No chamado de Abrão, porém, já fica patente que a formação do povo de Israel só tinha razão de ser na medida em que o objetivo de Deus era o de fazer benditas todas as famílias da Terra.
-O próprio patriarca teria esta experiência de que o amor de Deus transcende as barreiras culturais quando tem o encontro com Melquisedeque, rei de Salém, identificando nele um sacerdote do Deus Altíssimo, que é a ele revelado por aquele rei como sendo “o Possuidor do céu e da terra” e com quem mantém comunhão (Gn.14:18-22), episódio que levou o já mencionado Don Richardson a dar o nome de “fator Melquisedeque” a este elemento cultural que é resquício da sã doutrina de Deus a Noé e que se encontra presente em todos os povos e nações.
-Esta noção obtida por Abrão, que depois teve seu nome mudado para Abraão, é bem explicada pelo escritor aos hebreus, quando este diz que o patriarca, assim como os que se lhe seguiram (Isaque e Jacó), passam a buscar a pátria celestial (Hb.11:14-16), ou seja, bem sabiam que o objetivo do Senhor era levar todos os homens, independentemente de suas etnias, para a eternidade, para com Ele habitarem para sempre (Cf. Ap.21:3).
-Embora chamados para formar um povo especial para o Senhor, tinham eles em mente que o propósito divino era transcendente a esta realidade de várias nações na face da Terra. Não é por outro motivo, aliás, que o apóstolo Paulo vai chamar os salvos de “descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa” (Gl.3:29).
-Abraão, Isaque e Jacó (que depois se chamou Israel) andaram como peregrinos e estranhos na terra de Canaã (Hb.11:9), tendo, então, Deus formado este povo, que se multiplicou no Egito, sendo de lá libertado pelo Senhor que o levou até o monte Sinai, onde propôs um pacto a ele.
-Para a libertação de Israel, o Senhor chamou a Moisés, não antes de ter dado a ele a noção de que Seu objetivo superava ao da nação que estava a formar. Com efeito, a Providência Divina fez com que Moisés fosse instruído em toda a ciência dos egípcios (Cf. At.7:22),
depois de ter sido educado, na primeira infância, na ainda incipiente cultura hebraica, mas onde teve conhecimento dos propósitos divinos para com os filhos de Israel, como também tivesse conhecimento da história do patriarca Jó, quando esteve em Midiã, quando, aliás, começou-se a escrever a Bíblia Sagrada, tendo, assim, o testemunho de um gentio que temia ao Senhor. Moisés, assim, foi liderar o povo tendo consciência do caráter transcultural da mensagem da salvação.
-Na proposta do pacto, mais uma vez o Senhor deixa claro que a escolha de Israel como Sua propriedade peculiar dentre os povos não significava, em absoluto, o desprezo pelos demais povos. É proposto que Israel se tornasse reino sacerdotal e povo santo, mas o Senhor deixa bem claro que toda a terra é Sua e que o papel de Israel seria o de intercessor dos outros povos diante d’Ele (Ex.19:5,6).
-Todo o pacto estabelecido com Israel, portanto, tinha por pressuposto o desejo divino de ver reconhecido Seu senhorio sobre a toda a Terra por parte dos demais povos, usando para tanto Israel, que seria o “reino sacerdotal”, ou seja, o povo onde o Senhor reinava e que intermediaria o contato entre Deus e os demais povos e, para tanto, deveria ser “povo santo”, ou seja, um povo que não se misturasse com os demais, a fim de não perder a sua identidade de “propriedade peculiar de Deus”.
II – AS MISSÕES TRANSCULTURAIS DURANTE A DISPENSAÇÃO DA LEI
-Estabelecido o pacto com Israel, mas ficando o povo bem ciente de que a ação divina superava o limite nacional, o Senhor mostra a Israel que, conquanto tivesse de ser um povo santo, separado das práticas pecaminosas dos demais povos, jamais poderia de deixar de interceder por estes povos a Deus e de conduzi- los à adoração do único e verdadeiro Deus.
-A experiência da libertação no Egito teve, como um dos seus principais objetivos, mostrar claramente a Israel que só havia um único e verdadeiro Deus, que os deuses criados pelos demais povos na sua imaginação nada eram, e que, portanto, todas as nações deveriam adorar a este Deus, que mais do que Deus de Israel, era o Deus de toda a terra.
-Evidentemente, durante a dispensação da lei, que era sombra dos bens futuros e não a imagem exata das coisas (Cf. Hb.10:1), não se teriam senão lampejos, indicações de que o propósito salvador do Senhor superava os limites da nação israelita e que se devia levar todas as nações a adorar a Deus.
Assim, as missões transculturais são episódicas, ocasiões esparsas, mas onde fica evidenciado aos israelitas o caráter universal da divindade.
-A inserção da família de Jetro entre os israelitas (Nm.10:29; Jz.4:11), Jetro que, como vimos, por ser descendente de Jó servia a Deus, como também a própria inserção da família de Raabe entre os israelitas (Js.6:25) são claras demonstrações de que o objetivo salvador do Senhor superava os limites étnicos e que tinha, por base, a fé no Senhor.
-De igual modo, quando da inauguração do templo, em sua oração (que, por sinal, é a mais longa da Bíblia), Salomão mostra a consciência que tinham os israelitas de que Deus queria também ser adorado pelos gentios, quando pede ao Senhor que ouvisse a voz do estrangeiro que viesse adorá-l’O no templo “por ter ouvido o grande nome do Senhor e a Sua forte mão e o Seu braço estendido” (I Rs.8:42,43; II Cr.6:32,33).
-Nesta expressão de Salomão, aliás, vemos como, na limitada atuação do Espírito Santo na dispensação da lei, davam-se as missões transculturais, ou seja, basicamente mediante notícias das maravilhas e demonstrações de poder que o Senhor efetuava em prol de Israel, de modo a revelar aos demais povos que só Ele é Deus.
-A família de Jetro manteve-se em Israel porque Moisés, após ter contado a eles tudo o que o Senhor realizou (Ex.18:8), convidou-o a que permanecesse com os filhos de Israel, a fim de que desfrutasse de todas as promessas feitas (Nm.10:29), tendo, inclusive, insistido após uma primeira resposta negativa (Nm.10:31,32).
-Raabe resolveu ajudar os espias também por causa das notícias recebidas de como Deus agira com Israel desde a libertação do Egito (Js.2:9-13).
Aqui não se sabe quem foram os portadores das “boas novas”, mas o fato é que, por causa deste anúncio, despertou a fé em Raabe e em sua família (Hb.11:31).
-O fato de Raabe ser jericoíta é muito elucidativo, porque a cidade foi considerada anátema pelo Senhor (Js.6:17), sendo, ademais, ordem expressa do Senhor que todas as nações habitantes de Canaã deveriam ser destruídas pelos filhos de Israel (Dt.7:1-5).
A salvação de Raabe e de sua família, portanto, mostram como o amor de Deus superava os limites étnicos, a ponto de alcançar até os que estavam condenados à destruição.
-Não foi diferente no episódio que envolveu Naamã, o general do rei da Síria. Ele também passou a adorar a Deus por causa da notícia das maravilhas que Deus fazia por meio do profeta Eliseu em Israel dada por uma menina que fora escravizada em uma das guerras entre Israel e Síria e que estava a servir na casa do comandante do exército.
Foi, por meio desta notícia e da própria fé que a menina tinha de que Deus podia curar seu senhor da lepra, que se obteve esta conversão (II Rs.5:1-4).
-Aqui também devemos observar que Naamã era o comandante do exército do rei da Síria, Síria que era, àquela época, o maior inimigo do reino de Israel, com que disputava o predomínio sobre a região. O Senhor vem salvar precisamente aquele que liderava as guerras contra Israel, a demonstrar que o amor de Deus supera as inimizades causadas pelas disputas entre os povos.
-Neste episódio, também, é de se salientar a tolerância dada pelo profeta Eliseu a Naamã, quando este pede como que permissão para, na qualidade de comandante do exército da Síria, continuar a reverenciar o deus Rimom em solenidades junto ao rei da Síria (II Rs.5:17-19).
-A aquiescência de Eliseu, que era o homem de Deus e cuja orientação teve nítida aprovação divina, mostra como, em “missões transculturais”, deve-se ter o perfeito discrímen entre o que é e o que não é pecaminoso nos elementos culturais diversos, pois só o pecado deve ser removido, jamais os elementos culturais.
-Neste sentido, vemos como é satânico o pensamento hoje vigente no mundo de que a pregação do Evangelho é um elemento destruidor das culturas e que, por isso mesmo, não pode haver a conversão das pessoas mas tão somente um “respeito à diversidade” e o “estímulo a uma comunhão do sentido do sagrado”, pensamento este que nada mais é que o prenúncio da religião do Anticristo, a ser comandada pelo Falso Profeta. Tomemos cuidado com este discurso enganoso, amados irmãos!
OBS: Este discurso tem sido particularmente defendido e propagandeado pelo atual chefe da Igreja Romana, o Papa Francisco, como se viu, aliás, recentemente, na Jornada Mundial da Juventude realizada em agosto de 2023 em Lisboa, capital de Portugal.
-Mas o exemplo mais eloquente de missões transculturais no Antigo Testamento é o episódio que envolve o profeta Jonas. Jonas era filho de Amitai (Jn.1:1), que também era profeta (II Rs.14:25).
-O pai de Jonas havia se distinguido por ter profetizado a restauração do território de Israel (o reino do norte) e a prosperidade que caracterizaram o longo reinado de Jeroboão II, de modo que estava, de certa forma, vinculado a um certo “nacionalismo”.
-Neste tempo, sofria Israel a pressão da Assíria, que se tornava um império mundial e que rivalizava com o Egito, que, durante séculos, havia sido a principal potência do Oriente Médio. Israel, situado entre os dois países, tinha de manter uma política sábia, a fim de manter a sua independência.
-Pois bem, nos dias de Jonas, os assírios, agressivamente, queriam conquistar Israel e, como já dissemos, no reinado de Jeroboão II, Israel havia se fortalecido e conseguido barrar este ímpeto assírio.
Em meio a esta circunstância, o Senhor manda que Jonas vá a Nínive, capital da Assíria, para anunciar o juízo divino contra aquela cidade (Jn.1:2).
-Temos aqui, então, como os israelitas tinham plena noção de que Deus era o Senhor de toda a terra e que, mesmo diante de um povo que era abertamente inimigo de Israel, poderia usar de Sua misericórdia, até porque sabiam muito os israelitas de que Deus não fazia acepção de pessoas (Dt.10:17).
-Tendo recebido a ordem para pregar em Nínive, Jonas, querendo que os assírios fossem mesmo destruídos, quis fugir da presença de Deus, não quis obedecer ao Senhor (Jn.1:3), pois sabia que, se os ninivitas se arrependessem, não seriam destruídos e, deste modo, poderiam conquistar Israel, até porque o povo israelita estava a viver na idolatria.
-Como sabemos, de nada adiantou a fuga, tendo o profeta, a duras penas, aceitado obedecer ao Senhor e ido até Nínive, onde ocorreu precisamente o que o profeta temia, ou seja, os ninivitas se arrependeram e o Senhor os poupou da destruição (Jn.3:1-4:1).
-Neste episódio, vemos claramente o intento salvador do Senhor a todos os povos, tendo poupado os próprios inimigos de Israel, uma vez havendo o arrependimento e a conversão por parte dos homens. Jonas efetivamente exerceu o papel que o Senhor queria de Israel, ou seja, o de “reino sacerdotal”, o que levava o favor divino aos demais povos para que eles pudessem, a exemplo de Abraão e dos patriarcas, buscar a pátria celestial.
-É importante observar que, nos tempos finais da monarquia em Israel, o Senhor, ao levantar profetas como Isaías e Jeremias, não deixou de também profetizar para as nações e não só para os israelitas, a demonstrar que era Ele o Senhor de toda a Terra e que tudo estava sob o Seu controle.
-Estas profecias, aliás, fizeram-se conhecidas destas outras nações (veja-se o cuidado do Senhor, aliás, em fazer com que Jeremias profetizasse sobre as nações perante os embaixadores estrangeiros que foram a Jerusalém – Jr.27:1-11), tanto que o próprio Nabucodonosor, rei de Babilônia, delas era conhecedor a ponto de ter dado expressa ordem para que Jeremias não fosse aprisionado (Jr.39:11-14).
-Esta mesma manifestação do Senhor às demais nações permaneceu quando o povo foi levado para o cativeiro, como podemos ver mediante a atuação dos profetas Ezequiel e Daniel, inclusive com a conversão, ao final de sua vida, do próprio Nabucodonosor (Dn.4), num longo trabalho missionário empreendido no palácio pelo profeta, algo em torno de 35 anos segundo os cronologistas bíblicos Edward Reese (1928-2015) e Frank Klassen.
-Com o cativeiro, notadamente o da Babilônia, em que não houve a dispersão e perda de identidade, como ocorreu com o cativeiro da Assíria, os filhos de Israel, então, passaram a ter uma experiência de exílio que fez com que fossem alvo de uma aculturação, ou seja, da assimilação de dados de outras culturas, de modos de viver diferentes dos seus, o que se acentuaria a partir de então, tendo os judeus, como passaram a ser chamados (II Rs.25:25; Ed.4:12), preservado a sua identidade enquanto povo, mas passado a incorporar, cada um na sua região, características peculiares.
-No cativeiro da Babilônia, foram criadas as sinagogas, que eram locais onde se dirigiam orações ao Senhor e onde se estudava a lei, exatamente para não perderem a sua identidade de “propriedade peculiar de Deus entre os povos”. Graças a esta iniciativa, puderam manter a condição de povo santo, mesmo em um ambiente de assimilação cultural.
-Tal circunstância fez com que o maior contato com os outros povos e suas culturas, inclusive nas terras destes povos, servisse como um elemento estimulador da comunicação aos gentios das maravilhas e do poder de Deus, já que passou a existir maior proximidade e convivência mesmo com eles, o que fez surgir grande número de conversões ao judaísmo, os chamados “prosélitos”, além de simpatizantes dos judeus, que não se convertiam propriamente, os chamados “metuens”.
-Esta situação iria se perpetuar depois do cativeiro da Babilônia, pois o número de judeus que retornou a Israel foi bem menor do que os que acabaram por ficar no exílio, dando origem a diversas colônias judaicas no território da Babilônia e da Pérsia, colônias que se espalharam pela Europa e norte da África, quando se iniciou o chamado “período helenístico” com as conquistas de Alexandre, o Grande, já no período intertestamentário.
-O intercâmbio entre as colônias judaicas (os chamados “judeus gregos” – Jo.12:20; At.6:1) e os habitantes da terra de Israel também fez com que houvesse, também, contato entre judeus da terra de Israel e gentios, o que foi bem intenso entre os fariseus, como nos mostra o próprio Senhor Jesus, que afirmou que os fariseus percorriam grandes distâncias, até atravessavam o mar, para fazer prosélitos (Mt.23:15).
OBS: “…Os inúmeros estabelecimentos judeus da Diáspora serviram de base de operações do movimento missionário-judaico, o qual, de maneira fenomenal, trouxe grande incremento à população judia de todos os países. Para formular estatísticas sociais a esse respeito temos o testemunho do geógrafo romano Strabo (63 a.C. – 24 a.C.): ‘
Não é fácil encontrar um lugar neste mundo habitável que não tenha recebido ainda aquela nação e no qual ela não tenha feito sentir o seu poder’.
Porém o ‘poder’ de que falava Strabo assentava-se principalmente no domínio das crenças religiosas e das práticas éticas judaicas, pois, no final das contas, os judeus do mundo na época de Strabo eram em número de quatro a seis milhões.…” (Missionários judeus. In: A JUDAICA. AUSUBEL Nathan. Conhecimento judaico II, v.6, p.562)
-“…O papel de missionário, observado dentro do contexto das crenças religiosas judaicas, deve ter sido muito natural para os judeus devotos, especialmente durante a era helenística, quando o céu nublado da vida judaica se encontrava convulsionado, riscado e iluminado pelo relâmpago da expectativa messiânica e pelo trovão do Dia do Julgamento Final que se aproximava.
Os judeus acreditavam que tinham um papel importante a cumprir na redenção iminente de toda a Humanidade. Tinham a absoluta convicção — que lhes advinha da Bíblia — que Deus havia escolhido especificamente a eles para que servissem de ‘luz para as nações’ a fim de unir todos os povos em torno da Torah. …” (AUSUBEL, Nathan. op.cit., pp.560-1).
-Esta “consciência missionária”, como se observa, intensificada no período intertestamentário, não deixou de ser uma preparação para a vinda do Messias e para a instituição da Igreja, a nos mostrar como o Senhor está no controle de todas as coisas.
-Por primeiro, é interessante observar que os próprios judeus reconhecem que dois foram os fatores que aguçaram as “missões transculturais” no período intertestamentário: a expectativa messiânica e a perspectiva escatológica, o que, inclusive, fomentou a chamada “literatura apocalíptica” naquela época.
-A perspectiva da vinda do Messias, a promessa da salvação na pessoa do Cristo é um elemento que incentiva e estimula a missão.
Ao crerem que se aproximava a chegada do Messias, os israelitas se interessaram em contar aos demais povos esta promessa e a convidar-lhes a aguardarem, com eles, a vinda do Redentor da humanidade.
-Se, sem serem habitação do Espírito Santo, sem terem ao menos visto o Verbo encarnado, como nós já vimos, tendo ainda recebido Cristo em nós, como não nos surpreendermos com o torpor com que a esmagadora maioria dos que cristãos se dizem ser está a tratar o assunto das missões transculturais?
-A mera expectativa da vinda do Messias fez surgir um intenso movimento missionário entre os judeus, num período, aliás, em que a atuação do Espírito Santo era extremamente mínima, pois não havia profetas, eram “os dias não de fome de pão, nem sede de água, mas de ouvir as palavras do Senhor” (Am.8:11).
Se, em tais circunstâncias adversas, mesmo assim eles tiveram força para anunciar as promessas de salvação, como admitir que, na atualidade, quando estamos a vivenciar o mais longo e duradouro avivamento da história da Igreja, quando vemos a ação do Espírito Santo como nunca antes em todos os quatro cantos da Terra, estejamos satisfeitos em ficar calados e não fazer missões? Estamos piores do que os judeus do período intertestamentário? Pensemos nisso!
-O segundo elemento que os próprios judeus veem para o movimento missionário do período intertestamentário foi a perspectiva escatológica, a sensação da proximidade do final dos tempos. Aqui também vemos que o cumprimento das profecias bíblicas é outro fator que leva o servo do Senhor a procurar evangelizar todo o mundo, toda a criatura.
-O Senhor Jesus, quando ditou a carta à igreja de Filadélfia, que é tipologicamente a igreja fiel do tempo final da dispensação da graça, bem disse que esta igreja entraria pela porta aberta por Ele (Ap.3:8), o que se tem entendido ser o atendimento ao chamado missionário por todo o mundo, iniciado com grande intensidade a partir do século XIX.
-O Senhor, inclusive, diz que guardará esta igreja da Grande Tribulação precisamente porque guardou ela a Sua Palavra, inclusive com relação à Grande Comissão (Ap.3:10). A proximidade da volta de Jesus é fator que deve animar os que realmente estão em comunhão com o Senhor a atenderem ao chamado missionário, inclusive e notadamente as missões transculturais.
-Todos sabemos que vivemos os dias finais da dispensação da graça e que é imperioso sermos os “trabalhadores da undécima hora”, que foram precisamente os que tiraram “o atraso” dos demais trabalhadores, permitindo que se cumprisse a meta desejada pelo senhor da vinha (Mt.20:6,7).
-Certo é que estas “missões transculturais” do período intertestamentário apresentavam alguns problemas.
O Senhor Jesus, quando mencionou este movimento, mais especificamente com relação ao papel exercido pelos fariseus (que eram os que mais se dedicavam a tal tarefa), observou que, apesar do esforço que eles faziam, apenas conseguiam fazer os prosélitos “filhos do inferno duas vezes mais que eles” (Mt.23:15).
-Com esta expressão, João Crisóstomo (347-407) entende que os fariseus, tão empenhados em angariar prosélitos, não cuidavam deles espiritualmente e ainda, com seu mau comportamento, os faziam hipócritas religiosos, de modo que, pela segunda vez, perdiam a salvação, mantendo-se na incredulidade.
OBS: “Depois do que foi dito, mais uma vez o Senhor repreende os fariseus, pois sendo ineficazes em salvar muitos e dando muito trabalho para converter alguém à fé, eles não são apenas negligentes com relação aos que se convertem, mas também são seus destruidores.
Porque os corrompem com os exemplos de sua má vida: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque cercais o mar e a terra”, etc.” (Homiliae in Matthaeum, hom, 73.1. In: AQUINO, TOMÁS DE. Catena aurea. Mt.23:15. Disponível em: https://hjg.com.ar/catena/c226.html Acesso em 11 ago. 2023) (tradução de texto em espanhol pelo tradutor Google).
-Aqui vemos, claramente, que o Senhor Jesus repudia um trabalho missionário que esteja preso a uma religiosidade de aparência, como era a defendida e propagandeada pelos fariseus, cujo único objetivo era o de demonstrar uma suposta superioridade espiritual por meio do formalismo e da arrogância.
-Este comportamento fazia com que os fariseus se considerassem superiores aos demais homens, por sua suposta espiritualidade, bem como que considerassem os gentios como sendo pessoas inferiores, o que contrariava, totalmente, o propósito divino.
-Daí advém a crença que tinham os judeus que, por serem “filhos de Abraão”, tinham automaticamente a Deus por Pai e que os gentios, para poderem alcançar a salvação, tinham, antes de mais nada, de se tornarem judeus, o que, para os homens, significava a necessária circuncisão, que foi o sinal do pacto que o Senhor fizera com Abraão (Gn.17:1-14).
-Com este pensamento, a religiosidade judaica reduziu o alcance da salvação aos limites étnicos, o que contrariava tudo quanto Deus havia revelado ao longo da história, tendo sido este, aliás, um dos principais pontos da pregação de João Batista (Mt.3:8,9; Lc.3:8), o último profeta da lei (Mt.11:13; Lc.16:16) pois tal proceder não permitiria que o povo estivesse preparado para receber o Messias.
-Esta concepção farisaica chegou, inclusive, a penetrar na igreja primitiva e foi grande obstáculo para a obra missionária da Igreja (At.15:1-5). Lamentavelmente, ainda hoje temos os que confundem o trabalho
missionário com a submissão a uma determinada cultura e isto tem causado grande prejuízo nas “missões transculturais”.
Pr. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/9842-licao-3-missoes-transculturais-no-antigo-testamento-i