LIÇÃO Nº 4 – A PROVISÃO DE DEUS NO MONTE DO SACRIFÍCIO
A provisão divina foi atestada por Abraão no episódio do sacrifício de Isaque no monte Moriá.
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INTRODUÇÃO
– No capítulo 22 do livro do Gênesis, encontramos um dos mais dramáticos relatos das Escrituras Sagradas, uma incompreensão aos olhos humanos que, entretanto, revela a sublimidade e o ponto culminante da vida de fé do patriarca Abraão.
É graças a este fato, aliás, que Abraão assume, em definitivo, a condição de “pai da fé”, que lhe é reconhecida pelas três grandes religiões monoteístas do planeta.
– O episódio do capítulo 22 do livro do Gênesis é conhecida pelos estudiosos da Bíblia como sendo o “sacrifício de Isaque”, sendo que os judeus o denominam de “Akedah”, que quer dizer, atadura ou atar, visto que Isaque não foi sacrificado, mas atado junto ao altar e salvo na última oportunidade. Aqui temos a ideia do que significa a provisão divina.
I – A ORDEM PARA O SACRIFÍCIO DE ISAQUE
– O capítulo 22 do livro do Gênesis começa com uma expressão forte: “E aconteceu depois destas coisas, que tentou Deus a Abraão”.
A expressão “tentou Deus a Abraão” é melhor traduzida como “Deus pôs Abraão à prova” (como consta da NVI e da Almeida Revista e Atualizada) ou “Deus provou a Abraão”, pois, como diz o apóstolo Tiago, Deus não tenta a pessoa alguma (Tg.1:13).
Esta, entretanto, não foi a única prova por que Abraão passou. Como ensinou o grande mestre e filósofo judeu Maimônides (1135-1204), Abraão teve de suportar dez provas:
1 – teve de peregrinar como um estrangeiro desde a sua chamada;
2 – a fome que encontrou em Canaã, depois da promessa de que Deus lhe faria uma grande nação;
3 – a violação de direitos humanos elementares quando os egípcios levaram Sara a Faraó;
4 – a luta contra quatro reis conquistadores;
5 – a tomada de Agar como esposa, depois que perdeu toda a esperança de ter um filho com Sara;
6 – a circuncisão em idade avançada por ordem divina;
7 – a atrocidade perpetrada por Abimeleque, que prendeu Sara;
8 – a despedida de Agar;
9 – a separação de Ismael e
10 – o sacrifício de Isaque (apud MELAMED, Meir Matzliah. Torá: a lei de Moisés, nota a Gn.12:15, p.30-1).
– Muito se tem discutido a respeito da natureza desta prova imposta ao patriarca Abraão, tendo em vista que, pelo conceito da lógica humana, seria, realmente, impensável que Deus pudesse vir a pedir Isaque em sacrifício.
Assim, há aqueles que não admitem sequer a possibilidade de que Deus estivesse, mesmo, querendo Isaque em sacrifício, ainda que Deus o tivesse pedido explicitamente, porque uma tal ordem, dizem, contrariaria todo o caráter divino.
Contudo, assim não pensamos, pois são as Escrituras que afirmam que de Deus saiu esta ordem e Deus é soberano, podendo, pois, exigir tal coisa de Seu servo, ainda que, explicite-nos o texto, o Seu propósito fosse o de pôr à prova Abraão e não o de ter Isaque como oferta.
Aliás, é assim que se expressa Flávio Josefo: “… Deus lhe concedeu o que desejava, mas quis antes experimentar a sua fidelidade…” (JOSEFO, Flávio. Trad. de Vicente Pedroso. História dos hebreus, v.1, p.35).
– Todavia, observe-se, apenas Deus sabia deste propósito, que não era de conhecimento do patriarca, assim como apenas Deus e Satanás tinham conhecimento do que estava acontecendo na vida de Jó.
A fé está, precisamente, em crermos em Deus e na imutabilidade de Seu caráter, mesmo quando a própria ordem divina pareça contrariar tanto uma coisa quanto outra.
O propósito de Deus nas provas que nos advêm nem sempre nos é divulgado de imediato, mas devemos, sempre, ter a consciência e a convicção de que tudo que ocorre conosco é o melhor para nós (cf. Rm.8:28).
Não devemos nos angustiar nem perder a esperança, mas, simplesmente, confiar no Senhor, que, muitas vezes, dirige-se para nós como se dirigiu ao apóstolo Pedro: ” o que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois” (Jo.13:7b).
Isto nos mostra, claramente, que Deus está acima dos nossos pensamentos ou das nossas concepções, de modo que não podemos, jamais, perscrutar Seus propósitos ou intentos (Is.55:8,9; Rm.11:33-36).
Desconfiemos, pois, daquelas doutrinas e filosofias que explicam totalmente todos os pensamentos e caminhos de Deus, tudo racionalizando e tornando compreensível, pois, de modo algum, os homens poderão alcançar o pensamento de Deus, pois sempre serão meros homens (Sl.9:19,20)
– Deus chega ao patriarca e lhe dá a ordem tão incompreensível quanto inusitada: “Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que Eu te direi.”(Gn.22:2).
A ordem divina tem alguns pontos que devemos frisar, a saber:
a) TOMA o teu filho – Deus não deixa qualquer dúvida. Trata-se de uma ordem, que não admite qualquer discussão.
Ao contrário do que ocorrera com as cidades da planície, em que o Senhor revela Seu intento a Abraão, aqui estamos diante de uma ordem.
Isto explica, aliás, o silêncio de Abraão que intercedera pelos habitantes das cidades da planície com insistência e que se cala com relação ao filho da promessa, algo que intriga muitos até hoje, inclusive os rabinos judeus.
Tratava-se de uma ordem e o patriarca, que agora era íntegro e estava na presença do Senhor (cf. Gn.17:1), com um caráter totalmente transformado (cf. Gn.17:5), não hesita em obedecer ao Senhor. Esta mesma prontidão é exigida aos servos do Senhor (Mt.5:37; Rm.6:16,17).
b) Toma AGORA – A ordem divina é extremamente precisa e não permite qualquer dúvida, porque o nosso Deus não é um Deus de confusão (I Co.14:33).
A ação deveria ser feita de imediato, sem qualquer lapso temporal, no que o Senhor foi atendido prontamente, pois o patriarca, diz o texto sagrado, logo na madrugada, albardou o seu jumento e iniciou a caminhada para o local indicado por Deus (Gn.22:3).
O patriarca nem discutiu com o Senhor que, para Isaque nascer, decorreram longos vinte e cinco anos, mas para ser oferecido, isto deveria ocorrer de imediato.
Não, Abraão sabia bem o seu lugar, o lugar de servo, não admitindo seu caráter transformado qualquer questionamento da ordem divina. Será que temos este mesmo caráter, ou estamos questionando a Deus e a Seus métodos?
Cuidado, um dia alguém muito próximo ao Mestre questionou-O sobre Seus propósitos e, neste questionamento, Jesus disse exatamente quem estava operando através da boca do “zeloso” discípulo! (Mt.16:22,23).
c) O TEU FILHO, O TEU ÚNICO FILHO, ISAQUE, A QUEM AMAS – Deus é onisciente e revelou ao patriarca exatamente o que Isaque significava para si. Isaque era o único filho que convivia com o patriarca, era o herdeiro de todos os bens materiais e espirituais do patriarca, era alguém, efetivamente, amado pelo patriarca.
Deus, assim Se expressando, demonstrava ter plena consciência do trauma espiritual-sentimental-emocional-psicológico que representava esta atitude de sacrifício para o patriarca, mas O reconhecendo, demonstrava que nada disso poderia impedir o cumprimento da ordem divina.
Deus conhece a nossa estrutura, sabe que somos pó (Sl.103:13,14), não é um Deus distante, mas um Deus que, inclusive, participou das nossas próprias aflições, quando a pessoa de Seu Filho encarnou, para que pudesse ser pleno em nosso auxílio (cf. Hb.2:9-18).
Daí porque não podermos jamais deixar de considerar, em nossas lutas e aflições, que Deus, de antemão, já sabe o que sentiríamos, o que estamos padecendo, tendo total condição de nos consolar e confortar (II Co.1:3-7), pois Ele é compassivo, ou seja, sente exatamente o que estamos sentindo.
Eis a razão pela qual a Palavra diz-nos que jamais seremos tentados acima do que podemos suportar (I Co.10:13).
Deus reconhecia que Abraão depositara todas as suas esperanças e todo o seu amor em Isaque e que isto tornaria absolutamente incompreensível a obediência à ordem divina, por isso mesmo Deus afirma ter pleno conhecimento disto e, assim fazendo, não deixa qualquer margem para que o patriarca pudesse sequer questionar ou pedir um tempo para cumprir a ordem emanada do Senhor.
d) Vai-te à terra de Moriá e OFERECE-O ali EM HOLOCAUSTO sobre uma das montanhas, que Eu te direi – A ordem de Deus é clarividente.
Abraão deveria, a exemplo dos idólatras que com ele conviviam, fazer um sacrifício humano, o sacrifício de seu único filho, matando-o e o queimando a Deus, na terra de Moriá, numa montanha que seria indicada por Deus.
Aqui a ordem de Deus apresenta algumas similitudes com a experiência do patriarca com Deus, como também algumas novidades. Senão vejamos:
1º ) Deus quer um sacrifício e Abraão já sabia, desde o início de sua jornada de fé, que os sacrifícios agradavam a Deus, daí porque o altar ser uma constante em sua vida com o Senhor.
Entretanto, se o sacrifício era uma constante, o mesmo não se poderia dizer a respeito do sacrifício humano.
Esta atitude, tão comum aos idólatras, era algo que jamais lhe fora requerido antes. Deus não estava Se contradizendo, porque jamais lhe proibira tal prática, mas, até então, nunca havia exigido uma coisa destas.
Às vezes, o nosso costume acaba gerando normas entre nós, servos de Deus, normas às quais, até involuntariamente, acabamos impondo ao Senhor. Tenhamos cuidado pois Ele é o Senhor e não tem compromisso com nossos costumes.
Deus exige o sacrifício humano, algo que jamais pedira a Abraão antes, mas não podemos dizer que Deus teria Se contradito aqui com esta exigência. Somente, mais tarde, com a lei, seria proibido, terminantemente, o sacrifício humano (Lv.18:21; 20:1-5), algo que sempre desagradou sobremaneira ao Senhor (II Rs.23:10; Jr.32:35; At.7:43).
2º ) Deus mandou que o patriarca partisse para a terra de Moriá, pois lhe mostraria lá qual o monte em que deveria fazer o sacrifício.
Assim como Deus havia, anteriormente, dito para Abraão deixar a casa de seu pai para uma terra que ele lhe mostraria, também aqui iria indicar o local.
Entretanto, se Abraão já estava acostumado a que Deus lhe indicasse o lugar, isto jamais havia se dado antes com relação a construção de um altar.
Até aquele momento, Abraão sempre edificara altar onde tinha querido, segundo a sua vontade, mas, agora, o altar deveria ser construído no local que Deus lhe haveria de mostrar.
Quanto mais tempo passamos na presença de Deus, a tendência será a de, cada vez mais, passarmos a ser dependentes do Senhor e não o contrário.
A tendência humana do servo de Deus é achar que já conhece o Senhor e querer alargar o espaço da sua vontade e do seu querer no serviço a Deus, no cotidiano de nossas vidas. A situação é totalmente outra.
Devemos, sempre, ir num sacrifício de nossa vontade, numa anulação cada vez mais intensa de nosso querer.
Os grandes homens da Bíblia apresentam-se como pessoas sem vontade própria, totalmente submissas ao Senhor, a começar do exemplo de todos, Jesus, que anulou até mesmo Seu instinto de sobrevivência no Getsêmane.
Devemos nos lembrar das elucidativas palavras que Jesus disse a Pedro (Jo.21:18,19), muito bem aprendidas pelo apóstolo (II Pe.1:10-21), ou, então, da forte expressão de Paulo, segundo o qual, ele nem sequer mais vivia, mas era Cristo quem vivia nele (Gl.2:20).
Isto tem sido uma realidade em nossas vidas? Por fim, naquele local, no monte Moriá, onde, mais tarde, seria construído o templo de Jerusalém, Abraão só fez um único sacrifício, como que a indicar que o sacrifício prefigurado seria único e suficiente para a redenção da humanidade.
II – A OBEDIÊNCIA DE ABRAÃO
– O patriarca, prontamente, obedeceu a Deus, embora mantivesse em segredo o propósito de sua viagem até a terra de Moriá.
Tomou dois de seus moços, Isaque e partiu em direção a terra de Moriá, tendo, antes, fendido lenha para o holocausto.
Notamos aqui o caráter resoluto de Abraão em atender à ordem do Senhor, mas, também, sua prudência em não alardear o que estava a fazer.
Esta prudência tem faltado a muitos servos do Senhor na atualidade. A recomendação do Senhor é que sejamos simples como as pombas, mas prudentes como a serpente.
A ordem dada por Deus era incompreensível ao próprio patriarca, cuja estatura espiritual permitia tal prova por parte do Senhor, pois já era, como vimos no ensinamento de Maimônides, a décima prova sofrida pelo patriarca.
Entretanto, naturalmente, se o próprio Abraão não a compreendia, como poderia alardeá-la, senão para inviabilizar o seu cumprimento?
Por isso, nada disse a pessoa alguma. Jesus, em momentos cruciais de Seu ministério, também foi reservado e, não raro, solitário (cf. Mt.14:13;17:1;20:17; Mc.9:2; Lc.9:10).
Devemos valorizar nossa intimidade com o Senhor, pois se, na intimidade, não há segredos entre nós e Deus, há entre o que temos acertado com o Senhor e os demais. Jesus, mesmo, recomendou este comportamento quando O buscarmos em oração (Mt.6:6).
OBS: Este pensamento de reserva para impedir a frustração do cumprimento da ordem divina é a interpretação dada por Josefo para o silêncio de Abraão, em trecho que vale a pena transcrever:
“…Estando Abraão persuadido de que nenhuma consideração poderia dispensá-lo de obedecer a Deus, a quem todas as criaturas são devedoras da própria existência, nada disse à sua esposa nem a outro qualquer de seus familiares sobre a ordem que havia recebido de Deus e a resolução que tinha tomado de executá-la, de medo que eles se esforçassem para dissuadi-lo disso.
Disse somente a Isaque que o seguisse acompanhado por dois de seus criados e mandou colocar sobre um jumento todas as coisas de que necessitava para o sacrifício…” (JOSEFO, Flávio. Trad. de Vicente Pedroso. História dos hebreus, v.1, p.35)
– Foram três dias de jornada, em que Abraão mantinha-se silente para com os dois moços e seu filho a respeito do propósito daquela viagem.
Só ao terceiro dia, Abraão viu o local, ainda de longe, ou seja, Deus lhe mostrou qual era o local em que se deveria fazer o sacrifício.
Assim que mostrado o lugar, Abraão estreita ainda mais a situação, mandando que os dois moços aguardassem ali, juntamente com o jumento que fora albardado, enquanto ele e Isaque iriam até o lugar indicado por Deus (Gn.22:4,5).
– Aqui encontramos a expressão que denotava a confiança excelente do patriarca: “eu e o moço iremos até ali e, havendo adorado, tornaremos para vós.” Tratava-se de uma profunda confiança a do patriarca.
Como tornar com Isaque se ele seria sacrificado a Deus em holocausto, ou seja, após matá-lo, Abraão teria de queimá-lo em oferta ao Senhor?
Assim Abraão falou não porque tivesse uma mera esperança, mas, diz-nos o escritor aos Hebreus, porque “pela fé ofereceu Abraão a Isaque, quando foi provado; sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigênito.
Sendo-lhe dito: em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dos mortos o ressuscitar…” (Hb.11:17,18).
– As circunstâncias eram totalmente adversas:
Deus, que prometera e dera o filho ao patriarca, era o mesmo que o queria em holocausto, mas Deus é imutável, não é homem para que minta, nem filho do homem para que Se arrependa e, portanto, de algum modo, não sabido, não revelado, Isaque tornaria a viver, teria de dar continuidade à descendência, conforme Deus havia prometido.
Querido(a) irmão(ã), seu Isaque foi levado para o altar? Seu Isaque foi até já sacrificado, sem que o anjo interviesse antes que o cutelo fosse lançado ao pescoço do seu prometido? Onde está a sua fé para confiar e crer que Deus é poderoso para até dos mortos ressuscitar o seu Isaque?
As promessas de Deus não falham. Como diz o poeta sacro, o missionário Samuel Nyström: “De Deus mui firmes são as promessas, falhando tudo, não falharão. Se das estrelas, o brilho cessa, mas as promessas brilharão” ! (refrão do hino 459 da Harpa Cristã).
– Durante estes três dias, certamente, Abraão deve ter procurado entender a ordem divina, que contrariava toda a lógica humana e tudo o que Abraão havia aprendido de Deus até ali. Este confronto entre a lógica humana e a lógica divina, aliás, foi o principal ponto que o estudioso judeu Richard S. Ellis enfatizou em seu artigo ” Human Logic, God’s Logic, and the Akedah”(A lógica humana, a lógica de Deus e a Akedah”) ( Disponível em: http://people.math.umass.edu/~rsellis/pdf-files/Akedah.pdf Acesso em 23 ago. 2016), onde afirma que o episódio é um “pesadelo que lança sua sombra através de toda a história judaica”(tradução nossa), cujo entendimento é possível se o focalizarmos como “o choque entre a lógica humana e a lógica de Deus”(tradução nossa), como “o confronto destes dois modos de lógica”(tradução nossa).
Diz o estudioso que “Abraão, a ponto de subir ao Monte Moriá, foi suspenso entre a lógica humana e a lógica de Deus, onde todas as contradições são resolvidas(…).(tradução nossa)”.
O texto silencia-nos a respeito do que se passou entre Abraão e Deus, mas, como afirma Ellis, “…o silêncio do texto convida-nos, enfurece-nos, força-nos a confrontar a realidade de nossa falta de poder e de nossa própria morte, força-nos a vir às mãos com a questão-chave: quando a tragédia surpreende, como um dia deve ocorrer, irei eu buscar refúgio na lógica humana ou abrir-me-ei para a infinita luz desconcertante de Deus ?” (tradução nossa).
OBS: Prossegue Richard S. Ellis seu pensamento: “…Assim como a jornada de Berseba para o Monte Moriá em Jerusalém é um ascensão física, do mesmo modo Abraão através de sua fé parece ter sido elevado acima do nível da lógica humana para o nível da lógica de Deus, onde todas as contradições são resolvidas.
Mas Abraão precisa de uma jornada de tr6es dias para chegar a este nível, para cultivar o cenário mental que poderia aceitar a resolução da contradição por Deus. A jornada dá a Abraão o espa;co no qual a ruptura para o nível mais elevado pode acontecer…” (ELLIS, Richard S. op.cit.) (tradução nossa).
– Outra lição importante que tiramos é de que Abraão e Isaque assumiram pessoalmente a responsabilidade pelo ato de adoração.
Não eram, como muitos crentes de nossos dias, “crentes de carona”, que vivem às custas da espiritualidade e santificação dos outros. Abraão e Isaque tomaram todo o material necessário para o sacrifício e partiram rumo a Moriá.
Abraão levava o fogo e o cutelo na sua mão e Isaque, mais jovem e vigoroso, a lenha do holocausto. Diz o texto que ambos foram juntos, a demonstrar, portanto, unidade, ainda que houvesse diversidade de funções, de tarefas, diante das peculiaridades de cada um.
– O texto mostra-nos, também, que Isaque tinha uma idade suficiente que permitia que ele levasse sobre seus ombros a lenha do holocausto, não era, portanto, uma criança inocente, sem consciência, de tenra idade.
Alguns eruditos judeus chegam a dizer que Isaque tinha cerca de 37 anos de idade. Na igreja, devemos agir do mesmo modo.
Para que haja uma perfeita adoração, é mister que cada um cumpra o seu papel, que cada um faça o seu esforço, segundo a sua aptidão e capacidade.
Lamentavelmente, se fôssemos depender de muitos crentes, hoje em dia, a lenha, o fogo ou o cutelo ficariam ao pé do monte…
– Outro ponto importante para nossa meditação é que Abraão trouxe todo o material para o sacrifício de sua casa, não tomou coisa alguma estranha ao seu lar, ao seu domicílio.
Não havia fogo estranho, não havia cutelo improvisado ou adquirido de terceiros, não havia lenha de outros lugares, nem mesmo da vegetação do local indicado por Deus.
Tudo foi trazido de casa, tudo havia tido sua elaboração, sua confecção e sua preparação segundo os costumes e as regras estabelecidas pelo patriarca na sua comunhão e vida íntima com Deus.
Será que nosso culto tem sido o aprendido junto aos nossos pais na fé, será que tem sido o resultado de uma vida íntima e de comunhão com Deus, segundo os marcos estabelecidos pela Palavra de Deus, ou temos cedido às inovações, às novidades, ao fogo de procedência desconhecida e ignorada?
Deus não aceita coisas estranhas na adoração ao Seu nome. Lembremo-nos dos filhos de Arão! (Lv.10:1-11).
– Ao silêncio de Abraão correspondia igual silêncio da parte de seu filho, Isaque. Chamado por seu pai, sem hesitação, obedeceu e iniciou a viagem. Não sabia para onde ia, mas seu pai lho indicou.
Sem hesitar, também, toma a lenha do holocausto sobre seus ombros e começa a caminhar em direção a Moriá.
Entretanto, como era alguém dotado de plena consciência e ensinado por seu pai na adoração a Deus, logo percebeu que faltava um elemento para o sacrifício, ou seja, a vítima.
Por isso, perguntou a seu pai onde estava ela e Abraão, uma vez mais, demonstra o seu interior, ao dizer que Deus iria prover a vítima.
É desta expressão do patriarca que advém o conceito da “Divina Providência”, ou seja, “o cuidado de Deus sobre todas as Suas obras” (Sl.145:9) (cf. CHMAPLIN, R.N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.5, p.487).
– No ápice da vida de fé do patriarca, temos que ele tinha plena consciência do que significava a provisão divina, a Divina Providência.
O Catecismo da Igreja Romana é muito feliz na conceituação do que seja esta “Divina Providência”, “in verbis”: “A criação tem sua bondade e sua perfeição próprias, mas não saiu completamente acabada das mãos do Criador.
Ela é criada “em estado de caminhada” (“in statu viae”) para uma perfeição última a ser ainda atingida, para a qual Deus a destinou. Chamamos de divina providência as disposições pelas quais Deus conduz sua criação para esta perfeição: Deus conserva e governa com sua providência tudo o que criou;.…” (§ 302 CIC).
– É elucidativo que Abraão somente se refira à Providência Divina neste momento de sua caminhada de fé, quando, inclusive, exultará por ter a revelação do “dia de Cristo”, por ter a revelação da salvação da humanidade mediante a paixão, morte e ressurreição do Senhor Jesus (Cf. Jo.8:56).
A provisão divina é algo a ser percebido e entendido por quem tem uma grande fé, por quem tem crescimento espiritual, por quem está já experimentado na comunhão com o Senhor.
Temos já esta percepção ou nos deixamos abalar pelas dificuldades da vida, como a que estava a enfrentar o velho patriarca, mas que, resoluto, prosseguia em cumprir a vontade do Senhor, ainda que tudo não fizesse o menor sentido? Pensemos nisto!
– Após a declaração do patriarca, Isaque prosseguiu o seu caminho, demonstrando satisfação com a resposta recebida de seu pai, bem assim, também ter a mesma confiança e a mesma fé de Abraão.
O texto expressa esta comunhão de propósitos e de valores ao afirma que “caminharam ambos juntos” (Gn.22:8, parte final).
Assim, não apenas em Abraão vemos uma demonstração de fé e submissão, mas também em Isaque, que foi obediente, visto que poderia, ante a sua idade e condição física, facilmente fugir do papel de vítima do sacrifício, ainda mais quando seu pai, aparentemente, havia mentido, já que omitira que a vítima do sacrifício era o próprio Isaque.
Todavia, Isaque deixou-se amarrar e ser colocado no altar, sem resistir, numa perfeita tipificação do que Jesus faria pela humanidade milênios depois (Jo.10:17,18).
OBS: “…Há outras interpretações que nos lembram que Isaque é tipo de envolvido em todo este negócio. Para alguns, Isaque era um menino (com idade suficiente para carregar madeira) ao tempo da Akedah.
Para outros, ele era um homem formado, de 37 anos de idade. Em qualquer caso, Abraão tinha 110 anos.
A história é explícita que Abraão amarrou Isaque. Se era um menino ou um homem, estes intérpretes concluem, Isaque tinha de consentir com a amarração. A mensagem aqui é: Esteja preparado como Isaque para sacrificar-se a Deus.” (BORENSTEIN, Philip Rosh Hashannah: the Akedah. Disponível em: www.rjca.org/5759rh2akedah.html ).(tradução nossa).
III – A PROVA E A COMPENSAÇÃO DA FÉ
– Abraão estava determinado a obedecer a Deus. Edificou o altar, pôs em ordem a lenha e amarrou a vítima, que era seu próprio filho Isaque e iria desferir-lhe o golpe fatal quando foi interrompido por Deus, que determinou que o patriarca não matasse seu filho, pois havia provado que Deus estava acima de todas as coisas na sua vida e que nem o único filho lhe fora negado.
OBS: “…Muitos dos comentários concentram-se em Abraão. A Akedah, como ela diz no início do capítulo, era um teste para Abraão. Era a maior das dez provas, a única que selou para o bem sua obediência a Deus.
Quando estava a ponto de matar Isaque, um anjo para Abraão e diz, ‘ a partir de agora eu sei que tu és um homem que tema a Deus porque tu não negaste o teu filho para mim.’ Nós afirmamos que Abraão passou no teste.
A mensagem aqui é clara: como Abraão, nós deveríamos ser voluntariosos para fazer tudo o que Deus pede de nós, não importa o que, mesmo quando pareça que Deus é abominável.” (BORESTEIN, Philip. Rosh Hashannah: The Akedah.www,rjca.org/5759rh2akedah.html) (tradução nossa)
– É interessante observar que Abraão responde a Deus da mesma forma com que atendeu ao chamado do Senhor quando recebeu a notícia de que deveria sacrificar seu filho.
A resposta de Abraão, em ambas as oportunidades, foi “eis-me aqui”, expressão bíblica que indica, sempre, disposição para fazer a vontade de Deus.
Assim respondeu o profeta Isaías ao chamado do Senhor após a sua indispensável purificação (Is.6:8), assim era o teor da oração de Jesus quando entrou neste mundo (Hb.10:7,9). Estamos à disposição do Senhor?
Temos respondido ao Seu chamado com um “eis-me aqui”? Nas duas oportunidades, Abraão estava em circunstâncias bem distintas: estava calmo, feliz, tranquilo e realizado quando Deus lhe chama para pedir o sacrifício de seu filho Isaque.
Assim, respondeu com um “eis-me aqui”. Na segunda vez, estava extremamente aflito, psicologicamente abalado, pois estava contemplando a face de seu filho, atônito, prestes a ser morto, estava a ponto de matar o próprio filho, mas, ao ouvir a voz do Senhor, responde com o mesmo “eis-me aqui”.
Era um homem de fé e, como tal, as circunstâncias não o abalam, pois é como o monte de Sião (Sl.125:1). Será que temos confiado no Senhor, ou somos facilmente abalados pelos ventos, pelas ondas, como foi o apóstolo Pedro? Será que o Senhor tem Se virado para nós e dito que somos homens (ou mulheres) de pouca fé? (Mt.14:31).
– Deus recompensou a fé de Abraão, poupando-lhe o filho. Abraão vê um cordeiro que está preso no mato pelos seus chifres, oferecendo-o em lugar de seu filho Isaque.
Era a oferta da gratidão e do reconhecimento da soberania de Deus e de que vale a pena sermos obedientes ao Senhor.
Assim como Abraão predissera, ele e seu filho adoravam a Deus e depois tornariam para o encontro dos dois moços que aguardavam ao pé do monte.
O patriarca dá ao monte o nome de “O Senhor proverá” e, realmente, ali, naquele monte, Deus, posteriormente, propiciava, no sacrifício anual, os pecados de Israel, como figura do sacrifício vicário de Cristo, sacrifício este que, neste episódio, foi divisado pelo patriarca, como nos dá conta o próprio Jesus (Jo.8:56).
Percebe-se, aqui, portanto, que, por ter feito o que Deus lhe mandara sem questionar, Abraão ganhava uma grande recompensa: a de conhecer e ver o plano de Deus para a redenção da humanidade por seu intermédio.
Crer em Deus, mesmo sem entender, foi o caminho para que o patriarca tudo pudesse ver e entender.
– Aqui, uma vez mais, fazemos, por sua biblicidade, citação do Catecismo da Igreja Romana, pois este episódio do sacrifício de Isaque bem ilustra o que é dito naquele documento a respeito da Divina Providência, “in verbis”: “O testemunho da Escritura é unânime: a solicitude da divina providência é concreta e direta, toma cuidado de tudo, desde as mínimas coisas até os grandes acontecimentos do mundo e da história.
Com vigor, os livros sagrados afirmam a soberania absoluta de Deus no curso dos acontecimentos: “O nosso Deus está no céu e faz tudo o que deseja” (S1 115,3); e de Cristo se diz:
“O que abre e ninguém mais fecha, e, fechando, ninguém mais abre” (Ap 3,7). “Muitos são os projetos do coração humano, mas é o desígnio do Senhor que permanece firme”(Pv 19,21).” (§ 313 CIC).
– Após o sacrifício, Deus manda outra mensagem, através do anjo, ao patriarca, renovando as promessas nas quais Abraão havia confiado e pelas quais havia caminhado até ali na sua vida espiritual.
O significado deste episódio ficou tão indelevelmente marcado na vida do povo de Israel que, na passagem do Ano Novo Judaico (o Rosh Hashannah), todos os anos, é esta a leitura bíblica que se faz, como que em um reconhecimento de que a perpetuidade do povo judeu dá-se porque Abraão não negou seu único filho a Deus, dá-se como retribuição de Deus à fidelidade de Abraão.
OBS: “… Ao judeu sofisticado, porém devoto, da era moderna, a narrativa bíblica a respeito da imobilização e do pretendido sacrifício de Isaac por seu pai, o Patriarca Abraão, dá a impressão de ser uma antiga encenação religiosa judaica.
No entanto, para os judeus religiosos de inúmeras gerações passadas, tratava-se de algo mais do que uma narrativa com uma comovente lição moral; ela transmitia, através do dramático relato, a certeza de uma realidade espiritual – de uma revelação interior que ficava sempre impressa na consciência deles e que nem a passagem do tempo nem a distância poderiam abrandar.
Grande parte do pensamento religioso e dos sentimentos morais do povo judeu foi delineada e colorida por ela.
(…)A reação do judeu comum diante desse drama moral foi emocionante e tocante, pois que ele glorificava o ato de fé como sendo mais elevado do que a razão, o dogma, o amor e a humanidade(…) Fervorosa e incansavelmente, enviavam a súplica ao Trono da misericórdia para que Deus, ao recordar-se do sacrifício de Isaac, se comovesse com tanto amor e perdoasse Seu povo pelos seus pecados(…) Os Rabinos do Talmud fixaram então a tradição, segundo a qual, em memória respeitosa e grata do sofrimento de Abraão e da afirmação triunfante de sua fé em Deus, o vigésimo segundo capítulo do Gênese seria recitado em todas as sinagogas no Rosh Hashanah, no momento em que se ouvisse o primeiro som do shofar.(um chifre de carneiro que é tocado na passagem do ano, no estilo das trombetas que chamavam o povo no deserto no tempo de Moisés- observação nossa) (AUSUBEL, Nathan. Sacrifício de Isaac. In:.A JUDAICA, v.6, p.749-51).
“…Há um midrash (comentário interpretativo das Escrituras feito por rabinos judeus, observação nossa) que liga os elementos da Akedah com Rosh Hashannah.
Depois do anjo interromper Abraão de prosseguir com o sacrifício, Abraão faz uma barganha com Deus.
Abraão diz: “Olha, eu estava pronto para sacrificar Isaque mesmo tendo me sido dito que através dele meus descendentes viriam.
Então, no futuro, quando meu povo pecar, eu gostaria que Tu te lembres desta prova que Tu me fizeste passar e perdoes os seus pecados.’ E Deus disse: ‘quando eles tocarem o chifre do carneiro em Rosh Hashannah, eu me lembrarei deles e eu os perdoarei…” (BORENSTEIN, Philip Rosh Hashannah: The Akedah. Disponível em: www.rjca.org/5759rh2akedah.html) (tradução nossa)
– O Senhor Jesus ainda nos informa que Abraão exultou por ter visto o Seu dia (Jo.8:56), ou seja, teve grande alegria por compreender como as famílias da terra seriam benditas através de sua posteridade, que seria o próprio Cristo (Cf. Gl.3:16).
Naquele gesto de plena confiança em Deus, Abraão pôde ter a visão da redenção da humanidade e como estava sendo um instrumento para que se pudesse resgatar o homem do pecado e voltar a pô-lo em comunhão com Deus.
– Abraão pôde, então, esperar com convicção a pátria celestial que almejava (Cf. Hb.11:10,13-16), sem qualquer receio, pois tinha já o entendimento do que se faria para que ele pudesse alcançá-la, por meio da redenção na pessoa da sua posteridade, daquele que haveria de vir ao mundo para pagar o preço do pecado da humanidade, daquele que, a exemplo do cordeiro que tomou a posição de Isaque como vítima do sacrifício, morreria em nosso lugar, tirando o pecado do mundo.
– A provisão divina mostra, assim, que seu alvo é levar o homem para os céus, para estar à direita do Pai no trono de Cristo (Ap.3:21), para termos condição de desfrutarmos plenamente do amor de Deus que está em Cristo Jesus nosso Senhor.
Por isso mesmo, a provisão divina tem por finalidade nos manter no Senhor Jesus e isto não significa nos livrar de calamidades desta vida terrena, mas, sim, livrar-nos do mal, isto é, do maligno.
– Quando o Senhor Jesus nos ensina a orar para que sejamos libertos do mal (Mt.6:13) e intercede em nosso favor ao Pai para que sejamos libertos do mal (Jo.17:15), não está a falar do mal como algo ruim que possa nos acontecer, uma adversidade, uma contrariedade.
Está a falar da oposição a Deus e a Seus desígnios. “…Neste pedido, o Mal não é uma abstração, mas designa uma pessoa, Satanás, o Maligno, o anjo que se opõe a Deus.
O “diabo” (“diabolos”) é aquele que “se atira no meio” do plano de Deus e de sua “obra de salvação” realizada em Cristo.…”( § 2851 CIC).
– Portanto, a provisão divina não tem o objetivo de nos fazer imunes às aflições que são inerentes a esta vida terrena, onde está o sistema mundano que jaz no maligno (I Jo.5:19), mas, sim, impedir que esta oposição a Deus, que as hostes espirituais da maldade (Ef.6:10-12) possam nos vencer.
Deus toma todas as providências para que, apesar das dificuldades e adversidades da vida, continuemos nossa jornada rumo aos céus, suportando as contradições dos pecadores contra nós, suportando a cruz e desprezando a afronta (Hb.12:1-3), assim como fez o Senhor Jesus, cujas pisadas seguimos (I Pe.2:21).
– Seguindo o exemplo do Senhor Jesus, tendo a visão que teve Abraão, a visão da provisão, não nos deixaremos abalar pelas circunstâncias incompreensíveis da vida e, exultando ao contemplar o Senhor Jesus, pelo gozo que Ele nos propõe, certamente correremos com paciência a carreira que nos está proposta e desfrutaremos do prêmio que o Senhor Jesus aguarda para nos dar quando chegarmos à Jerusalém celestial (Ap.22:12).
Deus provê para nós a vida eterna, a eterna salvação, a glória eternal. Façamos como Abraão, sejamos obedientes e confiantes em Jesus e veremos, não mais uma sombra, como viu o patriarca, mas o próprio Cristo glorioso nos ares.
Que nossas sejam as palavras do poeta sacro José Teixeira de Lima: “Face a face espero vê-l’O, no além do céu de luz. Face a face em plena glória, hei de ver o meu Jesus” (refrão do hino 118 da Harpa Cristã).
Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco
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