LIÇÃO Nº 4 – MISSÕES TRANSCULTURAIS EM O NOVO TESTAMENTO
INTRODUÇÃO
-A mensagem da salvação é para toda a humanidade.
-O Novo Testamento traz claramente o caráter universal da salvação.
I– AS MISSÕES TRANSCULTURAIS NO MINISTÉRIO DE JOÃO BATISTA E DE JESUS
-Vimos, na lição anterior, que o caráter universal da mensagem da salvação já estava revelado pelo Senhor nas Escrituras hebraicas, ou seja, no Antigo Testamento.
Embora o Senhor tivesse escolhido formar uma nação para, por meio dela, mostrar-se a todas as nações, que havia contra Ele se rebelado em Babel, jamais deixou de Se apresentar como o único e verdadeiro Deus, como o Senhor de toda a Terra (Ex.19:5).
-Israel era um reino sacerdotal e povo santo (Ex.19:6), de modo que deveria levar os povos a adorar a Deus, sacerdotes que eram, como também se manter separados dos demais povos, cumprindo a lei que lhe havia sido dada e mantendo a sua identidade de “propriedade peculiar do Senhor dentre todos os povos”.
-Esta “consciência missionária”, conforme visto na lição anterior, aguçou-se no período intertestamentário, quando os israelitas acabaram por ter de emigrar de sua terra, inclusive com o estabelecimento de colônias judaicas por todo o mundo, aliado à própria circunstância de uma intensificação da expectativa messiânica e de um sentimento apocalíptico.
-Entretanto, tal “consciência missionária” estava impregnada de um pensamento que não correspondia ao propósito divino, ou seja, da submissão do amor de Deus a um limite étnico, que fazia com que se condicionava a salvação não só à observância da lei, mas até mesmo das tradições criadas pelos judeus ao longo de sua história.
-Não resta dúvida de que o convite à observância da lei no trabalho missionário dos judeus era mais do que compreensível, até porque se estava ainda na dispensação da lei.
Afinal de contas, dos israelitas é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas, dos quais são os pais (Rm.9:9:4).
-No entanto, a equiparação das tradições à lei, que levava inevitavelmente à supremacia das tradições sobre a própria lei (Cf. Mt.15:3-6), representava um grande equívoco, pois se tentava, assim, enquadrar os mandamentos divinos a preceitos de homens, o que explicava a triste e lamentável situação espiritual vivida por Israel às vésperas da chegada de Cristo ao mundo (Is.28:7-10; 29:13; Mt.15:7-9).
-Diante desta degeneração do próprio papel de Israel frente às demais nações, o Senhor, no Seu plano de salvação, levantou, depois de um silêncio profético de quatrocentos anos, João, a fim de deixar o povo devidamente preparado para receber o Cristo que estava para chegar (Mt.3:3; Mc.1:1,2; Lc.1:76).
-Um dos principais aspectos da pregação de João era, precisamente, o de desfazer este limite étnico a que se reduzira a mensagem da salvação. De modo vigoroso, o profeta mostrou ao povo que não bastava ser descendente biológico de Abraão para ser um filho de Deus, mas que era necessário arrepender-se dos pecados, independentemente da sua origem étnica (Mt.3:8,9; Lc.3:8).
-A própria instituição do batismo era a mais clara demonstração disto. Ao determinar que os judeus deveriam se arrepender dos seus pecados e se batizar confessando sua condição pecaminosa, João estava a mostrar que todos, inclusive os israelitas, eram pecadores e que “toda carne veria a salvação de Deus” (Lc.3:6).
-Até então, dentro daquela concepção que podemos denominar de “etnicista”, os judeus se consideravam puros e santos pelo simples fato de serem descendentes biológicos de Abraão e, se machos, serem circuncidados.
-Os gentios que quisessem aderir ao judaísmo, se homens, deveriam ser circuncidados, mas, além disto, ante as próprias tradições criadas com relação a pureza ritual, eram também obrigados a passar por cerimônias de purificação por meio da água, práticas que decorriam das próprias cerimônias previstas na lei para a purificação dos israelitas (Nm.19:11-22; Lv.14:7-9; 15), normalmente imergindo em tanques para sua purificação, as chamadas “mikveh”.
-Ao mandar que os judeus se batizassem, João estava a mostrar que também eles eram impuros diante de Deus e que é o arrependimento quem traz o perdão dos pecados e a santidade, não a origem étnica, revelando, assim, que não havia limites étnicos para a mensagem da salvação.
-Jesus deu continuidade a esta pregação contrária a ideia de superioridade étnica dos judeus, repetindo o mesmo ensinamento de João, chegando mesmo a dizer que os judeus que se diziam filhos de Abraão e, por conta disto, filhos de Deus, serem, na verdade, filhos do diabo (Jo.8:33-45).
-Cristo sempre deixou claro que Seu ministério era voltado para os judeus (Mt.10:5,6; 15:24). Ele veio para o que era Seu, mas os Seus não O receberam (Jo.1:11).
Como bem explicaria o apóstolo Paulo, este voltar-se de Jesus aos judeus era só um meio para que a mensagem fosse aberta a todas as nações, pois, foi pela rejeição de Israel, que se abriu a oportunidade a todos os povos (Rm.11:7-12).
-No entanto, embora estivesse a pregar para os judeus, o Senhor jamais deixou de demonstrar que a mensagem do Evangelho era universal e que o importante é ter fé n’Ele.
-Em Cafarnaum, por exemplo, ao atender ao pedido de um centurião romano, fez questão de enaltecer a fé daquele gentio, inclusive dizendo que muitos gentios estariam à mesa no reino dos céus com Abraão, Isaque e Jacó, enquanto filhos do reino, ou seja, israelitas, padeceriam eternamente nas trevas exteriores (Mt.8:10-13), numa clara lição de que a origem étnica nada significava para salvação.
-No episódio que envolveu a mulher siro-fenícia, o Senhor Jesus também mostrou como não havia limites étnicos para a manifestação do amor de Deus.
Jesus, num primeiro momento, mostra-Se alheio à necessidade daquela mulher, dizendo ter sido mandado tão somente para as ovelhas perdidas da casa de Israel, chamando, inclusive, a mulher de cachorrinho, como eram tratados os gentios pelos judeus, mas, diante de discípulos incomodados com a situação, enaltece a fé da mulher e lhe concede o pedido (Mt.15:21-28; Mc.7:24-30).
-Outro episódio em que revela esta universalidade de Sua mensagem é o de seu encontro com a mulher samaritana à beira do poço de Jacó, que levou à conversão de toda a cidade (Jo.4:1-30).
No diálogo travado com aquela mulher, Jesus mostrou como se deve portar um missionário transcultural, na medida em que bem explorou os dados culturais daquela mulher, inclusive as divergências religiosas havidas entre judeus e samaritanos, para trazer a ela “a água viva”, que era Ele próprio.
-Nesta passagem bíblica, vemos o Senhor Jesus enfrentando os preconceitos tanto dos Seus discípulos quanto da própria mulher. É esta visão acima das tradições, costumes, modos de vida criados pelo homem que deve prevalecer, pois temos, antes de mais nada, anunciar a Cristo, levar aos homens a graça de Deus.
-Em Jo.4:4 é dito que era necessário passar por Samaria. Tratava-se, a princípio, de um caminho que não era utilizado pelos habitantes da Galileia para irem a Jerusalém, exatamente por causa da inimizade existente entre judeus e samaritanos, mas, ao tomar este caminho, o Senhor já mostrava a necessidade de também andar pelas terras samaritanas durante o Seu ministério terreno.
-Temos, também, a necessidade de “passar por Samaria”, de levar a mensagem da salvação àqueles que têm preconceitos contra nós e até mesmo nós contra eles, superando incompreensões e divergências.
É este o espírito que deve nortear o portador da mensagem da salvação e não o de desejo de extermínio do diferente, do outro, como, em relação aos samaritanos, certa feita, demonstraram Tiago e João (Lc.9:51-56).
-Em Gadara, região habitada por gentios, o Senhor Jesus mostrou também a universalidade da Sua mensagem, indo até lá para libertar os endemoninhados gadarenos.
Muito provavelmente este endemoninhado era gentio e, quando quis seguir a Jesus, não lhe foi permitido, precisamente para que pudesse pregar o Evangelho aos gentios da região de Decápolis (Mc.5:18-20).
-Nesta atitude do Senhor Jesus, vemos a importância que Cristo dá à obra missionária, não perdendo tempo em já promover, mesmo durante Seu ministério terreno, a mensagem da salvação aos gentios, por intermédio de um gentio, cujo testemunho era impactante.
-Neste passo, de se dar credibilidade ao relato feito por Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica, a respeito de um pedido feito pelo rei de Edessa, Abigaro que, enfermo, teria pedido para que Jesus fosse até seu reino para curá-lo, tendo tido a resposta de que o Senhor para lá não iria, pois deveria permanecer em Israel mas que, no futuro, seria o rei curado de sua enfermidade por um de Seus discípulos, o que teria ocorrido quando Tadeu teria ido pregar o Evangelho naquele país.
-Além da importância da obra missionária, notamos que o Senhor já adiantava a necessidade de se levar em conta os dados culturais na pregação do Evangelho, pois, além de não permitir que um gentio O acompanhasse, o que poderia escandalizar os judeus, também fez com que um gentio, sem quaisquer amarras culturais, pudesse testificar de Cristo para os gentios que habitavam Decápolis e, pelo visto, o testemunho foi eficaz pois vemos pessoas desta região indo ao encontro do Senhor (Mt.4:25).
-Não surpreende, portanto, que o Senhor tenha sempre orientado Seus discípulos a respeito do caráter universal do Evangelho e da necessidade de ele ser pregado por todo o mundo a toda criatura (Mc.16:15), que deveriam ensinar todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt.28:19,20) e que em Seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão dos pecados em todas as nações, começando por Jerusalém (Lc.24:47), pois seriam eles testemunhas do Senhor em Jerusalém, Judeia, Samaria e até os confins da Terra (At.1:8).
II– AS MISSÕES TRANSCULTURAIS NA IGREJA PRIMITIVA
-Vistas as indicações relacionadas às missões transculturais nos ministérios de João e do Senhor Jesus, vamos agora verificar como elas se realizaram na igreja primitiva, considerada aqui não apenas a igreja de Jerusalém, a igreja-mãe, mas a igreja no período apostólico, que é o abrangido pelo Novo Testamento, cuja conclusão, aliás, põe fim a este tempo.
-Apesar das indicações feitas pelo Senhor Jesus aos discípulos durante o Seu ministério terreno e das instruções claras e objetivas dadas durante o período em que esteve na Terra após Sua ressurreição para falar a eles sobre o reino de Deus (At.1:3), o fato é que demorou muito para que a Igreja compreendesse este caráter universal do Evangelho. Segundo os cronologistas bíblicos Edward Reese e Frank Klassen, este despertamento somente ocorreu no ano 41, quando o dia de Pentecostes ocorreu no ano 29, ou seja, doze anos.
-A Igreja era um mistério que havia sido mantido por Deus desde antes da fundação do mundo (Ef.3:1-6) até o dia em que, tendo sido revelado a Pedro que Cristo era o Filho do Deus vivo (Mt.16:16,17), revelou-o o Senhor Jesus em Cesareia de Felipe (Mt.16:18).
-Deste modo, não se poderia exigir dos discípulos que tivessem, de imediato, um outro imaginário senão o que havia entre todos os judeus, que, não tendo conhecimento algum a respeito da Igreja, analisavam as profecias messiânicas como sendo o instante em que, com o aparecimento do Cristo, Israel passaria a governar o mundo e se estabeleceria o tempo de justiça e paz previstos nas profecias.
-Observemos que foi esta a última pergunta que os discípulos fizeram ao Senhor antes de Sua ascensão (At.1:6), quando, então, o Senhor buscou mostrar-lhes que a sua tarefa era completamente alheia a este destino da nação israelita, devendo, antes, preocupar-se em serem cheios do Espírito Santo para que fossem testemunhas do Senhor em todas as partes do mundo (At.1:7,8).
-As últimas palavras ouvidas de Jesus pelos discípulos (e, ali, no monte das Oliveiras estava reunida toda a igreja de então – I Co.15:6 — algo que somente voltará a ocorrer no dia do arrebatamento) foram, precisamente, a de que deveriam ser testemunhas em todas as partes do mundo, que o objetivo de vida deles deveria ser divulgar a mensagem de salvação a todos.
-Como se isto fosse pouco, no dia de Pentecoste, quando ocorre o revestimento de poder necessário e prévio ao início desta tarefa de evangelização, os discípulos são cheios do Espírito Santo e começam a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia e aquela multidão, formada de judeus de dezesseis nações diferentes, ouviam-nos falar em suas próprias línguas a respeito das grandezas de Deus.
-Embora fossem judeus ou prosélitos todos os que ali estavam, pois, no dia de Pentecoste, abriu-se a porta do Evangelho aos judeus (Cf. Rm.1:16), o fato de serem de nações distintas e de terem ouvido sobre as grandezas de Deus em suas próprias línguas, e não em hebraico ou aramaico, revelava aos discípulos o alcance universal que deveria ter a evangelização e a necessidade de se ir a todo o mundo pregar o Evangelho a toda criatura.
-Apesar de tudo isto, o imaginário existente na mente dos discípulos não se alterou. Permaneceram em Jerusalém pregando o Evangelho, não indo sequer às cidades e aldeias circunvizinhas, pois, quem quisesse ser curado, tinha de sair de lá para ir até Jerusalém, como vemos em At.5:15,16.
-A igreja de Jerusalém era uma bênção, é um modelo, tanto que seu perfil consta do livro de Atos, que é o livro inspirado pelo Espírito Santo precisamente para nos dar como devemos servir a Deus enquanto Igreja, tendo não só conteúdo histórico mas, também, normativo, mas, quanto a este aspecto relacionado a missões, foi evidentemente falha, tanto que necessário foi permitir-se a perseguição para que se cumprisse a vontade do Senhor.
-Em nossos dias, não tem sido diferente. Muitas igrejas locais comportam-se como a igreja de Jerusalém. Perseveram unanimemente na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e na oração, são lugares onde se manifestam sinais, prodígios e maravilhas, são até esforçadas e empenhadas em encher a sua cidade
ou localidade da doutrina do Senhor (Cf. At.5:28), mas completamente displicentes no que respeita às missões transculturais, a sair para Judeia, Samaria e até os confins da terra.
-Para estas igrejas, não temos um aviso muito agradável. Como Jesus é o mesmo ontem, hoje e eternamente, não tardará para vir grande perseguição, a fim de que haja a devida dispersão da membresia e a mensagem do Evangelho alcance aqueles que têm sido atualmente esquecidos pelos salvos. Porventura, não seria por isto que tenha nosso país ingressado num irreversível regime comunista? Pensemos nisto!
-Não tendo havido o despertamento voluntário para pregar o Evangelho fora de Jerusalém, sobreveio a perseguição comandada por Saulo e, então, os discípulos foram obrigados a deixar Jerusalém e, como já estavam acostumados a evangelizar, não demoraram em pregar a mensagem da salvação para os que estavam à sua volta e o resultado disso é que floresceram igrejas na Judeia, Galileia e até Samaria, pois para lá foi o diácono Filipe (At.8:1,5; 9:31).
-Esta dispersão, inclusive, não ficou apenas na região da terra de Israel, mas também chegou a colônias judaicas que estavam em várias partes do Império Romano (At.11:19), mas, apesar disto, ainda não havia propriamente missões transculturais, pois os judeus apenas evangelizavam outros judeus (At.11:19).
-O que causa até admiração é que este comportamento dos cristãos se mantinha mesmo depois da experiência tida por Pedro e alguns discípulos na casa do centurião romano Cornélio, que morava em Cesareia, sede do governo romano na Judeia.
-Cornélio, que era piedoso, recebeu a visita de um anjo que lhe mandou chamar o apóstolo Pedro a fim de que fosse instruído a respeito da salvação. Aqui vemos, muito claramente, que é à Igreja que incumbe a tarefa de pregação do Evangelho, não sendo sequer aos anjos permitido que isto seja feito.
Como bem afirma a Declaração de Fé das Assembleias de Deus:
“O evangelho é proclamado a homens e mulheres, sem fazer distinção de raça, língua, cultura ou classe social, pois ‘o campo é o mundo’ (Mt.13:38).
Jesus disse: ‘Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações’ (Mt.28:19 – ARA), e ‘ser-me-eis testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra’ (At.1:8). Portanto, entendemos que é responsabilidade da igreja a obra missionária” (DFAD XI.6, p.123).
-O Senhor, sabedor do imaginário do apóstolo, dá-lhe uma visão para que ele entendesse que não se pode considerar imundo aquilo que Deus purificou.
Após a visão e a chegada dos servos de Cornélio a casa de Simão, o curtidor, em Jope, onde Pedro estava hospedado, o apóstolo consente em acompanhá-los, mas, ao entrar na casa do centurião, afirma que o que estava a fazer não era lícito, mesmo tendo sido ordenado por Deus! Vemos, pois, quão fortes são os elementos culturais em uma pessoa.
-O Senhor batizou Cornélio e os que com ele estavam com o Espírito Santo para que eles pudessem ser batizados nas águas, pois, caso contrário, não o teriam sido.
Mesmo diante de eloquente demonstração de que aquela era a vontade divina, Pedro teve de enfrentar uma “comissão” em Jerusalém, ao retornar, tendo de se explicar porque entrara em casa de gentio, pregara-lhe o Evangelho e ainda o batizara nas águas.
-Ante irrefutáveis provas de que o Evangelho também era para os gentios, os membros da igreja em Jerusalém aceitaram a situação, mas nada mais fizeram, continuando totalmente inertes em relação a pregação aos demais povos.
-Será apenas em Antioquia, que era a capital da província da Síria, a mais importante cidade da região em termos políticos, alguns irmãos teriam a superação desta barreira étnica e começariam a pregar o Evangelho aos gentios, tendo o Senhor, então, salvado muitas almas.
Rapidamente esta notícia chegou a Jerusalém e os apóstolos, guiados pela sabedoria do Espírito Santo, mandaram para lá Barnabé, que era um “judeu grego”, natural de Chipre.
-Barnabé é o grande exemplo de missionário transcultural. Ao chegar a Antioquia, mostra qual deve ser a visão de um missionário transcultural. Ele foi até os irmãos e ali procurou “a graça de Deus” (At.11:23).
-As missões transculturais devem ter a visão celestial, ou seja, não podem se envolver com as criações humanas, com as diferenças surgidas do intelecto humano e das condições estabelecidas para a nossa vida sobre a face da Terra, mas, sim, observar o objetivo divino que é o de salvação de todos os homens.
-A graça de Deus Se há manifestado trazendo salvação a todos os homens e nos ensinando que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo (Tt.2:11-13).
-Foi isto que Barnabé procurou entre os gentios recém-convertidos e encontrou neles esta salvação, esta renúncia à impiedade e às concupiscências mundanas, passando eles a ter um viver sóbrio, pio e justo, tendo a esperança da volta de Cristo.
-Por isso, ao ver isto na vida daqueles novos irmãos, o missionário se alegrou e os estimulou, incentivou a que permanecessem no Senhor com propósito de coração.
O texto sagrado, por fim, mostra porque Barnabé tinha esta visão: porque era homem de bem e cheio do Espírito Santo (At.11:24).
-Esta mesma visão de Barnabé será compartilhada por Saulo, que, inclusive, foi levado para Antioquia pelo próprio Barnabé. Ambos sempre se guiarão por esta visão quando empreendem a primeira viagem missionária, como se verifica claramente do que está escrito em At.13:43 e 14:21,22.
-Também notamos esta visão no apóstolo João, que desempenhou a parte final do seu ministério em Éfeso e na região da Ásia Menor, portanto também em um ambiente transcultural. Ao escrever uma de suas epístolas, o “apóstolo do amor” afirmou: ”não tenho maior gozo do que este: o de ouvir que os meus filhos andam na verdade” (III Jo.4).
-Bem se vê, pois, que o apóstolo não se preocupava com o “modus vivendi” de seus filhos na fé, se seguiam, ou não, a cultura judaica, mas, sim, se “andavam na verdade”, ou seja, se revelam que tinham se arrependido dos seus pecados e passado a viver em comunhão com o Senhor Jesus.
-Além desta “visão da graça de Deus”, vemos que Barnabé, ciente de que, entre os gentios, não havia elementos culturais que pudessem contribuir para o conhecimento das Escrituras, como ocorria entre os judeus, tratou de instituir o discipulado, a fim de que os novos convertidos pudessem ser devidamente instruídos na Palavra de Deus, tendo, como já dito, ido buscar a Saulo para que ele pudesse ajudá-lo nesta tarefa (At.11:26) e será precisamente nesta primeira igreja gentílica que os discípulos serão chamados de “cristãos”.
-Em pouco tempo, a igreja em Antioquia teve grande desenvolvimento, nela se distribuindo tanto os dons ministeriais quanto os dons espirituais (At.13:1) e, numa igreja assim edificada, não houve outra posição do Espírito Santo senão a de determinar que fosse ela a continuadora deste trabalho missionário transcultural, ordenando que Barnabé e Saulo fossem enviados para a obra missionária (At.13:2,3).
-Tem início, assim, a “primeira viagem missionária de Paulo”, como é conhecida esta iniciativa missionária de Barnabé e de Paulo que, partindo de Antioquia, foram para Chipre e regiões que hoje pertencem à Turquia.
-Nesta viagem, vemos o “modus operandi” que deve ser observado nas missões transculturais. Os missionários primeiro iam aos judeus e, depois, aos gentios, pregando a Cristo, e Este crucificado, também sabendo bem os elementos culturais dos povos alcançados, como se verifica, por exemplo, na negativa dos missionários em receber adoração como se fossem os deuses Mercúrio e Júpiter na cidade de Listra (At.14:12- 18).
-A “segunda viagem missionária de Paulo” representou um passo a mais nestas “missões transculturais”, porque o Espírito Santo manda que Paulo vá a Filipos, uma colônia romana na Europa, onde nem sequer havia uma sinagoga.
-Nesta segunda viagem, quando Paulo se fazia acompanhar de Silas e de Timóteo, o apóstolo, começando por evangelizar Filipos, uma cidade sem sinagoga (At.16:9-40), passando pela própria pregação do Evangelho em Atenas, quando o apóstolo vai se utilizar de um elemento religioso grego, o culto ao “deus conhecido” e o seu próprio conhecimento filosófico para evangelizar a nata da elite intelectual grega que existia lá (At.17:15-34).
-Ainda nesta segunda viagem, Paulo evangeliza Corinto (At.18:1-23), cidade onde o confronto cultural seria intenso, como podemos ver pelas cartas que o apóstolo escreveu para aquela igreja, duas das quais fazem parte do Novo Testamento, onde teve o apóstolo de orientar a conduta dos cristãos diante do “modus vivendi” daquela cidade, conhecida por sua devassidão moral em virtude do culto a Afrodite.
-Em sua “terceira viagem missionária”, Paulo vai ficar três anos em Éfeso, que era a cidade mais populosa do Império Romano depois de Roma, na época, uma cidade cosmopolita, ou seja, que tinha pessoas de todos os lugares, onde o apóstolo teve de enfrentar não só o culto a Diana mas também o centro de feitiçaria que ali existia. Aqui vemos que o Espírito Santo intervém na obra missionária, com maravilhas extraordinárias, precisamente para confrontar as hostes espirituais da maldade ali muito operantes (At.19:1-20).
-Paulo, ao se despedir dos obreiros da igreja em Éfeso, fez questão de mostrar a eles que, durante todo o tempo em que esteve naquela cidade, seu objetivo era “dar testemunho do evangelho da graça de Deus” (At.20:24), mostrando que a visão existente desde quando foi para Antioquia a convite de Barnabé.
-Esta consciência missionária é transmitida pelo apóstolo a seus filhos na fé, como é o caso de Tito, a quem deu conselhos para a tarefa que deveria desempenhar nas igrejas de Creta, ilha pertencente à Grécia, quando lembra a este obreiro como os cretenses se consideravam, ou seja, que estivesse atento à cultura do local, mas sempre lhes ensinando a Palavra de Deus (Tt.1:12,13).
-Paulo queria, inclusive, ir a Espanha, o extremo ocidental do Império Romano, para lá iniciar a pregação do Evangelho (Rm.15:24).
Tinha ele consciência que tinha de ser “ministro de Jesus Cristo entre os gentios, ministrando o evangelho de Deus, para que seja agradável a oferta dos gentios, santificada pelo Espírito Santo” (Rm.15:16).
-Notamos aqui, nesta expressão do apóstolo aos crentes em Roma, a quem queria que despertassem para missões transculturais, que as missões transculturais devem ser realizadas de tal modo que, respeitada a diferença cultural, o evangelho seja ministrado para que haja um culto genuíno, uma verdadeira glorificação do nome de Deus pelos que se converterem, o que exige a eliminação dos elementos pecaminosos existentes na “vã maneira de viver”.
-O apóstolo não deixa de lembrar os romanos de que assim tinha se conduzido desde Jerusalém até ao Ilírico, pregando o evangelho de Jesus Cristo, para obediência dos gentios, por palavra e por obras, pelo poder dos sinais e prodígios, na virtude do Espírito de Deus (Rm.15:18,19).
-Não foi por outro motivo, aliás, que o apóstolo repreendeu a Pedro quando este esteve em Antioquia e, com a chegada de irmãos judeus de Jerusalém, alterou a sua conduta para não comer mais com os gentios, como tinha feito até então (Cf. Gl.2:11-15).
-Naquela ocasião, Paulo quis mostrar claramente que elementos culturais não podem ser confundidos com a salvação das almas e que deve haver, por parte dos missionários, um discrímen de modo a não causar escândalo nem prejuízos na salvação das almas.
-Notamos, portanto, que, em o Novo Testamento, temos a demonstração clara e transparente do caráter universal da mensagem do Evangelho, da sua destinação a todos os povos, nações, tribos e línguas, tanto que é esta visão multiétnica que o apóstolo João vê na sua visão daquele glorioso culto realizado no céu quando o Senhor Jesus abre os sete selos e começa a lançar o juízo sobre a Terra por não ter crido n’Ele.
-A salvação é para toda a humanidade e a diversidade cultural, criada pelo próprio Deus, não pode, de modo algum, ser um obstáculo para que o Evangelho seja pregado. A Igreja é “católica”, ou seja, universal, composta tanto de judeus quanto de gentios (Ef.2:11-22).
-A Igreja demorou para compreender isto, mas o Novo Testamento, além de nos mostrar a ordem do Senhor para a pregação do Evangelho por todo mundo e a toda criatura, também nos revela como, progressivamente, inclusive até por meio de permissão de perseguição, o Espírito Santo levou os salvos a cumprirem este propósito.
-Deste modo, a própria história revela que, quando do encerramento do Novo Testamento, com os escritos joaninos no limiar do século II, já estava a Igreja presente em todos os povos até então conhecidos, notadamente no Império Romano, mas até mesmo fora de suas fronteiras.
-Esta conscientização missionária revelada nas “Escrituras gregas” (como é também conhecido o Novo Testamento) precisa ser compartilhada por todos os servos do Senhor Jesus, pois tudo que dantes foi escrito para nosso ensino foi escrito para que, pela paciência e consolação das Escrituras, tenhamos esperança.
– Temos agido assim? Pensemos nisto!
Pr. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/9874-licao-4-missoes-transculturais-no-novo-testamento-i