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LIÇÃO Nº 5 – A SUTILEZA DO MATERIALISMO E DO ATEÍSMO

INTRODUÇÃO

– Nos dias em que vivemos, ganharam destaque o materialismo e o ateísmo, pensamentos existentes ao longo da história da humanidade.

– A Igreja tem sido influenciada pelo crescimento destes pensamentos.

I – O PENSAMENTO MATERIALISTA AO LONGO DOS SÉCULOS

– O mundo sem Deus, que está no maligno (I Jo.5:19b), tem, ao longo da sua existência, privilegiado dois pensamentos que, vez por outra, alcançam a adesão de milhares, de milhões de seres humanos:

o materialismo, que é a posição que se recusa a crer em algo além do puramente material, que se volta única e exclusivamente para as coisas da natureza, para as coisas desta terra e o ateísmo, que é a recusa à crença na existência de Deus.

– Nos dias difíceis em que estamos vivendo, o materialismo e o ateísmo têm alcançado grande projeção no “modus vivendi” das pessoas, ainda que, nos últimos tempos, a atuação maligna seja mais forte no sentido de exploração do vazio existencial decorrente do ápice que materialismo e ateísmo tiveram no século XX, mormente mediante a filosofia materialista histórica,

que chegou a dominar praticamente metade do mundo quando da implantação dos regimes de inspiração marxista-leninista, que desmoronaram a partir do final da década de 1980, ainda que o movimento comunista prossiga alcançando a mentalidade de importantes segmentos, sem se falar que é a China, hoje, uma candidata a superpotência mundial e seja um país com tal inspiração.

– O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define materialismo como sendo a “doutrina que identifica, na matéria e em seu movimento, a realidade fundamental do universo, com a capacidade de explicação para todos os fenômenos naturais, sociais e mentais”. Como ensinam Hilton Japiassu e Danilo Marcondes,

“…de modo gera, portanto, o materialismo nega a existência da alma (…), bem como a realidade de um mundo espiritual ou divino cuja existência seria independente do mundo material.

O próprio pensamento teria uma origem material, como um produto dos processos de funcionamento do cérebro.…” (Materialismo.In: Dicionário básico de filosofia, p.163).

– O materialismo caracteriza-se, portanto, como todo e qualquer pensamento que entende que, no universo, só existe a matéria, ou seja, substância sólida, corpórea.

Este pensamento não é novidade na história da humanidade. Os primeiros filósofos ocidentais, na Grécia, voltaram-se para a discussão a respeito do que seria a matéria e não poucos deles viram a realidade como sendo puramente material.

– O primeiro deles foi Demócrito (460-370 a.C.), que apresentou uma teoria em que “supõe a gênese da natureza, e até da alma humana, a partir do movimento, da agregação e da dissociação de porções mínimas e indivisíveis de matéria, os átomos, que não foram criados nem antecedidos por qualquer divindade ou força imaterial”.

Para este filósofo, cuja teoria foi denominada de “atomismo”, portanto, a origem de todas as coisas era fruto dos átomos, partículas materiais que seriam as fontes de todas as coisas que existiam no universo, átomos estes que não teriam sido criados por ninguém. Tudo, inclusive a alma, seria material, portanto, formada destes átomos.

– O pensamento de Demócrito encontrou grande guarida no mundo grego e, por conseguinte, em todo o mundo conhecido de então, já que Demócrito viveu numa época em que a cultura grega estava se espalhando pelo mundo todo, tendo tido receptividade em vários povos e movimentos, entre os quais destacamos os seguintes:

a) Epicuro e seus seguidores, os epicureus (At.17:18) – Epicuro, outro filósofo grego (341-270 a.C.), foi influenciado pelo pensamento de Demócrito, tendo fundado um movimento filosófico que durou por alguns séculos na Grécia e em Roma.

Para ele, os átomos eram a explicação última do mundo e nada existiria a não ser os átomos e o vazio entre eles.

Por isso, entende que não se deve perguntar sobre a existência de Deus e defende que se deve buscar o máximo prazer nesta vida, pois, depois da morte, nada haveria. Por isso, os epicureus estranharam tanto a pregação de Paulo a respeito da ressurreição e de Jesus.

A influência do pensamento de Epicuro foi tão grande entre os judeus que o Talmude (o segundo livro sagrado do judaísmo) chega a chamar aquele que ataca a fé como sendo “o epicurista”.

OBS: Eis o texto do tratado “Pirke Avot” (Ética dos Pais) do Talmude: “Rabi Eleazar diz: Sê diligente no estudo da Tora, sabe o que deves responder ao epicurista…” (2:19a) (apud Irving M. BUNIM. A ética do Sinai. Trad.Dagoberto Mensch, p.121).

b) os saduceus (Mt.22:23; Mc.12:18;Lc.20:27) – A seita judaica dos saduceus, que parecem retirar seu nome de Zadoque, que, segundo alguns, é o sumo sacerdote nos tempos de Davi e Salomão e, segundo outros, um discípulo de Antígono de Soco,

mestre judaico que foi um dos “homens da Grande Assembleia”, o grupo formado por Esdras e Neemias para serem os grandes estudiosos e intérpretes da lei em Israel após o exílio, tinha como sua característica principal o materialismo, a total descrença na alma ou na existência de algo além da matéria, fruto inegável da influência exercida sobre eles do pensamento filosófico grego materialista.

OBS: Corroborando o que nos ensinam as Escrituras a respeito dos saduceus, transcrevemos o que fala dos saduceus o historiador judeu Flávio

Josefo: “…Os saduceus, ao contrário, negam absolutamente o destino e creem que, como Deus é incapaz de fazer o mal, Ele não Se incomoda com que os homens fazem. Dizem que está em nós fazer o bem e o mal, segundo nossa vontade nos leva a um ou a outro e as almas não são nem castigadas nem recompensadas num outro mundo…” (Guerra dos judeus contra os romanos II,12,153. In: Flávio JOSEFO. História dos hebreus. Trad. Vicente Pedroso. v.3, p.60).

– Além de Demócrito, os estoicos (At.17:18) foram outro grupo que bem representou o materialismo na Antiguidade.

O estoicismo foi um movimento filosófico que surgiu na Grécia com Zenão de Cício (334-262 a.C.), mas que perdurou também por alguns séculos, que também tinha no materialismo uma de suas principais características.

Segundo eles, o universo é composto unicamente de matéria, que, ao contrário dos epicureus e atomistas, é algo contínuo. O mundo seria um todo orgânico animado pelo “logos”, o princípio vital. Tudo seria, pois, material, não existindo coisa alguma além da matéria.

– O materialismo, porém, sempre sofreu grande oposição nos círculos intelectuais antigos. Além da predominância da religião na Antiguidade, como já tivemos ocasião de verificar neste trimestre, religiões que sempre procuravam explicar o sobrenatural, quando não negavam precisamente a matéria (como é o caso do hinduísmo e do budismo),

devemos observar que os dois principais filósofos do Ocidente, Aristóteles e Platão, admitiam a existência de coisas imateriais, às quais davam maior importância do que às materiais, notadamente Platão, cuja escola de filosofia (a Academia) duraria mil anos depois de sua morte.

– Com a vinda de Cristo e a evangelização do mundo por intermédio da Igreja, então, o materialismo teria mais uma oposição e o triunfo do pensamento cristão, apesar da apostasia que nele logo se infiltrou, foi, sem dúvida alguma, um grande entrave para a proliferação do materialismo na Idade Média, tendo também contribuído para isto o surgimento do islamismo, igualmente uma religião que menosprezava esta espécie de pensamento.

– O materialismo, porém, retomaria vigor a partir do final da Idade Média, dentro das consequências do antropocentrismo, ou seja, do pensamento que punha o homem no centro do mundo, no centro do universo.

A partir do momento que o homem passou a valorizar a si mesmo e a sua razão, bem como a ciência e a tecnologia, quase que automaticamente dava fôlego a novas formulações materialistas.

– Os primeiros filósofos e cientistas modernos não foram materialistas, admitindo a existência da alma e de substâncias incorpóreas, como é o caso do filósofo francês René Descartes (1596-1650), mas, a partir das descobertas científicas, principalmente da física,

surge um pensamento chamado de “mecanicismo”, em que a natureza passou a ser entendida como uma “máquina cega”, pensamento este que encontrou guarida em vários escritores do chamado “Iluminismo”, pensadores do século XVIII, entre os quais os franceses Barão de Holbach (1723-1789), para quem a matéria é a única realidade e Denis Diderot (1713-1784), organizador da Enciclopédia, que afirma que de um animal saíram todos os demais, de um só ato da natureza.

– O desenvolvimento do pensamento materialista só aumentaria depois da Revolução Francesa (1789). A crença na ciência e na razão faria com que, cada vez mais, fossem desprezados os argumentos espirituais e de fé por parte dos estudiosos.

Como já vimos em lição anterior, até mesmo os teólogos passaram a querer justificar científica e naturalmente a Palavra de Deus, o que fez com que surgissem os movimentos da crítica bíblica e uma teologia que consideraria as narrativas sobrenaturais da Bíblia como simples lendas ou crendices.

Era o fermento materialista invadindo os próprios seminários e institutos de teologia!

O aparecimento das teorias evolucionista, através de

Herbert Spencer (1820-1903) e de

Charles Darwin (1809-1882), e do

chamado “materialismo histórico”, de

Karl Marx (1818-1883) e de

Friedrich Engels (1820-1895), fariam com que o materialismo atingisse seu ponto mais alto de aceitação na história do Ocidente.

– Herbert Spencer teve uma educação alheia à religiosidade, tendo cedo se dedicado, por influência dos pais, ao estudo autodidático da ciência e da história.

Nestes seus estudos, acabou convencido de que havia um princípio que regularia todas as coisas no universo, o princípio da evolução, tendo, a partir de então, escrito diversas obras para mostrar como tudo era fruto da evolução.

Este seu pensamento, apresentado cerca de dez anos antes das obras de Charles Darwin, teria grande repercussão e influenciaria muito a classe intelectual da Europa e dos Estados Unidos.

– Charles Darwin acolheria esta ideia evolucionista de Spencer e consideraria que ela estava comprovada em suas pesquisas feitas em viagens ao longo do planeta, tendo, então, concluído que a vida na Terra era fruto de uma evolução, ideia esta que reforçou tanto a postura materialista a respeito do mundo, como o ideário ateísta que já contaminava o mundo nesta segunda metade do século XIX.

– Este pensamento atingiria, no que tange ao estudo das chamadas “ciências humanas”, seu ápice na formulação do chamado “materialismo histórico” de Karl Marx e Friedrich Engels.

Para estes, a história da humanidade sempre havia sido a história da luta pelo controle das coisas materiais e a isto se reduzia o homem.

Não havia nada de espiritual, mas todas as supostas manifestações sobrenaturais e ideias imateriais nada mais seriam que justificativas, ilusões que tinham a finalidade de mascarar a “luta de classes”, ou seja, o conflito entre os homens pela posse das riquezas e dos bens materiais.

OBS: “…o materialismo filosófico marxista parte do princípio de que a matéria, a natureza, em suma, o ser é uma realidade objetiva, que existe fora e independentemente da consciência; que a matéria é um dado primário, pois ela é a fonte das sensações, das representações, da consciência, enquanto que a consciência é um dado secundário, derivado, pois ela é o reflexo da matéria, o reflexo do ser;

que o pensamento é um produto da matéria, quando esta atingiu, no seu desenvolvimento, um alto grau de perfeição;

mais precisamente, o pensamento é produto do cérebro, e o cérebro, o órgão do pensamento; não podemos, por conseguinte, separar o pensamento da matéria, sob pena de cairmos num erro grosseiro…” (Joseph STÁLIN. Materialismo dialético e materialismo histórico, p.10-1 apud Georges POLITZER, Guy BESSE e Maurice CAVEING. Princípios fundamentais de filosofia. Trad. João Cunha Andrade, p. 137).

– O pensamento materialista de Marx e Engels, complementado depois por

Lênin (1870-1924) e

Mao Tsé-Tung (1893-1976),

seria o condutor dos regimes comunistas implantados no mundo a partir de 1917, com a criação da União Soviética, regimes que perdurariam até o final da década de 1980 em praticamente metade do planeta e que ainda vigoram em

Cuba, Coreia do Norte, Vietnã e na

China, o segundo maior país do mundo em extensão e o mais populoso do planeta.

Vemos, pois, que o materialismo passou a ser pensamento dominante em grande parte do planeta durante quase todo o século XX.

– A queda dos regimes comunistas e a própria decepção surgida com o fracasso dos regimes comunistas antes mesmo de seu desmoronamento foram fatores que provocaram um nítido recuo no pensamento materialista nos últimos anos, dando margem ao surgimento de uma “nova espiritualidade”, que tem crescido grandemente em todo o mundo, inclusive nos países que ainda adotam o pensamento materialista marxista.

No entanto, apesar deste recuo no mundo intelectual, o materialismo está longe de deixar de ser uma característica do mundo pós-moderno, pois, apesar de o pensamento materialista ter crescido em virtude da modernidade, o fato é que a prática materialista, mais até do que o pensamento materialista, é algo que só tem aumentado nos dias em que vivemos.

II – A PRÁTICA MATERIALISTA AO LONGO DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

– O fato é que, se o pensamento materialista ganha corpo e uma nitidez no mundo grego, por volta do século II a.C., a prática materialista tem acompanhado o homem desde o início dos tempos, uma vez que este tipo de atitude é consequência da prática do pecado.

“…O homem pecador que recusar aceitar a Deus será necessariamente levado a se tornar preso às criaturas em um modo falso e destrutivo.

Em seu desvio em direção às criaturas (conversio ad creaturam), ele foca nas últimas seu desejo insatisfeito pelo infinito.

Mas os bens criados são limitados e, então, o seu coração passa de um para outro, sempre procurando por uma paz impossível…” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Libertatis Conscientia, n.40) (tradução nossa de texto oficial em inglês do site do Vaticano).

– Consequência inevitável de se retirar da presença de Deus é a busca do homem pelas coisas materiais, pensando, iludido, que o vazio decorrente da ausência da comunhão com Deus pode ser preenchido pelo desfrute das coisas terrenas.

Assim foi o que ocorreu com Caim, como se lê em Gn.4:16. Após ter se retirado da presença do Senhor, Caim deu início a uma civilização materialista, voltada para as coisas desta vida, sem qualquer preocupação com a realidade espiritual (cf. Gn.4:20-22).

– A civilização caimita acabou por prevalecer no mundo antediluviano como um todo e a descrição que Jesus faz dos dias de Noé bem mostra quais eram os valores então predominantes:

“comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento” (Lc.17:27).

Era, portanto, um mundo que se guiava única e exclusivamente pelas coisas desta vida, numa total despreocupação com as coisas do espírito, com a eternidade, com o relacionamento com Deus.

O resultado de uma prática materialista como esta não poderia ter sido outra: o dilúvio os consumiu a todos.

– Mas, depois do dilúvio, a humanidade manteve esta prática materialista. Ao invés de servir a Deus e de adorá-l’O, os homens da comunidade única pós-diluviana resolveram “ter um nome para si” para não serem espalhados sobre a face da Terra, demonstrando assim um apego às coisas desta vida, tanto que queriam, a exemplo do que já fizera Caim, edificar uma cidade e procurarem “ser poderosos na terra” (cf. Gn.10:8).

Uma vez mais, a prática materialista se apresenta como a tônica a nortear e orientar as ações humanas, numa total despreocupação com “as coisas de cima”. O resultado disto foi novo juízo divino, com a destruição da comunidade única pós-diluviana, por meio da confusão das línguas (Gn.11:7-9).

– Entretanto, ainda que espalhados, os povos surgidos desta divisão mantiveram esta sua prática materialista.

Com efeito, Jesus descreve os gentios como sendo pessoas que se preocupavam apenas em correr atrás do beber, do comer e do vestir, dando a isto prioridade em suas vidas (Mt.6:31,32), comportamento que persiste nos nossos dias, onde, lamentavelmente, o “ter” tem preponderância sobre o “ser”.

OBS: “…O fenômeno do consumismo mantém uma persistente orientação mais para o ‘ter’ do que para o ‘ser’. Ele impede de ‘distinguir corretamente as formas novas e mais elevadas de satisfação das necessidades humanas, das necessidades artificialmente criadas que se opõem à formação de uma personalidade madura’.

Para contrastar este fenômeno é necessário esforçar-se por construir ‘estilos de vida, nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom, e a comunhão com os outros homens, em ordem ao crescimento comum, sejam os elementos que determinam as opções do consumo, da poupança e do investimento.’

É inegável que as influências do contexto social sobre os estilos de vida são notáveis: por isso o desafio cultural que hoje o consumismo apresenta deve ser enfrentado de modo mais incisivo, sobretudo se se consideram as gerações futuras, que arriscam ter de viver num ambiente saqueado por causa de um consumo excessivo e desordenado.…” (PONTIFÍCIO CONSELHO DE JUSTIÇA E PAZ. Compêndio da doutrina social da Igreja, n.360, p.206).

– A excessiva preocupação do homem com as coisas desta vida é uma característica da prática materialista ao longo da história da humanidade.

É evidente que o homem, para sobreviver, tenha de suprir suas necessidades essenciais (alimentação, vestuário, educação, habitação), necessidade que é reconhecida por Deus (Mt.6:32), mas também é ponto pacífico que o homem não pode pôr estas coisas como prioritárias na sua vida.

No exato instante em que as coisas materiais passam a dominar o centro das atenções do homem, ele se torna presa do materialismo e, neste preciso momento, dá as costas para Deus.

– Quando amamos as coisas desta vida em primeiro lugar, passamos a servir às riquezas, ou seja, a Mamom (o deus das riquezas) e, por causa disto, deixamos Deus de lado.

Jesus disse que não se pode servir a Deus e a Mamom (Mt.6:24) e, infelizmente, muitos são os que, na atualidade, mesmo se dizendo crentes, não servem a Deus, mas única e exclusivamente a Mamom.

– O materialismo, isto é, o apego às coisas materiais, representa a própria negação de Deus, tendo sido por isso que o ilustre comentarista tenha afirmado, com tanta propriedade, que “materialismo é ateísmo camuflado”.

Quando há o apego às coisas materiais, estamos, ainda que não o digamos com argumentos, estamos, na prática, negando que Deus existe. É por este motivo que as Escrituras dizem que “o amor do dinheiro é a raiz de toda a espécie de males” (I Tm.6:10a).

– É dentro deste sentido que devemos compreender a intensidade do mal causado por Acã no arraial de Israel (Js.7:13-26).

Ao cobiçar o anátema e se atrever a desobedecer às ordens divinas em troca da posse de bens materiais, Acã e sua família fizeram muito mal e introduziram, na comunidade do povo de Deus, a possibilidade do materialismo, o que deveria ser imediatamente erradicado para que aquela geração não tivesse o mesmo triste fim de seus pais, que pereceram no deserto por causa da incredulidade (Hb.3:19).

É importante notar que Acã foi incapaz de glorificar a Deus, apesar do pedido de Josué neste sentido, exatamente porque, ao amar as coisas materiais, havia desprezado e menosprezado o Senhor.

– Não foi outro o motivo pelo qual Agur pediu a Deus que não se tornasse um homem extremamente rico, pois a posse excessiva de riquezas dá ao homem a sensação de que não precisa de Deus (Pv.30:8,9).

Esta ilusão de que as coisas materiais trazem satisfação a todas as necessidades do homem, ilustrada por Jesus na parábola do rico insensato (Lc.12:13-21), é o principal motivo por que o Senhor afirma que é difícil a salvação dos ricos (Mt.19:24; Mc.10:25; Lc.18:25).

– A prática materialista também se intensificou com o início da Modernidade. A acumulação de riquezas passou a ser a principal preocupação dos povos com o aumento do comércio em escala mundial e a organização econômica que passou para a história com o nome de “capitalismo”, “sistema econômico baseado na legitimidade dos bens privados e na irrestrita liberdade de comércio e indústria, com o principal objetivo de adquirir lucro”.

Vivemos hoje num mundo onde há uma corrida desenfreada para o acúmulo de riquezas, onde todos buscam tão somente amealhar bens para si.

Há um consenso de que o homem foi feito para a riqueza material e que a vida se resume a posse de fortunas.

No entanto, não é este o ensino de Jesus. O Senhor é bem claro ao afirmar que “a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui.” (Lc.12:15 “in fine”).

– A prática materialista tem se disseminado em todo o mundo. Se a queda dos regimes comunistas causou um impacto no pensamento filosófico materialista, foi um grande impulso para a intensificação da prática materialista.

A preponderância dos países capitalistas na chamada “guerra fria”, nome como ficou conhecido o confronto entre os países capitalistas e os países comunistas entre 1945 e 1989, fez com que se criasse a ideia de que o sistema capitalista é o melhor sistema econômico que existe e que deve ser, por isso, adotado pelo mundo inteiro. 

– Nesta ideia que se disseminou mundo afora, temos a exaltação da posse de bens materiais e um consumismo desenfreado, que é a razão de ser de milhões e milhões de pessoas, inclusive daqueles que não tem recursos materiais suficientes sequer para a sua sobrevivência.

Com efeito, mesmo as camadas miseráveis das diversas sociedades deste mundo têm voltadas as suas esperanças à posse de riquezas. O sonho de toda pessoa é se tornar rica, milionária e famosa, pouco importando o que tenha de fazer para atingir esta posição.

– As pessoas, por sua vez, são julgadas e julgam as outras pelo que possuem, pelo seu patrimônio, numa completa inversão de valores morais e éticos.

O materialismo distorce totalmente aos relacionamentos entre os homens, que passam a ser, sobretudo, relacionamentos interesseiros, voltados para a obtenção de vantagens econômico-financeiras.

Até mesmo os relacionamentos afetivos passam a ser guiados por motivos econômicos e financeiros, a ponto de muitos constituírem ou destruírem lares e famílias por motivos puramente patrimoniais.

– Na própria igreja, o materialismo também fincou raízes. As Escrituras já haviam predito que, nos últimos dias, haveria, no meio do povo de Deus, falsos mestres que não teriam qualquer pudor mas, após terem negado o Senhor que os resgatara, iriam fazer dos crentes negócio com palavras fingidas (II Pe.2:1-3).

O “segmento gospel” tem sido um dos segmentos do mercado que mais crescimento tem tido no Brasil nos últimos três anos e, segundo os especialistas, tem ainda muito para crescer.

Lamentavelmente, como bem afirma o sociólogo da religião, Antonio Flávio Pierucci, cada vez mais as igrejas estão a oferecer “serviços lábeis (i.e., instáveis, passageiros, adaptáveis – observação nossa) (…) não permanentes e de consumo imediato, o mais das vezes oferecidos em troca de pagamento.…” (Antonio Flávio PIERUCCI. Religião. Folha de São Paulo, caderno Mais!. 31 dez. 2000. p.20-1).

– Não devemos, portanto, nos assustar com o crescimento da chamada “teologia da prosperidade”, que nada mais é que a introdução do materialismo na pregação do evangelho.

Com efeito, passou-se a pregar um evangelho que traz vantagens patrimoniais, um evangelho que exalta e enaltece a posse de riquezas, um evangelho que, embora fale em Cristo, está, na verdade, levando o povo a Mamom.

As pessoas correm a Jesus, mas porque querem se apegar às riquezas. Buscam o favor de Cristo, mas para poderem ter o carro novo, a casa nova, para serem empresários. Em nome de Jesus, estão a proliferar a avareza e o amor do dinheiro.

Tenhamos cuidado com este falso evangelho, com esta investida materialista travestida de cristã e de evangélica, pois, “…alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores.” (I Tm.6:10b).

– Na verdade, estes “pregadores de prosperidade” nada mais são que escravos do dinheiro e das coisas materiais.

Vivem em função da acumulação de riquezas, vivem à busca das coisas desta vida, num sentido diametralmente oposto ao que se lê na Bíblia Sagrada, que manda aos crentes buscar as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus (Cl.3:1).

Por isso, como verdadeiros estelionatários, procuram satisfazer a sua ganância através da ganância alheia.

Assim, exploram o povo e arrancam verdadeiras fortunas dos bolsos destes incautos, vendendo a imagem de um Deus que faz barganhas com os Seus servos e que, ante o “sacrifício”, ante o “tudo” que foi entregue, serão ricamente abençoados e enriquecidos pelo

Senhor. No fundo, porém, quem enriquece são estes mesmos pregadores ou, então, as instituições para as quais eles trabalham.

Neste relacionamento estabelecido em cima da “pregação da prosperidade”, só temos que nos recordar das palavras do apóstolo: “…os homens maus e enganadores irão de mal para pior, enganando e sendo enganados.”(II Tm.3:13).

– O materialismo também se manifesta no tratamento feito com base nos bens que as pessoas possuem.

Já na igreja primitiva, Tiago repreende a acepção de pessoas por causa das posses de alguém (Tg.2:1-9). Este comportamento revela que o coração da pessoa não se encontra cheio do Espírito de Deus, mas, ao contrário, é um coração voltado única e exclusivamente para as riquezas, para Mamom. Quando julgamos as pessoas pelo que elas têm e não pelo que elas são, estamos fazendo da nossa vida uma prática materialista.

– O mundo vive desta maneira, mas nós temos de ser diferentes. Recentemente, lemos reportagem em que pessoas de proeminência do mundo econômico e financeiro que tiveram problemas e perda de patrimônio testemunhavam que, de uma hora para outra, desapareceram os amigos de outrora, tendo, mesmo, alguns sido convidados a se retirar de clubes e entidades de que participavam e cuja participação,

até bem pouco tempo atrás, era referência que a própria entidade fazia questão de divulgar para angariar novos integrantes. Muitos, porém, dentro das igrejas locais, têm se comportado da mesma forma, fazendo com que as relações de amizade sejam apenas jogos de interesses, manifestações de ganância e de cobiça, sejam evidências de que se está servindo a Mamom e não, a Deus.

– Como podemos verificar, portanto, se o pensamento materialista pode ser algo distante para a realidade de cada crente, se o pensamento materialista pode estar um tanto quanto fora de moda, depois da derrocada do comunismo, o que estamos aqui a denominar de prática materialista é algo bem presente e que tem, infelizmente, frequentado e dominado a vida de muitos que cristãos se dizem ser. 

III – O ATEÍSMO

– O principal problema da humanidade foi, sem dúvida, o pecado, quando, deliberadamente, fez uso de sua liberdade para desobedecer a Deus.

Neste instante, deu as costas para o Senhor, querendo construir uma vida independente de Deus, como se isto fosse possível.

– Quando usa a sua liberdade para se separar de Deus, o homem, que não passa de uma criatura que é imagem e semelhança de Deus (Gn.1:27), sai completamente de sua própria natureza e passa a achar que é a sua própria causa, o que, na verdade, jamais ocorre.

Nesta sua ilusão, acaba construindo um pensamento, uma lógica que o leva tanto ao ateísmo, que é a negação de Deus, quanto ao agnosticismo, “doutrina que reputa inacessível ou incognoscível ao entendimento humano a compreensão dos problemas propostos pela metafísica ou religião (a existência de Deus, o sentido da vida e do universo etc.), na medida em que ultrapassam o método empírico de comprovação científica”.

OBS: O termo ‘agnóstico’ foi criado pelo biólogo e filósofo inglês Thomas Huxley, que afirmou ter criado o termo em contraposição a ‘gnóstico’, termo que designava, na história da igreja, aqueles que se diziam sabedores, conhecedores de mistérios, o que, ironicamente, Huxley dizia ignorar enquanto cientista. Charles Darwin diz-se um agnóstico em carta de 1879.

– O primeiro passo para a construção de um pensamento ateísta está na consideração de que o homem é um ser independente de Deus.

Ao negar que seja possível o compartilhamento entre Deus e o homem, em negar que o homem, para ser livre, precisa estar em comunhão com Deus, o ser humano abre espaço para criar e desenvolver o pensamento ateísta que, no entanto, outra coisa não é senão a ignorância, o desconhecimento da verdadeira condição do homem e do real significado de sua liberdade.

OBS: “…O homem não toma sua origem de uma ação individual própria ou de uma ação coletiva, mas de um dom de Deus que o criou.

Esta é a primeira confissão de sua fé e confirma os mais sublimes discernimentos do pensamento humano.

A liberdade do homem é uma liberdade compartilhada. Sua capacidade de autorrealização não é de forma alguma suprimida pela sua dependência de Deus.

É precisamente a característica do ateísmo crer em uma oposição irredutível entre a causalidade de uma liberdade divina e aquela da liberdade humana, como se a afirmação de Deus significasse a negação do homem, ou como se a intervenção de Deus na história fizesse com que os esforços do homem fossem vãos.

Na realidade, é de Deus e no relacionamento com Ele que a liberdade do homem toma seu significado e consistência.…” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Libertatis conscientia, n.29) (tradução nossa de texto oficial do site do Vaticano em inglês).

– O salmista chama o ateu de “néscio”, ou seja, “ignorante”, “sem conhecimento”. Somente quem não tem conhecimento, quem é ignorante é capaz de dizer “Não há Deus” (Sl.14:1; 53:1).

O ateísmo nada mais é que o resultado da plenitude de cegueira espiritual, que o aperfeiçoamento do trabalho de escuridão e obscurecimento que o inimigo faz na mente dos incrédulos (II Co.4:3,4)

– Por isso, quando vemos o contínuo aumento do pecado no mundo (Mt.24:12), percebemos como tem se intensificado o ateísmo sobre a face da Terra, sendo, aliás, como demonstram as estatísticas e as pesquisas, crescente o número de pessoas que se dizem ateias ou sem qualquer religiosidade no mundo todo, a comprovar como tem operado o espírito do anticristo, o mistério da injustiça nestes dias derradeiros antes da volta de Cristo.

OBS: Para vermos a dimensão do crescimento do ateísmo na Terra, ainda que adotando alguma reserva, transcrevemos aqui o que diz um ateu convicto:

“…Em 1994 estimava-se que havia aproximadamente 240 milhões de ateus no mundo – cerca de 4% do total –, incluindo aqueles que professam o ateísmo, o ceticismo, a descrença ou que opõem-se à religião.

A porcentagem estimada aumentou significantemente, sendo atualmente algo em torno de 21% da população mundial (se ateus “passivos” forem incluídos).…”(Michael MARTIN. Ateísmo. Trad. André Dispore Cancian. http://www.google.com/search?q=cache:UT3w-0qV33kJ:www.ateus.net/artigos/ateismo/ateismo.html+ate%C3%ADsmo,+Voltaire&hl=pt-BR Acesso em 19 out. 2005).

– Se bem percebermos a história da humanidade, veremos que, no mundo antigo, ainda que os homens estivessem sob o domínio do pecado e, portanto, perdidos, a operação maligna sobre eles os levava a adorar vários deuses, heróis, semideuses e demais seres considerados superiores ao homem. O homem, então, embora estivesse crendo na mentira e longe de seu Criador, acreditava na existência de seres que lhe eram superiores.

Estavam, sim, enganados, mas, nas suas mentes, ainda não havia existido um escurecimento tal que não lhes permitisse admitir que o homem não podia conviver isoladamente, que havia seres que estavam acima dele e a quem ele deveria recorrer.

Este era o ambiente em que podemos entender expressões como a do salmista no Sl.138:1 ou pregações como a de Paulo no Areópago (At.17:22-34).

– Neste tempo, não encontramos um pensamento que se possa denominar de ateu. No mais das vezes, os pensadores antigos negavam a possibilidade de conhecer os deuses ou diziam que os deuses não interviriam em favor dos homens, seriam completamente indiferentes a eles, como, por exemplo, Epicuro e seus seguidores, cujo materialismo, aliás, já foi mencionado supra. Temos, portanto, no mundo antigo, mais propriamente um pensamento deísta e não ateísta.

OBS: Uma das célebres frases de Epicuro é a seguinte: “Deus, ou que impedir ou males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é importante: o que é impossível em Deus.

Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus.

Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é que os não impede?” (apud Agostinho da SILVA (pref., notas e trad.).

O Epicurismo, contendo uma antologia de textos de Epicuro e Da Natureza, de Lucrécio, p.63).

Percebemos aqui que, neste texto, Epicuro não nega a existência de Deus, mas ressalta a impossibilidade de compreendê-l’O.

– Com a pregação do evangelho a partir do dia de Pentecostes subsequente à ressurreição do Senhor, o mundo todo foi impactado pela verdade de que Deus é um só e que havia Se feito homem na pessoa de Cristo Jesus abrindo o caminho para a salvação do homem e sua reconciliação com Deus (II Co.5:18,19).

A partir de então, pouco a pouco, o homem foi compreendendo que Deus é único e que o meio de acesso a Ele é Cristo Jesus.

– Neste período, vemos que o pensamento ateísta guarida alguma tem no mundo ocidental, até porque o mais leve desvio em relação aos dogmas da Igreja Romana era severamente punido, inclusive com a remessa à fogueira da Inquisição.

Mesmo no Oriente, com o surgimento do Islamismo, o ateísmo praticamente inexistiu, já que a religião disseminada por Maomé era, também, fortemente teísta, ou seja, cria na existência de Deus e, mais, de um único Deus.

– Com o início da Modernidade, porém, este quadro começaria a se alterar. O desprendimento dos intelectuais do controle da Igreja Romana e a retomada da filosofia anterior ao triunfo do Cristianismo no mundo greco-romano e, principalmente, o chamado “antropocentrismo”, ou seja,

o pensamento de que o homem é o centro da ciência e da filosofia, de que se deve buscar no homem a verdade de todas as coisas, fez com que, pouco a pouco, surgisse o pensamento deísta, ou seja, aquele pensamento que, embora creia em Deus, não creia que Ele intervenha no mundo após a criação e, dali, como um abismo que chama outro (Sl.42:7), se caminhasse para o pensamento ateísta.

OBS: “…por longo tempo, a Igreja [i.e., a Igreja Romana, observação nossa] qualificou de ateísmo o panteísmo de Espinosa ou o deísmo do século XVIII. A partir do século XIX, o ateísmo se altera.

São denominado ateus não somente aqueles que colocam Deus entre parênteses, mas negam abertamente Sua existência: a)os partidários do chamado ‘materialismo científico’, notadamente os marxistas;

b) os partidários do neopositivismo lógico, que rejeitam explicitamente as religiões e as metafísicas (Bertrand Russell, por exemplo); c) os partidários capazes de suportar a ideia de que ‘Deus morreu’, a multidão que continua a viver como se Ele existisse etc.…” (Hilton JAPIASSU e Danilo MARCONDES. Ateísmo. In: Dicionário básico de filosofia, p.28).

– No pensamento moderno, começam a surgir aqueles que negavam a existência de Deus, quase sempre autores que, simultaneamente, defendiam o materialismo. Entretanto, não podemos confundir ateísmo com materialismo.

Enquanto que o ateísmo é a doutrina que nega a existência de Deus, o materialismo é aquele que nega que exista algo além do material.

Existem materialistas que, apesar disto, não negam a existência de Deus, como é o caso dos filósofos estoicos, que acreditavam que a natureza e Deus fossem a mesma coisa, ainda que ambos fossem materiais.

De qualquer forma, porém, quase sempre o materialismo está associado ao ateísmo, pois são consequências de quem se recusa a viver sob o senhorio de Deus.

– Assim, na modernidade, temos, entre os pensadores do chamado Iluminismo, movimento intelectual que existiu no século XVIII e que defendia o progresso da humanidade a partir da “iluminação” a ser proporcionada pela razão humana, temos figuras que negam a existência de Deus, como Denis Diderot e o Barão de Holbach, que já foram mencionados supra. Entretanto, nesta época, prevalece o chamado “ateísmo passivo ou fraco”, ou seja, a simples descrença em Deus.

OBS: “…Ao que tudo indica, foi na passagem do século XVII para o século XVIII que o ateísmo adquiriu finalmente rigor conceitual e o termo ‘ateu’ deixou de ser usado como um mero xingamento.

Estudiosos do assunto afirmam que Jean Meslier, um simples vigário de uma obscura aldeia do norte da França, que viveu entre os anos de 1664 e 1729, foi o autor do primeiro sistema ateu rigorosamente falando da história da filosofia.

O primeiro a negar textualmente a existência de Deus e a tese da criação do mundo, como podemos constatar no seu testamento intitulado Memória dos Pensamentos e dos Sentimentos de Jean Meslier, ainda inédito em português.

Nesse livro, as religiões são reduzidas a mitologias e a ideia de Deus em si mesma julgada uma grande farsa criada pelos homens…” (Paulo Jonas de Lima PAIVA. Deus está morto. Discutindo filosofia, ano I, n.1, p.19).

– No entanto, a partir do século XIX, porém, vemos crescer o pensamento ateísta, no sentido do chamado “ateísmo ativo ou forte”, que é a negação da existência de Deus, negativa esta veemente que encontrará seu esplendor nos pensamentos de Karl Marx e Friedrich Engels, no chamado “materialismo histórico”, já aduzido acima e que dá ensejo aos regimes comunistas, onde o ateísmo era adotado oficialmente pelo Estado, como também de Friedrich Nietzsche (1844-1900), que afirma que Deus havia morrido.

– Segundo Marx e Engels, a ideia de Deus era apenas uma forma de as classes sociais dominantes na sociedade criarem uma justificativa, uma ilusão para a sua dominação, para a sua exploração.

Deus, assim, não existiria e, uma vez as classes sociais dominadas e exploradas perceberem esta situação, certamente se revoltariam contra os dominadores, através da “revolução”, estabelecendo um tempo de paz e de satisfação, já que não haveria mais necessidades materiais de sobrevivência, o ambiente que caracterizaria o “comunismo”, o estágio final da civilização humana.

– “…o pecador acha que ele somente pode afirmar sua própria liberdade negando explicitamente Deus. A dependência da criatura de seu Criador, e a dependência da consciência moral da lei divina, são consideradas por ele como uma escravidão intolerável.

Por conseguinte, ele vê o ateísmo como uma verdadeira espuma de emancipação e de libertação do homem, considerando que a religião ou até mesmo o reconhecimento de uma lei moral constituem formas de alienação.

O homem, então, deseja fazer decisões independentes a respeito do que é bom e do que é mau, ou decisões a respeito de valores; em um simples gesto, ele rejeita tanto a ideia de Deus quanto a ideia de pecado.

É através desta audácia do pecado que ele pretende se tornar adulto e livre, e reivindica esta emancipação não apenas para si próprio, mas para a humanidade inteira. …” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Libertatis conscientia, n.41) (tradução nossa de texto oficial em inglês do site do Vaticano).

– Entretanto, como se demonstrou claramente ao longo do século XX, esta postura ateísta não correspondeu à realidade.

A negação explícita de Deus não trouxe ao homem qualquer vantagem. A exploração perdurou e, junto a ela, veio a manutenção e intensificação de um vazio existencial, de uma frustração de vida que levou os povos sob regimes comunistas a uma insatisfação cada vez maior que os levou, inclusive, a se movimentar pela derrubada destes regimes e sua pronta rejeição.

Até mesmo onde os regimes comunistas ainda vigoram, na atualidade, vemos o crescimento cada vez maior de movimentos religiosos, a demonstrar a sede que o homem tem de Deus (Sl.42:2; 63:1; 143:6; Jo.7:37; 22:17). Vivemos os dias preditos pelo profeta Amós (Am.8:11).

OBS: Até mesmo no país mais fechado do mundo e que é o que mais persegue os crentes, que é a ateísta Coreia do Norte, a igreja tem crescido, como vemos no trecho que ora transcrevemos: “…Será que no governo ateísta de Kim Il Sung e de seu filho ainda existe alguma Igreja cristã? Esta pergunta é frequentemente feita.

A resposta é Sim. Contudo, é uma Igreja clandestina que está crescendo rapidamente, apesar da opressão. ‘Ore por nós!’, os norte-coreanos pedem-nos. ‘Ore para que o Senhor nos dê força para permanecermos fiéis, para perseverarmos.

Ore também para que os professores nos tragam Bíblicas, materiais de estudo e livros de cânticos!’…” (CRISTÃOS da Coréia do Norte clamam, ‘Ore por nós!’. Portas Abertas, mar. 2005, v.23, n.2, p.2).

– Mas, enquanto o chamado “materialismo histórico” fracassou aos olhos vistos diante de todo o mundo, demonstrando que não basta a autossuficiência econômica para alcançar a felicidade, a outra vertente ateísta, baseada no pensamento de Friedrich Nietzsche, tem encontrado adeptos em todo o mundo, explícita ou implicitamente.

– Nietzsche, em algumas de suas obras, vai afirmar que “Deus morreu”, porque entende que Deus seja uma ideia que foi criada por alguns homens para dominarem outros, bem como para impedir que o lado criativo e sublime da espécie humana pudesse aflorar.

Nietzsche defende a ideia de que o homem é um deus e que, portanto, tem de assumir esta sua divindade.

Vemos, pois, aqui, como o ateísmo de Nietzsche se coaduna com a ideia de que o homem é deus, que é uma das ideias mais atraentes da pós-modernidade e que já estudamos na lição 4 deste trimestre.

OBS: “…Nietzsche pretende colocar com essa afirmação [Deus morreu, observação nossa] que a civilização racional afastou as interpretações místicas do mundo, prevalecendo na Terra, o senso comum, e nele não há lugar para Deus, pois o homem não pode suportar não ser Deus, e portanto Ele não existe.

A ignorância do dogmatismo faz com que acreditemos em coisas absurdas. Pelo fato de não podermos explicar, colocamos nossas esperanças no fim das frustrações no além . Para substituir a divindade morta, Nietzsche sugere o super-homem: o bom senso da Terra.

O que há de nobre do homem é ser ele um fim , e não um meio. O super-homem é a ponte, é ele o raio. O homem é algo que será superado.

Ele é o resultado da vontade de potência exercida, um paradigma da virilidade e virtuosismo. Se coloca além do bem e do mal, e fez seus valores em pedaços…” (FRIEDRICH Nietzsche. http://www.google.com/search?q=cache:6QRVzkXR_wwJ:www.culturabrasil.pro.br/nietzsche.htm+Nietzsche,+%22Deus+morreu%22&hl=pt-BR Acesso em 19 out. 2005).

– A negação de Deus, portanto, é, em Nietzsche, associada a exaltação do ser humano, a consideração de que o homem é, ele mesmo, uma divindade, um ser que está acima do bem e do mal preconizados pela civilização atual, que estabeleceu uma “moral escrava”, que outra não é, segundo este “tribuloso” pensador, senão a moralidade decorrente das Escrituras Sagradas.

– Este pensamento ateísta, como atestam os historiadores da filosofia, tem conseguido grande aceitação no mundo atual.

“…Foi profunda a influência de Nietzsche no pensamento contemporâneo, na filosofia e na literatura, na discussão da decadência e da crise da cultura ocidental em nossa época, bem como na obra de filósofos como Heidegger e, mais tarde, Foucault e Deleuze…” (Hilton JAPIASSU e Danilo MARCONDES.

Nietzsche, Friedrich. In: Dicionário básico de filosofia, p.180). Com efeito, o ser humano, quando enfrentado com a realidade de que a crença de que, por si só, poderia fazer um mundo melhor, a partir da sua razão, foi um rotundo fracasso, como provam os conflitos mundiais do século XX, a perspectiva de destruição total do planeta por armas nucleares, o aumento da desigualdade e da injustiça e, por fim, a destruição da natureza que põe o risco da própria continuidade da vida na Terra, ao invés de se voltar a Deus, prefere reafirmar que Deus não existe e que ele, homem, é que é um verdadeiro deus e que lhe faltou ter esta consciência para modificar o mundo.

OBS: “…Depois da segunda guerra, houve uma retomada da interpretação de sua filosofia, em sua acepção original, não deturpada.

Fez a crítica da modernidade, e seu bravo peito desbravou os horizontes possíveis com o artifício da linguagem, e não cedeu diante as adversidades, em sua vida incomum. Influenciou também os existencialistas e os psicólogos. Além de músico, poeta filólogo e filósofo, foi um grande escritor.

Suas obras têm um tom profundo e coeso, como em Platão.” (FRIEDRICH Nietzsche. http://www.google.com/search?q=cache:6QRVzkXR_wwJ:www.culturabrasil.pro.br/nietzsche.htm+Nietzsche,+%22Deus+morreu%22&hl=pt-BR Acesso em 19 out. 2005).

– O pensamento de Nietzsche no sentido de que deve haver um super-homem, um homem despido de “preconceitos”, que esteja “além do bem e do mal”, nada mais é que uma primeira afirmação filosófica que justifique o aparecimento do Anticristo, que se mostrará como sendo este homem, capaz de resolver todos os problemas da humanidade.

Quem o diz é o próprio Jesus: “Eu vim em nome de Meu Pai, e não me aceitais; se outro vier em seu próprio nome, a esse aceitareis.” (Jo.5:43).

– Este ateísmo tem se desenvolvido grandemente na atualidade, porque permite ao homem escolher o seu próprio caminho e, completamente iludido pelo inimigo de nossas almas, achar que é livre o bastante para dizer, ele próprio, o que é o certo e o que é o errado, menosprezando, por completo, a ordem estabelecida pelo Senhor.

É este ateísmo que tem grassado no mundo, seja explicitamente, seja implicitamente, pois este comportamento ateísta também se revela naqueles que constroem religiões para si, segundo seu entendimento (o chamado “self-service”), pois, ao assim fazerem, também estão dizendo que são verdadeiros “deuses”, fazendo a miscelânea religiosa que lhes convêm.

– O erro deste tipo de ateísmo, porém, não será percebido agora, como o foi no caso do “materialismo científico”.

Apesar de o pensamento ateísta ser inconsistente, a ponto de ser conhecido o adágio segundo o qual os ateus assim se afirmam “graças a Deus”, temos que a percepção de que este não é o verdadeiro caminho somente virá, como as Escrituras nos afirmam, na segunda metade da Grande Tribulação.

Com efeito, quando o Senhor derramar sobre o mundo as taças da Sua ira, os homens reconhecerão que há um Deus sobre todas as coisas, embora, dentro de sua natureza rebelde, somente O reconhecerão para blasfemarem contra o Seu nome (Ap.16:9).

OBS: Aliás, por falar no adágio popular “sou ateu, graças a Deus”, vemos que não se trata de um mero provérbio do povo, mas de uma afirmação que, vez por outra, tem suas confirmações.

A primeira intervenção do atual presidente da Câmara dos Deputados naquela Casa legislativa como presidente, o comunista e ateu Aldo Rebelo (PCdoB-SP), foi um apelo dirigido aos deputados Inocêncio Oliveira (PL-PE) e Arlindo Chinaglia (PT-SP), que trocavam sopapos no plenário:

“Pelo amor de Deus, parem com isso”.

A conhecida canção popular brasileira “Gente humilde”, de Vinicius de Moraes, Garoto, Chico Buarque e Nicanor e , tem a seguinte afirmação:

“E aí me dá uma tristeza no meu peito, feito um despeito de eu não ter como lutar e eu que não creio, peço a Deus por minha gente.

É gente humilde, que vontade de chorar”. Como vemos, quando a coisa aperta, o ateu sempre recorre a Deus…

– Não é surpresa, portanto, que o pensamento ateísta tenha conseguido adeptos atualmente, em especial no Ocidente, parte do mundo em que a própria Igreja Romana, recentemente, por ocasião da sua XI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, reconheceu ter

“… graves problemas causados pela secularização,(…), que conduzem à indiferença religiosa e a várias manifestações de relativismo…” (Mensagem final da referida assembleia, n.5, 22 out. 2005) (tradução nossa de texto oficial em espanhol do site do Vaticano), destacando-se a Europa.

Uma demonstração disso é o fato de o filosófo francês mais lido da atualidade ser Michel Onfray, cuja obra Tratado de ateologia é um campeã de vendas há alguns meses (nos dois primeiros meses, o livro vendeu 150.000 exemplares).

Este livro “…é um ataque pesado ao que o autor classifica como ‘os três grandes monoteísmos’. Segundo Onfray, por trás do discurso pacifista e amoroso, o cristianismo, o islamismo e o judaísmo pregam na verdade a destruição de tudo o que represente liberdade e prazer:

‘Odeiam o corpo, os desejos, a sexualidade, as mulheres, a inteligência e todos os livros, exceto um’.

Essas religiões, afirma o filósofo, exaltam a submissão, a castidade, a fé cega e conformista em nome de um paraíso fictício depois da morte.…” (André FONTENELLE. ‘Deus está nu’. Entrevista com Michel Onfray. Veja, edição 1906, ano 38, n.21, 25 maio 2005, p.11).

– Onfray, que criou uma “universidade popular”, que atrai milhares de pessoas a palestras diárias e gratuitas sobre filosofia, artes e política, que são gravadas por uma rádio e se constituem em sucesso de audiência, propõe o “projeto hedonista ético”, em que defende o direito do ser humano ao prazer.

Para ele, “…só o homem ateu pode ser livre, porque Deus é incompatível com a liberdade humana (…) se Deus não existe, posso me libertar.(…).

O princípio fundamental do Deus do cristianismo, do judaísmo e do Islã é um entrave e um inibidor da autonomia do homem.…” (André FONTENELLE, op.cit., p.11).

Como se percebe, o sucesso de Onfray é um exemplo típico do que estava predito nas Escrituras: “porque virá tempo em que não sofrerão a são doutrina, mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências” (II Tm.4:3).

OBS: “…Atualmente, o francês Michel Onfray é sem dúvida o maior representante do pensamento ateu. Ele realizou a façanha de colocar, há alguns meses, entre os mais vendidos na França, numa época marcada por uma onda de expansão mística e religiosa, o seu livro que tem o curioso título Tratado de ateologia.” (Paulo Jonas de LIMA PAIVA, op.cit.).

– Esta intensificação do pensamento ateísta desvinculado do ‘materialismo histórico’ é, portanto, mais uma comprovação da proximidade da volta de Cristo, já que o espírito do anticristo já atua de modo a permitir a ascensão do Anticristo.

A ideologia dominante no mundo, portanto, nada tem mais a aguardar senão o aparecimento do “super-homem”, daquele que supostamente concretizará as esperanças da filosofia nietzscheana, que tantos seguidores tem tido nos últimos anos.

OBS: Não nos esqueçamos que o próprio Nietzsche, como afirma o também filósofo Heidegger, disse que teria de aparecer um Deus que salvasse o mundo:”… A frase: “Só um Deus ainda nos pode salvar” (Heidegger, 1966), não é evidentemente um extremo e religioso “recurso” a Deus.

A palavra de Nietzsche segundo Heidegger “nomeia o destino de vinte séculos de História ocidental, significa que “o lugar vazio (de Deus) exige de certo modo ser de novo ocupado”.

Este vazio é o da “desvalorização” dos mais altos valores, de onde decorre o niilismo: a modernidade julgou preenchê-lo recriando outros valores e entulhando-o através da vontade de poder.

É necessário ainda um “Deus”: não o Deus-morto de Nietzsche nem aquele que está nos céus, mas “aquele” cuja ausência faz com que o homem, diante do mundo e de si mesmo, se coloque como aquele que impõe, domina, manipula e destrói da maneira mais bárbara ou segundo as técnicas mais refinadas.

Podíamos chamar-lhe morada, sítio, dar-lhe um nome qualquer desde que indique a possibilidade para o homem de se tornar “o testemunho ardente do Ser”, de ser Acolhimento, Palavra que se dá e Palavra que se recebe, e assim, talvez, salvar o Hoje da “raiva niilista”[i.e., a raiva advinda da doutrina que não acredita em absolutos, que não crê na verdade, observação nossa].…” (José Augusto MOURÃO. Deus na literatura: o Nome e suas formas(5). http://www.google.com/search?q=cache:BspTeud6fOgJ:www.triplov.com/semas/semiot/deus_na_literatura_05.htm+Nietzsche,+%22Deus+morr eu%22&hl=pt-BR Acesso em 19 out. 2005).

– Na sequência de Nietzsche, surgiram muitos outros autores que enfatizaram sua qualidade de ateus, como, por exemplo, Jean Paul Sartre (1905-1980), cuja filosofia defendia a ideia de que a liberdade era a mais fundamental das características da existência humana e que o homem precisa ser o centro de todas as suas ações, não podendo se submeter a quaisquer normas ou preceitos.

Sartre nega explicitamente a existência de Deus, que entende ser incompatível com a liberdade humana. Mais uma vez vemos alguém que confunde a liberdade do homem com a necessidade da ausência de Deus.

– Na sociedade pós-moderna, o ateísmo é encarado como normal e, o que é pior, como demonstração de erudição. Até mesmo para os crentes, causa espanto saber que um grande cientista ou filósofo crê em Deus, como se isto fosse alguma novidade.

Na verdade, quando observamos a história, veremos que a esmagadora maioria dos cientistas e filósofos, ao contrário do que se divulga, criam, sim, em Deus, inclusive os maiores cientistas como Isaac Newton e Albert Einstein, cujas descobertas serviram para justificar o ateísmo de muitos. A verdadeira ciência nunca se oporá a Deus ou a Sua Palavra, pois quem se opõe à verdade é apenas a
“falsamente chamada ciência” (I Tm.6:20).

OBS: Não é de se admirar, portanto, quando alguém explicitamente ateu é honrado no meio acadêmico que tanta divulgação se faça de seu ateísmo, como, por exemplo, no caso do escritor português José Saramago recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1998, o primeiro escritor em língua portuguesa a consegui-lo. Faz-se muita propaganda porque se trata de algo raro, ainda que a mídia insista em dizer o contrário.

– O ateísmo, como nos dá conta o salmista, é a principal fonte da corrupção e da maldade que existe no mundo.

Sendo o ápice do engano do maligno em relação ao homem, a sua adoção representa o ponto mais propício para a total deterioração da vida humana.

Com efeito, o ateísmo não atinge apenas a pessoa que o adota, que o acolhe, nem tampouco seu poder destrutivo se encontra na divulgação das ideias ateias de alguém, mas vai além, como nos mostra a Bíblia Sagrada.

– Com efeito, ao analisarmos o salmista, que trata do tema em dois salmos (14 e 53), o ateu, embora seja um ignorante, uma pessoa que nada sabe em termos espirituais, é alguém que gera, no seio da sociedade, a corrupção, ou seja, a decadência, a degeneração de costumes e da convivência humana (Sl.14:1; 53:1).

Com efeito, a partir do momento que alguém acha que Deus não existe, perde qualquer temor e qualquer freio na satisfação dos seus desejos, gerando, assim, um “salve-se quem puder”, na medida em que não há mais respeito por coisa alguma.

– Como demonstraram os países comunistas do século XX, a maior dificuldade de uma sociedade firmada sobre o ateísmo é encontrar uma justificativa, um motivo para que haja regras de conduta e de comportamento, já que, como não há Deus, não há nem certo, nem errado.

O próprio Nietzsche, mesmo, em sua filosofia, defende que o homem faça aquilo que bem entender, inclusive defendendo todo tipo de conduta que é negado pela moral judaico-cristã.

Não é à toa que muitos dos procedimentos dos nazistas alemães tiveram como justificativa a obra de Nietzsche, a começar pela política de pureza racial…

– Quando o ateísmo começa a imperar, a situação da sociedade se torna impraticável, impossível de se viver.

Como afirma o salmista, num ambiente dominado pelo ateísmo, “não há ninguém que faça o bem”.

É interessante notar que um dos principais argumentos dos ateus é de que o mundo vive este estado de calamidade porque existem religiões, pois todos os conflitos surgidos estiveram, direta ou indiretamente, relacionados com a religião, discurso, aliás, bem apropriado para os nossos dias de “guerra contra o terror”, onde se sobressai a questão do fundamentalismo religioso.

– No entanto, se formos bem verificar a história, a religião sempre funcionou como um pretexto, como uma justificativa para a demonstração da vontade de dominação de um grupo ou de uma nação em relação a outra, ou seja, cada conflito surgiu antes como uma demonstração de desejos e sentimentos que são elogiados pelos ateus (principalmente os que seguem a linha de Nietzsche) e que apenas se escondiam por trás do manto da religião.

Toda violência perpetrada ao longo da história, apesar de ter sido supostamente justificada pela religião, nada mais é do que a negação da própria religião, nada mais é do que uma verdadeira mostra do que é o pensamento ateísta quando posto em ação.

– Por fim, é bom verificar que o ateísmo, embora se diga uma doutrina que nega a existência de um Deus, nada mais é que um artifício maligno para atacar o Deus cristão, o único e verdadeiro Deus, uma forma de levar a descrédito a ideia de Deus, mas não a ideia de divindade.

– É interessante observar que Nietzsche, mais de uma vez, recorre à ideia dos deuses, neles, sábia e corretamente enxergando, como eram concebidos pelos gregos, como idealizações do próprio ser humano, como super-homens, dotados dos mesmos vícios e virtudes, mas apenas revestidos de imortalidade.

O que se tem, portanto, não é uma verdadeira descrença na ideia de Deus, mas uma revolta, um ataque ao Deus revelado na Bíblia Sagrada. E por que isto? Porque o intuito do inimigo não é que o homem não creia em coisa alguma, mas que, ao rejeitar a Deus, aceite adorar o próprio adversário, o que, efetivamente, ocorrerá na Grande Tribulação.

Por isso, o ateísmo é apenas mais um passo para que a humanidade perdida toda seja levada a adorar e idolatrar Satanás.

Não é, pois, coincidência alguma que, após uma intensificação do ateísmo entre a segunda metade do século XIX e a segunda metade do século XX, tenha, também, surgido um vigoroso movimento religioso para divulgar a iminente vinda de um novo “iluminado” e que também tenha aparecido um grande movimento satanista. O ateísmo, podemos dizer, é a “voz que clama no deserto”, o “preparador” do Antimessias.

IV – A RESPOSTA CRISTÃ AO MATERIALISMO E AO ATEÍSMO

– No mundo da atualidade, portanto, tal qual erva daninha, grassam tanto o pensamento materialista quanto o pensamento ateísta.

Trata-se, sem dúvida, do sinal dos tempos, de mais uma comprovação de que se avizinha o fim da dispensação da graça e de que Jesus está às portas.

– No entanto, apesar de ser cumprimento da Palavra do Senhor, não pode a Igreja manter-se inerte, ser simplesmente alguém que assiste, impassível, a este estado de coisas.

Mais do que nunca, diante desta angustiante situação, é preciso que nos lembremos das palavras vigorosas do apóstolo Paulo:

“Não vos conformes com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” (Rm.12:2).

– Diante daqueles que estão a pensar apenas nas coisas materiais, que se tornaram materialistas, é imperioso que a Igreja mostre a sublimidade e a superioridade das coisas espirituais.

Neste particular, é necessário, indispensável que a Igreja seja a primeira a dar o seu testemunho de que as “coisas de cima” são melhores e maiores que as coisas desta terra.

– Paulo é taxativo ao afirmar que “…se já ressuscitastes com Cristo, buscais as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus.

Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra, porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.” (Cl.3:1-3).

Entretanto, como podemos querer que o mundo se liberte do materialismo, se temos, enquanto Igreja, igualmente dado prioridade às coisas da terra?

Como podemos querer que o mundo se liberte do materialismo, se nossas preocupações estão única e exclusivamente nesta terra?

– Como podemos denunciar o materialismo, se nossos púlpitos apenas falam de “prosperidade material”, se os crentes querem apenas melhores salários, empregos (os mais modestos, pois a maioria quer, mesmo, é se tornar grandes empresários…), saúde física e bem-estar nesta vida?

– Como criticar a prática materialista dos nossos dias, se, nas igrejas, o critério de crescimento no ministério é a arrecadação econômico-financeira, se há uma preocupação em se formar grandes impérios empresariais da fé?

Como mostrar a necessidade de se desprender do “ter” se alguns têm associado avivamento espiritual com o surgimento de megatemplos que façam os grandes estádios e ginásios do mundo parecer miniaturas?

– A situação pós-moderna, o momento atual é tão triste e lamentável que chegamos à constatação de que são muitos, hoje, os mais miseráveis de todos os homens em nossa geração. Quem são os mais miseráveis de todos os homens? Responde-nos o apóstolo Paulo:

“Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (I Co.15:19).

– Não é possível que a Igreja responda ao materialismo dos dias atuais sem antes se libertar do seu próprio materialismo que a tem prendido e a tem impedido de ter uma pregação poderosa e impactante quanto a da igreja primitiva. Sem que arquivemos e desmascaremos a “teologia da prosperidade”, de forma alguma poderemos estar à frente desta reação contra o materialismo dos nossos dias.

– Nossos dias são os dias da “igreja de Laodiceia”, a igreja que deu valor ao materialismo e que, por isso, se achava suficiente e preparada só porque era rica, tinha se enriquecido e de nada tinha falta (Ap.3:17), mal sabendo, porém, que, espiritualmente falando, era praticamente um nada diante de Deus.

– É preciso voltarmos ao tempo em que a igreja, embora não tivesse prata nem ouro, tinha o poder de Deus para fazer a obra sobrenatural do Senhor (cf. At.3:6).

Só aqueles que assim fizerem poderão enfrentar o materialismo hodierno e, mesmo que tenha pouca força, serão vitoriosos, pois são a “igreja de Filadélfia”, a igreja que será arrebatada por Jesus.

– Mas, além de lutar contra o materialismo, que já será uma grande arma na luta contra o ateísmo, vez que, como vimos, há uma grande relação entre eles, é preciso que a Igreja também se adestre para enfrentar este tremendo mal que tem acometido a nossa civilização.

Embora o ateu seja responsável por esta deliberada recusa de aceitação do Senhor, fruto da sua ignorância, não se pode negar que a igreja tem parte de responsabilidade na intensificação deste movimento.

– Aqui temos de também tomar como nossas as palavras proferidas pela Igreja Romana na sua Constituição pastoral “Gaudium et Spes”, um dos principais documentos do Concílio Vaticano II, a última grande revisão da doutrina católico-romana, que ora transcrevemos, por sua oportunidade:

“…Na verdade, os que deliberadamente tentam afastar Deus de seu coração e evitar os problemas religiosos, não seguindo o ditame da sua consciência, não são isentos de culpa. No entanto, os próprios fiéis arcam sobre isto muitas vezes com alguma responsabilidade.

Pois o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é algo inato mas, antes, originado de causas diversas, entre as quais se enumera também a reação crítica contra as religiões e, em algumas regiões, sobretudo, contra a religião cristã.

Por esta razão, nesta gênese do ateísmo, grande parte podem ter os crentes, enquanto, negligenciando a educação da fé, ou por uma exposição falaz da doutrina, ou por faltas na sua vida religiosa, moral e social, se poderia dizer deles que mais escondem que manifestam a face genuína de Deus e da religião.…” (Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”. In: Frederico Vier O.F.M. (coord.). Compêndio do Vaticano II, p.161).

– Neste “mea culpa” da Igreja Romana, vemos que o primeiro fator que permite a difusão do ateísmo é a falha da igreja na educação da fé, na educação cristã. A educação é um dos mais importantes e fundamentais deveres da Igreja.

É preciso que a igreja ensine a Palavra de Deus não só aos crentes, inclusive os novos convertidos, mas também aos filhos, complementando o ensino dos lares.

Não deixemos de observar que Nietzsche era filho de pastor protestante. Que tristeza para este lar observar que seu filho, em vez de servir a Deus, transformou-se num grande instrumento nas mãos do inimigo!

– Atualmente, a Igreja tem negligenciado tremendamente o ensino da Palavra. As Escolas Bíblicas Dominicais, segundo pesquisa de que tivemos conhecimento, abarcam uma média de apenas 10% (dez por cento) dos membros das Assembleias de Deus no país, o que, efetivamente, é muito, muito pouco e isto antes da pandemia, que, tudo indica, diminuiu ainda mais este número.

– Os cultos de doutrina e de ensinamento são os menos frequentados e, o que é pior, menos frequentes ainda são os ensinos efetivamente doutrinários, os ensinos da Palavra e não apenas discursos sobre usos e costumes! A falta de conhecimento da Palavra leva à destruição do povo (Os.4:6) e é uma porta aberta para a disseminação do ateísmo, inclusive no meio do povo do Senhor.

– Neste passo, aliás, devemos ver o descuido com que se está a tratar da questão do sistema educacional. As escolas confessionais estão rareando e as que existem se submetem servilmente às diretrizes impostas pelas ideias materialistas e ateias que dominam os órgãos públicos na atualidade e há leniência para que se tenha o ensino religioso das escolas.

Como se isto fosse pouco, há pouco ou nenhum empenho para que se estabeleça o “homeschooling” ( o ensino domiciliar) devidamente assessorado pelas igrejas, a fim de trazer ensinos conformes à Palavra de Deus a nossas crianças, adolescentes e jovens.

– O segundo fator apontado pelo documento católico-romano, verdadeira pedra que clama ante o silêncio dos cristãos genuínos e autênticos (cf. Lc.19:40), é a exposição falaz da doutrina, ou seja, a exposição enganadora, ilusória da palavra, ou seja, o falso ensino.

– Uma característica dos nossos dias é a proliferação de falsos mestres (II Pe.2:1-3; Jd.4). Estes falsos mestres negam o Senhor e, como consequência, seus ensinos levam a situações e escândalos que propiciam o descrédito no nome do Senhor e permitem o êxito do pensamento ateísta.

– Foram os falsos ensinamentos que se introduziram na Igreja Romana a principal mola propulsora para o surgimento do chamado “pensamento moderno” e para o seu distanciamento da Palavra de Deus, ainda que as descobertas científicas não tivessem desmentido as Escrituras, mas tão somente os dogmas construídos pelos falsos ensinos.

– Entretanto, a exposição falaz da doutrina, a ministração de falsos ensinos funciona como um grande fator que contribui para a disseminação do ateísmo, pois, afinal de contas, se o que dizem, supostamente em nome de Deus, se mostra errado, isto seria um sinal de que Deus não existiria.

– Para nos livrarmos dos falsos mestres, é preciso que tenhamos conhecimento da Palavra de Deus. Por isso, cada um de nós deve se esmerar no estudo das Escrituras, na meditação de noite e de dia na lei do Senhor (Sl.1:2), conferindo tudo o que se fala ou se ensina à luz da Palavra do Senhor (At.17:11).

Somente assim poderemos distinguir os falsos dos verdadeiros ministros do Senhor (Ap.2:2) e, desta maneira, nos livrarmos deste embaraço que nos impedirá, certamente, de responder ao pensamento ateísta do nosso tempo.

– Entretanto, sem o aprendizado da palavra, com o desleixo com o estudo das Escrituras que verificamos na atualidade, a Igreja, longe de ter condições de enfrentar o ateísmo, corre o risco de até aceitá-lo no limite ou, o que é pior, não ter como responder às provocações e aos argumentos ateístas, desmoralizando-se e sendo desacreditada diante das multidões, que passarão a seguir os vencedores de argumentos.

– Não é por outro motivo que já o rabino judeu Elazar (séc.I d.C.) afirmava: “Sê diligente no estudo da Torá; sabe o que deves responder ao epicurista…” (Pirke Avot 2:19a).

Sem que estudemos a Palavra de Deus, não temos, em hipótese alguma, como podermos responder aos argumentos dos ateus, daqueles que se esmeram em ter argumentos e hipóteses contra a crença em Deus.

Ao inimigo somente temos que responder com as Escrituras, como bem nos demonstrou Jesus quando foi tentado pelo diabo.

OBS: “…Rabi Elazar aconselha sabiamente: Aprende primeiro a Torá, familiariza-te com as fontes e então ‘saberás como responder aos

epicuristas’. Esta lição continua sendo válida e vital para nós. Nos defrontamos com ataques (…) ao Criador e Sua Bíblia, de diversos lugares, e podemos não ser capazes de responder inteligentemente, se não tivermos o conhecimento adequado dos princípios básicos de nossa fé. Devemos nos empenhar em aprender, e então estaremos em posição de refutar tais argumentos.…” (Irving M. BUNIM. A ética do Sinai. Trad. Dagoberto Mensch, p.121).

– Mas existe um terceiro fator que tem permitido o aumento do ateísmo no nosso mundo e que é imputável aos servos do Senhor. É o fator do testemunho, que o documento católico-romano denomina de “faltas na vida religiosa, moral e social que mais escondem que manifestam a face genuína de Deus e da religião”. Não podemos mostrar que Deus existe ao mundo a não ser por nosso testemunho!

– O que levou o povo a admirar o discurso de Jesus no sermão do monte não foi a Sua eloquência nem tampouco a doutrina que era ensinada por Cristo, algo que eles já estavam, até certo ponto, acostumados a ouvir pela boca dos escribas e fariseus, mas o que os fez admirar foi a autoridade com que Jesus ensinava (Mt.7:28,29).

E em que residia esta autoridade? No exemplo, porque os escribas e fariseus, embora ensinassem, não viviam aquilo que ensinavam, como testemunha o próprio Senhor (Mt.23:2,3).

– Não existe elemento mais poderoso para a disseminação da descrença em Deus e, por conseguinte, para a adesão ao ateísmo do que o escândalo da hipocrisia, ou seja, da falta de testemunho daqueles que cristãos dizem ser mas não o são.

– Nossos dias são os dias em que haverá homens amantes de si mesmos que, tendo aparência de piedade, negam a eficácia delas (II Tm.3:2,5), ou seja, homens que se dirão seguidores de Cristo, falarão no nome de Cristo, mas viverão em total desacordo com os ensinamentos do Senhor. São pessoas assim que trazem imenso descrédito ao Evangelho.

– É dito que o grande líder pacifista indiano Gandhi, certa feita, disse nada ter contra Cristo, mas apenas contra os cristãos, pois estes insistiam em viver em desacordo com as palavras de seu suposto Mestre, palavras que calaram profundamente na humanidade e que representaram um enorme descrédito junto à Igreja.

– O apóstolo Pedro é categórico ao dizer que, para responder ao mundo a razão da esperança que há em nós, é preciso que, antes de mais nada, vivamos em santidade, que nos santifiquemos a Cristo, como Senhor, em nossos corações (I Pe.3:15).

Verdade é que não somos impecáveis, mas, se pecarmos, devemos, de imediato, pedirmos o auxílio do nosso Advogado (I Jo.1:10-2:2), a fim de que não venhamos a prejudicar a pregação do evangelho e não nos tornemos em munição para as investidas do inimigo em prol da difusão da descrença e do ateísmo.

– Viver em santidade é viver separado do pecado, é não abrir brecha no muro da nossa vida, brecha esta que representará a nossa derrota para o diabo e para o mal (cf. Jr.52:7,12-14).

Sem uma vida de santificação, não teremos como vencer a batalha contra o ateísmo. É por isso que os dias em que vivemos são os dias em que o ateísmo tem crescido, porque isto é decorrência inevitável do aumento do pecado e da sua ação devastadora sobre os que, um dia, haviam dele se libertado por intermédio de Cristo Jesus (cf. Mt.24:12).

– Entretanto, se estudarmos e vivermos a Palavra de Deus, se não deixarmos de viver em santidade, certamente seremos vasos de santificação e honra para o Senhor e seremos usados pelo nosso Deus de modo a que vençamos esta batalha, pois, com o nosso testemunho, os homens, ao verem as nossas boas obras, ao verem resplandecer a nossa luz, ao verem refletida a glória de Deus em nós como um espelho, glorificarão ao nosso Pai que está nos céus (Mt.5:16; II Co.3:18), Pai cuja existência não terão como negar. Amém!

Pr. Caramuru Afonso Francisco

Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/7753-licao-5-a-sutileza-do-materialismo-e-do-ateismo-i

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