LIÇÃO Nº 5 – O CUIDADO AO FALAR E A RELIGIÃO PURA
O salvo é um praticante da Palavra de Deus e, nesta Palavra, encontra a religião pura.
INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo da epístola de Tiago, estudaremos a parte final do seu primeiro capítulo, ou seja, Tg.1:19-27.
– O salvo é um praticante da Palavra de Deus e, nesta Palavra, encontra a religião pura.
I – DEVEMOS TER CUIDADO NO FALAR
– Na sequência do estudo “pari passu” da epístola universal de Tiago, hoje estudaremos a parte final do seu primeiro capítulo, ou seja, o trecho dos versículos 19 até 27.
– Depois de ter mostrado que a vida cristã é permeada de provações e de tentações, que temos de ter consciência de que somos imperfeitos e totalmente dependentes de Deus e que fomos salvos para sermos primícias das criaturas de Deus, o irmão do Senhor traz um importantíssimo conselho: todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar (Tg.1:19).
– Quando Tiago traz este conselho, temos como que uma consequência, um efeito da vida permeada de provações e de tentações. Já vimos que a provação tem um grande efeito na vida espiritual do salvo em Cristo Jesus: a geração da paciência.
– Ora, a paciência, ou longanimidade, como vimos, é a capacidade de suportar os males imediatos, levando em conta os benefícios que estão prometidos pelo Senhor para aqueles que lhe permanecem fiéis até o fim. Como afirma o apóstolo Paulo em Gl.5:22, a longanimidade é uma das qualidades do fruto do Espírito e tal paciência é resultado direto das tribulações (Rm.5:3).
– Ora, se o salvo em Cristo Jesus, diante das muitas aflições desta vida terrena, adquire paciência e se, consoante ensinou Tiago, pede a Deus sabedoria para saber viver sobre a face da Terra, tem-se como consequência natural que o salvo é pessoa que é pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.
– Com efeito, se o salvo reconhece a sua imperfeição e total dependência de Deus, se pede a Deus sabedoria, não é pessoa que fale de pronto, mas, antes, procura ouvir a voz de Deus para poder se posicionar ou tomar qualquer decisão durante a sua peregrinação terrena.
– Somente quem reconhece a sua imperfeição e a sua total dependência de Deus pode agir da maneira aconselhada por Tiago, pois sabe que nada sabe e, portanto, depende da orientação divina para tomar decisões, a fim de Lhe fazer a vontade.
– O processo de comunicação envolve tanto a palavra como o silêncio. Não há comunicação se não se tem silêncio. Como propriamente afirmou o ex-chefe da Igreja Romana, Bento XVI: “silêncio e palavra: dois momentos da comunicação que se devem equilibrar, alternar e integrar entre si para se obter um diálogo autêntico e uma união profunda entre as pessoas. Quando palavra e silêncio se excluem mutuamente, a comunicação deteriora-se, porque provoca um certo aturdimento ou, no caso contrário, cria um clima de indiferença; quando, porém se integram reciprocamente, a comunicação ganha valor e significado.
O silêncio é parte integrante da comunicação e, sem ele, não há palavras densas de conteúdo. No silêncio, escutamo-nos e conhecemo-nos melhor a nós mesmos, nasce e aprofunda-se o pensamento, compreendemos com maior clareza o que queremos dizer ou aquilo que ouvimos do outro, discernimos como exprimir-nos.
Calando, permite-se à outra pessoa que fale e se exprima a si mesma, e permite-nos a nós não ficarmos presos, por falta da adequada confrontação, às nossas palavras e ideias.
Deste modo abre-se um espaço de escuta recíproca e torna-se possível uma relação humana mais plena. É no silêncio, por exemplo, que se identificam os momentos mais autênticos da comunicação entre aqueles que se amam: o gesto, a expressão do rosto, o corpo enquanto sinais que manifestam a pessoa.
No silêncio, falam a alegria, as preocupações, o sofrimento, que encontram, precisamente nele, uma forma particularmente intensa de expressão. Por isso, do silêncio, deriva uma comunicação ainda mais exigente, que faz apelo à sensibilidade e àquela capacidade de escuta que frequentemente revela a medida e a natureza dos laços.
Quando as mensagens e a informação são abundantes, torna-se essencial o silêncio para discernir o que é importante daquilo que é inútil ou acessório. Uma reflexão profunda ajuda-nos a descobrir a relação existente entre acontecimentos que, à primeira vista, pareciam não ter ligação entre si, a avaliar e analisar as mensagens; e isto faz com que se possam compartilhar opiniões ponderadas e pertinentes, gerando um conhecimento comum autêntico. Por isso é necessário criar um ambiente propício, quase uma espécie de «ecossistema» capaz de equilibrar silêncio, palavra, imagens e sons.…” (BENTO XVI. Mensagem para o 46º Dia Mundial das Comunicações. 20 maio 2012. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/messages/communications/documents/hf_ben-xvi_mes_20120124_46th-world-communications-day_po.html Acesso em 03 jun. 2014).
– Se percebemos que somos imperfeitos e totalmente dependentes de Deus, torna-se evidente que precisamos ouvir a voz de Deus para que saibamos como viver sobre a face da Terra. Torna-se necessário estarmos em silêncio diante de Deus, esperando a Sua direção, a fim de que possamos, realmente, estabelecer um processo de comunicação com o Senhor, pois, sem comunicação, não há comunhão.
OBS: “…Quando escuto, com efeito, minha alegria não corre perigo algum, não sou exposto ao orgulho. Pois não se tem receio de cair neste abismo, pois se está apoiar sobre a rocha inabalável da verdade. Vocês querem uma prova do que lhes digo. Escutem estas palavras: ‘Vocês me darão, se eu lhes escuto, o gozo e a alegria’. Assim, a minha felicidade é de escutar. O profeta acrescenta assim:’…para que gozem os olhos que Tu quebraste’ (Sl.51:8). Escutar, então, é ser humilde…” (AGOSTINHO. Sermão CLXXIX. A Palavra de Deus – Tg.1:19-22. n.179. Citação de Tg.1:21,22. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 05 jun. 2014) (tradução nossa de texto em francês).
– Este conselho de Tiago não era novidade. Salomão, no livro de Eclesiastes, já havia se referido a este ponto, lembrando que uma das características da pessoa temente a Deus é, precisamente, a de que não se precipitar com a boca, nem se apressar a pronunciar palavra alguma diante de Deus, já que Deus é o Senhor e nós, Seus servos (Ec.5:1,2).
– Uma das características de nossos dias, dias de apostasia, é a impaciência, a precipitação no falar. Hoje há um certo repúdio ao silêncio, diríamos mesmo uma certa aversão e medo do silêncio, porque, no silêncio, é que as pessoas se reconhecem a si mesmas e não há interesse algum da maior parte dos homens em ter momentos de reflexão, diante do vazio existencial que há em muitos deles. Protagoniza-se o barulho, o burburim, a agitação, a fim de que os homens não tenham que se enfrentar a si mesmos e perceber a necessidade que têm de Deus.
– Os homens de hoje em dia, soberbos, orgulhosos e “senhores de si” (cf. II Tm.3:1-4), não querem ouvir os outros, muito menos a Deus, querendo, dentro de sua insensibilidade espiritual e soberba, falar o que bem entendem, achando-se donos da razão e da verdade.
– No entanto, o salvo em Cristo Jesus precisa saber ouvir, e, em primeiro lugar, deve ouvir a voz do Senhor. Por isso, o próprio Senhor Jesus disse que uma das características de Suas ovelhas é conhecer a Sua voz e, por conhecerem Sua voz, as ovelhas Lhe seguem (Jo.10:27).
OBS: “…É nosso dever ouvir antes a Palavra de Deus e aplicar nossas mentes para entendê-la do que falar de acordo com nossa própria imaginação ou as opiniões dos homens e dar curso à cólera e à paixão por causa disso…” (HENRY, Matthew. Comentário completo sobre toda a Bíblia, com. Tg.1:19-27. Disponível em: http://www.biblestudytools.com/commentaries/matthew-henry-complete/james/1.html Acesso em 05 jun. 2014) (tradução nossa de texto em inglês).
– Não há como prosseguirmos rumo ao céu nesta peregrinação terrena sem que, antes, estejamos prontos a ouvir e, primeiramente, ouvir a voz do Senhor. Jamais teremos uma postura digna de um servo do Senhor se não aprendermos a ouvir. Não foi à toa, aliás, que o Senhor nos criou com dois ouvidos e apenas uma boca. Pensemos nisto!
– Mas, além de estarmos sempre prontos a ouvir, devemos ser tardio para falar. Ouvir é a primeira coisa que devemos fazer e, depois, devemos ser tardios no falar. Ser tardio no falar não é falar depois que deveríamos ter falado, mas, sim, falar no momento certo, na hora certa. Como disse Salomão: “Como maçãs de ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo” (Pv.25:11).
– Certa feita, o ex-vice-presidente do Brasil, Aureliano Chaves (1929-2003), afirmou que a pessoa inteligente não é aquela que fala muito, mas, sim, aquela que pensa antes de falar, pois a inteligência estaria no fato de pensar muito antes de falar. Trata-se de uma realidade que há de ser levada em conta pelos que servem a Cristo Jesus.
– Mas, além de ser pronto para ouvir e tardio para falar, o salvo em Cristo Jesus deve ser tardio para se irar. Uma das características da longanimidade como qualidade do fruto do Espírito é precisamente o fato de se criar um longo caminho para que o salvo chegue à ira.
OBS: “…Podemos observar ainda disto que, se os homens governassem suas línguas, eles governariam as suas paixões. Quando o espírito de Moisés foi provocado, ele falou inadvertidamente com seus lábios. Se ele tivesse sido tardio em falar, ele teria sido tardio em se irar…” (HENRY, Matthew. Comentário completo sobre toda a Bíblia, com. Tg.1:19-27. Disponível em: http://www.biblestudytools.com/commentaries/matthew-henry-complete/james/1.html Acesso em 05 jun. 2014) (tradução nossa de texto em inglês) (destaque original).
– Se somos novas criaturas em Cristo Jesus, temos de participar da natureza divina (II Pe.1:4), e Deus, dentre outras qualidades, é tardio em Se irar (Ex.34:6; Ne.9:17; Jl.2:13; Na.1:3; Lc.18:7). Como, então, poderemos nos dizer em comunhão com Cristo se não tivermos esta mesma característica?
– Aquele que é tardio em se irar sempre apresenta piedade e misericórdia, pois não está interessado em que se faça logo o juízo, mas é dado ao perdão e à reconciliação, procura sempre restaurar os relacionamentos, demonstra estar sempre inclinado a superar as divergências e a levar o próximo ao encontro do Senhor e à libertação das paixões e das concupiscências.
– O salvo recebeu do Senhor o ministério da reconciliação (II Co.5:18-21), de forma que, a exemplo de Cristo, não podemos imputar os pecados dos homens, devendo, portanto, estar sempre prontos a perdoar aqueles que nos ofendem, assim como o Senhor perdoou aos homens que Lhe ofenderam com seus pecados.
– É precisamente isto que o Senhor Jesus nos ensina seja quando nos deu a oração dominical (Mt.6:12,15,16), seja quando proferiu a parábola do credor incompassivo (Mt.18:23-25). Não podemos jamais obter o perdão de Cristo e, por via de consequência, ter o perdão de nossos pecados, se não perdoarmos ao próximo naquilo que ele nos tem ofendido.
– É, por isso, que é inadmissível vermos alguns que cristãos se dizem ser afirmarem que têm o “pavio curto”, que “não levam desaforo para casa” ou coisas do gênero, pois, em assim agindo, jamais seremos longânimos, jamais seremos tardios em irar-se e, por conseguinte, não estamos desfrutando de comunhão com o Senhor, que é longânimo e tardio em irar-Se.
OBS: “…A maior lição que Jesus nos ensinou foi aquela amar o inimigo. O mundo nos ensina todo o tempo que é preciso revidar, é preciso ir ao revanche, não levar desaforo para casa, mas Cristo nos ensina a perdoar, nos ensina a mansidão, a não pagar o mal com o mal. Sendo assim devemos nos policiar para que não nos deixemos levar pelo pecado da ira.” (AQUINO, Felipe. O pecado da ira. Disponível em: http://cleofas.com.br/o-pecado-da-ira/ Acesso em 03 jun. 2014).
– Tomás de Aquino afirma que a ira tem como origem uma tristeza sofrida e o desejo e a esperança da vingança, daí porque ser a ira causada por muitas paixões. Esta constatação do grande teólogo medieval mostra como Tiago estava certo em nos aconselhar a não darmos vazão à ira, pois, por ter origem em muitas paixões, é muito fácil que um ser humano se ire, daí a necessidade da constante vigilância que deve ter o salvo para não se permitir a um tal sentimento que é um dos “pecados capitais” na conceituação da doutrina católico-romana, por se entender que se trata de um pecado que dá origem a outros.
– Vemos aqui que a ira resulta de um desejo de, diante de uma tristeza sofrida, de uma contrariedade, a pessoa tomar a justiça nas suas próprias mãos, querer vingar-se daquele que lhe causou este mal-estar. Tal atitude é absolutamente inadmissível para quem reconhece sua imperfeição e sua total dependência de Deus, uma vez que, quem assim vive, sabe que a vingança pertence tão somente ao Senhor, que Ele é o único e real juiz (Dt.32:25; Rm.12:19; Hb.10:30; Tg.4:12).
– Temos visto, nos últimos tempos, um aumento preocupante dos casos em que as pessoas têm tomado para si a incumbência de fazer justiça, com linchamentos e outras atitudes deploráveis, notadamente em nosso país, onde a impunidade campeia e há uma desilusão para com a Justiça, situação que é absolutamente compreensível, como bem afirmou, há um tempo atrás, a jornalista cristã Rachel Sheherazade, em afirmação que lhe custou uma cruel perseguição por parte dos inimigos da Palavra de Deus.
– Tais atitudes, entretanto, revelam quanto a sociedade brasileira precisa do Senhor Jesus e da Sua Palavra. Num mundo onde as pessoas vivem como se Deus não existisse, em que confiam na administração da justiça ao Estado, que é incapaz de aplicá-la, ainda mais quando a legislação cada vez mais se distancia das Escrituras Sagradas, tem-se que, cada vez mais, as pessoas sempre estarão movidas pela ira, pelo desejo de vingança, já que não conhecem a Cristo Jesus e, assim, não podem se libertar de suas paixões, de seus pecados.
– Como servos de Cristo Jesus, devemos levar o Evangelho a estas pessoas, mostrando-lhes a importância do perdão, a absoluta necessidade de desenvolvermos o amor fraternal e de sermos misericordiosos e piedosos, de sermos tardios em irar-se, confiando n’Aquele que tem o controle de todas as coisas e que é o reto e supremo juiz de toda a Terra (Gn.18:25).
Mas, para isso, em primeiro lugar, é preciso pararmos de falar, estar prontos a ouvir o Senhor e a reconhecer que somos imperfeitos e merecedores do castigo divino e, por isso mesmo, absolutamente dependentes da Sua graça. Somente quando temos condição de olharmos para a trave que há em nosso olho, poderemos ser condescendentes com o argueiro do olho do próximo (Mt.7:1-5).
– Tiago é bem claro ao afirmar que a ira do homem não opera a justiça de Deus. Quando somos tomados pela ira, pelo desejo de vingança, jamais produziremos justiça, pelo simples fato de que somos maus (Mt.7:11), por sermos espiritualmente imundos e, assim, sendo, nada puro poderá sair de nós mesmos (Jó 14:4). Não é à toa que o profeta Isaías diz que a justiça humana é trapo de imundícia (Is.64:6).
OBS: “…Considerado que os homens frequentemente fingem zelar por Deus e por Sua glória, em sua cólera e sua paixão, deixem-nos saber que Deus não precisa das paixões de homem algum; Sua causa é melhor servida pela brandura e mansidão do que pela ira e pela fúria… Salomão disse: ‘As palavras dos sábios devem em silêncio ser ouvidas, mais do que o clamor do que domina sobre os tolos’ (Ec.9:17)…” (HENRY, Matthew. Comentário completo sobre toda a Bíblia, com. Tg.1:19-27. Disponível em: http://www.biblestudytools.com/commentaries/matthew-henry-complete/james/1.html Acesso em 05 jun. 2014) (tradução nossa de texto em inglês).
– Devemos nos esvaziar a nós mesmos e, assim, permitir que sejamos instrumentos de justiça para que a justiça de Deus opere não só em nós, mas também no meio onde vivemos. Esta é a grande tarefa do servo de Deus: permitir que a justiça divina, por nosso meio, seja aplicada a todos os homens. Mas, para tanto, devemos renunciar a nós mesmos, porquanto a ira do homem não opera a justiça de Deus.
– Tal assertiva do irmão do Senhor está confirmada ao longo da história da humanidade, notadamente nos chamados “movimentos revolucionários”, que têm caracterizado a história humana a partir do século XVIII. Em nome de uma “justiça humana”, milhões e milhões de vidas foram ceifadas nos últimos três séculos e as maiores tragédias se realizaram. Será que isto não é suficiente para estarmos prontos a ouvir a voz do Senhor? Pensemos nisto!
II – RECEBENDO A PALAVRA DE DEUS
– Após ter recomendado a que os salvos fossem prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para se irar, Tiago diz, então, que os salvos deveriam rejeitar toda imundícia e superfluidade de malícia (Tg.1:21), que a Versão Almeida Revista e Atualizada traduz por “despojar-se de toda a impureza e acúmulo de maldade”.
– Somente quando nos despojamos da impureza e do acúmulo de maldade, ou seja, somente quando renunciamos a nós mesmos, à nossa natureza pecaminosa, à carne, temos condição de participar da natureza divina e, em comunhão com o Senhor, perseverar até o fim.
OBS: “…Por isto, nós somos ensinados, como cristãos, a vigiarmos e nos despojarmos, não só daquelas disposições e afeições mais graves e carnais, que fazem com que uma pessoa seja denominada imunda, mas também todas as desordens de um coração corrompido, que possam prejudicá-lo contra a Palavra e o caminho de Deus…” (HENRY, Matthew. Comentário completo sobre toda a Bíblia, com. Tg.1:19-27. Disponível em: http://www.biblestudytools.com/commentaries/matthew-henry-complete/james/1.html Acesso em 05 jun. 2014) (tradução nossa de texto em inglês).
– Vemos, em mais uma oportunidade, que o ensino de Tiago em nada discrepa do de Paulo. Escrevendo aos colossenses, o apóstolo dos gentios afirma que devemos nos despojar da ira, cólera, malícia, maledicência e das palavras torpes da nossa boca, ou seja, do velho homem, pois só assim poderemos nos vestir do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem d’Aquele que o criou (Cl.3:8-10).
– Eis um ensino que está sendo deixado de lado por muitos que cristãos se dizem ser. Para que venhamos a servir a Cristo Jesus, para que possamos perseverar e sermos salvos no dia do arrebatamento da Igreja, é absolutamente indispensável que nos despojemos do velho homem e é isto que o irmão do Senhor está a nos recomendar.
– Muitas pessoas, em nossos dias, vivem procurando “brechas” no texto bíblico para poder se comportar como os que não seguem a Cristo. Muitos estão buscando “doutores conforme as suas próprias concupiscências” (Cf. II Tm.4:3), com o objetivo de encontrarem “justificativas” para prosseguir praticando atos e atitudes que eram praticadas por eles antes de receberem a Cristo como seu Senhor e Salvador, ou, o que é ainda pior, passarem a agir da mesma maneira que os que não têm Cristo, por se sentirem atraídos por tais comportamentos e condutas.
– Por isso, temos visto, ao longo dos últimos anos, um sem-número de “doutores conforme as concupiscências” destes sedizentes cristãos passarem a justificar um sem-número de comportamentos e condutas que, até bem pouco tempo atrás, eram inimagináveis entre quem dissesse professar a fé cristã, aludindo estes “falsos doutores” a “fanatismos”, “ignorâncias”, “tradicionalismos” dos nossos pais da fé, a fim de justificar que tais condutas sejam hoje praticadas por quem se diz servir a Cristo Jesus.
– No entanto, não devemos nos deixar levar por estes discursos levianos, repletos de “abundância de malícia”, pois é isto que significa a expressão “superfluidade de malícia”. O ensino bíblico é o que devemos nos despojar do velho homem com seus feitos, que devemos nos despir da carne, de tudo quanto ela cobiça e deseja, pois senão renunciarmos a nós mesmos, jamais poderemos nos tornar discípulos de Cristo Jesus (Lc.14:33).
– Jesus, para nos salvar, despiu-Se de toda a Sua glória (Fp.2:7), por que, então, não vamos nos despir daquilo que é tão mau em nós, que é a nossa natureza pecaminosa? Se abrirmos mão desta velha natureza, certamente recebermos a glória de Deus. Jesus despiu-Se da Sua glória para Se tornar homem, mas nós, homens, se nos despirmos de nossa natureza pecaminosa, ganharemos a glória de Deus!
– Não há como termos uma vida cristã autêntica se nos mantivermos em nossos delitos e pecados, se não crucificarmos a carne com Cristo, se não mais vivermos para nós mesmos, e, sim, vivermos para o Senhor Jesus (Gl.2:20). É disto que Tiago está a falar.
– Somente se nos despojarmos do velho homem é que teremos condição de receber, com mansidão, a palavra em nós enxertada, palavra esta que, como diz Tiago, tem condição de salvar as nossas almas (Tg.1:21).
– A Palavra de Deus é enxertada em nós, diz o irmão do Senhor, ou, como afirma a Versão Almeida Revista e Atualizada, “implantada” em nós. Ora, como afirma o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, enxerto é a “operação que se caracteriza pela inserção de uma gema, broto ou ramo de um vegetal em outro vegetal, para que se desenvolva como na planta que o originou”, ou seja, é a transferência de algo para outro lugar, a fim de que, neste novo lugar, haja o mesmo desenvolvimento que havia no lugar original.
– É exatamente isto que o Senhor Jesus nos faz quando alcançamos a salvação. Esta salvação, que vem pela fé, produz o “enxerto” ou o “implante” da Palavra de Deus em nosso ser e, deste modo, podemos produzir a mesma vida que a Palavra naturalmente produz. Mas para que isto ocorra, entretanto, faz-mister que recebamos esta Palavra, com mansidão, ou seja, com humildade, sabendo que somos dependentes do Senhor e que precisamos deixar que a natureza divina se desenvolva em nós, que passemos a não mais viver para nós mesmos mas, sim, para o Senhor Jesus, sendo-Lhe agradáveis.
– O efeito da Palavra de Deus em nós é a produção de vida, pois a Palavra, que é o próprio Cristo, outra coisa não é senão vida (Jo.1:1-3). As palavras do Senhor Jesus são espírito e vida (Jo.6:63), por isso não podemos recebê-las a menos que nos despojemos do velho homem, da natureza pecaminosa, da carne, uma vez que o espírito combate contra a carne (Gl.5:17).
– Por isso, os que se dizem cristãos e não querem se despojar do velho homem são os primeiros a tentar desfazer a Palavra de Deus, a considerá-la “antiquada”, “ultrapassada” ou a buscarem quem lhes traga uma “nova interpretação”, uma “contextualização”. Não há como manter-se na carne e, simultaneamente, receber a Palavra de Deus com mansidão, ou seja, com humildade e reverência, sem qualquer questionamento. Pensemos nisto!
– Quando a Palavra é enxertada em nós, quando a recebemos com mansidão, passamos a cumprir a Palavra do Senhor. Tiago diz que devemos ser cumpridores da Palavra e não somente ouvintes, o que nos remete, uma vez mais, ao sermão do monte, onde Jesus, ao concluir Seu discurso, contou a parábola dos dois edificadores e das duas edificações (Mt.7:24-27).
– De nada adianta ouvirmos a Palavra de Deus e não a pormos em prática. Mais uma vez, vemos o irmão do Senhor enfatizando o lado prático da vida cristã. Somente fazendo aquilo que a Palavra de Deus prescreve é que estaremos demonstrando que a recebemos. Ninguém recebe a Palavra apenas por ouvi-la, por ter uma convicção de que a Palavra é a verdade, mas, se, efetivamente, viver o que é ensinado, o que é pregado, se puser em ação e ter uma maneira de viver condizente com os ensinamentos bíblicos.
– Quem recebe a Palavra com mansidão, ou seja, com humildade, passa a praticar esta Palavra, passa a viver de acordo com o que diz a Palavra de Deus. Este, sim, é o verdadeiro e genuíno servo de Deus, mas não o que ouve mas não pratica.
– Em outra parábola, a parábola dos dois filhos (Mt.21:28-32), o Senhor Jesus mostrou quem é o que faz a vontade do Pai: aquele que põe em prática o que foi determinado pelo Pai, não o que ouve e diz que vai cumprir, mas não o faz.
– Aquele que ouve e não pratica, na verdade, rejeita a Palavra, não a recebe, prefere viver segundo a sua maneira de viver, segundo o seu modo de entender, de sorte que é um “falso crente”, alguém que, embora aparentemente, viva com Deus, na verdade está baseado em si mesmo, em doutrinas humanas, em pensamentos egoísticos. É este o edificador que constrói sobre a areia.
– Temos para nós que as duas edificações mencionadas pelo Senhor Jesus no final do sermão do monte eram muito semelhantes entre si. Do lado de fora, pela aparência externa, não havia qualquer distinção entre as duas edificações. A diferença entre elas estava no fundamento. Um edificou sobre a rocha, rocha que representa o Senhor Jesus (I Co.10:4), rocha que representa a Palavra de Deus, que é o próprio Cristo (Jo.1:1; 5:39; Ap.19:13); outro, edificou sobre a areia, que representa o conhecimento humano, a presunção humana. Quando vieram as intempéries, a diferença se mostrou: a edificação sobre a rocha persistiu, enquanto que a edificação sobre a areia ruiu.
– O ouvinte puro e simples da Palavra de Deus engana-se com falsos discursos, pois, fora da rocha, que é Cristo, que é a verdade (Jo.14:6), tudo que se fizer, tudo que se disser é falso, pois fora da verdade somente haverá mentira, somente haverá falsidade.
OBS: “ Meros ouvintes são enganadores de si mesmos,; a palavra original paralogizomenoi, significa os homens argüindo sofisticamente com eles próprios; seus raciocínios são manifestamente enganosos e falsos quando fazem uma parte de seu trabalho de desencarregá-los da obrigação que eles impõem aos outros, ou persuadi-los de que encher suas mentes de noções é suficiente, embora seus corações estejam vazios de boas afeições e resoluções e suas vidas carentes de frutos de boas obras…” (HENRY, Matthew. Comentário completo sobre toda a Bíblia, com. Tg.1:19-27. Disponível em: http://www.biblestudytools.com/commentaries/matthew-henry-complete/james/1.html Acesso em 05 jun. 2014) (tradução nossa de texto em inglês).
– Muitos são os que se acham nesta situação que Tiago alerta para que não entremos. Muitos, na atualidade, contentam-se em ouvir a Palavra de Deus, muitas vezes uma vez por semana, no domingo à noite, mas não a põem em prática. São pessoas que se deixam enganar por falsos discursos, que acham que assim procedendo e assim vivendo, terão garantida a sua salvação, manter-se-ão espiritualmente vivas. Nada mais enganoso, amados irmãos!
– Devemos cumprir a Palavra de Deus, algo que não é fácil, pois, como nos ensina o apóstolo João (Ap.10:9,10), a Palavra de Deus é agradável aos ouvidos, é agradável nos lábios, é muito bom e gostoso ouvirmos a Palavra do Senhor ou, mesmo, pregarmo-la, mas o seu cumprimento é difícil, é duro, pois o cumprimento da Palavra de Deus leva-nos à renúncia de nós mesmos, à abnegação, à mudança de hábitos, valores e princípios. Nem sempre as pessoas estão dispostas a esta “mudança de mentalidade”, que nada mais é que o arrependimento.
– Como fez questão de observar o pastor Alexandre Ferreira na abordagem deste trimestre letivo no Portal Escola Dominical, ao comentar esta passagem, aquele que cumpre a Palavra de Deus é como aquele que se olha no espelho pela manhã e percebe que sua fisionomia está toda desarrumada e, diante desta constatação, lava o rosto, penteia o cabelo, ou seja, modifica-se diante do que viu no espelho.
– É o que nos ensina Tiago: o cumpridor da Palavra, ao ter contato com ela, modifica-se, muda sua conduta, seu comportamento, passando a fazer o que Jesus manda, não o que pensa ou que considera certo ou conveniente. Passa a fazer a vontade de Deus, sendo, pois, como aquele filho da parábola que, embora tenha dito que não iria para a vinha, acabou acatando a determinação paterna e foi realizar o serviço. É este, como diz o Senhor Jesus, que fez a vontade do Pai, não o que disse que iria e não foi.
– Por isso, em Suas últimas instruções, o Senhor Jesus foi categórico ao afirmar que somente O ama aqueles que guardam as Suas Palavras (Jo.14:21), aqueles que fazem o que Jesus manda (Jo.15:14). Amar é um comportamento, uma conduta, não um mero sentimento.
– Aqueles que simplesmente ouvem a Palavra de Deus e não a praticam são pessoas que não têm qualquer identidade. Tiago afirma que o não cumpridor das Escrituras é um “ouvinte esquecido”, que “se esqueceu de que tal era”, ou seja, alguém que sofre de uma profunda “amnésia espiritual”, pois, apesar de ter sido levado a contemplar a si mesmo, apesar de ter sido confrontado com a realidade espiritual de todo ser humano, que é a da perdição por força da entrada do pecado no mundo e da absoluta necessidade de salvação, continua a pecar, continua a viver como se Deus não existisse, como se não estivesse caminhando para a eterna perdição, ou seja, perde totalmente a consciência de quem realmente é.
– Como afirma o professor católico romano de teologia, Felipe Aquino, reproduzindo palavras do ex-chefe da Igreja Romana, João Paulo II (1920-2005): “o homem que não conhece Jesus Cristo permanece para si mesmo um desconhecido, um mistério insondável, um enigma indecifrável (Redemptor hominis)” (O que rege o seu futuro? Disponível em: http://blog.cancaonova.com/felipeaquino/2012/06/11/o-que-rege-o-seu-futuro-2/ Acesso em 04 jun. 2014). Assim, quem é simplesmente ouvinte da Palavra, rejeitando-a, o que significa rejeitar o próprio Cristo, pois as Escrituras são Suas testemunhas fiéis (Jo.5:39), não consegue sequer ter identidade, não sabe nem quem ele é.
– Tiago, porém, diz que aquele que “atenta para a lei perfeita da liberdade, e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas fazedor de obra, este tal é bem-aventurado no seu feito” (Tg.1:25).
– Quando, ao termos contato com a Palavra de Deus, passamos a mudar nossa maneira de viver, passamos a alterar nossa conduta, nosso comportamento, para viver à luz daquilo que nos é ensinado, que nos é pregado, então somos bem-aventurados, somos verdadeiros cristãos, estamos realmente nos moldando conforme a vontade de Deus, crescendo espiritualmente, indo em direção à estatura completa de Cristo, a varão perfeito (Ef.4:13).
– Este moldar-se, este adaptar-se à Palavra de Deus outra coisa não é senão a santificação. O Senhor Jesus, em Sua oração sacerdotal, pediu ao Pai que os Seus discípulos fossem santificados na verdade, fazendo questão de precisar que esta verdade era a Palavra de Deus (Jo.17:17).
– Quem ouve e pratica a Palavra de Deus santifica-se, ou seja, passa a se aproximar cada vez mais de Deus, distanciando-se cada vez mais do pecado. O principal meio de santificação do ser humano é a Palavra de Deus e, por isso, não é de se estranhar que seja uma das maiores lutas do inimigo contra o salvo exatamente o de distanciá-lo da Palavra de Deus.
– É muito triste contemplarmos que, na atualidade, vivemos dias muito semelhantes aos do profeta Oseias, nos últimos momentos, nos estertores do reino de Israel, quando, em nome do Senhor, afirmou que o povo de Deus estava sendo destruído por lhe faltar conhecimento, por terem rejeitado a Palavra de Deus (Os.4:6). Muitos, em nossos dias, estão a morrer espiritualmente, porque não se santificam, porque rejeitam a verdade, preferindo crer em fábulas e histórias fantasiosas a observar o que dizem as Escrituras (I Tm.4:7; II Tm.4:3,4; Tt.1:14).
– Sem a santificação, ninguém verá o Senhor (Hb.12:14) e, a partir do momento em que não cumprimos a Palavra que ouvimos, sendo ouvintes esquecidos, estaremos nos condenando a não ver o Senhor, estaremos assinando nossa própria sentença de morte espiritual. Pensemos nisto!
– Sem a santificação, não poderemos perseverar, não poderemos resistir ao maligno e não terminaremos o processo da salvação, com a glorificação. Tiago diz que Deus contribui com a nosso crescimento espiritual, com a nossa perseverança, quando nos prova. No entanto, nós temos de fazer a nossa parte, mediante a santificação, mediante a observância e cumprimento da Palavra de Deus.
– Como afirmou o Senhor Jesus na parábola dos dois edificadores e das duas edificações, quando vêm as provações (simbolizadas pela chuva), os dissensos humanos (simbolizados pelos ventos) e as tentações (simbolizadas pelos rios) é que veremos quem, realmente, tem vida espiritual, quem pode perseverar. Aquele que não tem a sua vida sobre a rocha, quando vierem os dissabores na vida sobre a face da Terra, que, como já vimos, Tiago nos diz que são inevitáveis, não resistirão a estas intempéries e fracassarão.
– Quando o Senhor Jesus, em Seu sermão escatológico, afirma que somente aqueles que perseverarem até o fim salvar-se-ão (Mt.24:13), está a nos dizer exatamente o que é aqui reforçado por Tiago, ou seja, que somente aquele que cumpre a Palavra de Deus, que pauta a sua vida espiritual na Palavra do Senhor subsistirá a tudo quanto ocorrer na sua peregrinação terrena, mantendo-se fiel e alcançando, ao final de sua jornada, a glorificação, que lhe levará para viver para sempre com o Senhor. Temos sido cumpridores da Palavra?
III – A RELIGIÃO PURA E IMEACULADA PARA COM DEUS, O PAI
– A realidade desta vida espiritual autêntica, necessariamente pautada sobre as Escrituras, também fez Tiago alertar sobre a religiosidade, apontando que a religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do mundo (Tg.1:27).
– A primeira observação que devemos fazer é que Tiago não recrimina a religiosidade, como alguns incautos costumam fazer quando estão a pregar o Evangelho. Tiago não diz, em absoluto, que o salvo em Cristo Jesus não seja uma pessoa religiosa, nem que a religião seja um mal em si.
– Na verdade, consoante esclarecem os sociólogos e antropólogos, a religiosidade é uma característica que está presente em todos os seres humanos, em todas as sociedades, tribos e nações de todos os tempos. É simplesmente impossível dizermos que o homem possa viver sem a religião, apesar dos movimentos surgidos ao longo da história, notadamente a partir do século XVIII, querendo considerar que a religiosidade fosse um estágio de atraso cultural ou de primitividade do ser humano. Na verdade, estes movimentos acabaram por criar novas “religiões” em que se transformaram as suas doutrinas e filosofias.
– “Religião é um conjunto de sistemas culturais e de crenças, além de visões de mundo, que estabelece os símbolos que relacionam a humanidade com a espiritualidade e seus próprios valores morais” (Religião. In: WIKIPÉDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o Acesso em 04 jun. 2014). A origem da palavra “religião”, que vem do latim “religare”, ou seja, “ligar novamente”, bem demonstra de onde vem a religiosidade do ser humano: da necessidade de retornar a se relacionar com o seu Criador, relacionamento este rompido com o pecado.
– Tem-se, pois, que a religião nada mais é que uma tentativa do homem de tornar a ter contato com Deus, de restabelecer aquele relacionamento que era essencial ao próprio ser humano, que foi criado pelo Senhor para ser Sua imagem e semelhança diante da criação terrena, ser o dominador sobre a criação terrena, o administrador de Deus perante as demais criaturas terrenas.
– A religião apresenta-se, pois, como uma necessária atividade do homem para novamente estar em contato com Deus. No entanto, como já temos visto, Tiago afirma que tudo o que é bom vem de Deus, de modo que o homem não pode, por si só, restabelecer este contato com o seu Criador. Daí porque serem vãs, ou seja, vazias todas as religiões que se apresentam como criações humanas para tentar religar o homem a Deus, algo que o homem jamais pode fazer.
– De qualquer modo, a religião não pode, em si mesma, ser considerada um mal, pois é intento do próprio Deus religar-se com o homem, restabelecer esta comunhão que se perdeu com o pecado, algo que o Senhor fez questão de prometer assim que o primeiro casal pecou, como se observa de Gn.3:15.
– Assim, a religião não é um mal em si mesma, mas é um intento destinado ao fracasso o homem, por si só, querer restabelecer tal comunhão. Não é errado ser religioso, mas, sim, querer construir uma religião a partir do homem, como se o homem pudesse restabelecer, por sua própria conta e risco, este relacionamento perdido com o seu Criador.
OBS: “…A religião em si mesma não é uma coisa vã (aqueles que dizem que é vão servir a Deus agem com uma grande injustiça), mas é possível as pessoas a tornarem uma coisa vã se têm apenas uma forma de piedade, mas não o poder…” (HENRY, Matthew. Comentário completo sobre toda a Bíblia, com. Tg.1:19-27. Disponível em: http://www.biblestudytools.com/commentaries/matthew-henry-complete/james/1.html Acesso em 05 jun. 2014) (tradução nossa de texto em inglês).
– Por isso, Tiago não recrimina a religiosidade, mas, sim, a religiosidade que quer partir de iniciativa humana. Por isso, o irmão do Senhor diz que “quem cuida ser religioso e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã” (Tg.1:26).
– Com estas afirmações, o que Tiago está a nos dizer é que nenhuma religião pode se iniciar a partir do homem, pois ele não tem condição alguma de restabelecer, com suas próprias forças, o relacionamento com Deus.
– O “homem que não refreia a sua língua” nada mais é que o homem que não se renuncia a si mesmo, que não se nega a si mesmo, que confia em sua própria capacidade, que confia em sua própria justiça. O falar, como dissemos supra, é a expressão da própria racionalidade humana, é a expressão do seu “ego” e “quem não refreia a sua língua” é aquele que não abre mão de suas razões, de seu “ego” e, portanto, alguém que quer restabelecer sua comunhão com Deus a partir de si mesmo, de sua capacidade, mantendo-se, assim, no engano que Satanás inseriu o primeiro casal, ou seja, o de ter uma existência independente de Deus.
– Quem não se nega a si mesmo e tenta, com suas próprias forças ou baseado em argumentos puramente extraídos da razão humana, construir uma ponte para se relacionar com Deus, diz o irmão do Senhor, nada mais faz senão “enganar o seu coração”. As palavras de Tiago ecoam, aqui, o que já fora dito pelo profeta Jeremias, que afirmara: “enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso, quem o conhecerá?” (Jr.17:9).
– Temos aqui uma nítida demonstração da presunção humana. Quando o ser humano quer ele estatuir como o homem deve retornar a ter relacionamento com Deus, está se enganando, está produzindo mera vaidade, pois uma tal religião é vã, ou seja, vazia, porque tem origem no próprio homem. Salomão, no livro de Eclesiastes, bem demonstrou que tudo o que há no mundo é vaidade (Ec.1:2; 12:8).
– O homem é um ser religioso, depende mesmo de ter restabelecida sua comunhão com seu Criador, anseia por novamente conviver com Ele. Assim, esta sua inclinação a Deus não pode ser, por si só, recriminada, faz parte de sua essência. No entanto, quando tenta, através de si mesmo, fazer tal religação, está a se enganar, está a construir um vazio, uma vaidade.
– É interessante observarmos que Tiago escreve tais palavras em meio a uma sociedade que era altamente religiosa, embora a religiosidade estivesse encaminhando os judeus para um confronto que levaria à destruição da própria sociedade judaica na Palestina. Tiago notava, porém, que, como em todo o lugar, a religiosidade judaica, notadamente a farisaica, era totalmente vã, porquanto baseada na presunção humana, na ideia de que os homens poderiam, por conta própria, estabelecer como deveriam se relacionar com Deus.
– Não é à toa que esta religiosidade tenha sido alvo das mais duras críticas do ministério terreno de Cristo Jesus, pois uma religiosidade onde “atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los; e fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens, pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas dos seus vestidos, e amam os primeiros lugares nas ceias, as primeiras cadeiras nas sinagogas” (Mt.23:4-6).
– Trata-se de uma religiosidade onde o homem quer determinar sob que parâmetros se deve dar o relacionamento com Deus. É o homem quem diz como deverá se religar ao Senhor, algo totalmente inadmissível, pois, como diz o profeta Isaías: “Ai daquele que contende com o seu Criador, caco entre outros cacos de barro! Porventura, dirá o barro ao que o formou: Que fazes? Ou a tua obra: Não tens mãos?” (Is.45:9).
– Nenhuma religião que tenha origem no homem, que tenha sido criada pelo ser humano poderá restabelecer a comunhão do homem com Deus. O homem é assaz pequeno e insignificante para poder, por suas próprias forças, restabelecer a comunhão com Deus. Faz-se mister que o próprio Deus, pela Sua misericórdia e compaixão, venha ao encontro do homem e restabeleça tal convívio, o que fez através da pessoa de Jesus Cristo.
– A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, diz Tiago, nada mais é senão cumprir a Palavra de Deus, seguir os ditames estabelecidos pelo próprio Senhor, ou seja, visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do mundo. Que é isto senão o cumprimento do mandamento de Cristo Jesus que é o de amar os homens uns aos outros como Jesus nos amou (Jo.15:12), que nada mais é que amar o Senhor nosso Deus de todo o nosso coração, e de toda a nossa alma, e de todo o nosso pensamento e ao próximo como a si mesmo (Mt.22:37-39)?
OBS: “…Esta é a glória da religião para ser pura e imaculada: não estar misturada com as invenções dos homens nem com a corrupção do mundo. As religiões do mundo podem ser conhecidas pela sua impureza e falta de caridade, de acordo com João, qualquer que não pratica a justiça e não ama a seu irmão não é de Deus (I Jo.3:10). Mas, de outro lado, uma vida santa e um coração caritativo mostram a verdadeira religião. Nossa religião (diz o dr. Manton) não é adornada com cerimônias, mas com pureza e caridade. E é uma boa observação dele que uma religião que é pura deve ser mantida imaculada…” (HENRY, Matthew. Comentário completo sobre toda a Bíblia, com. Tg.1:19-27. Disponível em: http://www.biblestudytools.com/commentaries/matthew-henry-complete/james/1.html Acesso em 05 jun. 2014) (tradução nossa de texto em inglês).
– Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações nada mais é que demonstrar o amor ao próximo, o amor de Deus, o chamado amor “agape”, aquele amor incondicional, que não tem qualquer interesse e que não nasce de qualquer valor daquilo que é amado, o amor descrito pelo apóstolo Paulo em I Co.13. Os órfãos e as viúvas são os maiores necessitados da sociedade, como se verifica ao longo de diversos dispositivos da lei de Moisés (Ex.22:22; Dt.10:18; 16:11; 24:17,19,20; 27:19).
– Guardar-se da corrupção do mundo nada mais é que amar a Deus de todo o coração, de toda a alma e de todo o seu pensamento. Com efeito, guardar-se da corrupção do mundo é santificar-se, manter-se separado do pecado e, como já vimos há pouco, isto se dá quando guardamos a Palavra de Deus, o principal meio de santificação (Jo.17:17), e somente guarda a Palavra do Senhor aquele que ama a Deus (Jo.14:23), pois só quem ama a Deus faz o que Jesus manda (Jo.15:14).
OBS: “…’Guardar-se da corrupção do mundo’ implica em que nós não somos parte do mundo. Nós estamos nele, mas não somos evidentemente dele. Nós somos uma coisa e o mundo, outra — nós estamos tão separados do mundo que até mesmo uma mancha das poças do mundo poderia nos corromper.…” (SPURGEON, Charles H. Caridade e pureza, p.2. Sermão pregado na noite de quinta-feira, dia 23 de maio de 1889 no Tabernáculo Metropolitano em Newington. Disponível em: http://www.spurgeongems.org/vols37-39/chs2313.pdf Acesso em 04 jun. 2014) (tradução nossa de texto em inglês).
– Por isso, a religiosidade que tem sentido, a verdadeira e autêntica religiosidade é aquela que se estrutura, se estriba na Palavra de Deus, no cumprimento daquilo que Deus nos manda fazer na Bíblia Sagrada. O salvo é religioso, porque aceita restabelecer seu relacionamento com o seu Criador a partir daquilo que foi estatuído pelo Senhor Jesus, o único Mediador entre Deus e os homens (I Tm.2:5).
– O salvo não estabelece coisa alguma, mas, recebendo com mansidão a Palavra de Deus que é nele implantada, passa a modificar a sua maneira de viver, passando a obedecer a tudo aquilo que o Senhor venha determinar, ou seja, aquilo que se encontra nas Escrituras Sagradas. É a isto que o apóstolo Pedro se refere quando recomenda que os salvos sejam obedientes, “não se conformando com as concupiscências que antes havia em sua ignorância, mas, como é santo Aquele que os chamou, sejam também santos em toda a sua maneira de viver” (I Pe.1:13-15).
– Por isso, uma religiosidade não se estabelece apenas pela prática de obras de misericórdia, por boas obras, mas, sim, por boas obras que sejam resultado de uma vida de obediência a Deus, de uma vida de fé em Deus, de confiança em tudo quanto o Senhor revelou em Sua Palavra, tanto que acompanhadas estas boas obras de uma contínua e ininterrupta santificação.
– É interessante observar que esta religiosidade é chamada por Tiago de “pura e imaculada”, ou seja, o homem, para restabelecer sua comunhão, seu relacionamento com Deus, o Pai, parte de uma situação de pureza e de ausência de mácula, ou seja, do perdão dos seus pecados, o que se dá única e exclusivamente pela fé em Cristo Jesus, meio pelo qual alcançamos a justificação (Rm.5:1).
– Mais uma vez, aqui, vemos que há perfeita consonância entre os ensinos de Tiago e os de Paulo, não sendo, portanto, senão aparente a contradição que se chegou a defender durante os debates ocorridos durante a Reforma Protestante, que levaram, inclusive, a alguns dos reformadores a discutir a própria autenticidade e inspiração da epístola do irmão do Senhor.
– No entanto, Tiago é bem claro ao chamar de “religião pura e imaculada para com Deus, o Pai” a prática de obras de misericórdia e a santificação. Tiago apenas reafirma que a prática de boas obras só é autêntica e genuína quando procede de uma vida que encontrou, por meio da fé em Cristo Jesus, a justificação dos seus pecados e, diante disto, provará a sua fé mediante o exercício do amor, mandado pelo Senhor Jesus.
– É triste verificarmos que muitos que cristãos se dizem ser não estão a praticar esta religião “pura e imaculada para com Deus, o Pai”, seja porque, embora pratiquem boas obras, obras de misericórdia, não o fazem a partir de uma verdadeira purificação de seus pecados, agindo como os fariseus dos dias de Jesus; seja porque, embora se digam justificados pela fé, negam-na em sua eficácia, na medida em que não praticam quaisquer obras em prol dos necessitados, não indicando terem o amor de Deus em seus corações, o que é absolutamente indispensável para quem foi verdadeiramente salvo e recebeu o Espírito Santo (Rm.5:5).
– Charles Haddon Spurgeon, o príncipe dos pregadores britânicos, é taxativo ao afirmar que “…caridade sem pureza será inútil. Em vão será darmos todas as coisas aos pobres e queimar nosso próprio corpo se não andarmos no caminho da santificação, ‘sem a qual ninguém verá o Senhor’. Se senão sairmos do mundo e nos mantivermos guardados de sua influência contaminadora, não teremos ainda aprendido o que é realmente uma religião pura e imaculada!…” (Caridade e pureza, p.1. Sermão pregado na noite de quinta-feira, dia 23 de maio de 1889 no Tabernáculo Metropolitano em Newington. Disponível em: http://www.spurgeongems.org/vols37-39/chs2313.pdf Acesso em 04 jun. 2014) (tradução nossa de texto em inglês)
– Que possamos todos, sendo cumpridores da Palavra de Deus, estando libertos dos nossos pecados pelo sacrifício vicário de Cristo Jesus na cruz do Calvário, devemos sempre amarmo-nos uns aos outros, como Jesus nos amou, o que significa dizer que o verdadeiro e genuíno salvo mostra sua comunhão com o Senhor através da prática do amor ao próximo e do amor a Deus sobre todas as coisas, ou seja, por intermédio da prática de boas obras e da santificação. Temos feito isto?
Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco
site: http://www.portalebd.org.br/files/3T2014_L5_caramuru.pdf