LIÇÃO Nº 6 – A ABRANGÊNCIA UNIVERSAL DA SALVAÇÃO
Jesus morreu para salvar todos os homens.
INTRODUÇÃO
– A salvação é oferecida a toda a humanidade, sem acepção de pessoas.
– Jesus morreu para salvar todos os homens.
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I – A CONTROVÉRSIA SOBRE O CARÁTER DA EXPIAÇÃO NA HISTÓRIA DA IGREJA
– Na sequência do estudo da doutrina da salvação, analisaremos a abrangência universal da salvação, ou seja, a amplitude da obra salvífica de Jesus Cristo.
– Tem-se aqui uma das polêmicas que envolvem a teologia desde o início da história da Igreja mas que adquiriu contornos bem precisos na sequência da Reforma Protestante, que está a completar 500 anos.
A obra de Cristo abrange toda a humanidade ou apenas os “eleitos”, aqueles que previamente, pela soberania divina, foram escolhidos para ser salvos? É a questão atinente à limitação ou não da obra expiatória de Cristo.
– Os dois grandes reformadores, Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564), foram extremamente influenciados por Agostinho, bispo de Hipona (354-430), o grande teólogo da Idade Antiga, e, esta influência, adotaram a ideia da predestinação incondicional, ou seja, de que Deus previamente escolhe uns para a salvação e outros para a condenação, uma vez que o pecado teria destruído o livre-arbítrio que Deus concedera a Adão quando da criação.
– Esta concepção foi desenvolvida por Agostinho principalmente quando o bispo de Hipona enfrentou uma heresia trazida por um monge chamado Pelágio (360-420), que negava a natureza pecaminosa do homem.
Pelágio defendia que o pecado de Adão não havia causado qualquer mal à natureza humana e que os descendentes de Adão eram tão livres quanto o pai da humanidade para escolher entre servir a Deus, ou não.
Adão seria apenas um exemplo deixado e, portanto, o homem não teria qualquer dificuldade de natureza para alcançar a salvação, pois, como criatura humana, era intrinsecamente bom.
– Evidentemente que este pensamento de Pelágio contrariava frontalmente as Escrituras Sagradas, que dizem que todos os homens pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm.3:23), visto terem uma natureza pecaminosa que não permite que eles, por si sós, consigam salvar-se (Rm.7), salvação, aliás, que provém única e exclusivamente da graça de Deus (Ef.2:8; Tt.2:11).
Agostinho ataca duramente esta heresia, mostrando que o homem, após o pecado, adquiriu uma natureza pecaminosa e que, decaído, somente pode ser salvo pela graça de Deus.
– No entanto, neste seu empenho para demonstrar o que posteriormente se denominou de “depravação total” do homem, Agostinho acabou por entender que o livre-arbítrio havia sido destruído pelo pecado e que, portanto, o homem só poderia ser salvo se Deus lhe concedesse a fé salvadora, concessão que não seria dada a todos os seres humanos, já que nem todos são salvos.
Desenvolveu-se, então, a ideia de que Deus previamente escolhe uns para a salvação e outros, para a perdição, somente dando a fé para aqueles que Ele quer efetivamente salvar.
– Diante desta ideia, surge um outro questionamento: se Deus somente quer salvar alguns, aos quais concede a fé, para quem Jesus morreu? Qual a abrangência da obra expiatória de Cristo?
A conclusão inevitável para quem entende que a predestinação é incondicional é a de que a obra de Jesus Cristo abrange apenas os que foram escolhidos para ser salvos, os “eleitos” e, então, surge a chamada “doutrina da expiação limitada”, ou seja, a obra de Cristo apenas abrange os eleitos, aqueles que foram previamente escolhidos para ser salvos.
– Este pensamento, dominante no ambiente da Reforma Protestante, seria questionado por um teólogo holandês chamado Jacó Armínio (1560-1609), que passou a entender que a “depravação total do homem” não determinaria a destruição total e completa do livre-arbítrio e que a graça de Deus era tal que permitia ao homem o poder de escolha entre crer, ou não, no Evangelho.
A salvação não viria, evidentemente, de uma escolha livre do homem, pois a natureza do homem é, sim, pecaminosa, mas Deus não seria injusto e, como tal, não poderia previamente escolher uns para a salvação e outros, para a condenação.
– Como consequência da negação da chamada “predestinação incondicional”, Armínio também verificou que a obra da salvação não estava restrita apenas aos salvos, mas abrangia toda a humanidade, o que se denominou de “doutrina da expiação ilimitada”.
– Morto Armínio, quarenta e um pregadores e dois líderes do colégio estadual de Leiden, local onde estava a universidade onde Armínio fora professor, em 1610, escreveram um documento onde sintetizavam as ideias do teólogo recentemente falecido, documento que ficou conhecido como os “Cinco Artigos da Remonstrância”, pois foram um “protesto” (daí o nome remonstrância, que significa protesto) contra as ideias então majoritárias no seio da teologia reformada. Eis os cinco artigos (apud Cinco artigos da Remonstrância in ARMINIPEDIA. Disponível em: http://www.arminianismo.com/wiki/index.php?title=Cinco_Artigos_da_Remonstr%C3%A2ncia Acesso em 14 GO. 2017).
Artigo 1 [Eleição condicional]
Deus, por um eterno e imutável decreto em Jesus Cristo, seu Filho, antes de ter lançado os fundamentos do mundo, decidiu salvar, dentre a raça humana caída em pecado, os que – em Cristo, por causa de Cristo e através de Cristo – por meio da graça do Espírito Santo, creriam nesse seu Filho, e que, pela mesma graça, perseverariam até o fim nessa fé e obediência de fé; mas, por outro lado,
decidiu deixar os impenitentes e descrentes sob o pecado e a ira, condenando-os como alheios a Cristo, conforme a palavra do Evangelho de João 3.36 “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna, mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece”, e também conforme outras passagens da Escritura.
Artigo 2 [Expiação ilimitada]
Em concordância com isso, Jesus Cristo, o Salvador do Mundo, morreu por todos e por cada um dos homens, de modo que obteve reconciliação e remissão dos pecados para todos por sua morte na cruz; porém, ninguém é realmente feito participante dessa remissão exceto os crentes, segundo a palavra do Evangelho de João 3.16
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” e a Primeira Epístola de João 2.2
“E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.”
Artigo 3 [Depravação total]
O homem não possui fé salvadora por si mesmo, nem a partir do poder do seu livre-arbítrio, visto que, em seu estado de apostasia e de pecado, não pode, de si e por si mesmo, pensar, querer ou fazer, algo de bom (que seja verdadeiramente bom tal como é, primeiramente, a fé salvífica);
mas, é necessário que Deus, em Cristo, pelo seu Espírito Santo, regenere-o e renove-o no intelecto, nas emoções ou na vontade, e em todos os seus poderes, a fim de que ele possa corretamente entender, meditar, querer e prosseguir no que é verdadeiramente bom, como está escrito em João 15.5 “porque sem mim nada podeis fazer.”
Artigo 4 [Graça preveniente ou resistível]
Esta graça de Deus é o princípio, o progresso e a consumação de todo o bem, tanto que nem mesmo um homem regenerado pode, por si mesmo, sem essa precedente ou preveniente, excitante, prosseguinte e cooperante graça, pensar, querer ou terminar qualquer bem, muito menos resistir a quaisquer tentações para o mal.
Por isso, todas as boas obras e boas ações que possam ser pensadas, devem ser atribuídas à graça de Deus em Cristo. Mas, em relação ao modo de operação dessa graça, ela não é irresistível, visto que está escrito sobre muitos que “resistiram ao Espírito Santo” (Atos 7) e em muitos outros lugares.
Artigo 5 [Preservação condicional]
Aqueles que são incorporados em Cristo por uma fé verdadeira, e consequentemente são feitos participantes do seu Espírito vivificante, são abundantemente dotados de poder, para que possam lutar contra Satanás, contra o pecado, contra o mundo e contra a sua própria carne, e ganhar a vitória.
Contudo, sempre (queremos que seja bem entendido) com o auxílio da graça do Espírito Santo, Jesus Cristo os ajuda, pelo seu Espírito, em todas as suas tentações, estende-lhes as suas mãos, apoia-os e fortalece (caso estejam prontos para lutar, queiram o seu socorro e não desistam de si mesmos), de modo que, por nenhum engano ou poder sedutor de Satanás, possam ser arrebatados das mãos de Cristo, conforme o que Cristo disse em João 10.28 “ninguém as arrebatará da minha mão”.
Mas, se eles não são capazes de, por descuido, τὴν ἀρχὴν τῆς ὑποστάσεως χριστοῦ καταλείπειν (esquecer o início de sua vida em Cristo), de novamente abraçar o presente mundo, de se afastar da santa doutrina que uma vez lhes foi entregue, de perder a sua boa consciência e de negligenciar a graça; isto deve ser assunto de uma pesquisa mais acurada na Sagrada Escritura, antes que possamos ensinar com πληροφορία (inteira persuasão) de nossas mentes.
Esses artigos, assim definidos e ensinados, os Remonstrantes consideram estarem de acordo com a Palavra de Deus, idôneos para edificação, e, no que diz respeito a este argumento, suficientes para a salvação, de modo que não é necessário ou edificante acrescentar ou diminuir qualquer coisa.
– Os pensamentos de Armínio foram duramente combatidos pela maioria que adotara o pensamento dos dois primeiros reformadores, notadamente Calvino, e o resultado disto foi a convocação de uma reunião entre os principais expoentes da Igreja na época, o chamado Sínodo de Dort, por ter ocorrido na cidade holandesa de Dort, entre 1618 e 1619, onde as ideias de Armínio foram refutadas e surgiu o que se denominou dos “Cinco Pontos do Calvinismo”, a saber:
depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. Estes cinco pontos ficaram conhecidos como TULIP, acrônimo das conclusões deste sínodo, retiradas das conclusões em inglês (Total depravity, Unconditional election, Limited atonement, Irresistible grace, Perseverance of the saints).
– A postura arminiana, nitidamente minoritária entre os reformados, foi adotada, ainda que com nuances diferenciadas, por John Wesley (1703-1791) e, através do metodismo, que enfatizou sobremaneira a importância da santificação para a salvação, o movimento pentecostal, tornando-se, então, numericamente majoritária, dada a difusão do Evangelho, no século XX, por meio dos pentecostais.
II – A OFERTA SALVADORA A TODOS OS HOMENS NAS ESCRITURAS
– Ante este breve histórico da controvérsia, já concluímos que as Assembleias de Deus têm raiz arminiana, já que se trata de uma denominação pentecostal, mas, como quis fazer questão de afirmar quando da 43ª AGO da CGADB, o pastor Esequias Soares da Silva, presidente da Comissão Especial que elaborou a Declaração de Fé, aprovada na referida AGO, as Assembleias de Deus não são “arminianas”, mas, sim, “bíblicas”, ou seja,
busca nas Escrituras Sagradas o respaldo para as suas crenças e, neste ponto, não há como deixarmos de concordar com os chamados “arminianos”, visto que, sem dúvida, a Bíblia nos mostra, com clareza, que a obra de Jesus Cristo abrange toda a humanidade, é universal, tendo razão, portanto, o chamado “Artigo 2 da Remonstrância”.
– Tem-se, por primeiro, que a promessa da salvação foi revelada ao homem no jardim do Éden, ao primeiro casal, como uma resposta de Deus a Satanás que, naquele fatídico dia da queda, achava ter conseguido vencer a Deus e levar o homem à perdição eterna, assim como ele próprio e os anjos que o haviam seguido estavam irremediavelmente perdidos.
– No entanto, o Senhor, naquele instante, dirigindo-se a Satanás, disse que poria inimizade entre o homem e o diabo, por intermédio da “semente da mulher”, que esta esmagaria a cabeça da serpente e não o contrário, ainda que isto se desse pelo “ferimento do calcanhar” (Gn.3:15).
– O fato de a promessa da redenção ter sido dada no jardim do Éden, ao primeiro casal, que era toda a humanidade, e a circunstância de ter sido proclamada a vitória da “semente da mulher”, mostra que a abrangência da salvação é universal. A promessa foi dada a toda a humanidade, ali representada pelo primeiro casal.
– Quando o Senhor fala a Caim, logo após ele ter se irado fortemente e descaído o seu semblante por ter visto que sua oferta havia sido rejeitada por Deus, tem-se a demonstração clarividente de que Deus queria a salvação de Caim, dizendo a ele que se ele agisse bem também haveria aceitação para ele, mas que, se ele não o fizesse, o pecado o dominaria (Gn.4:7).
– Note-se que esta oferta salvadora do Senhor se renovou mesmo após o homicídio de Abel.
Deus pergunta a Caim onde estava o seu irmão, dando a Caim uma oportunidade para que se arrependesse, confessando o seu pecado, mas Caim, ao revés, negou ser o guardião de seu irmão, levando o Senhor a revelar o seu pecado e a lançar o devido juízo (Gn.4:9-12).
– Mesmo assim, o Senhor ainda dá uma oportunidade de salvação a Caim, na medida em que lhe impõe um sinal para que não fosse morto, sinal este que tinha o nítido propósito de dar tempo de arrependimento a Caim, arrependimento que não veio, pois Caim saiu da presença do Senhor (Gn.4:13-16).
Caim, que as Escrituras dizem ser do maligno (I Jo.3:12), perdeu-se não porque foi previamente escolhido para a perdição, mas porque desperdiçou a oferta salvadora do Senhor, três vezes apresentada, mas por Caim rejeitada.
Ora, se Deus ofertou a salvação a Caim, que era do maligno, tem-se nítida a circunstância de que a salvação é para todos e não somente para os “eleitos”.
– A destruição vinda do dilúvio mostra, uma vez mais, que a oferta salvadora é para todos os homens.
Quando vemos a narrativa do dilúvio, notamos que assim que se deu a mistura entre as linhagens de Sete e de Caim, o que ocorreu na quinta geração, com “Jarede”, cujo nome significa “descida”, a indicar o declínio espiritual da humanidade, o Senhor prontamente levantou o primeiro profeta, a saber, Enoque, precisamente o filho de Jarede, para que este anunciasse o iminente juízo divino (Jd.14,15), num convite ao arrependimento, tanto que Enoque dá a seu filho o nome de “Metuselá”, cujo significado é “quando este morrer, isso virá”, sinalizando claramente que a morte de seu filho era o anúncio do juízo.
– Como se não bastasse isso, o bisneto de Enoque, Noé, recebeu a mensagem divina de que o mundo seria destruído pelo dilúvio e que deveria construir uma arca (Gn.6:13-22), obra que demandou cem anos de trabalho(Gn.5:32 c.c. 7:6), período em que Noé pregou a respeito da justiça de Deus (II Pe.2:5), de certo modo continuando a pregação de seu bisavô, que, a propósito, havia sido trasladado pelo Senhor como prova de que era um homem de Deus (Gn.6:23,24; Hb.11:5).
– Quando Metuselá morreu, e com a idade mais avançada de toda a humanidade (969 anos), veio o dilúvio, mas a humanidade teve uma real oportunidade de se arrepender, durante um período de mais de mil anos, prova de que Deus não os escolhera previamente para a perdição, mas que deixou que eles mesmos fizessem a escolha de crer, ou não, na Sua mensagem.
– Quando Deus chama Abrão, diz que nele, e na sua posteridade, que é Cristo (Gl.3:16), seriam benditas todas as famílias da terra (Gn.12:1-3), a indicar, portanto, que a salvação seria para todos os homens e não somente para alguns.
A bênção trazida pelo “filho de Abraão” era para TODAS as famílias da terra e o apóstolo Paulo confirma isto ao dizer que “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós (…) para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo…” (Gl.3:13,14).
– A formação do povo de Israel, a “propriedade peculiar de Deus dentre todos os povos” (Ex.19:5), não representava, em absoluto, o desprezo e a condenação às demais nações, mas, pelo contrário, era uma resposta divina ao fato de todas as nações O terem rejeitado no episódio da torre de Babel (Gn.11:1-9).
– Ao decidir formar uma nação para dela vir o Salvador mostra claramente que Deus queria a salvação de todos os homens, tanto que decidiu formar um povo para dele vir o Salvador para “todas as famílias da terra”.
Ao propor o pacto com Israel, o Senhor reafirma isto ao dizer que Israel seria “a propriedade peculiar dentre todos os povos”, mas que “toda a terra era Sua” (Ex.19:5), a mostrar que tinha interesse em salvar todos os homens e não somente alguns.
– As disposições da lei de Moisés com relação ao estrangeiro, que proibiam explicitamente qualquer discriminação em virtude da nacionalidade, bem como a explícita permissão para que o estrangeiro se inserisse no povo de Israel e, inclusive, participasse da Páscoa, era um indicativo de que Deus não visava apenas salvar Israel, mas toda a humanidade (Ex.12:48,49; 20:10; 22:21; 23:9; Lv.16:29; 19:10,33,34; 23:22; 24:22; Nm.9:14; 15:14-16,26,29; Dt.10:18,19; 16:11,14; 24:17,19,20,21; 26:11-13; 27:19).
– Israel teve sempre esta noção de que, a partir dele, todas as nações seriam benditas. “…Os judeus acreditavam que tinham um papel importante a cumprir na redenção iminente de toda a Humanidade.
Tinham a absoluta convicção — que lhes advinha da Bíblia — que Deus havia escolhido especificamente a eles para que servissem de ‘luz para as nações’ a fim de unir todos os povos em torno da Torah.…” (AUSUBEL, Nathan. Missionários judeus. In: A JUDAICA, v.6, pp.560-1).
O Senhor Jesus mostra este ímpeto missionário entre os fariseus, ainda que distorcido, ao afirmar que os fariseus “…percorriam o mar e a terra para fazer um prosélito e, depois de o terem feito, o faziam filho do inferno duas vezes mais do que eles…” (Mt.23:15 com as alterações da mudança de discurso).
– Havia, pois, entre os israelitas a nítida noção de que Deus desejaria salvar toda a humanidade que Israel fora constituído como nação sacerdotal, ou seja, a nação que deveria fazer a mediação entre Deus e os homens (Ex.19:6). Não há, portanto, qualquer “exclusivismo” em Israel.
– Isaías, o profeta “messiânico”, nitidamente diz que o Messias viria para a salvação de todo o mundo.
O Servo do Senhor “produziria juízo entre os gentios” (Is.42:2), “as ilhas aguardariam a Sua doutrina (Is.42:4) e seria chamado para ser “a luz dos gentios” (Is.42:6), para ser “a salvação do Senhor até à extremidade da Terra” (Is.49:6), o que “ dá as suas cotas ao que lhe ferem e as faces aos que lhe arrancam os cabelos nem esconde a face dos que O afrontam e O cospem” (Is.50:6), o que “tomou as enfermidades e as dores de todos os homens, o que foi ferido pelas transgressões e iniquidades de toda a humanidade” (Is.53:3-5).
– Vê-se, nas profecias de Isaías, que o Salvador viria para todos os homens, judeus e gentios indistintamente, e não apenas para “judeus e gentios escolhidos”, mas Ele Se faria “desprezado e o mais indigno entre os homens”, ou seja, seria Aquele que se faria o “pior dos homens”, precisamente para salvar a todos, já que “todos nós andávamos desgarrados como ovelhas” e “o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos” (Is.53:6).
– Esta realidade fica patente em o Novo Testamento, quando o que era profetizado se cumpre. Ao falar do novo nascimento com Nicodemos, o Senhor é peremptório ao dizer que “Deus amou o mundo”, ou seja, o amor divino que dá origem à salvação é um amor universal, a todo o mundo, e não somente aos eleitos.
Os seguidores da doutrina da expiação limitada ignoram isto. Como afirma o teólogo Dave Hunt (1926-2013): “Deus declara repetidamente que Ele é gracioso e misericordioso para com todos.
E assim é com o amor de Deus, do qual Sua graça e Sua misericórdia fluem — sem parcialidade, alcançam toda a humanidade.(…) Nenhum texto da Escritura indica que o amor e a salvação de Deus estão limitados a um número seleto. Se fosse o caso, isso certamente seria afirmado claramente — mas não é.
Em vez disso, a graça e a misericórdia de Deus são oferecidas repetidamente para toda a humanidade. Por isso o calvinista tenta tomar as centenas de declarações do amor de Deus por todos e os ‘interpreta’ como que dizendo o oposto.
Assim, em expressões do desejo e da oferta de Deus para a salvação de todos, palavras como ‘mundo’ ou ‘qualquer’, ou ‘todo aquele’, ou ‘pecadores’, ou ‘todos os homens’ são interpretadas significando ‘os eleitos’…” (Que amor é este? : a falsa representação de Deus no calvinismo, pp.367-8).
– “Deus amou o mundo”, disse Jesus a Nicodemos e “todo aquele que n’Ele crê não perece mas tem a vida eterna”, concluiu Nosso Senhor e Salvador. Portanto, tem-se aqui que a obra da salvação é para “todo aquele que crê”, ou seja, algo que está disponível a todos.
– Mas “todo aquele que n’Ele crê” não seriam os “eleitos”, aqueles a quem Deus daria a fé para salvação? Não, não e não.
Como bem observa Dave Hunt: “…Nos versículos 14-15 [Jo.3:14,15 – observação nossa], Ele [Jesus, observação nossa] comparou a Si mesmo sendo erguido na cruz por nossos pecados a quando as impetuosas serpentes picaram os israelitas por causa de sua rebelião, e todos os que olharam em fé para a levantada serpente de bronze foram curados.
Números 21:8-9 é inequívoco: ‘{…} e será que viverá todo o que, tendo sido pecado, olhar para ela [a serpente de bronze]; […] picando uma serpente a alguém, quando esse olhava para a serpente de metal, vivia’.
A cura da pica da cobra venenosa não era para um grupo seleto dentro de Israel a quem Deus havia predestinado a ser curado, mas para ‘todos[…] qualquer homem’. A única limitação era a olhar com fé para a serpente levantada. Da mesma forma, todos que foram mordidos pela ‘antiga serpente, chamada o Diabo e Satanás’ (Apocalipse 12:9) são curados, se eles olharem com fé para o Cristo levantado na cruz…” (op.cit., p.370).
– Na revelação que Cristo dá a João na ilha de Patmos, reafirma-se o ensino dado a Nicodemos, pois é dito que “Quem quiser tome de graça da água da vida” (Ap.22:17 “in fine”). Depende, pois, do querer do homem a aquisição da salvação, mas ela está disponível a todos, não é reservada apenas a alguns, os “eleitos”.
– Paulo, escrevendo a Timóteo, diz que Deus quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade e que, por isso mesmo, Jesus Se deu em resgate de todos (I Tm.2:4-6).
Não há dúvida alguma de que a salvação foi planejada e posta à disposição de todos os homens, pois Jesus é o Salvador de todos os homens (I Tm.4:10).
– O apóstolo, aliás, repete este ensino quando escreve a Tito, dizendo que “a graça de Deus se há manifestado trazendo salvação a todos os homens” (Tt.2:11).
– Paulo tinha esta consciência da universalidade da abrangência da salvação que dizia claramente que pregava o Evangelho a todos, pois tal pregação nada mais era que “demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que, desde os séculos, esteve oculto em Deus, que tudo criou” (Ef.3:8,9).
Este mesmo pensamento o apóstolo repete quando diz que Ananias lhe dissera que havia sido designado por Deus para ser testemunha para com todos os homens (At.22:12-15), como também quando diz que “…sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos, para ganhar ainda mais” (I Co.9:19).
– Cumpre observar que esta pregação a todos é admitida até pelos próprios inimigos de Paulo que alvoroçaram os judeus no templo dizendo:
“…Varões israelitas, acudi! Este é o homem que por todas as partes ensina a todos, contra o povo, e contra a lei, e contra este lugar; e, demais disto, introduziu também no templo os gregos e profanou este santo lugar” (At.21:27).
Trata-se, portanto, de inquestionável ponto das Escrituras o fato de Paulo pregar a todos, ter a todos os homens como alvo da mensagem do Evangelho.
– Ora, isto é simplesmente o teor da Grande Comissão. Jesus mandou pregar o Evangelho por todo o mundo, a toda a criatura (Mc.16:15) e, como Deus é a verdade (Dt.32:4; Jr.10:10), não iria ser um farsante que ofereceria a salvação a todos, sendo que, na verdade, a salvação seria apenas para os “eleitos”. Se o anúncio é feito a todos é porque há a possibilidade de todos serem salvos, sem o que se teria uma farsa, algo que jamais pode ser atribuído a Deus, pois o pai da mentira é o diabo (Jo.8:44) e não há nada do inimigo em Deus (Jo.14:30).
– O apóstolo João repete este dizer do apóstolo Paulo, ao dizer que Jesus é a propiciação dos pecados de todo o mundo (I Jo.2:1,2), ou seja, o sacrifício de Cristo tem o condão de tornar favorável a Deus todo e qualquer ser humano, pois, como disse João Batista, Jesus é “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, ou seja, Jesus veio tirar todos os pecados, restaurar a amizade e comunhão que havia entre Deus e todos os homens antes da queda.
– Se Deus quer salvar todos os homens, precisa dar uma real oportunidade de salvação a todos os homens e como a salvação se dá pelo sacrifício de Cristo, o “ferimento de calcanhar”, é evidente e lógico que o sacrifício tenha sido para todos os homens e não somente para alguns.
É o que ensina o escritor aos hebreus, quando afirma: “vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” (Hb.2:9).
– Paulo afirma peremptoriamente: “Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos morreram. E Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou” (II Co.5:14,15).
E ainda: “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (I Co.15:22).
– Assim como Adão gerou a perdição para toda a humanidade, Cristo gerou a salvação para todos os homens. Pensar-se diferentemente é considerar que o pecado é maior que o amor de Deus, é desconsiderar que Jesus veio “desfazer as obras do diabo” (I Jo.3:8), pois a abrangência da salvação seria inferior à abrangência do pecado, o que é um rotundo absurdo, a negação mesma da soberania divina, precisamente o atributo divino que é invocado pelos defensores da doutrina da expiação limitada.
Há “um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos” (Ef.4:6), “…Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente” (Rm.9:5) e cujo amor jamais poderia ficar inferior ao pecado.
– Paulo é taxativo a este respeito, quando afirma: “Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia” (Rm.11:32). E ainda: “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida” (Rm.5:18).
Como entender que o “todos” que gerou a depravação de toda a humanidade seja diferente do “todos” que é alvo da misericórdia divina?
– Não nos esqueçamos, ademais, que a misericórdia de Deus é sem fim (Lm.3:22) e, portanto, se Deus encerrou a todos debaixo da desobediência para com todos usar de misericórdia, não há limites para esta misericórdia, de sorte que dizer que a expiação é limitada contraria a natureza da misericórdia de Deus.
– O apóstolo Pedro também ensina isto, ao afirmar que Deus é longânimo e não quer que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se (II Pe.3:9), o que explicaria a “demora” no cumprimento da promessa da vinda de Cristo, que alguns já davam por tardia.
Na verdade, esta “delonga” nada mais era que a demonstração de que Deus quer que todos venham a arrepender-se, que dá real oportunidade a todos os homens para que se salvem, pois não é um Deus que deseje a morte do ímpio (Ez.18:23).
– Tiago, o irmão do Senhor, também mostra esta universalidade da abrangência da salvação ao dizer que Deus dá sabedoria a todos liberalmente e não lança em rosto (Tg.1:5).
Ora, sabemos que o princípio da sabedoria é o temor do Senhor (Sl.111:10), sabedoria confunde-se com temor do Senhor (Jó 28:28) e, portanto, ser sábio nada mais é que temer a Deus.
Ora, se Deus atende a todos quantos pedem por sabedoria, isto significa que a salvação está à disposição de todos, pois quem pedir receberá isto da parte do Senhor e, como consequência, aborrecerá o mal, a soberba, a arrogância, o mau caminho e a boca perversa (Pv.8:13), pois quem teme a Deus alcançará a salvação, pois “o temor do Senhor é uma fonte de vida para preservar dos laços da morte” (Pv.14:27) e “pela misericórdia e pela verdade, se purifica a iniquidade; e, pelo temor do Senhor, os homens se desviam do mal” (Pv.16:6).
– Há uma outra circunstância nas Escrituras que mostram que a salvação é para todos os homens. Deus diz que os salvos são testemunho para todos os homens, ou seja, o salvo, em sua vida de retidão, torna-se uma prova viva para todos os homens de que Jesus é o Salvador.
– O Senhor Jesus disse que Seus discípulos praticam boas obras para que “os homens glorifiquem ao vosso Pai que está nos céus” (Mt.5:16). Que homens? Somente os “eleitos”? Não, todos os homens, a humanidade como um todo.
Por isso, o apóstolo Paulo afirma que os salvos em Corinto eram a sua carta conhecida e lida por todos os homens (II Co.3:2) e o Senhor Jesus afirma que a unidade e comunhão dos salvos com Ele e o Pai são necessários para que o mundo cresse que Jesus fora enviado pelo Pai (Jo.17:21).
– Por que o testemunho do cristão deve ser visto e observado por todos os homens? Porque a salvação é para todos os homens, está disponível a todos.
III – REFUTAÇÃO ÀS OBJEÇÕES FEITAS À ABRANGÊNCIA UNIVERSAL DA SALVAÇÃO
– Pudemos observar que as Escrituras demonstram muito claramente que a salvação tem abrangência universal, é para a salvação de todos os homens e não somente de alguns, denominados “eleitos”.
A salvação está disponível a todos. Entretanto, como também já dissemos, os seguidores da doutrina da expiação limitada insistem em afirmar que a salvação é tão somente para os “eleitos”. Mas em que se baseiam estes para afrontar o conteúdo das Escrituras?
– O primeiro “fundamento bíblico” que se apresenta para defender que a expiação é limitada aos “eleitos” é o texto de Rm9:18:
“Compadecer-Me-ei de quem Me compadecer e terei misericórdia de quem Eu tiver misericórdia”, que, por sua vez, é menção ao texto de Ex.33:19:
“Eu farei passar toda a Minha bondade por diante de ti e apregoarei o nome do Senhor diante de ti; e terei misericórdia de quem Eu tiver misericórdia e Me compadecerei de quem Me compadecer”.
Estaria aqui a “prova” de que Deus só tem misericórdia e compaixão de quem quer e, assim, não seria de todos a expiação, mas somente daqueles a quem Deus teve misericórdia, ou seja, os eleitos.
– A este pensamento, contrapomos a conclusão de Dave Hunt: “…Ele [O Senhor, observação nossa] não diz, no entanto, que Ele será gracioso e misericordioso com alguns e não com outros — mas que a graça e a misericórdia são Sua iniciativa.
Ele não está sob obrigação alguma de ser gracioso e misericordioso com quem quer que seja. Somente pela graça e pela misericórdia de Deus alguém pode ser salvo: ‘pela graça sois salvos […]; segundo a Sua misericórdia, Ele nos salvou’ (Efésios 2:8; Tito 3:5).
Já que a salvação é pela graça, ela não pode ser conquistada, merecida, nem exigida sobre qualquer base.
Graça e misericórdia podem ser dadas a quem Deus decidir. No entanto, longe de indicar que a Sua graça é limitada porque Ele decidiu salvar apenas um grupo seleto, a Bíblia diz claramente que ‘Deus amou o mundo’ que deu o Seu filho para morrer, para ‘que o mundo possa ser salvo por meio d’Ele (João 3:16-17).
Cristo, o Cordeiro de Deus, veio tirar ‘o pecado do mundo’ (João 1:29) e Ele Se tornou a propiciação ‘pelos pecados de todo o mundo’ (I João 2:2). Deus declara repetidamente que Ele é gracioso e misericordioso para com todos.
E assim é com o amor de Deus, do qual Sua graça e Sua misericórdia fluem — sem parcialidade, alcançam toda a humanidade…” (op.cit., p.367).
– Analisando, ademais, o contexto da afirmação divina em Ex.33:19, repetida em Rm.9:15, vemos que tal declaração se deu quando Moisés sobe ao monte para pedir a misericórdia de Deus para o povo de Israel que havia pecado com o bezerro de ouro, oportunidade em que Moisés, então, lavra as pedras onde Deus escreveria novamente os dez mandamentos, as “segundas tábuas da lei”.
– Ora, são os próprios rabinos judeus que indicam que “as segundas tábuas da lei” representam a comprovação do perdão divino ao pecado do bezerro de ouro: “… os judeus foram perdoados do pecado do bezerro de ouro no dia 10 de Tishrei, Yom Kipur. (…).
Os Mestres Chassídicos [judeus piedosos e místicos que surgiram a partir do século XVIII] explicam que em Shavuot celebramos o recebimento das primeiras Tábuas contendo os Dez Mandamentos, enquanto que em Simchat Torá [festa judaica que celebra a conclusão da leitura anual da Torá nas sinagogas, que ocorre no dia seguinte à festa dos tabernáculos, observação nossa] expressamos nosso júbilo por ter recebido as segundas Tábuas – evento ocorrido em Yom Kipur, quando fomos perdoados pelo pecado do bezerro de ouro.
Em Simchat Torá nos rejubilamos por ser o último dia das festividades que sucedem Yom Kipur.
O Povo Judeu recebeu dois conjuntos de Tábuas contendo os Dez Mandamentos porque o primeiro foi despedaçado por Moshé. Cinquenta dias após o Êxodo do Egito, D’us se revela perante todo o povo no Monte Sinai, proclama os Dez Mandamentos e ordena a Moshé Rabenu [Moisés, observação nossa] que ascendesse ao Monte para receber as Tábuas da Lei.
Quarenta dias depois, quando retorna ao acampamento judaico com as Tábuas, ele constata que o povo estava adorando uma estátua de ouro.
Ele quebra as Tábuas – estas não poderiam ser entregues a um povo que acabava de cometer um ato de idolatria em massa – e volta ao cume do Monte para implorar a D’us que perdoasse Seu povo, apesar do terrível pecado.
A clemência Divina foi finalmente concedida no 10o dia de Tishrei, Yom Kipur. O sinal de que D’us perdoara o povo foi transmitido por Moshé ao retornar ao acampamento dos judeus portando consigo um segundo conjunto de Tábuas onde estavam gravados os Dez Mandamentos.…” (Simchat Torá e o Retorno de D’us. In: Morashá, edição 73, setembro de 2011. Disponível em: http://www.morasha.com.br/simcha-tora/simchat-tora-e-o-retorno-a-d-us.html Acesso em 14 ago. 2017).
– Assim, bem ao contrário do texto indicar uma limitação da misericórdia divina, está-se a mostrar que Deus estava pronto a ser misericordioso com todo o povo de Israel, visto que todos haviam pecado no episódio do bezerro de ouro, com exceção de Moisés e Josué, que não estavam com o povo quando isto aconteceu.
– Outro texto invocado pelos seguidores da doutrina da expiação limitada é o de At.13:48:
“E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna”.
Para eles, o fato de terem crido apenas os “que estavam ordenados para a vida eterna” é a prova de que a salvação é apenas para os “eleitos”, precisamente “os ordenados para a vida eterna”.
– No entanto, a palavra grega empregada por Lucas neste versículo, a saber, o verbo “tasso” (τάσσω), tem o significado de “…arranjar de uma maneira ordenada, i.e., atribuir ou dispor (a certa posição ou destino)(…).
Em o Novo Testamento, usada em sentido figurado, com o significado de colocar em certa ordem, constituir, nomear, usada de modo modo transitivo: (I) De modo geral, indicar, ordenar a uma posição ou dever (Lc.7:8; At.15:2; Rm.13:1; I Co. 16:15); a respeito dos destinados à vida eterna (At.13:48)…” (Bíblia de Estudo Palavra Chave. Dicionário do Novo Testamento, verbete 5021, pp.2420-1).
– Deste modo, vemos que não se trata de uma prévia escolha dos que estavam destinados à vida eterna, mas, sim, de uma “colocação em ordem”, de uma “disposição”, ou seja, quem se pôs na posição previamente determinada por Deus para que obtivesse a salvação, qual seja a de crer em Cristo Jesus, alcançou a salvação, de forma que o texto, em absoluto, desmente que a salvação está disponível a todos e é alcançada por quem crê em Jesus.
– Como diz Dave Hunt: “…O contexto é claro. No versículo 46 [At.13:46, observação nossa], Paulo diz aos judeus ‘vendo que vós rejeitais [o evangelho] […] nos voltamos para os gentios’. Essa foi a sua decisão pessoal.
O versículo 48 apresenta o contraste entre os judeus que haviam rejeitado o Evangelho e os gentios que creram. A implicação é de uma decisão pessoal da parte dos gregos também.
Não há suporte para a alegação calvinista de que um decreto soberano foi a única razão. Robertson comenta, ‘os judeus aqui tinham rejeitado voluntariamente a palavra de Deus. De outro lado, estavam aqueles gentios que aceitaram de bom grado o que os judeus haviam rejeitado […].
Por que esses gentios aqui se voltaram para o lado de Deus em oposição aos judeus, Lucas nos diz. Esse versículo não resolve o problema polêmico da soberania divina e da livre-agência humana (ROBERTSON, Archibald Thomas, Word Pictures in the New Testament . Nova Iorque: Harper and Bros, 1930)…” (op.cit., pp.377-8).
– Outro ponto normalmente invocados pelos seguidores da “doutrina da expiação” é Rm.9:22-24:
“E que direis se Deus, querendo mostrar a Sua ira e dar a conhecer o Seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição, para que também desse a conhecer as riquezas da Sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?”.
Segundo os defensores da expiação limitada, estaria aí a prova de que Deus separou os homens entre “vasos da ira” e “vasos de misericórdia” e que Jesus somente teria morrido pelos “vasos de misericórdia”.
– Como se verifica do texto, porém, a ira de Deus somente se manifesta após a “muita paciência de Deus”, ou seja, Deus dá uma real oportunidade, por Sua longanimidade, a todos os homens para só, então, superado o “tempo da paciência”, separar os homens em “vasos de ira” e “vasos de misericórdia”, ou seja, dar aos homens a devida retribuição pela resposta dada à oferta salvadora, que é tanto para os “vasos de ira” quanto para os “vasos de misericórdia”.
É exatamente este o sentido do texto, pois é o que o apóstolo já havia dito antes na mesma epístola aos romanos: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela Sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no Seu sangue, para demonstrar a Sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus” (Rm.3:23-26), ou seja, os pecados remidos são os de todos os homens, cometidos que foram “sob a paciência de Deus”.
– Por fim, também invocam os seguidores da doutrina da expiação limitada, Jd.4, onde está escrito que “Porque se introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo”.
Haveria, segundo este texto, “alguns que já estavam escritos para este mesmo juízo”, ou seja, os “não-eleitos” que teriam se inserido no meio dos “eleitos” para converter em dissolução a graça de Deus, “já previamente escolhidos para a perdição”.
– No entanto, o próprio contexto desmente, uma vez mais, esta interpretação que enxerga aí uma limitação da expiação.
Judas exemplifica casos bíblicos em que já teriam aparecido pessoas similares a estes que haviam se introduzido no meio dos fiéis.
Começa falando do povo da geração do êxodo, dizendo que, depois de tê-lo tirado do Egito, destruiu DEPOIS os que não creram (Jd.5).
Ora, Judas mostra claramente que todos tiveram a oportunidade de crer e somente os que não creram, os que recusaram crer em Deus é que foram destruídos, não entrando na Terra Prometida.
– O escritor aos hebreus bem explica isto, ao mostrar que Deus somente Se indignou contra aqueles que não creram, aqueles que foram desobedientes, os que pecaram, ou seja, todos os israelitas tiveram uma real oportunidade de entrar na Terra Prometida, tanto que foram tirados todos do Egito, mas não puderam entrar somente aqueles que foram incrédulos, que recusaram a fé que lhes foi oferecida pelo Senhor (Hb.3:17-19).
– Dá também o exemplo dos anjos que não guardaram o principado, ou seja, anjos que tinham posições de proeminência nos céus e seguiram o diabo em sua rebelião, os quais, ainda que em situação irreversível de perdição, já que exerceram seu livre-arbítrio em dimensão eterna, mesmo assim foram reservados “na escuridão e em prisões eternas até o juízo daquele grande dia” (Jd.6), a mostrar que a ira de Deus não se demonstra imediatamente mesmo após o pecado, reafirmando existir um tempo de “paciência de Deus” que, para os homens, significa a oportunidade real para um arrependimento, hipótese que inexiste para os anjos. Como, então, diante deste exemplo, pode-se dizer em prévia escolha dos que serão salvos, o que desconsideraria, por completo, esta “paciência de Deus”?
– O último exemplo dado por Judas, irmão do Senhor, é o das cidades da planície (Sodoma, Gomorra, Admá e Zeboim), que, segundo o escritor sagrado, foram posta por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno, precisamente porque foram impenitentes, ou seja, não se arrependeram, mesmo depois de terem sido libertadas por Abrão na guerra que empreenderam contra os reis capitaneados por Quedorlaomer (Gn.14:1-17) e de terem tido o testemunho diário do justo Ló entre eles (I Pe.2:6-8), sendo certo que, se houvesse dez justos na cidade de Sodoma, as cidades da planície não teriam sido destruídas (Gn.18:32,33), a demonstrar a grandiosidade da misericórdia de Deus.
– Mas, se a salvação está disponível a todos, por que todos não se salvam? Precisamente, porque Deus deu o livre-arbítrio ao homem e, deste modo, não são todos os que hão de salvar, pois o homem pode recusar esta oferta salvadora do Senhor. Nem todos crerão, pois a “fé não é de todos” (II Ts.3:2), existindo os homens dissolutos e maus, que rejeitam a salvação.
– A salvação está disponível a todos, mas somente os que atendem ao chamado de Cristo, que Lhe obedecem é que são salvos, tornando-se o Senhor Jesus como “causa de eterna salvação” deles (Hb.5:9).
Por isso, equivocados os que confundem a disponibilidade da salvação a todos com a salvação efetiva de todos, a doutrina do “universalismo”, porquanto somente se salvam os que creem em Jesus, estando esta crença disponível a todos, mas não sendo de todos, como é explícito o texto de II Ts.3:2.
– Em Rm.3:21,22 é dito que “agora, se manifestou, sem a lei, a justiça de Deus, tendo o testemunho da Lei e dos Profetas, isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que creem; porque não há diferença”.
Ora, a justiça de Deus pela fé em Cristo é manifestada a todos, mas somente se torna efetiva “sobre todos os que creem”, ou seja, quem crer será salvo, mas quem não crer será condenado, exatamente como disse o Senhor Jesus na Grande Comissão (Mc.16:16).
– É regra de direito que quando um terceiro não interessado paga em nome e à conta do devedor o débito de alguém, a quitação da dívida depende da aquiescência do devedor.
Portanto, embora Jesus tenha pagado o preço dos pecados de todo o mundo, a quitação somente se dará se o devedor aceitar este pagamento, o que explica porque a salvação somente se operará se o homem receber a Cristo como seu único e suficiente Senhor e Salvador.
OBS: Esta regra de direito se encontra em nosso Código Civil, no artigo 304, “in verbis”: “Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.”
– Por fim, é oportuno observar que a doutrina da expiação ilimitada, por ter base bíblica, é acolhida na Declaração de Fé da CGADB, “in verbis”:
“Um dia, todos os seres comparecerão diante do Senhor e Criador de todas as coisas. Deus, contudo, não deseja a perdição de ninguém (Ec.12:14; I Pe.4:5): ‘que quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade’ (I Tm.2:4).
Por isso, o Pai enviou o Seu amado Filho Jesus Cristo (I Jo.4:9) para morrer em nosso lugar(I Co.5:7), providenciando-nos uma salvação, eterna, completa e eficaz (Hb.5:9).
O Evangelho contempla a todos e a ninguém exclui: ‘Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens” (Tt.2:11).
Por conseguinte, a salvação está disponível a todos os que creem (Jo.3:15,16). Sim, todos nós, sem exceção, podemos ser salvos através dos méritos de Jesus Cristo, pois todos nós formos criados à imagem de Deus.
O Soberano Deus não predestinou incondicionalmente pessoa alguma à condenação eterna, mas, sim, almeja que todos, arrependendo-se, convertam-se de seus maus caminhos: “Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam’ (At.17:30).…( Declaração de Fé da CGADB, X.1, p.110).
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: http://www.portalebd.org.br/classes/adultos/1185-licao-6-a-abrangencia-universal-da-salvacao-i