LIÇÃO Nº 6 – ÉTICA CRISTÃ E SUICÍDIO
O suicídio viola o princípio de que Deus é o dono da vida.
INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo sobre a ética cristã, analisaremos a tormentosa questão do suicídio.
– O suicídio é uma forma de homicídio, em que o homicida é a própria vítima e, como tal, viola o princípio ético de que Deus é o dono da vida.
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I – O CRISTÃO E O SUICÍDIO
– O suicídio é outra questão que sempre tem causado polêmica. Aliás, foi no estudo do suicídio que surgiu a sociologia, pois foi através da análise do suicídio que o francês Émile Durkheim entendeu que havia certas condutas dos seres humanos que somente se explicavam pela vida em sociedade, chegando, portanto, à noção de uma dimensão social, de leis que regiam o comportamento das sociedades independentemente dos indivíduos.
Durkheim percebeu que os níveis de suicídio nas mais diferentes sociedades era, basicamente, o mesmo e que suas oscilações acompanhavam certos acontecimentos no desenvolvimento das relações sociais.
– O suicídio nada mais é que o ato pelo qual a própria pessoa dá cabo da sua própria vida. A questão que se coloca é se o suicida é, aos olhos da Palavra de Deus, um homicida, ou se o ato do suicídio não implica em transgressão do mandamento divino “não matarás”.
– O suicídio nada mais é que um homicídio. A Palavra de Deus não distingue entre matar a si próprio ou ao semelhante.
Diz apenas o mandamento que não se deve matar, entendido aqui um ser humano, seja ele quem for, inclusive o próprio matador.
Deste modo, não há como verificar que o suicídio, assim como o aborto e a eutanásia, são condenados pela Palavra de Deus e que seus praticantes estão fora do reino dos céus (Ap.21:8; 22:15).
– No suicídio, o homem, além de se fazer juiz sobre a sua própria vida, o que lhe é vedado, pois já vimos que só Deus é o dono da vida (I Sm.2:9; Sl.24:1), demonstra total falta de confiança e de esperança em Deus, porquanto busca resolver seus problemas e dificuldades pondo fim à sua vida, demonstrando, com isso, que não confia em Deus.
O verdadeiro cristão, pelo contrário, ainda que esteja a passar problemas e dificuldades, não vai buscar a solução no suicídio, mas em Deus. A Palavra de Deus está repleta de promessas de que o Senhor sempre estará ao nosso lado, se nos mantivermos fiéis – Is.43:1-5; Sl.91:1; Mt.28:20.
OBS: Sobre o suicídio, também se manifesta o Papa João Paulo II na encíclica “Evangelium vitae”:
“…66. Ora, o suicídio é sempre moralmente inaceitável, tal como o homicídio. A tradição da Igreja sempre o recusou, como opção gravemente má.
83 Embora certos condicionalismos psicológicos, culturais e sociais possam levar a realizar um gesto que tão radicalmente contradiz a inclinação natural de cada um à vida, atenuando ou anulando a responsabilidade subjectiva, o suicídio, sob o perfil objectivo, é um acto gravemente imoral, porque comporta a recusa do amor por si mesmo e a renúncia aos deveres de justiça e caridade para com o próximo, com as várias comunidades de que se faz parte, e com a sociedade no seu conjunto.
84 No seu núcleo mais profundo, o suicídio constitui uma rejeição da soberania absoluta de Deus sobre a vida e sobre a morte, deste modo proclamada na oração do antigo Sábio de Israel: « Vós, Senhor, tendes o poder da vida e da morte, e conduzis os fortes à porta do Hades e de lá os tirais » (Sab 16, 13; cf. Tob 13, 2).
Compartilhar a intenção suicida de outrem e ajudar a realizá-la mediante o chamado « suicídio assistido », significa fazer-se colaborador e, por vezes, autor em primeira pessoa de uma injustiça que nunca pode ser justificada, nem sequer quando requerida. « Nunca é lícito — escreve com admirável actualidade Santo Agostinho — matar o outro: ainda que ele o quisesse, mesmo se ele o pedisse, porque, suspenso entre a vida e a morte, suplica ser ajudado a libertar a alma que luta contra os laços do corpo e deseja desprender-se; nem é lícito sequer quando o doente já não estivesse em condições de sobreviver ».
85 Mesmo quando não é motivada pela recusa egoísta de cuidar da vida de quem sofre, a eutanásia deve designar-se uma falsa compaixão, antes uma preocupante « perversão » da mesma: a verdadeira « compaixão », de facto, torna solidário com a dor alheia, não suprime aquele de quem não se pode suportar o sofrimento.
E mais perverso ainda se manifesta o gesto da eutanásia, quando é realizado por aqueles que — como os parentes — deveriam assistir com paciência e amor o seu familiar, ou por quantos — como os médicos —, pela sua específica profissão, deveriam tratar o doente, inclusive nas condições terminais mais penosas.
A decisão da eutanásia torna-se mais grave, quando se configura como um homicídio, que os outros praticam sobre uma pessoa que não a pediu de modo algum nem deu nunca qualquer consentimento para a mesma. Atinge-se, enfim, o cúmulo do arbítrio e da injustiça, quando alguns, médicos ou legisladores, se arrogam o poder de decidir quem deve viver e quem deve morrer.
Aparece assim reproposta a tentação do Éden: tornar-se como Deus « conhecendo o bem e o mal » (cf. Gn 3, 5).
Mas, Deus é o único que tem o poder de fazer morrer e de fazer viver: « Só Eu é que dou a vida e dou a morte » (Dt 32, 39; cf. 2 Re 5, 7; 1 Sam 2, 6).
Ele exerce o seu poder sempre e apenas segundo um desígnio de sabedoria e amor.
Quando o homem usurpa tal poder, subjugado por uma lógica insensata e egoísta, usa-o inevitavelmente para a injustiça e a morte.
Assim, a vida do mais fraco é abandonada às mãos do mais forte; na sociedade, perde-se o sentido da justiça e fica minada pela raiz a confiança mútua, fundamento de qualquer relação autêntica entre as pessoas….” (JOÃO PAULO II, Evangelium vitae. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangeliumvitae.html Acesso em 02 fev 2018).
– Não resta dúvida de que o suicida não chega a este gesto de forma fria ou insensível.
Antes de se chegar a este extremo, o suicida passou por diversos problemas e desequilíbrios, muitas vezes causados por ele mesmo, mas o desespero que cerca atitudes como esta não justifica, perante a lei de Deus, o suicídio.
Sempre se terá no suicídio um gesto de falta de fé em Deus, uma verdadeira manifestação de orgulho e de autossuficiência do suicida.
Fazendo-se semelhante a Deus, o suicida recusa ser ajudado e orientado pelo Senhor e resolve pôr fim à sua vida, dando a si uma solução que, entretanto, somente lhe criará um problema eterno – a morte eterna, a eterna separação de Deus.
Com efeito, o suicida morre no seu pecado e, portanto, estará irremediavelmente perdido (Ez.18:24), a menos que tenha tempo para se arrepender, o que é difícil de acontecer.
II – OS CASOS BÍBLICOS DE SUICÍDIO
– Para que evidenciemos este aspecto com relação ao suicida, vejamos os casos bíblicos de suicídio que são narrados nas Escrituras Sagradas e veremos que todos eles estão vinculados a esta circunstância de desespero e de incredulidade em Deus.
– O primeiro caso de suicídio que encontramos na Bíblia Sagrada é o caso de Saul, o rei que foi rejeitado por Deus.
– Saul, embora tivesse sido escolhido por Deus para reinar sobre Israel (I Sm.9:16), não foi obediente ao Senhor.
Diante da demora de Samuel para que este oferecesse sacrifícios antes do início da guerra dos filisteus, assumiu o lugar de sacerdote, o que lhe era terminantemente proibido, visto que não era filho de Arão, querendo, assim, agradar a Deus como se Deus pudesse Se agradar da desobediência (I Sm.13:8-14).
– Posteriormente, em uma nova chance dada por Deus a ele, tornou a desobedecer ao Senhor, achando que poderia agradar-Lhe com sacrifícios, deixando de destruir a todos os amalequitas e a seus animais, como havia sido determinado pelo Senhor (I Sm.15:1-31).
– Diante disto, Deus rejeitou a Saul (I Sm.16:1) e o rei perdeu a unção do Espírito Santo que viera sobre ele quando de sua escolha como rei (I Smn.16:14) e, a partir de então, vemos, na vida de Saul, uma contínua resistência à vontade do Senhor, a ponto de ele tentar, de todas as formas, matar Davi, quando percebeu ser ele o escolhido por Deus para sucedê-lo (I Sm.20:30,31; 24:20).
– Saul, portanto, tornou-se uma pessoa que, deliberada e voluntariamente, resistia à vontade de Deus, punhase em confronto contra o Senhor e tal atitude o levou ao suicídio, a nos demonstrar que se trata de uma atitude de quem se rebela contra Deus, de quem não admite a intervenção divina ou a Sua soberania sobre os homens, a ponto de se arrogar o direito de dar cabo à própria vida,
como se fosse ele o dono dela e não o Senhor. Sua morte por suicídio denuncia este estado espiritual de rebelião contra a soberania divina (I Cr.10:13).
– Que Saul se suicidou não há dúvida alguma, pois isto é expresso no texto de I Sm.31:4.
A história contada pelo moço que levou a notícia da morte de Saul a Davi é nitidamente uma mentira contada por aquele rapaz que tentava tirar vantagem da morte de Saul e cujo intento foi frustrado, pois ele acabou sendo morto por ordem de Davi por causa de tal notícia (II Sm.1:1-15).
– O segundo caso de suicídio narrado na Bíblia Sagrada é o de Aitofel, o conselheiro sapientíssimo de Davi, que ficou ao lado de Absalão quando da rebelião deste com o seu pai (II Sm.15:12,31; 16:23).
– Aitofel era um homem extremamente sábio, alguém que era equiparado a um profeta, visto que os seus conselhos sempre eram corretos, como se ele estivesse agindo sob o influxo do Espírito Santo.
Tanto é verdade isto que Davi, ao saber que Aitofel estava com Absalão, pediu a Deus que seu conselho fosse transtornado, pois, caso contrário, a derrota de Davi seria certa.
– Com efeito, o conselho dado por Aitofel a Absalão foi o correto e somente não foi executado porque Absalão resolveu ouvir Husai, amigo de Davi que, a pedido do rei, fingiu apoiar Absalão e conseguiu, por intervenção divina, que Absalão não seguisse o sábio conselho de Aitofel.
– Aitofel, vendo que seu conselho havia sido desprezado e que, com isso, Absalão certamente seria derrotado, resolveu, então, dar cabo da sua vida, demonstrando, assim, que era soberbo, que não admitia estar do lado errado, do lado derrotado, que não aceitava se submeter novamente a Davi, mesmo sabendo ser o homem escolhido pelo Senhor para reinar sobre Israel.
– É interessante notar que Aitofel era avô de Bate-Seba (II Sm.23:34; 11:3), de modo que a conduta tomada por Aitofel, que é de traição em relação a Davi, estava, muito provavelmente, relacionada com o episódio do adultério de Davi com Bate-Seba,
a indicar que Aitofel não admitia que Davi tivesse sido perdoado por Deus e que pudesse permanecer reinando sobre Israel apesar daqueles graves pecados cometidos.
A exemplo de Saul, portanto, era alguém que não se conformava com a vontade de Deus e que recusava aceitá-la.
– A decisão de Aitofel de se suicidar, portanto, revela uma atitude de soberba e de recusa a submissão à vontade divina, como também uma incredulidade no perdão divino, seja o perdão concedido a Davi, seja a própria possibilidade de ser perdoado por Davi por causa da traição efetuada, já que Aitofel sabia que, com o desprezo de seu conselho, Davi voltaria a reinar, o que efetivamente ocorreu.
– O terceiro caso de suicídio narrado nas Escrituras é o suicídio de Judas Iscariotes, o apóstolo que traiu Jesus (Mt.27:1-5; Mc.3:19; Lc.6:16).
– Aqui, a exemplo do que se deu com Aitofel, temos um suicídio subsequente a uma traição. Judas simplesmente não aceitou o itinerário revelado pelo Senhor Jesus para o Seu ministério.
Assim como Pedro, não poderia aceitar a figura de um Messias totalmente dissociado do imaginário judaico de um libertador político, que livraria Israel do domínio romano e que faria com que Israel se tornasse a potência mundial, como predito nos profetas, mas que somente se realizarão no reino milenial de Cristo.
– Este inconformismo fez com que Judas Iscariotes se distanciasse cada vez mais da mensagem do Senhor Jesus, a ponto de passar a ter uma conduta irregular com relação à bolsa dos pobres que havia entre os discípulos (Jo.12:4-6),
a demonstrar que suas esperanças estavam postas nas coisas desta vida, o que o fazia um materialista, a ponto de somente enxergar a obra de Cristo sob um viés terreno.
– É precisamente após o jantar em Betânia, quando Judas percebe que o Senhor Jesus está resoluto na ideia de Se entregar pelos pecados do mundo, que ele resolve trair o Mestre, vai ao encontro dos sacerdotes e acerta o preço da venda (Mt.26:14-16; Mc.14:10,11; Lc.22:3-6). Neste momento, deixa-se dominar pelo diabo, que invade o seu coração (Lc.22:3; Jo.13:2).
– Quando Jesus é preso, dirige-se a Judas, que levou os algozes do Senhor para prendê-l’O e o trata de amigo (Mt.26:50), deixando, assim, claro ao Seu apóstolo que estava pronto a perdoá-l’O.
Entretanto, Judas, ao ver que o Senhor seria morto efetivamente e que seu imaginário de libertação do povo de Israel de Roma jamais se realizaria, não foi pedir perdão ao Senhor, a exemplo de Caim, não creu que sua maldade pudesse ser perdoada (Gn.4:13) e preferiu matar-se a se reconciliar com o Senhor.
– Tem-se, aqui, também, uma atitude de soberba, de incredulidade, de autossuficiência humana de alguém que, deliberada e voluntariamente, recusou aceitar a vontade divina e entendeu que era dono da sua própria vida.
III – OS CASOS BÍBLICOS QUE NÃO SÃO DE SUICÍDIO
– Todos os exemplos que temos de suicidas na Bíblia Sagrada são de pessoas que se encontravam distanciadas de Deus, perdidas, numa clara demonstração de que o suicídio é algo que é contrário à vontade divina.
Podemos mesmo dizer que o suicídio é sempre opção que vem diretamente dos infernos para a mente do suicida, e, para tanto, tomamos o exemplo de Judas Iscariotes, que a Bíblia diz ter permitido que o diabo nele entrasse (Lc.22:3). Até porque, quando se fala em morte, fala-se do que é próprio do diabo, homicida desde o princípio (Jo.8:44).
– Alguns procuram entender que dois casos bíblicos também seriam de suicídio, a saber: Sansão e Jesus. Entretanto, em nenhum destes casos, temos exemplos de suicídio, Senão vejamos.
– É dito que Sansão teria sido um suicida, já que teria pedido para morrer quando, já tendo crescido o seu cabelo, pediu ao Senhor uma vez mais que lhe desse força para que pudesse se vingar de seus inimigos, os filisteus (Jz.16:28-31).
– Sansão não se matou. Pelo contrário, pediu a Deus forças para que pudesse se vingar dos seus inimigos e não se pode esquecer que o ministério dele, a sua missão, para a qual foi chamado por Deus antes mesmo de seu nascimento (Jz.13:5), era a de começar a livrar os israelitas do domínio dos filisteus.
– Assim, quando, depois de ter sido aprisionado pelos filisteus e ter se tornado um brinquedo para eles, além de ter perdido os seus olhos, o que faz Sansão é se arrepender e pedir a Deus que lhe desse força para se vingar dos seus inimigos, ou seja, para que pudesse fazer a vontade do Senhor.
Não deu cabo ele de sua vida, mas, na verdade, ao se abraçar às colunas do templo de Dagom, foi se vingar de seus inimigos, quis matar os filisteus, para dar glória a Deus.
– Dizer que Sansão se matou é dizer que todo e qualquer soldado que for para a guerra é um suicida, o que é um absurdo.
Ninguém que vai lutar contra o inimigo pode ser considerado um suicida, embora, à evidência, estejam pondo a sua vida em risco. Portanto, não é o suicídio o que aconteceu com Sansão, que morreu lutando contra os filisteus.
– Há quem, maldosamente, tente apresentar Jesus como tendo sido um suicida, distorcendo as palavras do Evangelho onde Jesus afirma que se entregava à morte, que dava a Sua vida e que ninguém a tomava (Jo.9:18).
Todavia, esta expressão de Jesus, em momento algum, permite considerá-l’O como um suicida, pois Jesus, enquanto ser humano, rejeitou a ideia da morte, como se vê no episódio do Getsêmane, onde fica bem evidenciada a vontade decorrente do instinto natural de não querer morrer, e que aceitou fazêlo em obediência ao Pai (Mt.26:38,39,42,44; Mc.14:34-36,39; Lc.22:41,42.44; Jo.12:27).
– Percebe-se, pois, que o suicídio jamais teve a aprovação do Senhor ou de Sua Palavra e que sua prática é totalmente contrária à vontade divina.
Devemos, pois, enquanto Igreja, engajarmo-nos com todos aqueles que buscam impedir que as pessoas se suicidem ou busquem no suicídio uma suposta solução para os seus problemas.
Os movimentos de valorização da vida (como o CVV, por exemplo), devem ter, sempre, o apoio da Igreja e ela própria deve se mobilizar no sentido de impedir que as pessoas sejam levadas a este ato de desespero e de falta de confiança em Deus.
– À evidência, é conduta completamente contrária à ética cristã o chamado “suicídio assistido”, tese que vem sendo defendida em muitos lugares, notadamente pelo médico norte-americano Jack Kevorkian (19282011), que ficou conhecido como “Dr. Morte”, por ter ajudado cerca de 130 pessoas a se suicidarem, motivo por que foi condenado a 25 anos de prisão.
“…O suicídio assistido consiste em auxiliar alguém que não consegue sozinho concretizar o ato.
Tal auxílio pode consistir em prescrição de doses letais de medicamentos ou apenas em apoio e encorajamento. De um modo ou de outro aquele que contribui para a ocorrência da morte do outro. …”(PORTAL Educação. O que é suicídio assistido. Disponível em: https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/enfermagem/o-que-e-suicidio-assistido/32409 Acesso em 03 fev. 2018).
Já há países no mundo que tornaram tal prática legal, sendo que, no Brasil, tal conduta é criminosa, pois se está diante do crime de induzimento a suicídio (artigo 122 do Código Penal),
cuja pena é de dois a seis anos de reclusão se o suicídio se consumar ou de um a três anos de reclusão se da tentativa de suicídio resultar lesão corporal de natureza grave, penas que são duplicadas se o crime for praticado por motivo egoístico ou se a vítima for menor ou pessoa que tiver diminuída, por qualquer causa, a sua capacidade de resistência.
– A ideia do “suicídio assistido” é a mesma que norteia a eutanásia, ou seja, a ideia de que se deve ter uma “morte digna”, uma “morte sem sofrimento”, ideia esta que tem como base a concepção de que a vida pertence ao ser humano, quando sabido que as Escrituras Sagradas dizem ser Deus o dono da vida (I Sm.2:6).
– Aliás, a diferença entre a eutanásia e o suicídio assistido está precisamente no fato de que, na eutanásia, é uma terceira pessoa que acelera a morte da pessoa, seja por ação (eutanásia ativa), seja por omissão (eutanásia passiva), enquanto que, no suicídio assistido, é a própria pessoa que morre que dá cabo de sua vida, sendo apenas ajudada pelo terceiro.
– A existência de defensores do “suicídio assistido” é mais uma demonstração de que vivemos dias de uma verdadeira “cultura da morte”, onde há uma apologia e um incentivo a se tirar a própria vida, algo que, inclusive, tem sido recorrente nas redes sociais e nos meios de comunicação de massa, lamentavelmente,
onde se defende abertamente a ideia de que as pessoas “têm o direito de tirar a própria vida”, quando há pressões e situações extremamente adversas e de difícil superação.
– Recentemente, uma série do serviço de streaming Netflix, denominada “13 Reasons Why”, onde se conta a história de uma adolescente de 16 anos que, em virtude do “bullying” sofrido na escola, resolve se matar e explica porque fez isto, fez com que se aumentasse o interesse na busca de informações sobre como se suicidar:
“…A equipe de pesquisadores liderada por Ayers [John Ayers, pesquisador da Universidade Estadual de San Diego – observação nossa] analisou as buscas feitas por americanos em um grande buscador da internet entre 31 de março, data do lançamento da série, e 18 de abril, véspera do suicídio do jogador de futebol americano Aaron Hernandez.
A escolha teve como propósito não contaminar o motivo das buscas com o interesse despertado pela morte do atleta.
Eles analisaram o volume de buscas de 20 termos ligados a suicídio, como a palavra em si e outras expressões associadas: “como se matar”, “ideação suicida”, “prevenção do suicídio”, “suicídio indolor”, “suicide hotline” (telefones de serviços de apoio psicológico).
O resultado não causou muita surpresa: “O lançamento de 13 reasons why foi seguido rapidamente por um aumento nas buscas na internet relacionadas a suicídio, incluindo métodos para se matar”, afirma Ayers.
No período estabelecido pelo estudo, a procura por temas relacionados a esse universo foi 19% maior do que era esperado, conforme projeções feitas com base em períodos anteriores.
As buscas chegaram a 1,5 milhão a mais.…” (BUSCATO, Marcela. Série 13 reasons why estimulou ideias de suicídio. 31 jul. 2017. Disponível em: http://epoca.globo.com/saude/check-up/noticia/2017/07/serie-13-reasons-whyestimulou-ideias-de-suicidio-diz-estudo.html Acesso em 03 fev. 2018).
– A propósito, a Central de Valorização da Vida apontou um aumento de atendimentos telefônicos por causa desta série: “…Há 56 anos, o CVV (Centro de Valorização da Vida) se dedica a atender pessoas carentes de apoio emocional e com ideações suicidas.
Desde a sua criação, os voluntários atenderam, em média, um milhão de pessoas por ano. Mas, em 2017, o serviço bateu recorde. Pela primeira vez, foram registrados 2 milhões de atendimentos, segundo levantamento divulgado ao UOL.
(…) Já a segunda razão diz respeito ao lançamento, em maio, da série da Netflix “13 Reasons Why”, cujo enredo gira em torno do suicídio da jovem estudante Hannah Baker. ‘O mundo moderno tem feito com que a ansiedade e depressão cresçam cada vez mais.
Então, a ampliação das condições de acesso contribuiu muito para o aumento dos números’, diz Robert Gellert Paris Junior, presidente do CVV.” (CARASCO, Daniela. Serviço de prevenção do suicídio bate recorde. CVV vê influência da Netflix. Disponível em: https://estilo.uol.com.br/noticias/redacao/2018/02/21/servico-de-prevencao-do-suicidio-bate-recorde-eatende-2-milhoes-em-2017.htm?cmpid=copiaecola Acesso em 21 fev. 2018).
– Também na rede mundial de computadores, disseminou-se o jogo denominado “Baleia Azul”, que também provocou um grande número de suicídios juvenis.
“…O misterioso jogo ganhou repercussão no país no início deste mês, quando uma adolescente de 16 anos foi achada morta dentro de uma represa no pequeno município de Vila Rica (Mato Grosso).
Ela deixou para trás cartas onde falava sobre as regras do desafio, uma lista de tarefas com cronogramas marcados, e cortes nos braços e nas pernas. Desde então, uma série de informações desencontradas começaram a circular sobre o desafio.
Em meio a um mar de boatos, no entanto, uma coisa é certa: a de que o jogo escancarou a necessidade de se discutir um tabu: o do suicídio entre adolescentes, um fenômeno que cresce no mundo inteiro, de acordo com informações da Organização Mundial da Saúde (OMS).…” (BEDINELLI, Tatiana e MARTÍN, Maria. 02 maio 2017. Baleia Azul: o misterioso jogo que escancarou o tabu do suicídio juvenil. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/27/politica/1493305523_711865.html Acesso em 03 fev. 2018).
– Na verdade, embora tanto o seriado quanto o jogo tenham intensificado a prática de suicídio, o fato é que se tem um ambiente propício para a desesperança e para a falta de perspectiva entre jovens e adolescentes e, em virtude disto,
o suicídio se apresenta como uma suposta solução, máxime dentro de uma cultura que, além de querer se desenvolver como se Deus não existisse e que tem, inclusive, um alto viés antirreligioso e, não raras vezes, ateísta,
faz com que o período já difícil de amadurecimento se torne ainda mais complicado diante de uma erotização e de um apego ao prazer e ao materialismo como temos visto nos dias hodiernos.
Tudo isto faz com que as pessoas, a exemplo de Salomão, percebam que tudo é vaidade (Ec.1:2) e, neste vazio, acabem, antes de receberem a devida elucidação da verdadeira razão da vida, que o próprio pregador dirá que é temer a Deus e guardar os Seus mandamentos (Ec.12:13), sucumbam na cegueira espiritual em que se encontram.
– Eis, pois, a grande missão que tem a Igreja de, diante deste mundo vazio de sentido, desta cegueira espiritual, tem de levar Cristo Jesus, a luz do mundo, que traz vida (Jo.1:4), a fim de impedir que vidas sejam ceifadas pela falácia do suicídio.
– Numa atitude similar ao suicídio se encontra o que muitos cristãos costumam fazer, que é o de pedir a morte para o Senhor (e o próprio autor destas letras já cometeu esta fraqueza por algumas vezes na sua jornada).
Normalmente, este desejo de morte é consequência de uma depressão profunda que toma de assalto o crente por causa de decepções, lutas e dificuldades, cada vez mais intensas nestes dias tão maus que vivemos.
Entretanto, este desejo de morte é também resultado de uma operação do maligno em nossas vidas e devemos repreender este sentimento, que não provém de Deus.
Muito pelo contrário, a mensagem de Deus para Seus filhos sempre é de ânimo, de coragem e de ousadia.
Na Bíblia Sagrada há 365 vezes a mensagem “Não temais”, uma para cada dia de um ano não bissexto. Devemos sempre confiar em Deus e, como o salmista, confiar que n’Ele faremos proezas (Sl.60:12).
Este sentimento de depressão e de desânimo deve ser completamente extirpado de nossos corações, almas e mentes, pois não podemos perder o ânimo (Dt.31:6; Js.1:9; Sl.27:14; Jo.16:33).
– O segredo para que o crente não desanime é confiar em Deus, esperar n’Ele e passar a ver as maravilhas que o Senhor tem feito na vida dos Seus servos. Não devemos, jamais, olharmos para as circunstâncias, para as dificuldades que nos cercam, mas olhar para Jesus, que é a solução para tudo (Hb.12:1-3).
Assim fazendo, jamais nos desanimaremos e desejaremos a morte para nós, mas confiaremos no Senhor e seguiremos vivendo com alegria, sabendo que, para nós, o morrer é ganho e o viver é Cristo (Fp.1:21, aliás, a epístola de Paulo aos Filipenses é um exemplo de uma vida em Cristo, pois, Paulo, apesar de preso, é o primeiro a despertar o ânimo e o gozo aos crentes que estavam em Filipos). – Sl.62.
– Nas legislações antigas, o suicídio era considerado um grave crime e o suicida, mesmo depois de morto, era punido, entre outras coisas, com a infâmia (penalidade que tornava maldita a pessoa e seu patrimônio).
Atualmente, o suicídio não gera qualquer punição ao suicida, ainda que o suicídio não se consume.
Entretanto, no Brasil, as pessoas que colaborarem com o suicida, induzindo-o, auxiliando-o ou o incentivando ao ato, de qualquer modo, cometem um crime chamado de “induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio”, previsto no artigo 122 do Código Penal, cuja pena é de dois a seis anos de reclusão se o suicídio se consuma e de um a três anos de reclusão se da tentativa do suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Este crime é julgado pelo júri popular.
– A tarefa da Igreja será, sempre, defender a vida e conscientizar o desesperado de que, em Deus, há sempre esperança.
OBS: Mais uma vez se transcreve texto da “Evangelium vitae”, um dos mais contundentes documentos religiosos em defesa da vida dos últimos anos:
“…67. Bem diverso, ao contrário, é o caminho do amor e da verdadeira compaixão, que nos é imposto pela nossa comum humanidade e que a fé em Cristo Redentor, morto e ressuscitado, ilumina com novas razões.
A súplica que brota do coração do homem no confronto supremo com o sofrimento e a morte, especialmente quando é tentado a fechar-se no desespero e como que a aniquilar-se nele, é sobretudo uma petição de companhia, solidariedade e apoio na prova.
É um pedido de ajuda para continuar a esperar, quando falham todas as esperanças humanas. Como nos recordou o Concílio Vaticano II, « é em face da morte que o enigma da condição humana mais se adensa » para o homem; e, todavia, « a intuição do próprio coração fá-lo acertar, quando o leva a aborrecer e a recusar a ruína total e o desaparecimento definitivo da sua pessoa.
O germe de eternidade que nele existe, irredutível à pura matéria, insurge-se contra a morte ».
86.Esta repugnância natural da morte e este germe de esperança na imortalidade são iluminadas e levadas à plenitude pela fé cristã, que promete e oferece a participação na vitória de Cristo Ressuscitado:
é a vitória d’Aquele que, pela sua morte redentora, libertou o homem da morte, « salário do pecado » (Rm 6, 23), e lhe deu o Espírito, penhor de ressurreição e de vida (cf. Rm 8, 11).
A certeza da imortalidade futura e a esperança na ressurreição prometida projectam uma luz nova sobre o mistério do sofrimento e da morte e infundem no crente uma força extraordinária para se abandonar ao desígnio de Deus.
O apóstolo Paulo exprimiu esta novidade em termos de pertença total ao Senhor que abraça qualquer condição humana: « Nenhum de nós vive para si mesmo, e nenhum de nós morre para si mesmo.
Se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor » (Rm 14, 7-8). Morrer para o Senhor significa viver a própria morte como acto supremo de obediência ao Pai (cf. Fil 2, 8), aceitando encontrá-la na « hora » querida e escolhida por Ele (cf. Jo 13, 1), o único que pode dizer quando está cumprido o caminho terreno.
Viver para o Senhor significa também reconhecer que o sofrimento, embora permaneça em si mesmo um mal e uma prova, sempre se pode tornar fonte de bem.
E torna-se tal se é vivido por amor e com amor, na participação, por dom gratuito de Deus e por livre opção pessoal, no próprio sofrimento de Cristo crucificado.
Deste modo, quem vive o seu sofrimento no Senhor fica mais plenamente configurado com Ele (cf. Fil 3, 10; 1 Ped 2, 21) e intimamente associado à sua obra redentora a favor da Igreja e da humanidade.
87 É esta experiência do Apóstolo, que toda a pessoa que sofre é chamada a viver: « Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja » (Col 1, 24)….” (JOÃO PAULO II, “Evagelium vitae”. http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangelium-vitae.html Acesso em 02 fev. 2018).
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: http://www.portalebd.org.br/classes/adultos/2134-licao-6-etica-crista-e-suicidio-i