Sem categoria

LIÇÃO Nº 7 – A TEOLOGIA DE BILDADE: SE HÁ SOFRIMENTO, HÁ PECADO OCULTO?

INTRODUÇÃO

– Na sequência do estudo do livro de Jó, analisaremos a teologia de Bildade.

– Para Bildade, Jó deixara de ter prosperidade material porque havia pecado.

– I – QUEM FOI BILDADE

– Na sequência dos discursos dos amigos de Jó, encontramos a argumentação de Bildade, o suíta, cuja teologia, não muito diversa da de Elifaz, é enfática em afirmar que Jó deixara de ter prosperidade material porque havia pecado.

– Aos justos, ensinava Bildade, Deus não faz outra coisa senão cumular-lhe de bens e de riquezas. Como verificamos, pois, este pensamento que é apresentado, nos nossos dias, como uma “moderna interpretação”, resultado da “plenitude dos tempos”, é um antigo e surrado pensamento distorcido sobre Deus, pensamento este, aliás, que o Senhor disse não lhe ser agradável (Jó 42:8).

– Não há, certamente, ensinamento falso mais disseminado no meio evangélico nos nossos dias do que o da chamada “teologia da prosperidade”, doutrina esta que tem subvertido a saúde doutrinário-espiritual do povo de Deus.

Ao estudarmos o livro de Jó, veremos que esta linha de pensamento não é sequer uma “inovação”, pois já se encontrava presente nos argumentos dos amigos de Jó, em especial, de Bildade, que, em seus três discursos, não se cansa de dizer que os males que vieram de encontro a Jó eram consequências de seus pecados.

– No estudo desta lição, que possamos nos desvencilhar das armadilhas e sofismas trazidos pela “teologia da prosperidade”, lembrando-nos, sempre, que a pior espécie de homens que existe sobre a face da Terra é a dos que, conhecendo ao Senhor Jesus, buscam-no única e exclusivamente para coisas desta vida (Cf. I Co.15:19).

Que Deus nos guarde de pertencermos a este triste grupo e que, sobretudo, possamos conscientizar nossos irmãos em Cristo que estão embaraçados com estes falsos ensinos, salvando alguns e “arrebatando-os do fogo” (Cf. Jd.23)!

– Após a resposta de Jó ao seu amigo Elifaz, quem toma a palavra é Bildade, provavelmente o segundo mais idoso dos amigos de Jó, que seria um “suíta”, ou seja, um natural de Suá, região cuja localização é incerta.

– Entendem alguns estudiosos que Suá deveria ser um reino da região do Oriente Médio, não muito longe de Uz. Não devemos confundir este Suá com um dos filhos que Abraão teve com Quetura (Gn.25:2), pois, como vimos, quando muito o patriarca Jó era contemporâneo de Abraão e, deste modo, não poderia ter como um amigo alguém que fosse descendente de gerações de um filho de Abraão.

– Também não se confunda este Suá, ascendente de Bildade, com Suá, o genro de Judá (Gn.38:2), fato que, aliás, mostra que este era um nome próprio dos cananeus, o que pode ser uma indicação de que Bildade era cananeu.

OBS: “… Bildade significa ‘apenas antiguidade’ pois enquanto eles se recusavam a ser compelidos pela verdade e buscar vitórias pelas suas ideias perversas, eles fracassaram em converter-se para a nova vida e o que eles buscavam era apenas da antiguidade…” (GREGÓRIO MAGNO. Moralia. www.ccat.sas.upenn.edu/jod/texts/moralia3) (tradução nossa). Alguns dicionários consideram que o significado de Bildade seja ” filho da contenda”.

Com relação a Suá, o significado da palavra também é controverso, mas alguns consideram que seja “riqueza”, o que confere com o pensamento trazido por Bildade.

– Bildade fez, a exemplo de Elifaz, três discursos no livro de Jó, sendo que o terceiro é bem breve, a ponto de alguns estudiosos entenderem até que seu discurso ficou truncado no texto sagrado ou que parte do que se considera como sendo a resposta de Jó seja, na verdade, parte de seu discurso.

– Todavia, nós que cremos na integridade das Escrituras, não podemos aceitar tais ideias. Bildade sempre discursou após as respostas de Jó a Elifaz, sempre enfatizando a ideia de que o homem justo é próspero e que, se Jó havia perdido a sua prosperidade, haveria uma única razão para isto: o pecado.

– Jó, por sua vez, ao responder a Bildade, faz os mais eloquentes discursos seus no livro que leva seu nome, realçando a sua inocência e demonstrando uma crença bem elevada em Deus e, o que é importantíssimo para nós, crentes do século XXI, uma crença em Deus que transpunha os limites desta vida terr

II – O PRIMEIRO DISCURSO DE BILDADE

– O primeiro discurso de Bildade está no capítulo 8 do livro de Jó. Começa Bildade a repreender o patriarca, acusando-o de proferir palavras vazias, sem qualquer sentido ou comprovação.

– Como vimos na lição anterior, Jó havia dito que Deus estava permitindo o sofrimento de Jó, mas era um sofrimento sem causa, já que Jó insistia em dizer que não tinha pecado (Jó 6:29,30).

É contra esta afirmação que Bildade se dirige, alegando que são palavras vazias, um verdadeiro ” vento impetuoso” (Jó 8:2).

– Assim como Elifaz, Bildade preferirá prender-se a suas teorias a verificar os fatos. Não identifica a vida de Jó nem procura inquirir as causas do sofrimento do patriarca.

Em vez de um minucioso exame, parte para a defesa de sua teoria, de suas concepções, pouco importando se elas se confirmam na prática, no cotidiano. É o mal dos teóricos, daqueles que buscam mais as suas “invenções” do que a realidade das coisas (Ec.7:29).

– Para Bildade, o fundamento de toda a verdade estaria na seguinte indagação: “Porventura perverteria Deus o direito, e perverteria o Todo-poderoso a justiça? ” (Jó 8:3). Deus jamais iria torcer o direito e, portanto, tudo
o que acontecendo estava com Jó era fruto da justiça, era aplicação da devida pena ao patriarca.

– Quantos não pensam assim nos nossos dias? Ao verem a calamidade se abater sobre alguém, imediatamente invocam a justiça divina para justificar este mal, como se pudessem saber o que é o direito, o que é a justiça.

Não nos iludamos: pensar como Bildade é colocar-se numa posição segundo a qual podemos discernir os pensamentos de Deus, o que, efetivamente, não é uma posição para simples e meros homens como nós! (Tg.4:11,12).

– Se Deus age conforme a justiça e o direito, diz Bildade, os filhos do patriarca morreram por causa dos seus pecados.

Assim, a morte dos filhos de Jó era fruto dos pecados daqueles jovens contra Deus. Que dura afirmação para o patriarca, que não se cansava de interceder por eles, mas que jamais tivera conhecimento de algum pecado praticado por eles.

– Diz-nos o texto sagrado que Jó se levantava de madrugada e intercedia pelos filhos em caráter preventivo, antes que soubesse de qualquer falta que eles pudessem ter cometido (Jó 1:5), além de santificá-los ao término da série de banquetes, preocupação que era prosseguimento de uma vida de instrução, pois, na infância, havia levado seus filhos à presença do Senhor (Jó 29:5).

– Vemos, pois, que, enquanto o patriarca tinha uma contínua preocupação com seus filhos, Bildade estava fazendo uso da desgraça para acusar-lhes de pecado, nem mesmo respeitando o luto ou a memória dos falecidos.

Uma teologia que via apenas a aparência, que não se preocupava em saber a realidade das coisas; uma teologia acusadora, não uma teologia consoladora e confortadora; uma teologia do dedo em riste, não do ombro amigo. Como temos nos portado com relação aos nossos semelhantes: como Bildade ou como Jó?

OBS: “… Ele (Bildade, observação nossa) não poderia ser advogado junto a Deus mas poderia ser um acusador dos irmãos ?…”( HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Completo. bible1.crosswalk.com/ Commentaries/ Matthew HenryComplete/mhccom.cgi?book=job&chapter=008) (tradução nossa)

– Pecado, eis a única causa para que os males venham à vida do justo, na lição de Bildade. O justo sempre terá tudo o que quiser, nenhum mal lhe sobrevirá, segundo este ensinamento, que pode ter sua lógica perfeita mas que é uma falácia total: “Se fores puro e reto, certamente logo despertará por ti e restaurará a morada da tua justiça. O teu princípio, na verdade, terá sido pequeno, mas o teu último estado crescerá em extremo”( Jó 8:6,7).

– Era este o pensamento de Bildade: a prosperidade segue apenas os que forem justos e a prova da justiça diante de Deus é a posse de um estado de riquezas.

Entretanto, esta ideia de Bildade é totalmente negada no livro de Jó. Jó perdera tudo, mas não havia pecado. Muito pelo contrário, enquanto se encontrava neste estado de penúria, agradou a Deus, a ponto de o Senhor ter-lhes mandado fazer sacrifícios em seu favor e que Jó por eles orasse, pois só ele havia mantido a sua integridade(Jó 42:8,9).

– Recebeu, sim, Jó, ao término da prova, o dobro do que possuía antes, seu último estado foi maior que o primeiro (Jó 42:12), mas não porque tivesse se arrependido de algum pecado, como falara nesciamente Bildade, mas porque se mantivera fiel apesar da falta de prosperidade material.

OBS: “…Argüir (como Bildade, eu desconfio, faz às escondidas) que, porque a família de Jó foi destruída e ele próprio naquele instante parecia sem ajuda, era consequência de ser Jó um homem mau e pecador, não é justo nem generoso, mormente quando não havia aparecido nenhuma outra evidência de sua maldade ou impiedade.

Nada julguemos antes do tempo, mas esperemos até que os segredos dos corações sejam manifestos e as dificuldades presentes da Providência sejam resolvidos para uma satisfação eterna e universal, quando o mistério de Deus estiver terminado. (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Completo.bible1.crosswalk.com/Commentaries/Matthew HenryComplete/mhccom.cgi?book=job&chapter=008) (tradução nossa)

– Para Bildade, o homem que se esquecer de Deus é o que terá interrompida a sua prosperidade sobre a terra, assim como a erva que se seca ( Jó 8:11-13).

O esquecimento de Deus, a hipocrisia no relacionamento com o Senhor seriam a fonte da perda de solidez na vida de alguém, razão pela qual perderia o homem a sua casa (Jó 8:15) e a sua esperança ficaria frustrada e a sua confiança passaria a ser como uma teia de aranha (Jó 8:14).

Segundo este raciocínio, portanto, os bens que alguém possua são uma decorrência direta do relacionamento do seu proprietário com o Senhor, o que, efetivamente, não é, em absoluto, a realidade revelada por Deus em Sua Palavra.

OBS: “… Mas não é verdadeiro que todos os homens maus são visível e abertamente feitos miseráveis neste mundo; nem é verdadeiro que aqueles que são trazidos para grande aflição e problemas neste mundo assim estejam em consequência de terem sido julgados e condenados como homens maus, em especial quando nenhuma outra prova aparece contra eles e, embora Bildade achasse que a aplicação disto a Jó fosse fácil, isto não era nem seguro nem justo.…” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Completo.bible1.crosswalk.com/Commentaries/Matthew HenryComplete/mhccom.cgi?book=job&chapter=018) (tradução nossa)

III – A RESPOSTA DE JÓ AO PRIMEIRO DISCURSO DE BILDADE

– Conforme vimos na lição anterior, Jó sempre deixou que seus amigos falassem, dando demonstração de sua sabedoria, mas não deixou de, ao término de cada discurso, dar a devida resposta, não apenas declarando a sua inocência, como pedindo a Deus que lhe explicasse o motivo de seu sofrimento.

– Em resposta ao primeiro discurso de Bildade, Jó começa reconhecendo que não pode o homem justificar-se diante de Deus (Jó 9:2). Deus está bem acima dos homens, não há como querer comparar o Criador com a Sua criação (Jó 9:3-14).

– Mas, ao assim reconhecer a supremacia de Deus com relação ao homem, Jó desarticula totalmente o argumento de Bildade e de sua teologia.

Se Deus está acima do homem e o homem não tem como justificar- se diante de Deus, como, então, saberemos o que é justiça e o que é direito, a fim de podermos dizer, como Bildade, de que a derrocada material de alguém está relacionada com sua hipocrisia ou com sua falta de autenticidade na sua fé?

– Tomar o progresso material como uma evidência de que a pessoa está em comunhão com o Senhor, como, milênios depois, defenderia Calvino1, é um equívoco muito grande, pois seria desconsiderar a supremacia de Deus em relação ao homem, homem que não tem condição alguma de contender com o Senhor (Jó 9:3).

– Jó afirma que, ainda que fosse justo, ele apenas pediria misericórdia ao Juiz, que é Deus, o único que pode julgar o homem. Este mesmo pensamento vemos em Tiago, que nos manda abstermo-nos de julgarmos o irmão, que é, exatamente, o que fazem os seguidores da teologia da prosperidade (Tg.4:11,12).

– Observemos que Jó, apesar de ser apontado como sendo um dos três homens que, por sua justiça, salvar-se- iam de calamidades sobre a terra (Ez.14:14-20), não ousava colocar-se entre aqueles que poderiam, pelos bens que alguém possuísse, determinar-lhes a santidade.

Os teólogos da prosperidade, portanto, invocam uma posição que não possuem, a de juízes da santidade alheia. São, portanto, usurpadores de uma atribuição que é exclusivamente divina.

– Com plena convicção, Jó afirma que está sofrendo sem causa, que Deus ocasionou toda a sua dor, embora ele não saiba o motivo destas mazelas (Jó 9:17; 10:7).

Vê a Deus como alguém que o considerará como perverso, diante de sua natureza pecaminosa (Jó 9:20) e nota a necessidade que alguém venha mediar a relação entre Deus e o homem (Jó 9:33), que possa restabelecer uma comunhão duradoura com o Senhor.

– Em resposta à acusação materialista de Bildade, Jó traz a necessidade de uma reconciliação entre Deus e o homem, através de um mediador, alguém que pudesse mudar o destino cruel da humanidade, que nada tinha que ver com a posse de bens, mas com a necessidade de uma nova comunhão entre Deus e o homem.

Como resposta à teologia da prosperidade, o patriarca Jó já apresentava, ainda que sem consciência, como figura, a pessoa de Cristo, que, como mostra o texto, nada tem que ver com a prosperidade material do homem.

– Jó afirma, com veemência, que Deus permite que o ímpio tenha prosperidade material sobre a face da Terra (Jó 9:24) e que isto decorre de permissão divina, pois Deus é o único Senhor, não tendo quem possa exigir-lhe contas (Jó 9:32).

Uma vez mais desconsiderando a argumentação de um de seus amigos, o patriarca dirige-se diretamente a Deus, pedindo-lhe, uma vez mais, a morte (Jó 10:18-22), mas reconhecendo que o Senhor foi Quem lhe deu a vida, ainda antes do ventre materno (Jó 10:8-12). Jó pergunta a Deus porque está sofrendo, mas tem certeza de que isto não decorreu de qualquer pecado que houvesse cometido (Jó 10:2-6, 13-17).

– Desta resposta do patriarca ao primeiro discurso de Bildade, encontramos os argumentos pelos quais devemos enfrentar a teologia da prosperidade nos nossos dias: a supremacia de Deus em relação ao homem que nos impede de sabermos os Seus desígnios; a natureza espiritual da restauração da comunhão entre Deus e o homem, que é o objetivo e finalidade do ministério de Cristo; a constatação de que o ímpio alcança prosperidade material nesta vida. São verdades bíblicas que desmentem cabalmente a teologia da prosperidade.

1 A vinculação da teologia da prosperidade a Calvino é atestada por este artigo de Cledson Ramos, cujo trecho transcrevemos: “…Desde a época que o reformador Calvino afirmou que “a riqueza é um sinal dos eleitos”, espalha-se por diversos setores protestantes a ideia de que a prosperidade material é um presente de Deus para seus filhos.

Uma espécie de paraíso terrestre que distingue os “salvos” dos outros mortais. Esta ideologia hoje encontra seu sustentáculo maior na chamada “Teologia da Prosperidade”, nascida nos EUA, mas que se espelhou pelo mundo protestante , incluindo o Brasil, como fogo em mato seco.…” (RAMOS, Cledson. Teologia da prosperidade. http:/ www.veritatis.com.br/artigo.asp?pubid=471)

OBS: “…Aqui Jó toca brevemente sobre o ponto principal agora em disputa entre ele e seus amigos. Eles mantêm que aqueles que são justos e bons sempre prosperam neste mundo e ninguém, a não ser os maus, estão em miséria e aflição; ele afirma, em contrário, que é algo comum o mau prosperar e o justo ser grandemente afligido(…).

Deve ser reconhecido que é muito mais verdade o que Jó aqui diz, que os julgamentos temporais, quando são exteriorizados, caem tanto sobre bons como sobre maus.…” (Matthew Henry. Comentário Bíblico Completo.bible1.crosswalk.com/Commentaries/Matthew HenryComplete/mhccom.cgi?book=job&chapter=009) (tradução nossa)

IV – O SEGUNDO DISCURSO DE BILDADE E A RESPOSTA DE JÓ

– No seu segundo discurso, Bildade volta a afirmar que Jó é enganoso em seus argumentos, que apresenta artifícios ao invés de palavras (Jó 18:2), imputando ao discurso do patriarca os vícios do seu próprio discurso, pois as considerações de Jó estavam baseadas em fatos,

enquanto que Bildade se prendia a supostos ensinamentos antigos(Jó 8:8-10), mencionados mas não demonstrados (e aqui vemos como Bildade age como Elifaz, buscando o famoso argumento da autoridade da tradição), para dali tirar conclusões que não tinham qualquer confirmação histórica ou fática.

– Inicia Bildade, desta feita, procurando menosprezar a pessoa de Jó diante de Deus, querendo fazer- lhe crer que ele nada significava, ante a sua pequenez, para o Criador ( Jó 18: 4).

– Esta ideia de um Deus distante e indiferente, que não se importa com o homem, constitui um traço do “deísmo”, uma outra característica dos discursos dos amigos de Jó.

Mais uma vez, observamos que a teoria de Bildade está desmentida cabalmente nas Escrituras, pois Deus observava, de perto, o patriarca Jó, a ponto de considerá-lo o homem mais excelente de seu tempo (Cf. Jó 1:8).

– Indubitavelmente, para um teólogo da prosperidade, alguém que estivesse na miséria como estava Jó, não deveria, mesmo, valer coisa alguma, mas um tal critério de avaliação não é o critério divino, pois, neste passo, Jesus foi bem enfático: “a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui” (Lc.12:15, in fine).

– Bildade afirma que o ímpio é quem sofre sobre a face da Terra, que terá a sua luz apagada, que terá seu lar destruído, que ocasionará a sua ruína pelos seus próprios passos e caminhos, que terá doenças, será arrancado da sua tenda e será levado até a presença do “rei dos terrores”(Jó 18:5-15), sua memória perecerá na terra, as praças não terão o seu nome e nem mesmo sequer terá descendência, tudo isto porque não conheceu a Deus (Jó 18:16-21).

– Em sua resposta a este segundo discurso, Jó denuncia que Bildade só faz entristecer a alma de seu ouvinte (Jó 19:2). O discurso de Bildade era despido de amor e de compaixão, não sendo este o tipo de discurso que deve provir da boca de um servo de Deus(II Co.1:4; I Ts.5:14).

Jó, antes de sua prova, bem ao contrário, era portador de mensagens confortadoras e consoladoras (Jó 29:11, 21, 22). Como tem sido o nosso discurso com relação aos nossos semelhantes?

– Jó volta a afirmar que está sofrendo uma provação da parte de Deus e que sua maior aflição não é o fato de ter perdido bens, ou mesmo os filhos, mas de sentir abandonado pelo Senhor, perdendo toda a esperança (Jó 19:6-12).

– Jó afirma, ainda, que está incompreendido pelos próprios semelhantes seus e, a começar de sua mulher e de seus servos e criados, ninguém mais lhe honra nem sequer admite a sua companhia (Jó 19:13-19). Jó encontrava-se em total solidão.

– Assim se lamentando, Jó mostra haver bens maiores do que as coisas materiais. Revela a Bildade que as coisas materiais não são o norte nem o critério para se avaliar a vida de alguém e que há valores muito mais importantes do que as riquezas ou as finanças na vida de um ser humano.

O que mais deixava Jó triste era a falta de compaixão de seus amigos e a observação superficial e materialista que estava sendo feita por eles, a ponto de, insensíveis, começarem a acusá-lo ao invés de a ele se ajuntarem (Jó 19:21-24).

– Entretanto, diante deste desprezo dos amigos, Jó, mais uma vez, dirige-se diretamente a Deus e, contra a preocupação de Bildade a respeito da falta de prosperidade material, Jó apresenta uma esperança que supera a dimensão desta vida terrena.

– Nada mais possuía o patriarca, nem mesmo o desejo de viver doente e abandonado por todos, mas algo não lhe havia sido tirado: a certeza de que seu Deus era um Redentor e que Ele vivia e que, por fim, se levantaria sobre a terra e, mesmo depois de consumida a pele do patriarca, na sua própria carne ele ainda veria a Deus (Jó 19:25-27).

– No primeiro discurso de Bildade, Jó já divisara a necessidade de um mediador entre Deus e os homens. Agora, numa nova demonstração de uma consciência que está muito além da prata e do ouro perecíveis desta terra, o patriarca fala da esperança da ressurreição,

da certeza de que Deus não é o Deus distante de seus amigos, mas um Deus que quer redimir o homem, que quer resgatá-lo, que quer livrá-lo e que, no tempo determinado, levantar-se-á sobre a terra para fazer justiça.

– A justiça não é aquilatada pelo que os homens tenham ou deixem de ter, como imaginava Bildade (e, hoje, os populares pregadores da prosperidade), mas aquilo que está reservado para a plenitude dos tempos, o acerto de contas de todo o universo com o Criador, diante da reconciliação operada pelo mediador necessário.

Jó não estava interessado nos bens que havia perdido, pois ele sabia que, embora nada mais tivesse, uma coisa possuía que não lhe havia sido tirada: a certeza da salvação e de que, no momento aprazado por Deus, contemplaria, ressurreto, o seu Senhor vencendo toda a oposição e estabelecendo, de forma plena, a comunhão com o homem!

OBS: “…Jó era agora um acusado e esta foi a sua defesa. Seus amigos o reprovaram como um hipócrita e desprezado, como um homem mau; mas ele apela para sua crença, para sua fé, para sua esperança, para sua própria consciência, que não apenas o absolvia de qualquer pecado, mas o confortava com a expectativa de uma bendita ressurreição.

Estas não são palavras de quem tem um demônio.(…). Como facilmente nós podemos carregar as calúnicas injustas e as reprovações dos homens enquanto estamos esperando a aparição gloriosa de nosso Redentor, e seus remidos, no último dia, quando, então, haverá a ressurreição de nomes tanto quanto de corpos ! …” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Completo.bible1.crosswalk.com/Commentaries/Matthew HenryComplete/mhccom.cgi?book=job&chapter=019) (tradução nossa)

– Num gesto ousado, o patriarca, consciente desta certeza de salvação, dirige-se, então, a Bildade e aos demais amigos e os censura.

Ao invés de acusarem o semelhante, ao invés de dizerem que deveria confessar um pecado inexistente, para que pudesse voltar a ser rico, deveria cada um verificar como estava diante de Deus, pois chegará o juízo divino sobre cada um e, neste juízo, pouco importará o ouro ou a prata que alguém possa ter angariado nesta vida ( Jó 19:28,29).

– Qual tem sido a preocupação dos crentes nos nossos dias? Ter o carro do ano? Ter cada vez mais casas e empresas? Multidões têm ido buscar a Jesus com o intuito de enriquecerem e de serem prósperos.

Mas, será que têm pensado no juízo que se seguirá à morte de cada um (Cf. Hb.9:27)? Será que têm se preparado para encontrar-se com o Senhor no dia do arrebatamento? Será que têm se sido vigilantes para o dia da vinda do Senhor?

– Lamentavelmente, poucos têm sido aqueles que têm seguido a ordem de prioridades do patriarca Jó, que falava o que era correto a respeito do caráter e dos propósitos de Deus.

Muitos têm sido os crentes que têm se comportado como Ananias e Safira, que perderam a salvação porque quiseram dar prioridade às coisas materiais em detrimento do serviço a Deus (Cf. At.5:1-11).

Ainda é tempo de acordarmos e de observarmos que devemos buscar o reino de Deus e a sua justiça e que as demais coisas nos serão acrescentadas (Mt.6:33).

V – O TERCEIRO DISCURSO DE BILDADE E A RESPOSTA DE JÓ

– No terceiro discurso, extremamente breve, Bildade limita-se a dizer que o homem não pode ser considerado justo diante de Deus e que o homem seria como um verme, como um bicho diante de Deus (Jó 25:1-6).

– Bildade enfatiza, aqui, uma vez mais, o que considera ser a insignificância do homem diante de Deus. Todavia, ingressa numa grande contradição em relação a seu primeiro discurso: se o homem não pode ser justo diante de Deus, como, então, pode discernir se alguém é justo ou ímpio só pelas posses que tenha ?

– Em sua resposta ao discurso de Bildade, Jó denuncia que o discurso de seu amigo não tem origem em Deus. Bem discernindo os ensinamentos trazidos pela teologia da prosperidade, o patriarca nega que ele possa ser originado no Senhor, pois não tinha ele um propósito construtivo, mas meramente acusatório e, certamente, sem edificação.

– Para tanto, usa de ironia (Jó 26:2,3). O discurso do crente tem de ser animador, tem de buscar trazer consolo e conforto para os que os ouvem, como já vimos supra.

Um discurso meramente acusatório, denunciador, que busque envergonhar o ouvinte, ainda que este seja pecador e esteja errado, não tem origem em Deus e em relação a ele, devemos, como o patriarca, dizer: ” e de quem é o espírito que saiu de ti ? ” (Jó 26:4b).

– Hodiernamente, temos tomado conhecimento de pessoas que, inclusive, têm recorrido à justiça dos homens para serem reparados de danos morais sofridos em pronunciamentos infelizes e sem qualquer sabedoria que têm sido proferidos dos púlpitos.

– Se é antibíblica esta ida aos tribunais para reparação (Cf. I Co.6:1-6), não é menos antibíblica a conduta praticada por alguns que, lamentavelmente, deveriam ser o exemplo dos fiéis (Cf. I Tm.4:12).

Jamais devemos aproveitar o direito que temos de falar na casa do Senhor para maldizer ou ofender quem quer que seja, mas tão somente para sermos um canal de bênçãos para todos os que estão nos ouvindo.

– Jó anuncia, uma vez mais, ao contraditório Bildade, a supremacia de Deus e quão longínqua está a dimensão divina da dimensão humana (Jó 26:5-14).

Alerta seu amigo de que não podemos ousar determinar quais são os pensamentos ou os caminhos do Senhor, pois Ele habita numa dimensão totalmente diversa da nossa, tendo sob Seu controle os mortos, o inferno, suspendendo a terra sobre o nada (uma tremenda revelação que a ciência dos homens somente teria condições de admitir e conceituar milênios mais tarde).

– Diante de tamanha grandeza, diz o patriarca, “quem, pois, entenderia o trovão do Seu poder?” (Jó 26:14b). É interessante observar que a teologia da prosperidade de Bildade, que somente enxerga esta vida terrena, que “não vê um palmo à frente do seu nariz”, acabou instigando o patriarca a considerações tão elevadas que seus próprios argumentos serão utilizados pelo próprio Senhor quando Este, pela Sua infinita misericórdia, cessar o Seu silêncio e iniciar aquele maravilhoso inquérito que precede o término da provação de Jó.

– Jó declara a Bildade que continuará submisso ao Senhor e que sua fé não dependia da sua prosperidade material. “Enquanto em mim houver alento, e o sopro de Deus no meu nariz, não falarão os meus lábios iniquidade, nem a minha língua pronunciará engano (Jó 27:3,4)(…) à minha justiça me apegarei e não a largarei (Jó 27:6a)”.

Que oração bem diferente daquelas dos adeptos da doutrina da confissão positiva, prima-irmã da teologia da prosperidade, que “determinam”, “declaram”, “decretam” bênçãos e que ameaçam ao Senhor para que, de imediato, cumpra os seus desejos e caprichos, sob pena de desmoralização e de abandono da fé, como se Deus fosse um empregado qualificado, pronto a servir os crentes.

OBS: “…Jó é um dos maiores exemplos de firmeza de convicção, de apego à retidão e de perseverança na fé (…). Sua determinação inabalável de manter a sua integridade e de permanecer fiel a Deus não tem paralelo na história da salvação dos fiéis.

Nenhuma tentação, sofrimento, ou aparente silêncio da parte de Deus podia afastá-lo da sua lealdade a Deus e à Sua Palavra. Recusou-se a blasfemar contra Deus e morrer(…).

Semelhantemente o crente do NT deve ter esta mesma e única resolução nas tentações, tristezas e nos dias sombrios da vida.

Com uma firme convicção, deve continuar resoluto na sua fé, firme até o fim(Cl.1.23). Nunca deve recuar e abandonar a fé enquanto viver, mas permanecer em tudo fiel à Palavra de Deus e ao Seu amor. Deve ‘sempre ter uma consciência sem ofensa, tanto para com Deus como para com os homens’ …” ( BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, com. a Jó 27.4, p.796).

– Prosseguindo em sua resposta inspirada, o patriarca ataca o âmago da questão da teologia da prosperidade. Condena a avareza, que é o propósito que se encontra atrás desta falsa doutrina, ao afirmar que “qual será a esperança do hipócrita, havendo sido avaro, quando Deus lhe arrancar a alma? “(Jó 27:8).

– Este é o verdadeiro motivo pelo qual não podemos aceitar a teologia da prosperidade. Seus seguidores assemelham-se em tudo ao rico insensato da parábola de Jesus (Lc.12:13-21).

Deixam de ter a visão da eternidade e passam a buscar a Jesus para ter uma existência regalada e prazerosa nesta vida.

Como consequência, quando forem chamados a adentrar na eternidade, estarão irremediavelmente perdidos. Isto é verdadeira loucura e, por isso, Paulo chama-os de os mais miseráveis de todos os homens (I Co.15:19), pois, tendo conhecimento de quem é Jesus e do que Ele pode oferecer ao homem, desprezam a vida eterna e querem se servir do Senhor para uma existência efêmera e tão fugaz como é a da vida terrena. Fujamos desta cilada do inimigo enquanto é tempo!

– Jó diz não desconhecer que a justiça divina, a seu tempo, será feita e que o ímpio sofrerá a retribuição pelo mal que cometer, mas isto não significa que o justo não possa sofrer tribulações.

Na eternidade, não há riqueza que poderá salvar o rico e, portanto, a prosperidade material que o pecador tenha nesta vida em coisa alguma altera o caráter moral do Todo-poderoso (Jó 27:11-23). Assim, não é com valores terrenos ou riquezas materiais que quereremos entender e enxergar a comunhão de alguém com o Senhor.

 Ev. Caramuru Afonso Francisco

Deixe uma resposta

Descubra mais sobre Iesus Kyrios

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading