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LIÇÃO Nº 7 – AS NATUREZA HUMANA E DIVINA DE JESUS

INTRODUÇÃO

-Na sequência do estudo da Apologética Cristã, analisaremos a dupla natureza de Jesus.

-Jesus é uma pessoa com duas naturezas.

I – A CENTRALIDADE DA PESSOA DE JESUS NA FÉ CRISTÃ

-Prosseguindo o estudo da Apologética Cristã, analisaremos a dupla natureza de Jesus.

-Já temos visto que a religião verdadeira é única, porquanto é a religião que tem por ponto de partida Deus, que é único (Dt.6:4; Mc.12:29), de modo que a religação entre Deus e os homens a partir de Deus somente pode ser uma.

-Os homens, porém, por serem muitos, quando pretendem construir uma religação com Deus, dão origem a muitas religiões, todas elas falsas, uma vez que não há como o homem, infinitamente inferior ao Senhor, conseguir elevar-se até Ele e promover esta religação (Is.55:8,9).

-A religião verdadeira apresenta-se, portanto, como uma revelação de Deus ao homem, porquanto não é possível que o ser humano tenha conhecimento desta intenção divina de restaurar a comunhão com a humanidade senão a partir da própria manifestação da Deidade, ante esta diferença abissal que existe entre estes dois seres.

-Bem por isso, Deus vem falar ao homem, trazer-lhe a mensagem de que deseja salvá-lo, revelando-Se e comunicando-Se com a humanidade.

Eis porque o profeta, na mesma mensagem que mostra a impossibilidade humana de chegar-se a Deus, informar que a Palavra de Deus não volta vazia ao Senhor, indicando-nos que é pela Palavra que se faz a comunicação entre Deus e o homem (Is.55:10,11).

-Esta Palavra, portanto, é o primeiro elemento necessário para que haja esta religação. A Palavra que criou todas as coisas é também a Palavra que traz ao conhecimento do homem o intento salvador do Criador.

-No entanto, esta religação não se faz apenas pela comunicação verbal, pela linguagem. No dia mesmo da queda do homem, ainda no jardim do Éden, não só Deus trouxe a notícia de que o homem seria salvo, como também disse que a salvação demandaria uma comunicação mais profunda: Deus Se faria homem para participar de toda a natureza humana e, como tal, entregar, como homem, a Sua vida para restaurar a comunhão entre Deus e a humanidade.

-Ao dizer para a serpente que se estabeleceria uma inimizade entre o diabo e sua semente e a mulher e a semente desta (Gn.3:15), o Senhor anuncia que nasceria um ser humano, de mulher, que esmagaria a cabeça da serpente, embora tivesse ferido o seu calcanhar.

-A salvação, portanto, viria de um ser humano, que teria de derramar o seu sangue para poder realizar esta obra de instauração da inimizade entre o diabo e a humanidade, o que implica em restauração da amizade entre Deus e o homem, pois quem é inimigo do maligno é amigo de Deus (Tg.4:4; I Jo.2:15; 5:19).

-A própria Palavra, ou seja, o Verbo, que é uma das Pessoas Divinas (Jo.1:1; I Jo.5:9) Se tornaria homem (Jo.1:14) para pagar o preço dos nossos pecados, derramando Seu sangue na cruz do Calvário (I Pe.1:18-21), reconciliando-nos com Deus (II Co.5:18-21).

-A religião verdadeira, portanto, está fundada na revelação de Deus ao homem, por meio da Palavra, revelação que não se limitou à linguagem, mas que Se fez carne, habitando como homem entre nós, cheio de graça e de verdade.

-A religião verdadeira, portanto, não é apenas uma revelação que fala à mente e ao coração do homem, mas, também, algo que se materializou, que se fez visível e corporal entre nós.

-Não é por outro motivo que esta religião verdadeira foi chamada de Cristianismo, porque está baseada em Cristo, ou seja, Aquele que, sendo Deus, fez-Se homem para, enquanto tal, revelar tudo quanto veio de Deus para que o homem pudesse ser salvo (Jo.15:15; Hb.1:1).

-A revelação divina foi progressiva, iniciando-se no dia mesmo da queda, quando é proferido o “protoevangelho”, isto é, a primeira proclamação do intento salvador de Deus ao homem, até que o próprio Deus feito homem, Jesus, o Cristo, ou seja, Aquele que foi ungido para realizar a obra salvífica, a expressa imagem de Deus, veio ao mundo e completou esta revelação, já que foi o próprio Deus Se revelando.

-Como o próprio Jesus disse a Filipe, quem vê a Ele, vê o Pai (Jo.14:9), de modo que, com Jesus, completou- se a revelação divina, visto que não há ser algum maior que Deus que pudesse revelá-l’O.

-Esta revelação encontra-se na Bíblia Sagrada, pois o próprio Jesus disse que são as Escrituras que d’Ele testificam (Jo.5:39), Escrituras que foram mandadas escrever pelo Senhor precisamente para que a revelação se perpetuasse para as gerações vindouras.

-O Cristianismo tem, portanto, a sua base na pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Salvador, que é testificado pela Bíblia Sagrada.

-Evidentemente que, diante desta centralidade, o diabo, inimigo de nossas almas, pai da mentira, haveria de tentar distorcer tanto a pessoa de Cristo quanto as próprias Escrituras, que testificam de Jesus.
-Desde os primórdios da história da Igreja, ainda nos tempos apostólicos, lançou o inimigo, no meio do povo de Deus, falsos ensinos a respeito da pessoa de Jesus como também procurou distorcer o sentido das Escrituras.

-Aliás, estas artimanhas malignas já se manifestaram no início do ministério do próprio Jesus, antes mesmo da edificação da Igreja.

-A primeira tentação sofrida por Jesus após o início do Seu ministério, no deserto da Judeia, já revela este “modus operandi” de Satanás.

-Quando Jesus sentiu fome, o diabo pôs em dúvida a Sua Deidade, dizendo: “Se Tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães” (Mt.4:3; Lc.4:3).

-Notamos aqui que o diabo tenta Jesus precisamente na sua condição de Deus-homem. Nesta condição, Jesus havia renunciado à glória divina e, portanto, aberto mão do uso de Seus atributos divinos para poder realizar a Sua obra salvífica.

-Assim como fez com o próprio Jesus, o diabo continua a fazer com os Seus discípulos ao longo da história, pondo em dúvida a realidade da dupla natureza de Jesus, querendo que as pessoas desacreditem de que Jesus é o Deus-homem.
-A segunda tentação sofrida por Jesus no início do Seu ministério, por sua vez, mostra-nos não só a dúvida quanto à Deidade como também a distorção das Escrituras, pois o diabo, citando o Salmo 91, alterou o conteúdo da mensagem, dizendo que Cristo poderia Se atirar do pináculo do templo, aonde havia sido levado pelo diabo, pois haveria a garantia de que Deus mandaria Seus anjos para que nada acontecesse a Jesus, o que não era o que estava escrito, porém, já que a promessa se circunscrevia aos caminhos do servo de Deus, jamais aos caminhos estatuídos pelo inimigo (Mt.4:5,6).

-Aqui, uma vez mais, é posta a Deidade de Jesus em dúvida pelo inimigo, que queria que Cristo considerasse como Seu o caminho traçado pelo diabo, ou seja, reivindicasse a Sua condição de Deus para Se atirar do pináculo do templo, o que contrariava a sua renúncia da glória divina, pois, como homem, haveria sempre de fazer a vontade divina e não a Sua própria.

-Por fim, na terceira tentação no deserto da Judeia, o diabo, verificando o firme propósito de Jesus de abrir mão da glória divina, traz uma oferta de domínio sobre os reinos do mundo, procurando, então, fazer com que o Jesus homem Se desviasse do propósito divino, trocando a missão que Lhe fora dada, de morrer pelos homens, pelo poder político do sistema construído pelo diabo entre os homens desde Babel.

-Jesus, então, recusa esta oferta, assumindo plenamente Sua humanidade, dizendo que, enquanto homem, deveria adorar única e exclusivamente a Deus, cumprindo assim o propósito divino que, como disse Salomão, é temer a Deus e guardar Seus mandamentos a fim de que seja aprovado no juízo divino (Ec.12:13,14).

-Nos tempos apostólicos, podemos ver, em o Novo Testamento, que três foram as principais heresias combatidas pelos apóstolos, todas elas relacionadas com a pessoa de Cristo Jesus.

-A primeira é a heresia judaizante, que levou, inclusive, à realização do chamado “Concílio de Jerusalém”, como registrado no capítulo 15 do livro de Atos dos Apóstolos. Esta heresia ensinava que a salvação não dispensa o cumprimento da lei, ou seja, não basta a fé em Jesus para que se tenha a salvação, era necessário que o que cresse em Jesus se tornasse um judeu, guardando a lei, sem o que não se salvaria (At.15:5).

-Este posicionamento tornava insuficiente o sacrifício de Jesus na cruz do Calvário, desconsiderando, a um só tempo, tanto a Deidade quanto a humanidade de Cristo. Senão vejamos.

-Ao dizer que a guarda da lei era necessária à salvação, os judaizantes negam que o sacrifício de Jesus seja suficiente para o perdão dos pecados e, por conseguinte, negam que Jesus tenha sido o homem perfeito, sem pecado, que, ao derramar o Seu sangue no Calvário, pagou o preço dos nossos pecados.

-Simultaneamente, não creem que Jesus seja Deus, na medida em que é incapaz de estabelecer uma nova aliança, um novo concerto com a humanidade, superando a lei, mesmo pensamento dos judeus ao longo dos séculos, como o rabino Jacob Neusner (1932-2016), que dizia que não podia aceitar o sermão do monte pois, ao fazê-lo, teria de admitir que Jesus é Deus.

-Este mesmo pensamento, aliás, foi adotado por uma heresia denominada de “ebionita”, que negava a Deidade de Jesus, surgida no século II e que perdurou até por volta do século IV, tendo seus seguidores se concentrado entre judeus habitantes da Península Arábica.

-A segunda é a heresia gnóstica, que assimilava conceitos filosóficos e religiosos gentílicos, considerando a matéria como algo mau e ruim, cujo desprendimento era necessário para que houvesse crescimento espiritual.

-Tal pensamento levava à negação da humanidade de Jesus, pois consideravam que, para que Jesus fosse o Cristo, o Salvador, não poderia Ele, em absoluto, Se feito carne, Se feito homem, já que o corpo era algo mau. Assim, negavam a encarnação de Cristo.

-Os gnósticos, evidentemente, não podiam aceitar a ideia de um Deus-homem, pois, para eles, não é possível a junção do material e do espiritual.

-Apesar do vigoroso combate a esta heresia feito pelos apóstolos, como nos mostram cartas de Paulo e de João, este pensamento se manteve entre os cristãos nos primeiros séculos da história da Igreja e influenciaram o entendimento a respeito da pessoa de Cristo.

-A terceira heresia é a dos negadores da ressurreição dos mortos (I Co.15:12; II Tm.2:17,18), que negavam que os mortos haverão de ressuscitar, que a única ressurreição teria sido a de Cristo, que não deixa de ser uma variante da heresia gnóstica, na medida em que entende que não pode haver corporeidade na eternidade com Deus.

-Esta heresia também distorce a pessoa de Cristo, na medida em que não admite plenamente a dupla natureza do Senhor Jesus, já que desconfia da natureza da ressurreição de Cristo, o que significa duvidar da própria humanidade de Jesus.

II – A DUPLA NATUREZA DE JESUS

-Observamos, pois, como, desde o ministério terreno de Jesus, o diabo tem procurado desviar os homens da verdade da dupla natureza de Cristo, da Sua condição de Deus-homem, que é fundamental para que compreendamos a salvação.

-Quando proferido o “protoevangelho”, Deus anunciou que a salvação viria por intermédio da “semente da mulher”, ou seja, revelou, de início, que o Salvador seria um ser humano, tanto que Eva muito se alegrou quando deu à luz a seu primogênito, alegria que se explica pelo fato de ter ela desejado que este filho varão seria o Salvador (Gn.4:1).

-Esta mesma mensagem é repetida pelo Senhor a Abrão, quando afirma que o Salvador seria “semente de Abrão”, na qual seriam benditas todas as famílias da Terra (Gn.12:3), reforçando-se a humanidade do Salvador.

-A Moisés, o Senhor também revela que o Messias seria um profeta como Moisés e que deveria ser ouvido pelo povo de Israel, pois seria o mensageiro da revelação de Deus aos israelitas, assim como Moisés lhes havia revelado a lei (Dt.18:15-19).

-Nesta profecia de Moisés, tem-se, também, reforçada a humanidade do Messias, tratado como um profeta, ainda que profeta da mesma categoria de Moisés, que o Senhor já dissera que era um profeta diferenciado dos demais (Nm.12:6-8).

-Quando, porém, o Senhor faz nova revelação a respeito do Messias, desta feita para Davi, afirma que o Messias seria semente da linhagem real davídica, mas reinaria para sempre, o que mostra que se teria um homem diferente, já que seria um homem que viveria eternamente (II Sm.7:16), o que foi bem compreendido pelo rei (II Sm.7:19).

-Segundo os cronologistas bíblicos Edward Reese e Frank Klassen, contemporânea a esta revelação a Davi seriam os salmos 2 e 110, este último atribuído explicitamente ao próprio Davi, quando o Messias, o rei sucessor de Davi, é chamado de Filho, gerado por Deus (Sl.2:7,12) como também de Senhor pelo próprio Deus (Sl.110:1), texto este que foi mencionado por Jesus em indagação aos fariseus, que os deixou calados (Mt.22:41-46; Mc.12:35-37; Lc.20:41-44).

-Este mesmo texto foi utilizado por Pedro na primeira pregação evangelística da Igreja, no dia de Pentecostes (At.2:34-36), mostrando que este Senhor mencionado no Salmo é Jesus, o que revela a relevância do tema para a pregação do Evangelho, para a salvação das almas.

-Ao chamar o Messias de Filho, temos a revelação da Deidade do Salvador, pois, no Salmo 2, é revelado que o Filho é “gerado”, o que já serviu para que o pai da mentira criasse a heresia ariana, que vê nesta “geração” uma “criação”, o que, entretanto, é totalmente indevido.

-Com efeito, a palavra utilizada em Sl.2:7 é “yaladh” (ִִּֽתיָך ְיִלְד), cujo significado é “…ter filhos, gerar, agir como parteira, especificamente mostrar linhagem…” (Dicionário do Antigo Testamento, verbete 3205. Bíblia de Estudo Palavras-Chave, p.1683), ou seja, não é de criar, mas de revelar, fazer conhecido, jamais de dar a existência.

-Ao chamar o Messias de Senhor, há a equiparação do Messias a Deus, mostrando, clarividentemente, que o Messias tem a natureza divina, o que é enfatizado pelo Senhor Jesus na Sua indagação, que mostra que “o Filho de Davi” é Deus.

-Nesta revelação da Deidade do Messias, temos, também, a complementação da revelação quanto aos ofícios do Messias. Apresentado como profeta por Moisés, o Cristo também é mostrado como rei a Davi, o que é confirmado no Sl.110, que, também, nos mostra que o Messias é também sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque (Sl.110:4).

-Esta dupla natureza é anunciada pelo profeta Isaías, quando diz que o Messias é “um menino que nos nasceu, um filho se nos deu” (Ias.9:6). O menino que nasce revela a humanidade do Salvador; o filho que se nos dá revela a Sua Deidade.

-A dupla natureza é demonstrada nos Evangelhos, quando, durante o Seu ministério, Jesus mostra ser tanto Deus quanto homem, consoante já analisado em lições anteriores. É “Jesus Cristo, Filho de Davi, Filho de Abraão” (Mt.1:1), mas é também “o Verbo que estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo.1:1).

-Os apóstolos não cessaram, desde o dia de Pentecostes, a enfatizar esta dupla natureza de Jesus, pois é fundamental circunstância para quem prega que Jesus é o Salvador (At.3:13,25,26; 7:52,55,59; 9:20; 13:32,33; Rm.9:5; Tt.2:13,14; Hb.1:1-3; II Pe.1:16-18; I Jo.1:1,2; 2:22-24; 4:2,3; II Jo.7; Ap.1:17,18).

-Entretanto, como já denunciado pelos próprios apóstolos nos escritos do Novo Testamento, esta dupla natureza cedo foi alvo da ação dos “anticristos”, ou seja, aqueles que se põem contra Cristo, contra a Sua Palavra, contra as Escrituras, agindo sob o ímpeto do “espírito do anticristo” (I Jo.4:3), negando que Jesus seja o Deus-homem.

-Estes “anticristos”, que saíram do meio da Igreja (I Jo.2:19), manifestando os que são sinceros (I Co.11:19), cedo negaram seja a Sua humanidade (I Jo.4:2,3), seja a Sua Deidade, como foi o caso dos ebionitas, mencionado por Eusébio de Cesareia em sua História eclesiástica e que, neste sentido, aderiram à mesma mentalidade dos religiosos judeus dos tempos de Jesus e que continua a imperar no judaísmo até os dias de hoje (Jo.10:33).

OBS: “…O espírito de perversão, porém, sendo incapaz de mover alguns em seu amor de Cristo, mas ainda os considerando suscetíveis a suas impressões em outros aspectos, persuadiu-os para seus propósitos. Esses são devidamente chamados ebionitas pelos antigos, como os que abrigavam opiniões inferiores e simplórias a respeito de Cristo.

Eles o consideravam homem simples e comum, justificado apenas por seus progressos na virtude e seu nascimento de Maria por geração natural (…).

Outros, porém, diferentes desses, mas de mesmo nome, de fato rejeitavam os absurdos das opiniões mantidas pelos primeiros, não negando que o Senhor nascera da Virgem pelo Espírito Santo, ainda que igualmente não reconhecessem sua preexistência, mesmo sendo Deus, a palavra e sabedoria.…” (CESAREIA, Eusébio de. História eclesiástica: os primeiros séculos da Igreja cristã. Trad. Lucy Yamakami. Rio de Janeiro:CPAD, pp.105,6).

II – A UNIDADE DA PESSOA DE JESUS CRISTO

-Esta operação maligna no seio da Igreja persistiu. Durante a época das perseguições romanas à Igreja, levantou também o inimigo falsos mestres que passaram a distorcer as Escrituras e surge, então, uma grande heresia, chamada de “arianismo”, porque tinha seu expoente na pessoa de Ário (256-336), um presbítero de Alexandria, igreja que a tradição diz ter sido fundada por Marcos e que era uma das quatro igrejas locais mais proeminentes da época, ao lado de Jerusalém, Antioquia e Roma.

-Ário, baseado no texto de Provérbios 8, que trata da Sabedorias como uma pessoa e que cedo se passou a interpretar como um texto alusivo a Jesus, que foi feito sabedoria para nós (I Co.1:30) e que o próprio Lucas denominou de “sabedoria de Deus” (Lc.11:49), passou a ensinar que Jesus não era Deus, mas, sim, a primeira criatura de Deus e, como tal, perfeita e superior a todas as demais.

-Este ensinamento disseminou-se em todas as igrejas cristãs da época e, entendem alguns, chegou mesmo a angariar a maior parte dos cristãos naquele tempo, gerando uma grave crise que comprometia a própria unidade da Igreja.

-Quando cessa a perseguição do Império Romano contra os cristãos, no reinado de Constantino I (272-337), com o Édito de Milão de 313, a discussão doutrinária a respeito era tão grande que o imperador, cujos planos políticos envolviam o apoio dos cristãos do Império a seu governo, entendeu que era necessário, para restaurar a unidade da Cristandade, algo fundamental para sua sustentação enquanto imperador, que se resolvesse o tema.

-É, então, convocado o Primeiro Concílio de Niceia, assim chamado porque se realizou nesta cidade, situada na Bitínia, hoje Turquia, para que se dirimisse a questão da divindade de Jesus.

-O concílio reuniu-se em 325, tendo como assunto principal a questão da natureza de Jesus, tendo, então, após intensos debates, se verificado, pelas Escrituras, que era Jesus o Deus-homem, ou seja, era Deus e Se fez homem.

-Notemos, portanto, que, ao contrário do que se alardeia pela mídia, não foi em 325 que Jesus foi considerado Deus pelos cristãos, mas, sim, nessa data se declarou herética a doutrina trazida por Ário que negava a divindade de Jesus, algo que, como vimos, já havia sido defendido anteriormente pelos ebionitas, mas não com os requintes da argumentação pretensamente bíblica e teológica trazida por Ário.

-Neste concílio, aliás, foi produzido o “Credo Niceno”, uma declaração resumida dos principais pontos da fé cristã, um meio de facilitar a memorização das crenças por parte dos fiéis, cuja esmagadora maioria não tinha acesso a escritos.

-Neste credo, temos a seguinte declaração: “…[CREIO] em um só Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, o Unigênito do Pai, que é da substância do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, de uma só substância com o Pai, por meio de quem todas as coisas vieram a existir, as coisas que estão no céu e as coisas que estão na terra, que por nós, homens, e por nossa salvação desceu e foi feito carne, e se fez homem, sofreu, e ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, e virá para julgar os vivos e os mortos.…” (DFAD. Apêndice, p.218).

-Esta mesma ideia foi reforçada no Primeiro Concílio de Constantinopla, realizado nesta cidade, que passou a ser a capital do Império Romano, no ano de 381, convocado pelo imperador Teodósio I (347-395) (o mesmo que tornou o Cristianismo a religião oficial do Império Romano em 380 pelo Édito de Tessalônica), cujo objetivo era discutir a divindade do Espírito Santo, que estava sendo combatida por uma heresia denominada “macedonianismo”, porque seu expoente era Macedônio (? – após 360), que foi bispo (ou Patriarca) de Constantinopla.

-Nesse concílio, reformulou-se o Credo Niceno, que passou a ser denominado Credo Niceno- Constantinopolitano, tendo assim ficado a redação atinente à dupla natureza de Jesus:

“[CREIO] em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus, o gerado do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz de Luz, Verdadeiro Deus de Verdadeiro Deus, gerado e não feito, da mesma substância do Pai, por meio do qual todas as coisas vieram a ser; o qual, por nós, os homens e pela nossa salvação desceu dos céus e encarnou- se do Espírito Santo e da Virgem Maria, e fez-se homem e foi por nós crucificado sob Pôncio Pilatos, e padeceu, e foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e subiu aos céus e está sentado à direita do Pai, e virá de novo, com glória a julgar vivos e mortos; e o seu Reino não terá fim…” (DFAD. Apêndice, p.219).

-Entretanto, apesar destes dois concílios, as discussões permaneceram, pois o “espírito de perversão” não cessa de perturbar a Igreja e, já definidos que tanto Jesus quanto o Espírito Santo eram Deus, começou-se a discutir se a pessoa de Jesus era, ou não, única, ou seja, se o Deus-homem era uma mesma pessoa.

-Verdade é que, em ambas as redações do Credo, vemos que fica bem claro que o Senhor Jesus Cristo era “um”, ou seja, o Deus-homem era uma só pessoa, mas o fato é que exsurgiu esta questão, gerando novas controvérsias.

-O Patriarca de Constantinopla, Nestório (386-451), passou a ensinar que Jesus, por ter duas naturezas, não podia ser tido como uma só Pessoa. Suas naturezas eram distintas e separadas. Assim, Maria não poderia ser chamada de “Christotókos” (Χριστοτόκος), ou seja, “portadora de Cristo”, mas jamais de “Theotokos” (portadora de Deus).

-Diante da discussão criada, o imperador romano do Oriente, Teodósio II (401-450), convocou, em 431, o Primeiro Concílio de Éfeso, que decidiu que Jesus era uma só pessoa, tendo duas naturezas, divina e humana, mas sendo um único ser, de modo que Maria podia, sim, ser chamada de “Teotokos“ (Θεοτόκος), ou seja, “portadora de Deus”, pois, em seu ventre, estava o Deus-homem e não apenas o homem.

-Esta conclusão do Primeiro Concílio de Éfeso está correta. O evangelista João diz-nos que “o Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo.1:14). Disto depreendemos, claramente, que o Verbo, que é Jesus Deus (Cf. Jo.1:1) Se tornou homem, por obra e graça do Espírito Santo no ventre de Maria, como, aliás, havia sido dito pelo anjo Gabriel a ela (Lc.1:35).

-Tanto assim é que, quando Maria foi visitar Isabel, esta, cheia do Espírito Santo, chama sua prima de “mãe do meu Senhor” (Lc.1:43), confirmando que Jesus, no ventre de Maria, era Deus.

-No entanto, a partir desta conclusão, porém, o “espírito do anticristo” passou a disseminar a ideia de que Maria era “mãe de Deus” num sentido completamente distorcido do que discutido e decidido em Éfeso.

-A palavra empregada foi “tókos” (τόκος), cujo significado é “parto”, ou seja, Maria foi quem deu à luz Jesus, a parturiente, de modo que o que se quis dizer é que, ao dar à luz Jesus (Lc.2:7), estava ela dando à luz um ser que é tanto homem quanto Deus.

-A partir desta definição, porém, iniciou-se a disseminação do que se tornaria a “mariolatria”, ou seja, a veneração a Maria como “a mãe de Deus”, como se tivesse sido dada a ela alguma autoridade ou posição distinta da dos demais seres humanos, já que era “a mãe de Deus”.

-Esta ideia não tem qualquer respaldo bíblico e é, aliás, infirmada nas Escrituras, seja porque Jesus nunca Se dirigiu a Maria usando da palavra “mãe”, mas, sempre, “mulher” (Jo.2:4; 20:26); seja porque transferiu seu dever filial a João pouco antes de Sua morte na cruz, mostrando que a maternidade era tão somente terrena

(Jo.20:26,27), seja porque, chamado por Sua mãe e irmãos, disse que Seus irmãos e mãe eram os Seus discípulos (Mt.12:48,49; Mc.3:33-35; Lc.8:20,21), mais uma vez mostrando que o parentesco terreno estabelecido não influía no parentesco espiritual decorrente da salvação por Ele operada.

-De qualquer maneira, neste concílio se reforçou a unidade da pessoa de Jesus, que, tendo duas naturezas, é uma só Pessoa.

-Todavia, esta unidade de Pessoa causou nova discussão doutrinária, pois Êutiques (378-456), um renomado monge de Constantinopla (tanto que possuía o título de “arquimandrita”, título dado a sacerdotes ou monges de certa idade que tinham angariado grande reputação) passou a defender que havia apenas uma natureza em Jesus, confundindo, assim, a unidade de Pessoa com a unidade de natureza.

-Para ele, Jesus tinha duas naturezas antes da encarnação, mas, advindo a encarnação, as duas naturezas teriam se fundido em uma só, ideia que foi acolhida no Segundo Concílio de Éfeso em 449, que foi considerado pelo bispo de Roma, Leão I (? – 461), “o sínodo dos ladrões”.

-Diante da não aceitação por muitos do Segundo Concílio de Éfeso, o imperador Marciano (392-457) acabou por convocar um concílio, o Concílio de Calcedônia, em 451, outra cidade da Bitínia, onde se anulou o quanto decidido no Segundo Concílio de Éfeso, reafirmando-se que a Pessoa de Jesus é única, mas duas são as Suas naturezas.

-O ensino de Êutiques passou a ser conhecido como “eutiaquianismo” ou “monofisismo”, sendo, a partir de então, considerado oficialmente uma heresia.

-Elaborou-se, então, uma definição que ficou conhecida como “Credo de Calcedônia”, “in verbis”:

“Fiéis aos santos Pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar que nosso Senhor Jesus Cristo é o mesmo e único Filho, perfeito quanto à divindade e perfeito quanto à humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, constando de alma racional e de corpo, consubstancial ao Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade; em todas as coisas semelhante a nós, exceto no pecado;

gerado segundo a divindade antes dos séculos pelo Pai, e, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da Virgem Maria, a portadora de Deus.

Um e só mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis e imutáveis, inseparáveis e indivisíveis.

A distinção de naturezas de modo algum é anulada pela união, mas, pelo contrário, as propriedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para formar uma só pessoa e subsistência; não dividido ou separado em duas pessoas, mas um só e o mesmo Filho Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor, conforme os profetas outrora a seu respeito testemunharam, e o mesmo Jesus Cristo ensinou-nos, e o Credo dos pais transmitiu- nos.” (DFAD. Apêndice, p.220).

-Algumas igrejas não aceitaram a conclusão do Concílio de Calcedônia, ocorrendo, então, o primeiro cisma dentro da Cristandade. As igrejas que mantiveram sua crença na única natureza de Jesus são chamadas de “monofisitas” e são elas: Igreja Copta do Egito, Igreja Copta da Etiópia, as igrejas jacobitas da Síria e a Igreja Católica Apostólica Armênia.

-A dupla natureza de Jesus, iniciada na encarnação, jamais terá fim. Jesus é Deus desde antes dos séculos e assim permanecerá. Jesus Se fez homem quando encarnou e assim permanecerá, pois, tendo morrido, ressuscitou e vive para todo o sempre (Ap.1:18).

-Por isso, o apóstolo Paulo diz que quem intercede por nós junto a Deus é “Jesus Cristo, homem” (I Tm.2:5), como também que, no juízo, o juiz será “o varão que destinou; e disso [Deus] deu certeza a todos, ressuscitando-o dos mortos” (At.17:31).

-No entanto, as discussões doutrinárias não terminaram por aí. Mesmo se admitindo a unidade de pessoa e a duplicidade de natureza, surgiu uma outra heresia, chamada de “monotelismo” (de “mono”, “um” em grego

e “telos”, “vontade” em grego), que passou a ensinar que Jesus, por ser uma só pessoa, tinha apenas uma vontade, já que Pessoa deve ser entendida como o centro de uma vontade.

-Esta doutrina foi defendida pelo Patriarca de Constantinopla, Sérgio I (? – 638) e tinha por intenção trazer de volta à Igreja os “monofisitas”, aqueles que não haviam se conformado com a decisão do Concílio de Calcedônia e gerado o primeiro cisma da Cristandade.

-Diante da discussão surgida, o imperador romano do Oriente (ou bizantino) Constantino IV (652-685) convocou o Terceiro Concílio de Constantinopla, em 680, que concluiu que o ensino de Sérgio I era herético e, após reafirmar o Credo de Calcedônia, também decidiu o seguinte:

“… Do mesmo modo, proclamamos nele, segundo o ensinamento dos santos Padres, duas vontades ou quereres naturais e duas operações naturais, sem divisão, sem mudanças, sem separação ou confusão.

E as duas vontades naturais não estão – longe disso! – em contraste entre si, como afirmam os ímpios hereges, mas a sua vontade humana segue sem oposição ou relutância, ou melhor, é submissa à sua vontade divina e onipotente. Era necessário, de fato, que a vontade da carne fosse guiada e submissa à vontade divina, segundo o sapientíssimo Atanásio.

Como, de fato, a sua carne é chamada a carne do Verbo de Deus e realmente o é, assim a vontade natural da sua carne é chamada, e é, vontade própria do Verbo de Deus, segundo o que ele mesmo afirma: “Desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” [Jo 6,38], chamando sua a vontade da sua carne, já que a carne se tornara sua.

De fato, como a sua carne, toda santa, imaculada e animada, se bem que deificada, não foi cancelada, mas permaneceu no próprio estado e no próprio modo de ser, assim também a sua vontade humana, ainda que deificada, não foi anulada, mas antes salvaguardada, segundo o que diz Gregório, o Teólogo: “De fato, o seu querer, considerado como o do Salvador, não é contrário a Deus, pois é totalmente divinizado”.

Nós louvamos no mesmo nosso Senhor Jesus Cristo, nosso verdadeiro Deus, duas operações naturais sem divisão, mudança, separação ou confusão: isto é, uma operação divina e uma operação humana.…” (apud DENZIGER, Henrici. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral da Igreja Católica. Trad. de José Marino Cruz e Johan Konings. 40. ed. alemã. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2006. Pp.203-4).

-A unidade de Pessoa não significa unidade de vontade. Jesus Se fez homem e o homem é dotado de livre- arbítrio. Assim, enquanto homem, Jesus tinha vontade, e, como Deus, sempre teve vontade. Esta distinção de vontades fica bem evidenciada em textos como Jo.4:34 e se mostra clarividentemente no episódio do Getsêmane, onde Jesus sacrifica a Sua vontade humana em favor da vontade divina (Mt.26:39,42,44; Mc.14:36,39; Lc.22:42).

-Graças a esta verdade bíblica, podemos crer que, assim como Jesus, podemos nos submeter à vontade de Deus, renunciando a nós mesmos, a ponto de tornar realidade em nossas vidas o que já era vivenciado pelo apóstolo Paulo, que não mais vivia mas Cristo vivia nele (Gl.2:20).

-Jesus é uma só pessoa, mas, desde a encarnação, tem duas naturezas, distintas mas inseparáveis, é esta a verdade bíblica, que nunca pode ser desacreditada.

 Pr. Caramuru Afonso Francisco

Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/11228-licao-7-as-naturezas-humana-e-divina-de-jesus-i

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