LIÇÃO Nº 7 – ÉTICA CRISTÃ E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
Questão surgida com o desenvolvimento da ciência, a doação de órgãos do corpo não encontra, obviamente, um tratamento direto na Bíblia Sagrada, mas a estrutura ética da Palavra de Deus, que jamais se torna desatualizada, responde não só a esta questão mas a outras dela decorrentes.
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INTRODUÇÃO
– Um assunto que tem sensibilizado o mundo a partir da segunda metade do século XX tem sido o da doação de órgãos do corpo, questão surgida com o desenvolvimento da medicina que conseguiu, através da técnica dos transplantes, uma grande vitória no sentido de permitir a sobrevida do ser humano.
Entre nós, os brasileiros, a questão esteve na ordem do dia por causa da aprovação e sanção da lei 9434/1997, que veio alterar o tratamento do tema entre nós. Como deve o cristão se comportar perante este importante assunto ?
I – O QUE É DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
– Antes de analisarmos a questão desta lição, é preciso observar que a Bíblia Sagrada nos mostra que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus (Gn.1:26) e esta imagem e semelhança, entre outros aspectos, revela-nos que o homem é uma triunidade, assim como Deus, sendo tricotômico, tendo corpo, alma e espírito (I Ts.5:23, Hb.4:12).
Deste modo, o homem é uma unidade mas possui três partes, todas elas devendo ser consagradas ao Senhor.
– Dentro desta realidade bíblica, o homem deve se preocupar não só com seu bem-estar espiritual, mas também com o seu bem-estar material, evitando que seu corpo, que é templo do Espírito Santo (I Co.6:19), seja utilizado para o mal.
Assim, o corpo do homem deve ser utilizado de forma a dar bem-estar tanto a seu mordomo (pois o corpo, como tudo que é concedido ao homem, é do Senhor – Sl.24:1), quanto ao próximo. O que fizermos por meio do corpo será alvo do julgamento divino (II Co.5:10).
– Assim, quando falamos em doação de órgãos do corpo, estamos falando de um ato sem qualquer finalidade comercial, por isso se fala em doação e não em venda.
Quando se fala de doação de órgãos do corpo, está-se falando em um ato que não compromete a vida do doador, ou seja, ou ele já está morto ou, então, trata-se de órgão duplo ou regenerável.
Jamais se pode conceber uma doação de órgãos que venha a causar a morte de alguém, pois, como vimos na lição sobre a eutanásia e o suicídio, só Deus é o dono da vida (I Sm.2:6), não podendo o homem dela dispor, ainda que sob o argumento de permitir a sobrevida ao próximo.
– Não resta dúvida de que, se alguém precisa de um órgão para sobreviver e nós podemos fornecê-lo, enquanto servos de Deus nós devemos fazê-lo, pois a Bíblia é bem clara ao afirmar que devemos fazer o bem que está a nosso alcance e, se não o fizermos, estaremos pecando (Tg.4:17; I Jo.3:17,18).
– Assim, o ato de doação de órgãos se apresenta como uma manifestação do amor de Deus na vida do cristão, um amor altruísta, ou seja, um amor que não pensa em si mesmo, mas que leva em consideração o outro, o próximo, a quem devemos amar como a nós mesmos (Lv.19:18; Mt.22:39).
Verificamos, portanto, que todo cristão deve doar seus órgãos “post mortem” ou, se lhe for solicitado, contribuir para a saúde de outrem doando um órgão duplo ou regenerável (como o sangue ou o leite, v.g.).
II – ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À DOAÇÃO DE ÓRGÃOS
– Argumentos contrários à doação de órgãos sempre estão relacionados a noções errôneas sobre o ser humano ou sobre a Palavra de Deus.
Assim, por exemplo, os argumentos contrários à transfusão de sangue, desenvolvidos notadamente pelas Testemunhas de Jeová, que são fruto de uma errônea concepção do sangue como sendo a “alma” das pessoas, o que, à evidência, não corresponde ao ensinamento bíblico a respeito. Há, também, quem não permita a doação de órgãos porque entende que a ressurreição ficaria comprometida, esquecidos de que a ressurreição para o arrebatamento se fará em corpo glorioso, pois a carne e o sangue não herdarão o reino de Deus (I Co.15:44,50,52-54), enquanto que a ressurreição para o juízo do trono branco também será uma restauração milagrosa, não ficando Deus adstrito a peculiaridades como a decomposição dos organismos (Ap.21:12,13).
– Vê-se, portanto, que, por detrás de resistências à doação de órgãos, estão conceitos errados e sem respaldo bíblico, a demonstrar, claramente, que nada pode obstar um gesto altruísta e revelador do verdadeiro amor que Cristo coloca em nossos corações, que é a doação de órgãos.
OBS: “…Parece claro que as objeções ao transplante de órgãos realmente são reações emocionais, sem qualquer base ética.
Antes, alicerçam-se sobre sentimentos dos que desejam proteger àqueles que foram amados em vida. Essa proteção volta-se para o corpo, tão intimamente vinculado à pessoa, embora não seja a pessoa propriamente dita.
As pessoas olvidam-se que a pessoa tão-somente usara o corpo físico como um veículo; e assim, se partes desse corpo puderem melhorar as vidas de outras pessoas, então o uso dessas partes é até eticamente desejável e não apenas permissível….Não fossem os sentimentos de certas pessoas, que se preocupam somente em prolongar a vida física, ao mesmo tempo em que elas negligenciam frivolamente os interesses da alma, o homem real, nem se pensaria em objeções supostamente éticas ao transplante de órgãos.” (CHAMPLIN, Russel Norman. Dicionário de Biblia, Teologia e Filosofia, v.6, p.484)
– Não iremos, entretanto, afirmar aqui que a doação deva ser obrigatória e imposta a todas as pessoas, como entendeu, numa primeira redação, a atual lei brasileira a respeito do tema( artigo 4º da lei 9434/1997, que dizia em seu “caput”:
“ Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem.”), que, neste passo, inspirou-se na legislação espanhola, criando uma presunção de que todos são doadores, ou seja, de que a pessoa, para não ser considerada doadora, deve dizê-lo por expresso, na carteira de identidade civil e na carteira nacional de habilitação, sob pena de não ser respeitada sua vontade contrária, ou de seus familiares.
– Não devemos nos esquecer que, sendo dever do Estado providenciar a saúde de todos( artigo 196 da Constituição da República), é natural que, sob o ponto-de-vista do Governo, a melhor maneira para se tentar resolver os problemas de saúde de seus governados seja a presunção estabelecida pela lei espanhola e acompanhada, com ressalvas, pela lei brasileira.
O Governo deve se interessar pelo bem comum e a presunção, se acompanhada de uma eficiente rede de retirada de órgãos para seu pronto aproveitamento, caminha neste sentido, pois é dever do Estado fazer políticas que conduzam “à redução do risco de doença e de outros agravos” (art.196 da Constituição da República).
– Entretanto, não devemos, também, deixar de reconhecer que, dentro de uma ordem jurídica que prima pela valorização do ser humano, tenha o indivíduo o direito de dar o destino de seu corpo após a sua morte, até porque se trata de um direito indisponível, inalienável e que merece plena proteção do Estado.
Enquanto cristãos, sabemos que o corpo é o templo do Espírito Santo e não podemos permitir que ele seja agredido, vilipendiado ou destruído. Embora não devamos satisfazer a carne, não podemos confundir a carne, que são os desejos pecaminosos, com o corpo que, em si mesmo, é santo e bom, até porque foi obra do próprio Deus (Gn.2:7).
– Assim sendo, como cada um é administrador do seu próprio corpo e dele prestará contas a Deus, afigurase-nos como arbitrária a determinação de um governo de dar o destino aos órgãos do corpo de um indivíduo morto, contra a sua própria vontade.
É preciso que o Governo conscientize seus cidadãos da importância da doação de órgãos, do significado deste gesto, mas não prive o indivíduo do direito de dar o destino que quiser a seu corpo.
O próprio Deus não invade o livre-arbítrio do homem, não podendo, pois, qualquer governo querer fazê-lo. Deste modo, entendemos que a presunção estabelecida pela lei brasileira não corresponde ao ideal bíblico para o tema, pois atos como a doação de órgãos, para terem validade perante Deus, hão de ser voluntários, pois Deus ama a quem o faz com alegria, de coração, e não por necessidade ( II Co.9:7; Mc.12:43,44; Lc.7:44-50).
A lei acabou, inclusive, sofrendo modificações, com a obrigatoriedade de confirmação pela família do morto de que não havia, por parte do falecido, objeção à retirada de seus órgãos (a medida provisória 1.718, de 5/11/1998 acrescentou um parágrafo ao art.4º da lei 9434/1997, estabelecendo que “na ausência de manifestação de vontade do potencial doador, o pai, a mãe, o filho ou o cônjuge poderá manifestar-se contrariamente à doação, o que será obrigatoriamente acatado pelas equipes de transplante e remoção”).
– A igreja, portanto, não deve forçar pessoa alguma a fazer doação de órgãos, mas deve ensinar que este gesto é uma revelação do verdadeiro amor cristão e que, quem o fizer de coração, certamente será abençoado e um poderoso instrumento de Deus para a vida de um próximo. Não é por força nem por violência, mas pelo Espírito de Deus (Zc.4:6).
– Devemos, também, fugir ao pensamento favorável à doação de órgãos, mas que também tem motivações errôneas, como os conceitos de que, na doação de órgãos, a pessoa alcançará sobrevida no corpo de um terceiro, algo disseminado pela milenar e antibíblica crença na transmigração das almas (que, aliás, é o mesmo conceito errado dos russelitas,
só que aplicado para conclusão contrária à das Testemunhas de Jeová), ou que este gesto representa um ato de caridade ou uma boa obra que representará evolução espiritual (entendimento dos espíritas kardecistas) ou purgação de pecados (entendimento de católicos romanos). Quem doa órgãos com esta motivação está sendo interesseiro, egoísta, podendo, mesmo, ser comparado a Judas Iscariotes no episódio da mulher que ungiu o corpo de Jesus(Jo.12:3-6), uma filantropia que visa o próprio interesse.
Estes já têm aqui o seu galardão e, como o fariseu da parábola de Jesus (Lc.18:9-14), nenhuma justificação obterão, até porque as obras não salvam pessoa alguma (Gl.2:16).
– Um grande entrave para a doação de órgãos é o receio de que os mesmos sejam objeto de comercialização, o famoso “tráfico de órgãos”, negócio escuso que tem crescido enormemente no mundo e que está, inclusive, relacionado com o aborto, com a adoção ilegal e com o tráfico de crianças em todo o mundo.
Este sentimento, entretanto, assemelha-se àquele que é muito propagandeado pelos inimigos do dízimo, segundo o qual não se deve dizimar por receio de que o dinheiro sirva para a locupletação de alguns ao invés de servir à obra do Senhor.
Na verdade, trata-se de uma desculpa de quem não quer doar seus órgãos.
Existe o risco da comercialização ? Existe, mas não é por causa disto que deixarei de fazer o bem. Se alguém utilizar indevidamente meus órgãos, ele prestará contas diante de Deus (e quiçá dos homens) pela sua conduta, mas eu terei feito a minha parte.
A responsabilidade pelos atos é individual. (Um belo exemplo disto é o general Joabe, comandante do exército de Davi, que, por duas vezes, praticou atos de traição, valendo-se de sua posição e implicando o rei Davi que, em vida, nenhuma atitude tomou, mas, antes de morrer, lembrou seu filho Salomão destas maldades, que tiveram o devido pagamento – I Rs.2:5,6).
Por causa de um risco, deixamos de fazer o bem, o que não é razoável. Nunca devemos deixar de aproveitar uma oportunidade para fazer o bem, pois foi assim que Jesus procedeu em Seu ministério terreno (At.10:38).
– De igual modo, há aqueles que se negam a doar órgãos porque têm receio de que sejam privilegiados ricos em detrimento de pobres, o que se insere na mesma linha de pensamento do item anterior, porquanto se isto acontecer será algo a ser resolvido entre Deus (e quiçá os homens) e o que promover a discriminação, pois, para Deus, não há acepção de pessoas (Dt.10:17; At.10:34).
– Alguns entendem que não se deve doar órgãos porque isto seria uma demonstração de falta de fé em Deus na cura de enfermidades.
Outro conceito errôneo, pois Deus opera, também, pela ciência e se há possibilidade de nós cedermos um órgão para a cura da enfermidade de alguém, estaremos mostrando o amor de Deus que está em nossos corações e contribuindo para a sobrevida.
O desenvolvimento da ciência é resultado do amor de Deus para com o homem e podermos servir de instrumento para a cura de alguém, ainda que pelas mãos dos médicos, é uma grande bênção. Jamais a Bíblia Sagrada condenou a prática da medicina ou a utilização de seus recursos.
Tanto assim é que até o apóstolo Paulo, cujos lenços e aventais tinham até virtude (At.19:11,12), não deixou de receitar um remédio a seu filho na fé, Timóteo (I Tm.5:23).
Uma atitude desta natureza, ademais, é querer impor a Deus o modo pelo qual Ele deve operar, o que é inadmissível, pois Deus é o Senhor e nós somos apenas Seus servos.
– Questão que também se põe é a do uso de cadáveres nos estudos de medicina e de outras ciências da área da saúde bem como da possibilidade de doação do próprio corpo para que este fim.
A questão é se tal disposição de todo o organismo não estaria a vulnerar a dignidade da pessoa humana, bem como se não se teria aí, também, uma demonstração de amor ao próximo, pois se estaria doando todo o ser para que se pudessem formar profissionais que ajudarão muitos a viver.
– No Brasil, o cadáver que não for reclamado no prazo de trinta dias e sobre os quais não houver dados que permitam identifica-lo, bem assim em que não haja indícios de que a morte tenha sido causada pela prática de um crime, pode ser encaminhado para utilização para fins de ensino e pesquisa de caráter científico em escolas de medicina (lei 8.501/1992).
– A disposição parece proibir que alguém, voluntariamente, ceda seu corpo para esta finalidade. Sob o ponto-de-vista da ética cristã, tal disposição se apresenta como válida e de acordo com as Escrituras, desde que também estejam presentes todos os parâmetros da doação de órgãos.
III – POSICIONAMENTO CRISTÃO
– Pelo que observamos, pois, temos que o posicionamento cristão a respeito da matéria é a de que o crente deve, sim, doar seus órgãos “post mortem” ou, em havendo necessidade, órgãos duplos em vida , sem se falar na doação de órgãos regeneráveis (como o sangue, v.g.), por ser esta uma expressão do verdadeiro amor cristão e uma atitude em defesa da vida, que deve ser, sempre, incentivada e estimulada por atitudes práticas pela igreja.
– Esta doação deve ser altruísta e voluntária, ou seja, deve ser feita sem qualquer interesse que não seja o bem-estar do próximo, bem como deve partir do interior do coração, ser algo voluntário e decidido, sem o que não terá valor algum do ponto-de-vista espiritual.
– A doação de órgãos deve ser acompanhada pela família do cristão, a fim de impedir que este gesto altruísta seja desvirtuado por interesses comerciais ou escusos, lembrando que a lei brasileira reconhece este direito aos familiares.
Entendemos, inclusive, que, se houver fortes indícios de que os órgãos serão retirados por pessoas escusas e sem qualquer credibilidade, exerçam os familiares cristãos, validamente, o direito de recusa de retirada dos órgãos do ente querido falecido.
A Bíblia diz que tudo devemos fazer por fé e sem problema de consciência, não devendo consentir com os que praticam o pecado.
– Os cristãos saudáveis devem se empenhar, sempre, em promover a doação de órgãos regeneráveis, como, por exemplo, o sangue, não apenas uma vez ao ano, para obtenção do benefício da falta abonada no serviço, que é garantido pela Consolidação das Leis do Trabalho (artigo 473, inciso IV), mas como expressão de amor cristão.
– Os cristãos devem se abster de práticas mercantilistas que envolvem a doação de órgãos, jamais participando de qualquer atividade que, direta ou indiretamente, represente a venda de órgãos, tecidos ou partes dos corpos ou obtenção de qualquer vantagem econômica com tais ações.
Além de isto ser considerado crime pela lei brasileira, apenado com reclusão de três a oito anos e multa (artigo 15 e seu parágrafo único da lei 9434/1997), trata-se de transgressão contra a Palavra de Deus, demonstração de avareza e de amor do dinheiro, raiz de toda a espécie de males (I Tm.6:9,10) e de total desconsideração para com o próximo, comprovando que o amor de Deus não está nele (I Jo.4:7,8,21).
– Os cristãos devem se empenhar na construção de uma eficiente rede de retirada de órgãos dos doadores potenciais, a fim de que haja a possibilidade de redução e, quem sabe, eliminação, das enormes filas dos que aguardam o transplante como única chance de sobrevida,
aproveitando, também, para efetuar um trabalho de evangelização a estas pessoas, que devem saber que, além do transplante, existe a possibilidade da cura milagrosa por parte de Deus, que continua sendo Jeová-Rafá, o Deus que sara! (Ex.15:26).
Esta evangelização será eficaz na medida em que não somente falaremos da perspectiva do milagre, mas também estaremos nos esforçando para que a esperança do transplante seja uma realidade.
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: http://www.portalebd.org.br/classes/adultos/2170-licao-7-etica-crista-e-doacao-de-orgaos-i