LIÇÃO Nº 7 – OS DEZ MANDAMENTOS DO SENHOR
No Sinai, Deus fez um pacto com Israel.
INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo do livro de Êxodo, estudaremos os capítulos 19 e 20.
– No Sinai, Deus fez um pacto com Israel.
I – ISRAEL CHEGA AO MONTE SINAI
– Após a partida de Jetro para a sua terra, o povo de Israel prosseguiu a sua jornada rumo ao Monte Sinai, tendo ali chegado no terceiro mês da saída do Egito (Ex.19:1). Os comentaristas judeus entendem que os filhos de Israel chegaram ao Sinai no início do terceiro mês, que é o mês de Sivã (Et.8:9). Como eles haviam saído do Egito no dia quinze do mês primeiro, mês que tem 30 dias, peregrinaram durante os 29 dias do mês segundo ( o mês de Zive ou Ijar – I Rs.6:1,37, que tem 29 dias), perfazendo, portanto, um total de 44 dias de peregrinação.
– Os israelitas partiram de Refidim, onde haviam perdido a oportunidade de receber a promessa de Abraão, após terem tentado ao Senhor, uma clara demonstração de incredulidade, que corresponde a uma apostasia, ou seja, um desvio espiritual que sempre caracteriza o término de uma dispensação, este período de tempo em que Deus age de uma determinada maneira junto ao homem com vistas à sua salvação.
– O povo, que havia crido em Deus e O adorado quando da chegada de Moisés ao Egito (Ex.4:31), deu demonstrações de incredulidade mesmo depois da manifestação do poder de Deus com as pragas no Egito e na própria libertação do povo, demonstrações estas que foram em número de sete, mostrando, assim, um coração resistente para crer no Senhor.
OBS: “…Como resultado de sua transgressão (Gl.3:19), os israelitas foram agora colocados sob a disciplina precisa da lei. A lei é clara sobre: 1) a espantosa santidade de Deus (Ex.19:10-25); 2) a extrema pecaminosidade do homem (Rm.7:13; I Tm.1:8-10); 3) a necessidade de obediência (Jr.7:23,24); 4) a universalidade do fracasso do homem (Rm.3:19,20) e 5) a maravilha da graça de Deus ao prover uma maneira de aproximar o homem de si por meio de sangue de sacrifícios – que era tipológico – olhando para o futuro, para um Salvador que seria o Cordeiro de Deus para tirar o pecado do mundo (Jo.1:29), manifestando ‘a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas’ (Rm.3:21)…” (BÍBLIA DE ESTUDO SCOFIELD. Com. Ex.19:1, p.82).
– Como resultado desta descrença, Israel não estava preparado para receber o Senhor em seus corações, para ter pautado o seu relacionamento com Deus com base na fé, assim como havia ocorrido não só com Abraão mas com os outros patriarcas (Hb.11:10-16), de sorte que haveriam de receber uma outra maneira de tratamento, qual seja, a lei, que serviria de aio, de condutor até a realização da promessa da redenção, que se daria apenas com a posteridade de Abraão, a saber, Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (Gl.3:17-24), Aquele que seria anunciado pelo próprio Moisés em sua despedida do povo (Dt.18:15-18).
OBS: Por sua biblicidade, reproduzimos aqui o Catecismo da Igreja Romana: “As teofanias (manifestações de Deus) iluminam o caminho da promessa, dos patriarcas a Moisés e de Josué até às visões que inauguram a missão dos grandes profetas. A Tradição cristã sempre reconheceu que, nestas teofanias, o Verbo de Deus Se deixava ver e ouvir, ao mesmo tempo revelado e «velado», na nuvem do Espírito Santo.Esta pedagogia de Deus manifesta-se especialmente no dom da Lei (. Ex 19-20 Dt 1-11 Dt 29-31). A Lei foi dada como um «pedagogo» para conduzir o povo a Cristo (Gl.3:24). Mas a sua impotência para salvar o homem, privado da «semelhança» divina e o conhecimento acrescido que ela dá do pecado (Rm.3:20) suscitam o desejo do Espírito Santo. Os gemidos dos Salmos são disso testemunho.” (§§ 708 e 709 CIC)
– No entanto, ao chegarem ao monte Sinai, algo importante aconteceu aos filhos de Israel. As Escrituras dizem que eles acamparam no deserto, defronte ao monte. O texto é elucidativo: diz que os filhos de Israel acamparam-se no deserto, mas que Israel acampou-se defronte ao monte. Esta expressão de que “Israel acampou”, depois de dizer que “os filhos de Israel acamparam-se”, dá uma demonstração de unidade, que era, assim, restaurada, depois dos lamentáveis episódios da peregrinação até o Sinai.
– Rashi (1040-1115), o grande comentarista judeu da Torá, afirma que “…Eles [os filhos de Israel, observação nossa] acamparam lá como um único homem com um só coração…” (CHUMASH: o livro de Êxodo, p.131). “…Rashi, o grande comentarista da Torá, escreveu que essa aparente peculiaridade visa mostrar-nos que quando os judeus alcançaram o Monte Sinai, todos eles acamparam como se fossem uma só pessoa, com um só coração, com um sentimento em uníssono. Foi o momento em nossa história em que os judeus estiveram mais unidos do que nunca. E tal união era a condição necessária para que merecessem testemunhar a Revelação Divina e receber a Torá…” (SHAVOUT: a entrega da Torá. Revista Morashá, edição 49, jun. 2005. Disponível em: http://www.morasha.com.br/ Acesso em 17 dez. 2013).
– Vemos, então, que, após a superação da contenda contra o Senhor, os israelitas recuperaram a unidade, unidade que já havia sido demonstrada na obediência às ordens dadas por Deus a Moisés quando da celebração da Páscoa. Assim como haviam sido unidos e, por causa desta união, passado da morte para a vida, agora, também, se tornariam a “propriedade peculiar de Deus dentre os povos” ao firmarem o pacto com Deus no Sinai. Razão tem, portanto, o salmista ao afirmar que onde há união, o Senhor ordena ali a bênção e a vida para sempre (Sl.133:3).
– Hoje em dia não é diferente. O Senhor também sempre há de trazer bênção e vida para o Seu povo quando ele estiver unido na presença do Senhor. Da mesma forma que o povo de Israel se uniu e recebeu a lei no monte Sinai, os discípulos de Jesus Cristo estavam todos reunidos no mesmo lugar quando receberam o Espírito Santo e foram revestidos de poder para ser testemunhas do Senhor Jesus até os confins da terra (At.2:1-4). Deus é o mesmo, não muda (Ml.3:6), de sorte que devemos todos buscar esta união na presença do Senhor para que possamos não só sermos abençoados, mas sermos uma bênção neste mundo.
– Diante desta unidade, o Senhor mandou que Moisés subisse ao monte e lá, uma vez mais, o Senhor o chamou, apresentando a proposta de pacto a Israel. O Senhor disse a Moisés que, assim como o povo de Israel havia visto o que fizera aos egípcios e como os conduzira até o Sinai, se ele ouvisse a Sua voz e guardasse o Seu concerto, tornar-se-ia a propriedade peculiar de Deus dentre os povos e seria um reino sacerdotal e um povo santo (Ex.19:3-6).
– O Senhor, então, propôs a Israel que aceitasse se tornar o Seu povo, um reino sacerdotal e um povo santo. Para ser o povo de Deus, é necessário que se esteja disposto a pertencer ao Senhor, ou seja, deixar de ter vontade própria, passar a fazer única e exclusivamente a vontade de Deus, servindo-Lhe durante todo o tempo.
– Para ser o povo de Deus, é preciso tornar-se um “reino sacerdotal”, ou seja, é imperioso que se adote o Senhor como rei, como o único governante, governante perpétuo, que jamais terminará seu mandato, já que é eterno, como também estar disposto a ser sacerdote, ou seja, a fazer diferença entre o sagrado e o profano, de estar sempre pronto a se apresentar diante de Deus, bem como a interceder pelos outros, buscando que os outros sejam propícios ao Senhor.
– Para ser o povo de Deus, é preciso tornar-se um “povo santo”, ou seja, que se esteja disposto a viver separado do pecado, não só distinguindo entre o que é sagrado e profano, mas, também, ficando sempre do lado do que é sagrado, do que é santo, consagrando-se inteiramente ao Senhor.
– Estas três propostas divinas feitas a Israel também são feitas a toda a humanidade, após a vitória de Cristo sobre a morte e o pecado. Jesus também convida o homem hoje a tomar parte do povo de Deus, que é a Igreja.
OBS: “…Já da graça oferecida aos judeus conclui-se com certeza que a lei não havia sido vazia de Cristo, pois Moisés lhes propôs esta finalidade da adoção: que fossem um reino sacerdotal a Deus [Ex 19.6], o que não podiam alcançar, salvo se uma reconciliação se interpusesse, maior e mais excelente que de sangue de animais [Hb 9.12-14]. Ora, a não ser que tão excelente bem lhes proviesse de outra parte que não de si mesmos, que é menos congruente que serem elevados à régia dignidade, e desse modo os filhos de Adão se fazerem participantes da glória de Deus, que de mácula hereditária nascem todos na servidão do pecado?
Também, como pôde vigorar o direito de sacerdócio entre aqueles que, pela sordidez das transgressões, eram abomináveis a Deus, a não ser que fossem consagrados em uma Cabeça Santa? Por isso, com muita propriedade, Pedro converte esse postulados de Moisés, ensinando ter sido exibida em Cristo a plenitude da graça, cujo gosto os judeus haviam provado sob a lei: “Vós sois a raça eleita”, diz ele, “o sacerdócio real” [1Pe 2.9]. Ora, a reversão dos termos aponta para isto: terem alcançado mais aqueles a quem Cristo apareceu mediante o evangelho do que seus pais, pois que todos foram dotados da dignidade sacerdotal e real, de sorte que, confiados em seu Mediador, ousem achegar-se livremente à presença de Deus.…” (CALVINO, João. Institutas ou Tratado da Religião Cristã, v.2, Liv. II, cap. VII, p.113. Disponível em: http://protestantismo.ieadcg.com.br/institutas/joao_calvino_institutas2.pdf Acesso em 18 dez. 2013).
– A Igreja também é propriedade de Deus dentre os povos. Como afirma o apóstolo Paulo, somos de Deus em Jesus Cristo (I Co.1:30), não somos de nós mesmos, porque fomos comprados por bom preço (I Co.6:19,20).
– A Igreja, também, é sacerdócio real (I Pe.2:9), foi feita rei e sacerdote por Cristo para Deus e seu Pai (Ap.1:5,6), sendo chamada para reinar com Cristo para sempre, como também para interceder por todos os homens, levando-lhes a mensagem do Evangelho (Mc.16:15; I Tm.2:1-3).
– A Igreja, por fim, é uma nação santa (I Pe.2:9), que, santificada por Cristo Jesus, é chamada santa e invoca o nome do Senhor Jesus (I Co.1:2), devendo viver em santificação a fim de que possa ver o Senhor naquele dia (Hb.12:14).
– Diz a tradição judaica que o Senhor apresentou esta proposta a Moisés no segundo dia do mês de Sivã, no dia seguinte que Israel chegou ao monte Sinai. “…No primeiro dia do mês de Sivan, chegam os Filhos de Israel ao Monte Sinai. No dia seguinte, chamou o Eterno ao alto da montanha a Seu profeta, para anunciar que Ele tomaria para Si, como Seu Povo Escolhido, aos Filhos de Israel. O processo do recebimento da Torá iniciou-se, pois, no dia seguinte, o segundo do mês, quando o Todo-Poderoso pronuncia Sua primeira mensagem a Israel, por intermédio de Moisés. Nesta, Ele menciona Seu Infinito amor pelo povo judeu e lhes promete que se ouvissem atentamente a Sua Voz e assumissem a grande responsabilidade de guardar a Sua aliança e aceitar a Sua Lei, seriam para Ele, “o tesouro de todos os povos, …um reino de sacerdotes e um povo santo”.…” (SHAVUOT: a entrega da Torá, end.cit.).
– Moisés desceu do monte e apresentou a proposta aos anciãos de Israel. O povo, então, respondeu a uma só voz que fariam aquilo que o Senhor havia falado (Ex.19:8). “…Moisés então retorna a D’us, no terceiro dia do mês. E ouve do Todo-Poderoso a promessa que lhe fizera quando por primeira vez Se fizera ver diante dele, de que Se revelaria a todos os judeus [Ex.3:12, observação nossa]. D’us falaria a Moisés em meio a uma espessa nuvem, de tal forma que todo o povo pudesse ouvir Sua Voz para que, assim, soubessem todos que ele, Moisés, era profeta verdadeiro. Só assim poder-se-ia ter a garantia de que todas as futuras gerações aceitariam a origem Divina da Torá e a incontestabilidade dos ensinamentos de Moisés. De modo a estabelecer a Torá como a Palavra – eterna e imutável – de D’us, a Revelação no Sinai se fez diante de todos.…” (SHAVUOT: a entrega da Torá. end.cit.).
– O povo aceitou a proposta divina e, por causa disso, tornar-se-ia o povo de Deus, a “propriedade peculiar de Deus dentre todos os povos”. Israel passava, assim, não somente a ser uma nação, mas a ser a nação sacerdotal de Deus entre os homens, ou seja, o povo pelo qual Deus Se manifestaria a toda a humanidade.
– O Senhor prosseguia, então, o seu processo de formação do povo de Israel. Após ter multiplicado o povo, criando uma população, bem como ter iniciado a formação de uma cultura própria, também estava instituindo um governo, pois daria leis ao povo, não só as leis fundamentais do relacionamento com Ele, que seriam os “dez mandamentos”, como também as próprias leis de convivência entre os homens, as “leis civis”, sem falar nas “leis religiosas” concernentes a todo o cerimonial de sacrifícios e a própria construção do tabernáculo, tudo seria dado ali no monte Sinai, onde o povo ficaria por um espaço de dez meses e vinte dias (Nm.10:11).
– Diz a tradição judaica que, no Sinai, o povo de Israel alcançou a verdadeira estatura de nação, pois, embora tivesse sido liberta do Egito, não tinha alcançado ainda a libertação espiritual, o que se deu apenas quando teve um encontro pessoal com o Senhor no monte Sinai. Na verdade, somente alcançamos a verdadeira liberdade quando temos um encontro com o Senhor, pois somente quem conhece a verdade, que é Cristo, pode ser verdadeiramente liberto (Jo.8:32-36).
– O verdadeiro encontro com o Senhor é o que nos concede a libertação. Por isso, somente se pode confessar publicamente que somos salvos, o que ocorre no batismo nas águas, quando há evidências de que ocorreu este encontro, ou seja, quando nos libertamos dos vícios e de tudo quanto praticávamos quando ainda estávamos no mundo e no pecado. Daí a exigência de que haja um verdadeiro testemunho cristão antes que alguém possa descer às águas do batismo, ensino com pleno respaldo bíblico que, infelizmente, não tem sido observado por muitos em nossos dias…
– Moisés, então, retornou até o monte para dar a resposta do povo a Deus, ocasião em que o Senhor lhe disse que, então, viria numa nuvem espessa, a fim de que o povo ouvisse quando o Senhor falasse com Moisés e para que cressem nas palavras que Moisés fosse dizer ao povo (Ex.19:9).
– O Senhor mostra, então, que o relacionamento que passaria a existir entre Ele e Israel não era o mesmo tipo de relacionamento que tinha existido entre ele e os patriarcas. Por primeiro, o Senhor não falaria diretamente ao povo, conquanto o povo fosse ouvir o que seria dito. Bem diferente do que se passou com Abraão, que exultou ao ver o dia da redenção da humanidade em Cristo Jesus (Jo.8:56).
– Haveria uma mediação, através de Moisés, que havia sido escolhido para ser o legislador, ao contrário do que se passara com os patriarcas, que tinham acesso direto ao Senhor, que lhes falava diretamente (Gn.12:1-3; 26:2-5; 28:13-15).
– Deus falaria a partir de uma nuvem espessa, ou, como diz a Bíblia de Jerusalém, “na escuridão de uma nuvem”, a demonstrar, portanto, que o pacto a ser selado indicava apenas “sombras” (Hb.10:1), não a verdadeira luz, algo que somente viria com o Senhor Jesus (Jo.1:4; 8:12; 9:5), a posteridade de Abraão (Gl.3:16).
– Mesmo sendo um pacto inferior ao dos patriarcas, não deixava de ser um encontro com Deus e, por isso, o Senhor mandou que o povo deveria se santificar durante dois dias e, no terceiro dia, deveriam estar prontos, pois o Senhor desceria diante dos olhos de todo o povo sobre o monte Sinai (Ex.19:10,11). Como se estava no terceiro dia de Sivã, a descida de Deus no monte se deu, então, no dia seis de Sivã, que é o dia em que os israelitas celebram a festa de Shavuot, ou festa das semanas, ou, ainda, a festa de Pentecostes, ou seja, exatamente cinquenta dias depois da Páscoa (os 44 dias de peregrinação até o Sinai mais estes seis dias do terceiro mês, perfazendo, então, 50 dias).
– A exigência da santificação para o encontro com Deus é mais uma demonstração de que não podemos nos apresentar diante de Deus senão em santidade. O apóstolo Paulo diz que devemos apresentar nossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o nosso culto racional, não nos conformando com este mundo, mas nos transformando pela renovação do nosso entendimento para que experimentemos qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm.12:1,2).
– Quando nos reunimos para cultuar ao Senhor, devemos estar em santidade. É por este motivo que é costume salutar que se chegue ao templo pelo menos uma meia hora antes do início da reunião para que nos dediquemos à oração, obtendo, assim, do Senhor o perdão dos nossos pecados e um espírito voluntário a fim de que possamos adorá-l’O convenientemente. Para receber a lei, uma dispensação inferior à nossa, o povo teve de se santificar. Como podemos querer nos apresentar diante de Deus de qualquer maneira? Pensemos nisto, amados irmãos!
– Nesta santificação, o povo, também, lavou os seus vestidos (Ex.19:10,14). As vestes dos israelitas tinham de estar limpas, afinal de contas, eles seriam constituídos como sacerdotes naquele encontro. O sacerdote sempre tem que estar com as suas vestes santas (Ex.28:2-4; 31:10; 35:19), que outras não são senão as vestes da salvação (Is.61:10), vestes lavadas no sangue do Cordeiro (Ap.7:14), vestes que nos permitirão entrar na cidade celestial pelas portas (Ap.22:14), vestes que representam as justiças dos santos (Ap.19:8). Como estão as nossas vestes?
– É interessante observar que Deus disse que iria “descer diante dos olhos de todo o povo sobre o monte de Sinai”. O Senhor, com esta expressão, queria mostrar que Ele não habitava no monte, mas, sim, nos céus dos céus, mas que queria Se fazer próximo do povo. É por isso que o próprio Moisés, quando repetia a lei, fez questão de afirmar que os mandamentos não estavam distantes do povo, de modo que eles não pudessem cumpri-los (Dt.30:11-14). Deus quis Se aproximar do povo, para que houvesse um relacionamento íntimo, ou, na expressão hebraica, um verdadeiro “conhecimento” entre Deus e o Seu povo. Como afirmou o pai da Igreja Efrém da Síria (306-373): “…Deus, sobre o monte Sinai, rebaixou Sua Palavra até falar das coisas da terra e uma multidão inumerável ficou tomada de pavor…” (Confissões, Liv.2, n.12. citação de Ex.20:22-26. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 17 dez. 2013) (tradução nossa de texto em francês).
OBS: Eis o comentário de Rashi a respeito desta expressão “descer”: “…Você poderia pensar que Ele realmente desceu na montanha. Para contraria esta noção a Torá diz: ‘Vocês viram que dos céus falei a vocês’ (Ex.20:19). Isto nos ensina que Ele dobrou os céus superiores e os inferiores e os estendeu na montanha como um lençol em uma casa, e o Trono de Glória desceu sobre eles.” (CHUMASH: o livro de Êxodo, p.135). O comentarista Ibn Ezra(1092/3-1167), por sua vez, assim se expressou: “O ser humano só pode descrever com precisão o homem. Porém, ao descrever criaturas abaixo dele ou forças mais elevadas que ele, ele é forçado a empregar metáfora da experiência humana. Claramente, quando o versículo conta que D’us ‘desceu’ no Monte Sinai, é simplesmente uma metáfora para ajudar o leitor entender tanto quanto a mente mortal é capaz de compreender” (ibid.).
– Em mais uma evidência de que o pacto a ser selado entre Deus e Israel era num patamar inferior ao dos patriarcas, o Senhor, ainda, determinou que fossem fixados limites ao redor do monte Sinai, limites estes que o povo não poderia suplantar (Ex.19:12). O povo ficaria ao pé do monte, não podendo ultrapassar o limite a ser fixado, sob pena de morte. Somente quando fosse tocada longamente a buzina, poderia o povo subir ao monte (Ex.19:13).
OBS: “…O Senhor Deus, nesta ocasião, veio tão perto do homem quanto era possível — sim, Ele veio mais perto que o homem poderia suportar. Até que um mediador fosse encontrado, a aproximação de Deus não trouxe ao homem senão terror. Embora não houvesse qualquer grande apreensão de culpa naquela vez — pois eles estavam ouvindo a lei pela primeira vez —mesmo assim o povo se moveu e se retirou, clamando: ‘se continuarmos a ouvir a voz de Deus, morreremos’…” (SPURGEON, Charles. O mediador – o intérprete. Sermão pregado na manhã de 28 jul. 1889. Disponível em: http://www.spurgeongems.org/vols34-36/chs2097.pdf , p.1. Acesso em 18 dez. 2013) (tradução nossa de texto em inglês).
– Como bem salientou o pastor Aldery Nelson Rocha em ensino que deu na reunião de obreiros da Igreja Evangélica Assembleia de Deus – Ministério do Belém – sede – São Paulo/SP em 2 de dezembro de 2013, o monte Sinai foi transformado no tabernáculo de Deus, cujo modelo seria posteriormente dado a Moisés no próprio monte (Ex.25:9). Pela determinação divina, tínhamos o átrio ou pátio, onde estava todo o povo até o limite fixado por Deus ao redor do monte; o próprio monte, para onde subiriam os israelitas após o toque da buzina, que correspondia ao lugar santo, ao lugar dos sacerdotes e, por fim, o cume do monte, onde estaria Deus, numa nuvem espessa, que corresponderia ao lugar santíssimo ou santo dos santos.
– No terceiro dia, ao amanhecer, houve trovões e relâmpagos sobre o monte, uma espessa nuvem e um sonido de buzina muito forte, de maneira que estremeceu todo o povo que estava no arraial (Ex.19:16). Moisés, então, levou o povo para fora do arraial, ao encontro de Deus, tendo todos se posto de pé diante do monte (Ex.19:17).
OBS: “… A lei não foi dada com doces sons de harpas, nem com sons de anjos, mas com uma voz horrenda no meio de um terrível incêndio. A lei não é condenatória nela mesma. Pois, se se poderia haver alguma vida por alguma lei, seria por esta lei — mas, por causa da pecaminosidade do homem, a lei opera a ira. E para indicar isto, ela foi publicada com acompanhamento de medo e morte – os batalhões do Onipotente tomaram posição para combate na cena. A artilharia temível de Deus, com salvas medonhas, acrescentando ênfase a toda sílaba…” (SPURGEON, Charles. O mediador – o intérprete. Sermão pregado na manhã de 28 jul. 1889. Disponível em: http://www.spurgeongems.org/vols34-36/chs2097.pdf, p.1 Acesso em 18 dez. 2013) (tradução nossa de texto em inglês).
– O monte Sinai fumegava, porque o Senhor descera sobre ele em fogo. O monte tremia grandemente e Moisés falava com o Senhor e o Senhor lhe respondia em voz alta, de modo que o povo escutava a voz do Senhor. O Senhor, uma vez mais, mandou que o povo observasse o limite fixado ao redor do monte e chamou Moisés para o cume do monte.
OBS: “…Paulo descreve o objetivo espiritual da lei nas palavras ‘por causa das transgressões’, i.e., para revelar para uma pessoa o seu pecado, cegueira, miséria, sua ignorância, ódio, contenda contra Deus, sua morte, o inferno e a condenação. Este é o principal objetivo da lei e sua mais valiosa contribuição. Contanto que uma pessoa não seja um assassino, um adúltero, um ladrão, ele jurará que é um justo. Como Deus humilhará esta pessoa a não ser pela lei?
A lei é um martelo da morte, um trovão do inferno e o relâmpago da ira de Deus para abaixar o orgulho e a falta de vergonha dos hipócritas. Quando a lei foi instituída no monte Sinai, ela foi acompanhada de relâmpagos, trovões, sons de buzinas, para fazer em pedaços o monstro chamado autojustiça. Assim que a pessoa pense que é justa, ela se tornará incompreensivelmente orgulhosa e presunçosa. Ela vai odiar Deus, desprezar Sua graça e misericórdia e ignorar as promessas de Cristo. O Evangelho do perdão gratuito dos pecados por meio de Cristo jamais atrairá o que se autojustifica. Este monstro da autojustiça, esta besta de dura cerviz, precisa de um grande machado.
E é isto que a lei é, um grande machado. Portanto, o próprio uso e a função da lei é ameaçar até a consciência mais endurecida. O espetáculo horrendo no monte Sinai retrata o uso próprio da lei, Quando os filhos de Israel saíram do Egito um sentimento de santidade peculiar os possuiu. Eles se vangloriaram: ‘Somos o povo de Deus. Tudo o que Senhor tem falado, faremos’ (Ex.19:8).
Este sentimento de santidade aumento quando Moisés os ordenou a lavar suas vestes, abster-se de suas mulheres e se prepararem todos ao redor do monte. O terceiro dia veio e Moisés levou o povo para fora de suas tendas até o pé do monte na presença de Deus. O que aconteceu? Quando os filhos de Israel viram toda a montanha queimando e fumegando, as nuvens negras e os relâmpagos na escuridão como que suja de tinta, quando ouviram os sonidos de buzina cada vez mais altos e longos, abalados pelo barulho dos trovões, ficaram tão atemorizados que pediram a Moisés: ‘Fala conosco e nós ouviremos, mas não deixe Deus falar conosco, senão morreremos’ (Ex.20:19).
Eu lhes pergunto: que bem fez sua lavagem, suas roupas cor de neve e sua continência para eles? Nenhum. Nenhum pôde ficar na presença do Senhor glorioso. Chocados pelo terror de Deus, voltaram para suas tendas, como se o diabo estivesse atrás deles…” (LUTERO, Martinho. Comentário de Gálatas. Gl. 3:19. Disponível em: http://www.ewordtoday.com/comments/galatians/luther/galatians3.htm Acesso em 18 dez. 2013) (tradução nossa de texto em inglês).
– Uma vez no monte, Moisés foi orientado a descer e depois a subir apenas com Arão, devendo todo o restante do povo se manter dentro dos limites fixados, prova de que o pacto a ser selado não envolveria a plenitude da promessa que havia sido dada a Abraão (Ex.19:20-25).
II – OS DEZ MANDAMENTOS
– Moisés desceu do monte e deu estas recomendações ao povo e, em seguida, o Senhor, então, lhes falou as “dez palavras”, o “Decálogo”, que ficaram conhecidas como “os dez mandamentos”. Na verdade, Deus disse que falaria com o povo a partir da nuvem espessa, uma fala direta, daí porque ser mais adequado usar o termo bíblico, que são “as palavras”, que se encontram registradas em Ex.20.
– Não deixam, à evidência, estas palavras de serem mandamentos, mandamentos estes que são o núcleo de toda a lei, já que revelam a base do caráter divino e do que Israel deveria fazer para que fosse povo de Deus, reino sacerdotal e povo santo.
– A mensagem recebida veio diretamente de Deus e isto nos mostra que tudo quanto ali se disse não só se trata de um pacto entre Deus e Israel, mas também nos revela o caráter de Deus e o que o que fazem aqueles que são santos, que têm comunhão com Deus.
– Isto fica bem claro no início das palavras divinas, quando o Senhor Se identifica ao povo de Israel, dizendo: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Ex.20:2). Nesta apresentação, Deus Se revela como um Ser pessoal, disposto a ter um relacionamento com cada um dos israelitas. “…perguntam nossos Sábios: não teria sido mais apropriado se D’us tivesse identificado a Si próprio como o Criador e Sustentáculo deste mundo? “Não”, respondem os mestres chassídicos [mestres de um movimento espiritual israelita surgido a partir do século XVIII, que trouxe uma “renovação espiritual” no judaísmo – observação nossa]. No Sinai, D’us não Se dirigiu a nós como o Autor da natureza, mas como o Executor de um milagroso Êxodo. No Primeiro Mandamento, no qual D’us nos diz ser Ele nosso Senhor, Ele Se dirige ao povo judeu na primeira pessoa. Isto significa que está falando a cada um dos judeus, em cada uma das gerações, individualmente. O fato de ser o Criador e Mestre do Universo é de menor importância do que o fato de ser Ele um D’us pessoal, individualmente envolvido nos mais ínfimos assuntos de cada um de Seus filhos.…” (SHAVUOT: a entrega da Torá. end.cit.).
– Neste aspecto, os dez mandamentos são, sem dúvida alguma, um norte a ser seguido em termos de conduta para a Igreja, que é o atual povo de Deus, porquanto, como bem afirmou o apóstolo Paulo: “a lei é santa e o mandamento, santo, justo e bom” (Rm.7:12). Enquanto norma de conduta, a lei é a própria revelação de Deus ao Seu povo, de forma que deve ser observada enquanto tal. O que a lei não é, porém, é critério de salvação, porquanto, já na sua revelação ao povo, vemos, com absoluta clareza, que é algo limitado e que demandava algo superior para estabelecer uma plenitude de relacionamento entre Deus e o homem
OBS: Por sua biblicidade, reproduzimos aqui o Catecismo da Igreja Romana: “A Aliança e o diálogo entre Deus e o homem são ainda comprovados pelo fato de todas as obrigações serem enunciadas em primeira pessoa (“Eu sou o Senhor…”) e dirigidas a um outro sujeito (“tu…”). Em todos os mandamentos de Deus, é um pronome pessoal singular que designa o destinatário. Ao mesmo tempo que a todo o povo, Deus faz conhecer a sua vontade a cada um em particular: «O Senhor prescreveu o amor para com Deus e ensinou a justiça para com o próximo, para que o homem não fosse nem injusto nem indigno de Deus. Assim, através do Decálogo, Deus preparava o homem para se tornar seu amigo e ter um só coração com o seu próximo […]. As palavras do Decálogo continuam a ser para nós [cristãos] o que eram; longe de serem abolidas, elas receberam amplificação e desenvolvimento, com o fato da vinda do Senhor na carne» (IRINEU de Lião. Adversus haereses, 4, 16, 3-4)” (§ 2063 CIC).
– Tanto assim é que o Senhor Jesus, no sermão do monte, vai dar o verdadeiro alcance, o verdadeiro sentido da lei, porquanto só n’Ele, que foi o único a cumprir a lei (Mt.5:17,18), podemos, realmente, alcançar a justificação capaz de nos fazer efetivamente livres da condenação (Rm.8:1), algo que a lei não consegue realizar, pois, pela lei, ninguém é justificado, ninguém alcança a salvação (Gl.3:11-14; Tg.2:8-13).
OBS: Como afirma o ex-chefe da Igreja Romana, Papa Emérito Bento XVI, que, por sua biblicidade, aqui reproduzimos: “… Jesus senta-Se na ‘cátedra’ de Moisés, mas não como os mestres que para tal se formaram na escola; Ele Se senta lá como Aquele que é maior do que Moisés, que estende a aliança a todos os povos. Assim se torna claro também o significado da montanha. O evangelista não nos diz de que colina da Galileia se trata. Isto porque o lugar da pregação de Jesus é simplesmente ‘o monte’, o novo Sinai. ‘O monte’ é o lugar da oração de Jesus, de seu face a face com o Pai; por isso mesmo é também o lugar do Seu ensinamento, o qual brota deste íntimo colóquio com o Pai. ‘O monte’ é assim por si mesmo também identificado com o novo, o definitivo Sinai…” (Jesus de Nazaré – primeira parte: do batismo no Jordão até a transfiguração. Trad. de José Jacinto Ferreira de Farias, SCJ, p.73).
– Os “dez mandamentos” são destinados a Israel, fazem parte do pacto estabelecido entre Deus e Israel (Ex.19:7-25). Deste modo, não temos, como igreja de Deus, de nos atermos aos dez mandamentos, nem de observá-los por causa do pacto estabelecido entre Deus e Israel, pois a lei não vigora sobre a igreja (Gl.4:21-31).
OBS: “…No que, porém, diz respeito aos Dez Mandamentos, deve-se sustentar, de igual modo, a postulação de Paulo: “Cristo é o fim da lei para salvação de todo o que crê” [Rm 10.4]; e outra: “Cristo é o Espírito que vivifica a letra, em si mortífera” [2Co 3.6, 17]. Ora, na primeira destas postulações significa certamente que em vão é ensinada a justiça pelos mandamentos até que Cristo a confira, tanto por graciosa imputação, quanto pelo Espírito de regeneração. Pelo que, com justiça, Paulo chama a Cristo o cumprimento ou fim da lei, porquanto de nada valeria sabermos o que Deus exige de nós, se aos que se esforçam e estão oprimidos sob seu jugo e fardo intolerável Cristo não os socorresse.…” (CALVINO, João. Institutas ou Tratado da Religião Cristã, v.2, Liv.II, cap. VII, p.114. Disponível em: http://protestantismo.ieadcg.com.br/institutas/joao_calvino_institutas2.pdf Acesso em 18 dez. 2013).
– Entretanto, os dez mandamentos foram dados por Deus e, portanto, são Suas palavras, são a expressão de Sua vontade e de Seu caráter. Desta forma, os princípios éticos constantes daquela revelação são perenes e imutáveis, pois Deus não muda nem n’Ele há sombra de variação (Tg.1:17; Nm.23:19). Sendo assim, a ética dos dez mandamentos é, verdadeiramente, a ética divina e, portanto, deve ser o comportamento que se aguarda do homem que se diz servo do Senhor.
OBS: “…O encontro entre Deus e Moisés neste Monte conserva no coração da nossa religião o mistério da obediência que nos torna livres, que encontra o seu cumprimento na obediência perfeita de Cristo na Encarnação e na Cruz (cf. Fl 2, 8; Hb 5, 8-9).
Também nós seremos verdadeiramente livres se aprendermos a obedecer como fez Jesus (cf. Hb 5, 8).Os Dez Mandamentos não são a imposição arbitrária de um Senhor tirânico. Eles foram escritos na pedra, mas antes de tudo foram impressos no coração do homem como Lei moral universal, válida em todos os tempos e lugares. Hoje como sempre, as Dez Palavras da lei fornecem a única base autêntica para a vida dos indivíduos, das sociedades e nações; hoje como sempre, elas são o único futuro da família humana. Salvam o homem da força destruidora do egoísmo, do ódio e da mentira. Evidenciam todas os falsos bens que o arrastam para a escravidão: o amor de si mesmo até à exclusão de Deus, a avidez do poder e do prazer que subverte a ordem da justiça e degrada a nossa dignidade humana e a do nosso próximo. Se nos afastarmos desses falsos ídolos e seguirmos a Deus que torna livre o seu povo e permanece com ele, então emergiremos como Moisés, depois de quarenta dias na montanha, “resplandecentes de glória” (São Gregório de Nissa, Vida de Moisés, II, 230), abrasados pela luz de Deus!
Observar os Mandamentos significa ser fiéis a Deus, mas significa também ser fiéis a nós mesmos, à nossa autêntica natureza e às nossas mais profundas aspirações. O vento que ainda hoje sopra do Sinai recorda-nos que Deus deseja ser honrado nas suas criaturas e no crescimento delas: Gloria Dei, homo vivens. Neste sentido, aquele vento traz um convite insistente ao diálogo entre os seguidores das grandes religiões monoteístas, no seu serviço à família humana. Sugere que em Deus podemos encontrar o ponto do nosso encontro: em Deus, o Omnipotente e Misericordioso, Criador do universo e Senhor da História, que no final da nossa existência terrena nos julgará com justiça perfeita…. No Monte da Transfiguração, Deus fala de uma nuvem, como fez no Sinai. Contudo, agora Ele diz: “Este é o Meu Filho muito amado: Escutai-O!” (Mc 9, 7).
Ordena-nos que escutemos o Seu Filho, porque “ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho O quiser revelar” (Mt 11, 27). Desse modo, aprendemos que o verdadeiro nome de Deus é PAI! O nome que supera todos os outros nomes: ABBÁ! (cf. Gl 4, 6). Em Jesus aprendemos que o nosso verdadeiro nome é FILHO, FILHA! Aprendemos que o Deus do Êxodo e da Aliança torna livre o seu Povo porque é constituído de filhos e filhas, criados não para a escravidão, mas para “a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8, 21).Por isso, quando São Paulo escreve que nós, “mediante o corpo de Cristo, morremos para a lei” (Rm 7, 4), não deseja dizer que a Lei do Senhor tenha passado.
Quer significar que os Dez Mandamentos agora se fazem ouvir através da voz do Filho predilecto. A pessoa que se tornou livre mediante Jesus Cristo é consciente de estar ligada não exteriormente por uma multidão de prescrições, mas interiormente pelo amor que se arraigou de modo profundo no seu coração. Os Dez Mandamentos são a lei da liberdade: não a liberdade de seguir as nossas paixões cegas, mas a liberdade de amar, de escolher aquilo que é bom em qualquer situação, mesmo quando fazê-lo seja um peso.
Não obedecemos a uma lei impessoal; aquilo que se pede é que nos sujeitemos com amor ao Pai mediante Jesus Cristo, no Espírito Santo (cf. Rm 6, 14; Gl 5, 18). Ao revelar-se a Si mesmo no Monte e tendo entregue a sua Lei, Deus revelou o homem ao homem. O Sinai está no centro da verdade sobre o homem e sobre o seu destino…”( JOÃO PAULO II. Homilia após a celebração da Palavra junto ao Mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinai em 26 de fevereiro de 2000. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/travels/documents/hf_jp-ii_hom_20000226_sinai_po.html Acesso em 17 dez. 2013).
– Foi neste sentido que Jesus, ao pronunciar o sermão do monte (Mt.5-7), expôs a Sua doutrina e, de forma admirável, reafirmou a ética estabelecida no monte Sinai, não só confirmando o teor dos dez mandamentos, como, dentro da progressiva revelação de Deus aos homens, que encontrava ali, em Cristo, seu máximo esplendor, sua plenitude (Hb.1:1-3; Jo.14:8,9), deu-nos a verdadeira noção da profundidade e do alcance das normas éticas exigidas por Deus ao homem. Por isso Jesus pôde dizer que veio não para abrogar a lei mas para cumpri-la (Mt.5:17).
OBS: “…Seria muitíssimo proveitoso que os estudantes da Escritura pudessem compreender que a lei ou vontade de Deus para o homem é inerente à criação e não às alianças. As expectativas do Criador para sua criatura, o homem, estão postas desde Adão. Os dois maiores mandamentos (Deuteronômio 6:5; Levítico 19:18; Marcos 12:28-31) não tiveram sua primeira aplicação quando foram incluídos na aliança feita com Israel no Sinai, mas foram nitidamente aplicados ao comportamento do homem para com Deus e os outros, desde a introdução do homem (Gênesis 4:1-12; 6:5,11-13; 18:20; Judas 7). Um homem não está debaixo da lei de Deus por estar sob uma aliança (nova ou velha).
Ele está debaixo da lei de Deus porque é um homem. Pode-se escapar da lei de Deus somente renunciando à raça humana. As renúncias tem sido freqüentemente solicitadas, porém não há evidência de que alguma tenha sido aceita. O homem, sob a aliança, faz uma promessa de ser fiel a Deus e seus mandamentos e recebe, por sua vez, as promessas e as bênçãos do Senhor, mas seja o que for que ele fizer, não há escapatória da lei divina. Mas por que, se pergunta, num sermão sobre “o evangelho do reino” Jesus exorta seus ouvintes para que cumpram, cuidadosamente, até o menor mandamento da lei de Moisés? A resposta é: porque sua assistência era judaica e estava, como Jesus disse, sob a aliança. Qualquer atitude que eles tivessem para com a lei de Deus, conforme expressada na aliança judaica, eles iam trazer para o reino.
A aliança não é tão importante como o princípio da confiança absoluta e obediência a Deus em todas as coisas. Qualquer um, disposto a agir irresponsavelmente com o menor mandamento de Deus, seja qual for a aliança, é indigno do reino do céu. Uma nova aliança viria, mas o princípio permaneceria o mesmo. Algumas ordenações de Deus são manifestamente maiores do que outras, porque elas assentam mais perto do coração da divina justiça (Marcos 12:28-33; Mateus 23:23), mas nenhum mandamento de Deus é sem imenso significado, uma vez que o sopro do Todo-Poderoso está nele (2 Timóteo 3:16). Aquele que repreendeu os fariseus por engolirem camelos não os encorajou a deglutirem mosquitos com prazer (Mateus 23:23).
Tiago procurou fazer-nos entender que os mandamentos de Deus são indivisíveis, desde que ele está por trás deles todos (Tiago 2:10-11). Não é o caso de quebrar só um mandamento, pequeno ou grande. É o caso de desafiar a Deus e ser infiel a ele. A obediência não é limitada, por princípio, a sistemas de justificação pela lei (Gálatas 3:10). É, também, uma expressão de fé (Tiago 2:14-26) e amor (João 14:15,23-24; 1 João 5:3) no sistema do evangelho da graça e da justificação pela fé (Mateus 7:21).
Como tal, ela tem aplicação à salvação em cada época (Hebreus 11). O cidadão do reino, como os fiéis de todas as eras, não está procurando justificar a si mesmo por sua zelosa obediência a todos os mandamentos de Deus, mas a retribuir o amor que foi derramado sobre ele tão imerecidamente. A lei de Deus é uma adaga no coração do arrogante e do que se considera justo, mas para o cristão ela é o padrão da conduta justa à qual, pela graça de Deus, ele aspira (Romanos 12:1-2). Deus pretende, não somente, redimir seu povo, mas transformá-lo também (Romanos 8:29; 2 Coríntios 3:18).”. . . será considerado mínimo no reino dos céus” (Mateus 5:19b).
Muitos comentadores, até os responsáveis, têm procurado retirar a força da advertência de Jesus, sugerindo que aqueles que tratam levianamente os mandamentos menores de Deus não sofrerão perda séria. Admitidos no estádio do céu, eles simplesmente terão de sentar-se nas galerias, em vez de nos camarotes! Nós dissentimos vigorosamente deste ponto de vista porque (1) o resto do sermão não concorda com ele (Mateus 7:21,24-27) e (2) a expressão “grande” ou “maior no reino” é usada por Jesus, na outras passagens em Mateus, para se referir a cada cidadão no reino (Mateus 18:1-4; 20:26-28), não admitindo nenhum lugar para “o menor.” Cuidado com aqueles mestres que pensam que sabem quais dos mandamentos de Deus são importantes e quais não são!…” (EARNHART, Paul. O sermão da montanha: extraindo os tesouros das Escrituras, exposições práticas. Disponível em: http://www.estudosdabiblia.net/e2_1.htm#9 Acesso em 17 dez. 2013).
– A ética constante dos “dez mandamentos” é o próprio caráter divino que Deus quer que seja assumido pelo homem que aceita servi-l’O. É a marca genética, hereditária, que assume o filho de Deus, aquele que nascer de novo, da água e do espírito (Jo.3:3,5,8), que for gerado pela Palavra de Deus(I Pe.1:23). Este novo nascimento, esta geração pela Palavra faz com que o homem passe a ter princípios, valores e ações inteiramente novos (II Co.5:17), de forma que passa a produzir o fruto do Espírito (Gl.5:22), fruto este contra o qual não há lei (Gl.5:23).
O cristão, portanto, não cumpre a lei para ser salvo, como defendiam os judaizantes nos tempos apostólicos, hoje representados pelos legalistas e fariseus hodiernos (alguns assumidos e organizados como, v.g., os adventistas do sétimo dia; outros enrustidos e infiltrados em nosso meio, inclusive na liderança) mas, bem ao contrário, por serem salvos, novamente nascidos, gerados pela Palavra produzem um fruto que é plenamente compatível com a ética que Deus revelou, através de Moisés, no monte Sinai e que foi reafirmada, com todo esplendor e profundidade, por Jesus no sermão do monte.
OBS: ” …03- O Espírito por trás da letra ou da lei de Deus é amor e perdão. Ao longo do tempo pequenas leis foram adicionadas aos mandamentos do Senhor e isso vinha prejudicando o povo de Deus. Entendemos que hoje muitos pregadores e instituições continuam impondo esses adicionais aos mandamentos do Senhor. São regrinhas que vão desde a maneira certa de pentear os cabelos, até à forma de fazer as bainhas das calças dos homens. São regras que não falam de amor e perdão mas de usos e costumes.04 – Ao encontrar uma pessoa que é conhecedora da palavra e não exerce essa palavra nós só temos que entender que são fariseus e escribas modernos. A justiça de Deus cairá sobre eles e não há espaço no Reino de Deus para esse tipo de comportamento e pessoa. V. 20 (MOTA, Rev. Ary Sérgio Abreu. Uma janela para o sermão do monte. http://www.ejesus.com.br/estudos/2000-01/uma_janela_para_o_sermao_do_monte.htm Acesso em 2002).
– É interessante notar que, no islamismo, os dez mandamentos são, com algumas modificações, reproduzidos no Alcorão, sendo entendido que se constituem os “versículos precisos” que teriam sido revelados a Maomé, o “núcleo do Livro”. Os muçulmanos, portanto, reconhecem que sua religião é um retorno à lei, a demonstrar, portanto, que não pode ser considerada como meio destinado à salvação do homem.
OBS: Eis os versículos do Alcorão que trazem o “decálogo islâmico”: “Dize: ‘Vinde, eu recitarei o que vosso Senhor vos proibiu: nada Lhe associeis. E tende benevolência para com os pais. E não mateis vossos filhos, com receio da indigência: Nós vos damos sustento, e a eles. E não vos aproximeis das obscenidades, aparentes e latentes. E não mateis a alma, que Allah proibiu matar, exceto se com justa razão. Eis o que Ele vos recomenda, para razoardes. ‘E não vos aproximeis das riquezas do órfão, a não ser da melhor maneira, até que ele atinja a força plena. E completai a medida e o peso com equidade. Não impomos a nenhuma alma senão o que é de sua capacidade. E quando falardes, sede justos, ainda que se trate de parente. E sede fiéis ao pacto de Allah. Eis o que Ele vos recomenda, para meditardes. ‘E, por certo, esta é a Minha senda reta: então, segui-a e não sigais outros caminhos, pois vos separariam de Seu caminho. Eis o que Ele vos recomenda, para serdes piedosos” (6:151-153).
E eis o comentário que associa isto ao Decálogo: “…Ka´b AL-Ahbār, um excelente estudioso da Torá, foi judeu antes de se tornar muçulmano. Ele diz que estes versículos do Sagrado Alcorão que descrevem as as dez coisas ilegais estão com o que a Torá, o Livro de Allah, começa depois do ‘Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso’. Também sido dito que são os dez mandamentos revelados a Moisés. Comentarista do Alcorão, Abdullah ibn Abbas diz que estes são ‘os versículos precisos’ mencionados na sura Al-Imran (3:7).
Sobre eles, todos os sistemas religiosos pelos profetas desde Adão até o último dentre os profetas têm estado em acordo e nenhum deles foi abrogado por qualquer religião, comunidade ou lei religiosa (Tafsir Al-Bahr Al-Muhit)…” ( Tafsir ibn Kathir, p.495. Disponível em: http://quran.cc/6 Acesso em 19 dez. 2013) (tradução nossa de texto em inglês).
– Os “dez mandamentos” contêm duas partes bem nítidas (daí porque até serem duas as tábuas da lei – Ex.22:15,16): cinco mandamentos relacionados à relação do homem para com Deus e cinco mandamentos relacionados da relação do homem para com o seu semelhante. Daí porque Jesus ter sintetizado a lei em apenas dois mandamentos, a saber: “Amar a Deus sobre todas as coisas” e “amar ao próximo como a ti mesmo” (Mc.12:28-34), ensinamento, aliás, que repetia pensamentos exarados pelo rabino Hilel que, duas gerações antes de Jesus aparecer, teria dito que a essência da Torah era “aquilo que é execrável para ti não o farás a teu semelhante. O resto [da Torah] é somente comentário” (AUSUBEL, Nathan. Regra de ouro. In: A Judaica, v.6, p.706).
OBS: “…A importância dos Dez Mandamentos não se resume unicamente no seu significado, mas ao fato de que constituem exemplos clássicos para todas as demais leis. Por sua divisão em duas tábuas de cinco fundamentos cada uma, temos as categorias principais desses fundamentos: os primeiros cinco são leis do homem em relação a Deus; os outro cinco, do homem para com os seus semelhantes.
A primeira tábua inicia-se com o preceito de crença no Eterno Deus, e os mandamentos se baseiam no amor a Ele, o que é a pedra fundamental do judaísmo. A segunda tábua termina com as palavras ‘de teu próximo’, e todos os preceitos que constam nela têm por base o amor aos nossos semelhantes. O amor a Deus, quando é de todo o coração, conduz inevitavelmente ao amor para com o próximo, porque este foi criado à Sua imagem….” (MELAMED, Meir Matzliah (trad., explic. e com.). A Lei de Moisés : Torá, nova edição, com. a Ex. 20:17, p.215-6)
– Os cinco mandamentos referentes à relação entre Deus e Israel são os seguintes:
a) não terás outros deuses diante de mim
b) não farás para ti imagem de escultura nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra; não te encurvarás a elas nem as servirás
c) não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão
d) lembra-te do dia de sábado para o santificar; seis dias trabalharás e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra
e) honra a teu pai e a tua mãe para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá.
– Os cinco mandamentos referentes à relação entre os israelitas e os seus semelhantes são os seguintes:
a) não matarás
b) não adulterarás
c) não furtarás
d) não dirás falso testemunho contra o teu próximo
e) não cobiçarás a casa do teu próximo, a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo
– Como se pode perceber, os primeiros cinco mandamentos estabelecem o relacionamento entre Deus e Israel. São mandamentos que dizem respeito à adoração exclusiva de Israel a Deus, adoração esta que era em espírito e em verdade, sem qualquer utilização de imagens de escultura, como costumavam fazer os demais povos, numa atitude que representava um aviltamento da divindade (Cf. Rm.1:21-23), uma adoração reverente (daí não se poder usar o nome de Deus em vão), bem como uma adoração exteriorizada mediante o sinal do descanso sabático, uma nota distintiva entre Israel e os demais povos. Por fim, uma adoração reconhecedora da soberania e da criação divina da própria nação, mediante o respeito aos pais, como prova e exigência para a manutenção da geração na Terra Prometida.
– Já os outros cinco mandamentos dizem respeito ao relacionamento entre o israelita e seu semelhante, fosse ele israelita ou não, um elemento que denotaria o próprio papel sacerdotal de Israel para com os demais povos e de cada indivíduo com relação ao seu próximo. Deste modo, o israelita deveria primar pelo respeito à vida do seu semelhante, pelo respeito ao casamento e às famílias constituídas com base neste modo divinamente criado para a perpetuação da espécie e para a realização do ser humano, pelo respeito à propriedade, bem como pela verdade nos relacionamentos e pela solidariedade fraterna, sem a cobiça do alheio. Eram estes os valores que deveriam reinar entre os indivíduos, que, assim, externariam o sentimento de Deus para com cada um dos seres humanos.
– É, sem dúvida, a pureza e sublimidade desta ética divina que fez o grande diferencial entre a religião de Israel e a dos demais povos, que, não raro, eram fonte de discórdia e de verdadeiras tragédias morais e sociais. Não é sem razão, portanto, que, até hoje, os judeus se orgulhem da qualidade ética dos seus princípios religiosos, visto que, à evidência, sua ética é sobre-humana e representa o propósito de todo e qualquer ordenamento jurídico que tenha ou venha a ser construído para regular as relações de convivência entre os homens.
– Há uma discussão entre os comentaristas judeus se o povo ouviu todos os mandamentos proferidos por Deus, já que o texto sagrado afirma que todo o povo viu os trovões e os relâmpagos, bem como o sonido da buzina e monte fumegando, mas, ao ver isso, retirou-se e se pôs de longe (Ex.20:18).
– Isto ocorreu quando o povo já havia ouvido os dez mandamentos, ou antes de ouvi-los todos? Há discussão sobre isto. Entendem alguns que o Senhor falou todos os mandamentos de uma só vez e os teria começado a repetir, quando, então, quando já repetira o segundo mandamento, os israelitas teriam pedido a Moisés que o Senhor falasse apenas com o legislador e que este transmitisse os ensinamentos a eles (Ex.20:19). Outros acham que o Senhor só teria falado os dois primeiros mandamentos e, depois, os demais teriam sido transmitidos ao povo por intermédio de Moisés. Baseiam-se no fato de que “Torá” tem valor numérico de 611 e como são 613 os mandamentos, Moisés teria transmitido todos os mandamentos, com exceção de dois, precisamente os dois que teriam sido descumpridos pelo povo no episódio do bezerro de ouro.
– De qualquer maneira, quando o Senhor vem falar com Israel, o povo não quis d’Ele se aproximar, retirou-se, ficou de longe, a mostrar como se estava diante de um patamar inferior em relação ao relacionamento com os patriarcas, com a promessa que Deus havia feito.
– Como afirmou o pastor Aldery Nelson Rocha, no ensinamento já mencionado, Deus queria inscrever a Sua lei no coração do povo, mas os filhos de Israel se recusaram a recebê-la deste modo. Pediram que Moisés falasse com o Senhor e lhes transmitisse o que Deus queria deles, pois temiam morrer se Deus falasse com eles (Ex.20:18,19).
– Moisés, ainda, tentou convencer o povo de que eles não deveriam ter medo de Deus, mas que toda a manifestação da glória do Senhor era para lhes incutir a reverência e a santidade, a fim de que não pecassem (Ex.20:20), mas o povo se manteve distante, não quis se aproximar (Ex.20:21).
– Havia uma desconfiança no meio do povo de Israel, a mesma desconfiança que os havia feito fracassar nas sete vezes em que Deus havia posto à prova a sua fé desde a saída do Egito e foi esta falta de fé que os impediu de terem a lei em seus corações, de atingirem um estágio de plena comunhão, tornando, assim, necessário, no próprio selar do pacto, um novo concerto, em que se desse o que era absolutamente necessário
para que se tivesse uma comunhão plena com o Senhor, o novo concerto cuja necessidade seria explicitada pelo profeta Jeremias (Jr.31:33,34), concerto este que é a nova aliança em Cristo Jesus, como explicitou o escritor aos hebreus (Hb.8:8,13).
– Martinho Lutero, o grande reformador, bem explica esta questão, mostrando que um dos motivos pelos quais ninguém se justifica pela lei é precisamente o fato de que a lei é incapaz de mudar os corações. Diz Lutero: “…No capítulo 7 [da carta de Paulo aos Romanos, observação nossa], S. Paulo diz: ‘A lei é espiritual’. Que significa isto? Se a lei fosse física, ela poderia ser satisfeita por obras, mas desde que é espiritual, ninguém pode satisfazê-la a menos que tudo o se faça provenha das profundezas do coração.
Mas ninguém pode dar tal coração senão o Espírito de Deus, que faz a pessoa ser conforme a lei, para que ela possa realmente conceber um desejo sincero pela lei e dali em diante faça tudo, não por temor ou coerção, mas com um coração livre. Desde que a lei é espiritual, ela só pode ser amada e cumprida por um coração e por um espírito quetais. Se o Espírito não está no coração, então permanece o pecado, a aversão e a inimizade contra a lei, que, em si mesma, é boa, justa e santa.
Devemos estar acostumados à ideia de que uma coisa é fazer as obras da lei e outra cumpri-la. As obras da lei são tudo o que uma pessoa faz ou pode fazer de sua própria vontade e com seus próprios poderes para obedecer à lei. Mas porque, em fazendo tais obras, o coração aborrece a lei e é mesmo forçado a obedecer-lhe, as obras são uma perda total e são completamente inúteis. É o que o S. Paulo quer dizer no capítulo 3 [da epístola aos romanos, observação nossa], quando diz: ‘Nenhum ser humano é justificado diante de Deus pelas obras da lei’. …” (LUTERO, Martinho. Prefácio aos Romanos. Trad. de Andrew Thomton, OSB. Disponível em: http://www.ewordtoday.com/comments/romans/luther/romansintro.htm Acesso em 18 dez. 2013) (tradução nossa de texto em inglês). É bem por isso que, como vimos na lição anterior, quarenta dias depois, os israelitas vão descumprir, a um só tempo, os dois primeiros mandamentos, já que seus corações não receberam a lei de Deus.
– Moisés, então, foi até onde estava o Senhor, na escuridade (Ex.20:21). A lei foi dada na escuridade, na sombra (Hb.10:1), enquanto que, em Cristo, o relacionamento com Deus é feito na luz, na luz do Evangelho de Cristo (Jo.1:4,5; 3:19-21; II Co.4:4).
– O Senhor, então, falou a Moisés, mandando que eles observassem o que havia sido falado no monte, de que não poderiam fazer outros deuses com o Senhor, nem deuses de prata ou de ouro, bem como que deveriam fazer um altar de terra onde fariam os seus sacrifícios, prometendo abençoar o povo quando celebrassem o Seu nome, altar de pedras, mas não de pedras lavradas, a fim de que não fosse profanado, como também sem degraus, para que a nudez não fosse descoberta diante deles (Ex.20:23-26).
– Nestas instruções, o Senhor deixa claro que seriam necessários sacrifícios para que houvesse a aproximação entre Deus e o povo, prova de que o pecado não havia sido retirado com o pacto que estava sendo selado. Somente com os sacrifícios, seria celebrada a memória do nome do Senhor e obtida a bênção divina.
– Nestes sacrifícios, ademais, deveria prevalecer a simplicidade, o altar haveria de ser de terra, ou seja, um altar conectado à terra ou repleto de terra, lembrando, assim, a origem do homem, que é pó e a imensa graça que é poder se relacionar com Aquele que está nos céus. Este altar, por isso mesmo, não poderia ter pedras lavradas, para que “…eles não pudessem tentados a pensar em uma imagem gravada, como também não deveriam dar forma às pedras com que fizessem seus altares, mas empilhá-las como elas estivessem na natureza.
Esta regra sendo prescrita antes do estabelecimento da lei cerimonial, que apontava para altares muito mais suntuosos, indica que, depois do período da lei, a simplicidade deveria ser aceita como o melhor ornamento do culto religioso externo e que a adoração do Evangelho não deveria ser exercida com pompa exterior e luxo. A beleza da santidade não necessita de maquiagem, nem traz qualquer proveito para a esposa de Cristo vestir-se com um traje de uma prostituta…” (HENRY, Matthew. Comentário sobre a Bíblia toda. Com. Ex.20:22-26. Disponível em: http://www.biblestudytools.com/commentaries/matthew-henry-complete/exodus/20.html Acesso em 17 dez. 2013). (tradução nossa de texto em inglês). Não é por outra razão que o apóstolo Paulo pede para que a igreja não se afaste da simplicidade que há em Cristo Jesus (II Co.11:3).
– Mas, além de se ter um altar de terra e cujas pedras não poderiam ser lavradas, o altar não poderia ter degraus, a fim de que nudez do ministrante não fosse descoberta. Como afirma Matthew Henry, “…fazer altares muito baixos, para que eles não pudessem subir degraus para alcançá-los. Que mais alto que fosse o altar, e mais próximo do céu, maior aceitação teria o sacrifício, era uma tola fantasia dos gentios, que, consequentemente, escolhiam lugares altos; em oposição a isto, e para mostrar que é a elevação do coração, não do sacrifício, que Deus olha, que lhes foi ordenado que fizessem seus altares baixos…”(ibid.).
– O povo não quisera se aproximar de Deus, mas Deus, nesta ordenança, continuava querendo estar próximo do povo, para mostrar-lhes que Ele, embora habitasse nos céus, de onde falara, tinha o pleno desejo de travar com o povo um íntimo e próximo relacionamento.
– Como o povo não quis se aproximar de Deus, o Senhor, após ter dito estas palavras, passou a falar exclusivamente com Moisés, dando-lhe o que ficou conhecido como “o Código da Aliança”, que será o objeto da lição 10 deste trimestre.
III – BREVE EXPLANAÇÃO DOS DEZ MANDAMENTOS
– Conforme já observamos supra, os dez mandamentos podem ser divididos em dois grupos, um referente ao relacionamento de Deus com o homem e outro, com relação ao relacionamento entre os homens entre si, motivo pelo qual o Senhor Jesus os reduziu a dois mandamentos: o do amor a Deus e o do amor ao próximo (Mt.22:37-40).
– Agostinho, ao estudar os dez mandamentos, acabou por trazer uma enumeração diversa daquela que temos no texto sagrado, enumeração esta que é seguida pela Igreja Romana, que a denomina de “fórmula catequética”, por lhe ter sido muito conveniente, vez que “suprime” o mandamento de proibição de imagens de escultura, inserindo-o no primeiro mandamento, repartindo o décimo mandamento em dois.
– O primeiro mandamento diz respeito à adoração única e exclusiva ao Senhor. Não podemos ter outros deuses. Nosso único Senhor é Deus. Somente a Ele podemos servir. Israel aprendera que o único e verdadeiro Deus era o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, como puderam verificar durante as pragas no Egito, quando todos os deuses egípcios foram mostrados como vaidades, como ilusões. O Senhor Jesus reafirmou este mandamento quando, tentado pelo diabo, afirmou que somente a Deus podemos adorar e dar culto (Mt.4:10), como também, no sermão do monte, mandou-nos buscar primeiramente o reino de Deus e a sua justiça (Mt.6:33).
– Quem foi salvo por Jesus Cristo, passa a pertencer ao Senhor e, deste modo, não tem mais vontade própria, não podendo servir a ninguém mais senão a Deus. Uma das implicações deste mandamento, que o salvo cumpre por ter sido resgatado por Cristo, é que não serve às riquezas, ao dinheiro, o mais poderoso dos ídolos de nossos dias, pois, quem serve a Deus, não pode servir a Mamom (Mt.6:24).
OBS: “…Uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e sobre as nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criamos novos ídolos.
A adoração do antigo bezerro de ouro (cf.Ex.32:1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano. A crise mundial, que acomete as finanças e a economia, põe a descoberto os seus próprios desequilíbrios e sobretudo a grave carência de uma orientação antropológica que reduz o ser humano apenas a uma das suas necessidades: o consumo.…” (FRANCISCO. Exortação apostólica Evangelii gaudium, n.55. Disponível em: http://www.agencia.ecclesia.pt/dlds/bo/EVANGELIIGAUDIUMPapaFrancisco2013CEP.pdf Acesso em 17 dez. 2013).
– O segundo mandamento diz respeito à confecção de imagens de escultura para representação do que houvesse nos céus ou na terra. O Senhor havia aparecido a Israel no monte, mas não foi visto, apenas ouvido. Desta forma, não poderiam os israelitas representá-lo por coisa alguma, pois isto seria um aviltamento da Sua majestade, o que seria um grave pecado (Rm.1:23). Como afirma João Calvino: “…Enquanto isso, já que este degradante embrutecimento se apossou de todo o orbe, de tal modo que os homens buscassem representações visíveis de Deus, e por isso forjassem deuses da madeira, da pedra, do ouro, da prata, ou de outro qualquer material inanimado e corruptível, a este princípio temos de apegar-nos: sempre que é lhe atribuída qualquer representação, a glória de Deus é corrompida por ímpio engano.
E assim na lei, após haver arrogado unicamente para si a glória da Deidade, quando visa a ensinar que gênero de adoração aprova, ou repudia, Deus acrescenta de imediato: ‘Não farás para ti imagem esculpida, nem qualquer semelhança” [Ex 20.4], palavras com as quais nos coíbe o desenfreamento, para que não tentemos representá-lo por meio de qualquer figura visível. E enumera, de maneira sucinta, todas as formas mediante as quais, já desde outrora, a superstição começara a converter sua verdade em mentira.…” (Institutas ou Tratado da Religião Cristã, v.1, Livro I, cap. IX, p.105. Disponível em: http://protestantismo.ieadcg.com.br/institutas/joao_calvino_institutas1.pdf Acesso em 18 dez. 2013).
OBS: “…O primeiro mandamento nos proíbe de adorar um outro deus.O segundo estritamente nos proíbe de adorar qualquer coisa que nossos olhos possam ver, sob o pretexto de que nós estamos por meio disso adorando a Deus.Esta é uma outra ofensa e muito mais comum que a primeira — e isto é frequentemente alegado – ‘Oh, nós não adoramos estas coisas1 Nós adoramos a Deus, que elas representam!’. Mas aqui está estritamente proibido representar Deus sob qualquer forma ou substância seja ela qual for e fazer disto um objeto de adoração…” (SPURGEON, Charles. Exposição de Ex.20:1-7 em seguida ao sermão Conversão fingida, p.7. Disponível em: http://www.spurgeongems.org/vols49-51/chs2928.pdf Acesso em 18 dez. 2013) (tradução nossa de texto em inglês).
– Este mandamento também foi reafirmado pelo Senhor Jesus que, em conversa com a mulher samaritana, revelou que Deus é Espírito e que devemos adorá-l’O em espírito e em verdade e que o Pai está à procura de quem assim O adore, diante da chegada do Cristo (Jo.4:23-26).
– Os romanistas procuram defender-se, dizendo que, na lei de Moisés, foi determinado que se fizessem imagens, como os querubins e as peças do tabernáculo. Tais determinações divinas, além de terem sido explícitas e que, portanto, revelam não ser a regra geral estatuída no Decálogo, devem ser entendidas dentro do contexto da lei, ou seja, de um relacionamento marcado pela sombra dos bens futuros, pelos símbolos e sinais. Ademais, os querubins não eram sequer para ser vistos pelo povo de Israel, já que se encontravam no lugar santíssimo, inacessível ao povo e até mesmo aos sacerdotes.
– Agora, no entanto, tendo nós a imagem exata das coisas, que é o próprio Senhor Jesus (Hb.1:1,12), não se faz mais necessária qualquer representação, ainda que residual, não sendo senão abominação a tentativa de se tornar “visível” a fé em Cristo.
– O terceiro mandamento diz respeito a não se dizer o nome do Senhor em vão, traduzindo a reverência que se deve ter ao Senhor. Como afirma Tomás de Aquino: “…a reverência ao Senhor exige não proferir coisa injuriosa contra Ele e isto se contém no preceito que diz: Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus…” (Suma Teológica I, II, 100, 5. Citação de Ex.20:22-26. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 17 dez. 2013) (tradução nossa de texto em espanhol).
– Como afirma o Catecismo da Igreja Romana: “Entre todas as palavras da revelação há uma, singular, que é a revelação do nome de Deus. Deus confia seu nome àqueles que crêem nele; revela-se-lhes em seu mistério pessoal. O dom do nome pertence à ordem da confiança e da intimidade. “O nome do Senhor é santo.” Eis por que o homem não pode abusar dele. Deve guardá-lo na memória num silêncio de adoração amorosa. Não fará uso dele a não ser para bendizê-lo, louvá-lo e glorificá-lo” (§ 2143 CIC). Charles Spurgeon assim se expressa: “…A reverência pelo verdadeiro nome de Deus é exigida e todas as coisas que estão conectadas com Sua adoração são para ser mantidas sagradas…” (ibid.).
– John Wesley bem sintetiza o sentido deste mandamento, ao dizer: “…Nós tomamos o nome de Deus em vão. Primeiro: pela hipocrisia, fazendo profissão do nome de Deus, mas não vivendo de acordo com esta profissão. Segundo: pela quebra do pacto. Se fazemos promessas a Deus, e não cumprimos nossos votos ao Senhor, nós tomamos Seu nome em vão. Terceiro: pelo juramento precipitado, mencionando o nome de Deus, ou qualquer de Seus atributos, na forma de um juramento, sem qualquer ocasião justa para isto, sem nenhum propósito, ou um bom propósito. Quarto: pelo juramento falso, que alguns pensam que é o que se intenta primordialmente neste mandamento. Quinto: por usar o nome de Deus leviana e descuidadamente. A profanação da forma de devoção é proibida, assim como a profanação das formas de juramento, como também a profanação de qualquer das coisas pela quais Deus Se faz conhecido…” (Notas explicativas. Ex.20:7. Disponível em:http://www.biblestudytools.com/commentaries/wesleys-explanatory-notes/exodus/exodus-20.html Acesso em 18 dez. 2013) (tradução nossa de texto em inglês).
– Este mandamento foi reafirmado pelo Senhor Jesus quando, ao falar a respeito dos juramentos, disse que nossas palavras devem ser “sim, sim; não, não”, sendo o que sair disso de procedência maligna (Mt.5:33-37). O falar do salvo deve ser num só sentido, e, em sendo assim, jamais pronunciará o nome do Senhor em vão, visto que somente usará seu falar para exaltar o nome do Senhor. Jesus, também, observou que de toda palavra ociosa o homem dará conta no dia do juízo, o que é mais uma reafirmação deste mandamento (Mt.12:31-37).
– O quarto mandamento diz respeito ao sábado e é, de longe, o mandamento que mais discussões fazem surgir entre os que cristãos se dizem ser, e isto desde os primórdios da história da Igreja, ante a existência dos judaizantes.
– Este mandamento não foi reafirmado pelo Senhor Jesus, de modo que não deve ser observado pela Igreja. É bom observarmos que o “sábado” é um “descanso”, pois é isto que significa a palavra hebraica “shabat”. Ora, tinham os israelitas a necessidade de um descanso, de um repouso, de um momento para se dedicarem exclusivamente ao Senhor, que era o dia sétimo.
– Esta necessidade de um dia de dedicação ao Senhor decorria, precisamente, do fato de que a lei não era o patamar ideal do relacionamento entre Deus e Israel. Israel havia se colocado de longe, não quis ter um relacionamento direto com o Senhor e, por isso, se fazia necessário, já que a lei não fora inscrita em seus corações, que se separasse um dia para que eles pudessem se dedicar integralmente ao Senhor.
– O sábado ficou, pois, sendo um sinal entre Deus e Israel, como se vê claramente em Ex.31:13-17, sendo este, aliás, o único mandamento em que o Senhor disse que se trataria de um sinal entre Ele e os filhos de Israel.
– Como se não bastasse isso, ao repetir os dez mandamentos, Moisés deixou claro ao povo de Israel que um dos objetivos da guarda do sábado era para que o povo se lembrasse que o Senhor havia tirado Israel com mão forte e braço estendido da terra do Egito (Dt.5:15), ou seja, tratava-se de um mandamento vinculado estritamente à formação do povo de Israel pelo Senhor, uma demonstração do senhorio de Deus sobre Israel.
– Como israelita e cumpridor da lei, evidentemente que Jesus guardou o sábado, mas não há sequer uma afirmação de Cristo que tenha mandado que os Seus discípulos guardassem o sábado. Trata-se de um mandamento que não foi reafirmado pelo Senhor Jesus e, portanto, não estamos, enquanto Igreja, vinculados a tal mandamento.
– Pelo contrário, em plena vigência da lei, ainda, o Senhor Jesus, ao ser interpelado pelos fariseus porque permitira que os Seus discípulos pegassem espigas no dia de sábado, disse que Ele, Cristo, era Senhor do sábado e que o sábado fora feito para o homem e não o homem, para o sábado (Mt.12:1-8; Mc.2:23-28).
– O sábado foi um mandamento estabelecido entre Deus e Israel para que o povo israelita, que não quis se aproximar de Deus e que não estava preparado para receber a lei em seus corações e ter relação plena com o Senhor, tivesse um dia de dedicação exclusiva ao Senhor. Por isso mesmo, o escritor aos hebreus disse que aquele sábado representava o descanso que ainda não havia chegado a Israel (Hb.4:1-11).
– No entanto, quando veio o Senhor Jesus, este descanso também chegou ao povo de Deus. O próprio Cristo disse que deveriam vir a Ele os cansados e oprimidos, que Ele os aliviaria e, assim, encontrariam descanso para as suas almas (Mt.11:28,29).
– O salvo por Cristo Jesus já se encontra em repouso, em descanso, porquanto está em Cristo. Deste modo, não precisa mais observar e guardar dias (Cl.2:16), visto que está sempre no Senhor e com o Senhor, de modo que já tem a vida eterna, servindo a Deus todos os dias, glorificando o nome do Senhor a todo momento e instante.
– O quinto mandamento é um verdadeiro mandamento de transição, visto que se refere tanto ao relacionamento de Deus com o homem, como também com o relacionamento entre os homens. É o mandamento de honra aos pais, que encerra em si dois aspectos.
– O primeiro aspecto é um aspecto relativo ao relacionamento com Deus, pois a honra aos pais traz, como consequência, uma ação direta de Deus, qual seja, o prolongamento da vida, uma promessa, como indica o apóstolo Paulo (Ef.6:2), a nos mostrar a gravidade deste dever de honra e como ele traz impacto direto no relacionamento da pessoa com Deus.
– A posição dos pais, portanto, não é uma posição qualquer. Trata-se de um múnus dado pelo próprio Deus, que os faz copartícipes não só da criação de uma vida (o que já é uma circunstância de altíssimo valor, quase que um compartilhamento de glória), como também da tarefa de ensino e instrução. Os pais assumem, deste modo, uma tarefa de participação em a natureza divina, que os habilita a serem honrados, respeitados, obedecidos e portadores de bênçãos aos filhos.
– O segundo aspecto é salientado por Tomás de Aquino: “…As relações com os próximos são especiais e gerais. Especiais com aqueles de quem somos devedores e a quem estamos obrigados a devolver-lhes o que lhe devemos. A isto diz respeito o preceito de honra aos pais.…” (Suma Teológica I, II, 100, a.5. Citação de Ex.20:7,8. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 17 dez. 2013) (tradução nossa de texto em espanhol).
– Assim, o quinto mandamento é também um mandamento que se refere ao relacionamento entre os homens, um mandamento que traz um relacionamento especial que se deve ter entre pais e filhos, que criam aquele ambiente especialíssimo de manifestação de Deus entre os homens que é a família.
– Este mandamento foi reafirmado pelo Senhor Jesus, que sempre foi submisso a Seus pais biológicos e sociais (Lc.2:51; Jo.19:25-27), como também criticou veementemente uma mitigação que a tradição judaica tinha feito a este mandamento (Mt.15:3-6), chamando- de um “mandamento de Deus”. Como se não bastasse isso, o apóstolo Paulo explicitamente repetiu tal mandamento à Igreja (Ef.6:1-3).
– O sexto mandamento diz respeito ao respeito à vida: “não matarás”. Representa ele o reconhecimento de que a vida é dom exclusivo de Deus (I Sm.2:6) e que, portanto, jamais pode ser atacada por um ser humano. Como bem maior de todo ser humano, é, sem dúvida, o bem que devemos preservar, em qualquer situação, em relação a nosso próximo.
– É o primeiro dos mandamentos que dizem respeito ao que Tomás de Aquino chama de “relações gerais com o próximo”, “in verbis”: “…os que se têm com todos, não lhes infligindo dano algum, nem de obra, nem de palavra, nem de pensamento. De obra se inflige dano ao próximo, bem seja contra a própria pessoa, privando-lhe a vida, e a isto diz respeito o preceito que diz: Não matarás; bem seja contra a pessoa a ela ligada para a propagação da prole, e isto se proíbe no preceito Não adulterarás; bem seja contra os bens que possui, necessários para o sustento seu e de sua família, e a isto diz respeito o preceito Não furtarás. Os danos de palavra se proíbem pelo preceito Não dirás falso testemunho contra teu próximo. Finalmente, os danos de pensamento se proíbem quando se diz: Não cobiçarás.…” (ibid.).
– O Senhor Jesus reafirmou este mandamento no sermão do monte, inclusive ampliando-o não só à morte física, mas a todo e qualquer intento contra a pessoa (Mt.5:21,22).
– O sétimo mandamento diz respeito à fidelidade conjugal: Não adulterarás. Trata-se de uma consequência da própria fidelidade devida a Deus, na medida em que homem e mulher, ao se unirem em casamento, reproduzem, na Terra, a própria comunhão que deve haver entre homem e Deus. Trata-se, também, de um mandamento que fortifica a própria família, que é a base de toda a sociedade.
– Este mandamento foi reafirmado e ampliado pelo Senhor Jesus, que não levou em conta apenas a prática física de um ato sexual com quem não é seu cônjuge, mas a própria cobiça de quem não é seu cônjuge (Mt.5:27,28).
– O oitavo mandamento diz respeito à propriedade do próximo: Não furtarás. Trata-se de consideração do patrimônio e do trabalho alheios, do esforço feito para a sobrevivência de cada um. O Senhor Jesus também reafirmou este mandamento ao considerar que os falsos profetas que haviam vindo antes d’Ele, que os agentes do diabo são “ladrões e salteadores” (Jo.10:8,10), a mostrar que o desrespeito ao patrimônio alheio é pecaminoso e não é admitido pelo Senhor.
– O nono mandamento diz respeito ao falso testemunho, questão que está umbilicalmente relacionada à mentira. Devemos sempre falar a verdade e jamais querer prejudicar o próximo com inverdades. O Senhor Jesus reafirmou este mandamento, ao dizer que o diabo é o pai da mentira (Jo.8:44), ao passo que Ele, Cristo, não só diz sempre a verdade (Jo.8:45), mas é a própria Verdade (Jo.14:6). Como se não bastasse, o Senhor Jesus disse que o falso testemunho é um mal que procede do coração do homem (Mc.7:21-23).
– O décimo mandamento fala da cobiça. Ao se referir ao adultério, o Senhor Jesus já havia mostrado que a cobiça é algo execrável e que é inadmitido por Deus, tendo, portanto, reafirmado aqui também este mandamento. O Senhor mostrou a pecaminosidade da avareza, que não deixa de ser uma espécie de cobiça (Lc.12:15). Nas epístolas do Novo Testamento, ademais, sempre se relacionará a cobiça à carne, ou seja, a cobiça é uma manifestação de carnalidade, de uma vida que ainda não experimentou a salvação em Cristo Jesus (Rm.7:7; Gl.5:16; Cl.3:5; I Ts.4:5; Tg.1:14,15; II Pe.1:4; I Jo.2:16,17).
– Vemos, portanto, que os dez mandamentos dados por Deus a Israel revelam o caráter santo de Deus e, por isso, compõem a moral cristã, já que Deus não muda. Entretanto, se, para Israel, foram eles dados em tábuas de pedra, como estatutos que Israel deveria cumprir, para a Igreja, que teve a lei de Deus inscrita em seus corações, são eles condutas que são naturalmente produzidas por quem é templo do Espírito Santo, condutas que denunciam nossa filiação divina. Porque somos salvos, cumprimos a lei e não cumprimos a lei para ser salvos. Eis a grande diferença entre o cristão e o israelita, eis a grande diferença entre a lei e a graça.
Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco
Site: http://www.portalebd.org.br/files/1T2014_L7_caramuru.pdf