LIÇÃO Nº 9 – CONFRONTANDO OS INIMIGOS DA CRUZ DE CRISTO
INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo da carta de Paulo aos filipenses, estudaremos hoje o final do capítulo terceiro, quando o apóstolo, após ter falado a respeito dos judaizantes, fala também de outro grupo que perturbava a fé nas igrejas locais cristãs, a quem o apóstolo chama de “inimigos da cruz de Cristo”.
– Os servos de Cristo Jesus devem ter consciência de que, no meio da igreja local, infiltram-se os “inimigos da cruz de Cristo”.
I – IMITANDO AO APÓSTOLO PAULO
– Na continuidade do estudo da carta de Paulo aos filipenses, prossigamos o estudo do capítulo terceiro, que, conforme já estudado, compõe a “parte prática” da epístola, ou seja, o instante em que o apóstolo está interessado em dar lições a respeito do comportamento, da conduta dos crentes de Filipos.
– O apóstolo havia mostrado aos crentes de Filipos que o alvo, o objetivo de cada um dos servos de Cristo Jesus era a ressurreição dos mortos, algo ainda não atingido, que deveria se iniciar com a participação na ressurreição de Jesus e na comunicação de Suas aflições, que é a vida cristã.
– Todavia, a vida cristã, embora se iniciasse com esta morte para o mundo e esta vida para Deus, não se esgotava nisto, mas tinha uma finalidade, algo a ser alcançado, que é a ressurreição dos mortos, ou seja, a glorificação, último ato do processo da salvação, que ocorrerá no dia do arrebatamento da Igreja.
– Por isso, o cristão, disse o apóstolo dos gentios, não pode, de modo algum, prender-se ao passado, mas fazer da sua vida com Cristo sobre a face da Terra uma jornada, uma peregrinação contínua e progressiva, em que procuramos nos aproximar mais e mais do Senhor, sabendo que a nossa salvação está hoje mais próxima do que quando aceitamos a fé (Rm.13:11).
– Conquanto o apóstolo tenha dito que não podemos nos prender ao que passou, visto que o tempo de nossa salvação é sempre “hoje” (Hb.4:7-9), devendo sempre avançar a fim de alcançar o galardão que se encontra com o Senhor Jesus (Fp.3:13,14; Ap.22:12), era necessário que haja, por parte dos cristãos, um sentimento de aperfeiçoamento.
– “Pelo que todos que já somos perfeitos, sintamos isto mesmo e, se sentis alguma coisa doutra maneira, também Deus vo-lo revelará” (Fp.3:15). Esta expressão do apóstolo pode gerar alguma perplexidade, visto que o próprio Paulo, algumas linhas antes, havia dito peremptoriamente que não havia atingido a perfeição (Fp.3:12). Como, então, fala, agora, que sentia que era perfeito?
– A boa compreensão do texto é nos dada pelos comentadores da Bíblia de Jerusalém que informam ter sido esta expressão uma “caçoada paulina”, ou seja, uma ironia. O apóstolo afirma que não era perfeito e, ainda que se considerasse “perfeito” ou aceitasse assim ser chamado, deveria ter este mesmo sentimento de humildade e de reconhecimento de que a jornada cristã apenas termina na glorificação, que ainda não havia sido atingida.
– Paulo, ainda, afirma que este sentimento, que estava presente primeiramente nele, também deveria ser uma constante em todos os que serviam a Jesus Cristo e tinha a convicção de que se algum crente não tinha este sentimento, adquiri-lo-ia quando houvesse a devida revelação de Jesus para os que achavam perfeitos (Fp.3:15).
– Esta expressão do apóstolo mostra, claramente, que o crescimento espiritual do cristão, além de ser uma realidade e uma necessidade, também traz àquele que estiver crescendo na graça e no conhecimento do Senhor um sentimento de aperfeiçoamento e, como tal, a consciência de que ainda não é perfeito e que precisa, por isso, mais e mais se aproximar do Senhor.
– Ao contrário do que se pode imaginar, o crescimento espiritual não torna a pessoa mais independente, mais senhora de si. Pelo contrário, quanto mais se cresce espiritualmente, quanto mais se aproxima de Deus, mais e mais se nota a sua insignificância diante de Deus, mais e mais se percebe a grandeza do Senhor e, deste modo, a pessoa mais e mais se torna dependente de Cristo, mais e mais se percebe a imensa necessidade e indispensabilidade da presença do Senhor em nossas vidas para que se possa sobreviver espiritualmente neste mundo enquanto não vem a glorificação.
– Nos dias em que vivemos, há um verdadeiro culto à soberba, à independência diante de Deus, à autossuficiência. Muitos são os que se acham “perfeitos” e, como tal, sem qualquer necessidade de depender do Senhor, que, não raras vezes, é tratado apenas como um “empregado”, um “servo especial”, pronto a atender aos caprichos de quem diz servi-l’O.
– Nada mais anticristão, amados irmãos! O verdadeiro discípulo de Cristo Jesus, na medida em que se aproxima do Mestre, percebe-Lhe a grandeza, a infinitude, a plenitude da divindade que n’Ele há (Cl.1:19) e, desta maneira, compreende quão pequeno é diante de tamanha majestade e de quanto d’Ele necessita para sua sobrevivência espiritual até a glorificação.
– Que sentimento temos tido, amados irmãos? Temos nos deixado levar pelas falácias da superioridade espiritual, da perfeição, da soberba que muitos têm incutido em nossas mentes, nestes dias de tantos falsos ensinos e tantas heresias? Ou temos tido uma real aproximação do Senhor, uma vida de intensa comunhão com o Senhor que nos permite a revelação de Sua grandeza e majestade, que nos faz cada vez mais submissos a Ele?
– Que nosso sentimento seja o mesmo do apóstolo Paulo, que queria que todos os crentes filipenses sentissem o mesmo, sentimento este que foi descrito poeticamente pelo poeta sacro anônimo autor do hino 88 da Harpa Cristã: “Jesus, meu Rei, Mestre e Senhor, O Teu amor revela a mim, enquanto eu aqui viver até eu ver da vida o fim. Revela a nós, Senhor, Jesus, meu Salvador, as maravilhas mil do Teu divino amor e, com veraz louvor, fervente gratidão, eleva a Ti, Jesus, Senhor, o nosso coração” (primeira estrofe e refrão).
– O sentimento de aperfeiçoamento, portanto, longe de ser um sentimento de autossuficiência, de superioridade, é a compreensão, a revelação da grandeza divina e da nossa insignificância, que nos faz mais próximos de Cristo, mas, por isso mesmo, nos faz sentir mais dependentes da graça e da misericórdia do Senhor.
– Quando se chega a este estágio de crescimento espiritual, a este sentimento de impotência e de compreensão da nossa necessidade de Deus, isto nos faz que sigamos a “mesma regra”, que tenhamos o mesmo sentimento (Fp.3:16).
– O crescimento espiritual faz com que a unidade do corpo de Cristo, de que o apóstolo já falara nesta epístola, conforme visto em lições anteriores, seja reforçada. A comunhão com Cristo faz com que todos sintam o mesmo, tenham a “mesma regra” e o “mesmo sentimento”.
– É extremamente interessante vermos que o apóstolo se refere a “regra” e “sentimento” quando fala desta unidade que se reforça entre aqueles que crescem espiritualmente no corpo de Cristo. Esta dualidade, a saber, “regra” e “sentimento” mostra claramente que a vida cristã não pode ser unilateral, mas deve abarcar tanto aspectos objetivos (“regra”), quanto aspectos subjetivos (“sentimento”).
– Existe uma “regra”, que deve ser seguida por todos os cristãos. A vida cristã não é uma vida sem regras, uma vida sem mandamentos, como muitos, equivocadamente, passam a defender, como se existisse uma oposição entre lei e graça baseada na existência, ou não, de regras, de mandamentos.
– A graça possui, sim, regras e mandamentos a serem seguidos. O apóstolo Paulo fala de uma “lei de Cristo” (I Co.9:21; Gl.6:2), como também, quando escreveu aos gálatas, afirmou existir uma “regra” segundo a qual devemos andar (Gl.6:16).
– Lucas, nos Atos dos Apóstolos, é claríssimo ao dizer que, enquanto o Senhor Jesus esteve ressurreto sobre a face da Terra, um dos Seus trabalhos foi o de dar mandamentos aos discípulos pelo Espírito Santo (At.1:2), tendo, também, o apóstolo João confirmado que os cristãos receberam da parte do Senhor um mandamento (I Jo.2:7).
– Assim, não podemos aceitar que se diga que, no tempo da graça, haja uma verdadeira “anomia”, ou seja, ausência de regras, que tudo é permitido, que nada deve ser determinado ao cristão, pois estamos em “liberdade”. A verdadeira liberdade não é a ausência de regras, como muitos pensam, mas, sim, um estado onde a pessoa pode desenvolver-se plenamente por causa das regras que a regem.
– Esta “mesma regra” é aquilo que o apóstolo já havia narrado, qual seja, a justiça que vem de Deus pela fé em Cristo Jesus. Quando cremos em Cristo Jesus e passamos a fazer-Lhe a vontade, nossa justiça excede a dos escribas e fariseus e, por meio desta justiça, poderemos entrar no reino dos céus (Mt.5:20).
– Esta regra é algo objetivo, ou seja, algo que é determinado que sigamos, que está fora de nós, que é estatuído pelo Senhor e que devemos seguir. É a Sua Palavra, que a nós foi revelada e que deve ser seguida por todos quantos se dizem discípulos do Senhor Jesus.
– Não se pode, portanto, “mudar” a regra, nem tampouco desconsiderá-la, mas devemos obedecer ao seu conteúdo, de coração, submetendo-nos à vontade do Senhor, pois esta Palavra permanece para sempre (I Pe.1:25).
– Eis a razão pela qual devemos repudiar todos quantos não querem seguir o que está na Bíblia Sagrada, todos quantos têm trazido “inovações”, “invenções”, afastando-se do que se encontra nas Escrituras. Tais pessoas não andam conforme a “mesma regra” e, portanto, não podem ser consideradas como servas de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Lembremos disto!
– Mas, além da “regra”, temos, também, o “sentimento”. A vida cristã não é dissociada da sensibilidade. Somos seres humanos e, como tal, temos tanto a razão quanto a emoção. Nossas emoções, nossos sentimentos também devem ser os mesmos, ou seja, nossa sensibilidade deve reproduzir o sentimento de Cristo Jesus. É o sentimento de humildade, de abnegação, de obediência, de profunda e completa submissão à vontade do Senhor.
– O verdadeiro discípulo de Cristo Jesus é alguém que segue a mesma regra e o mesmo sentimento do Senhor, é alguém que, durante sua peregrinação terrena, está completamente envolvido com Deus, seguindo-Lhe os mandamentos, como também os sentimentos. Temos sido assim?
– O apóstolo Paulo podia exigir isto dos crentes de Filipos porque ele mesmo era um exemplo a ser seguido, a ser imitado. Repetindo o que já dissera aos crentes de Corinto (I Co.11:1), o apóstolo disse aos filipenses que fossem seus imitadores, andando conforme ele estava a andar e, ainda mais, tendo cuidado de todos quantos agiam da mesma maneira (Fp.3:17).
– Paulo retirava a sua autoridade apostólica do exemplo que dava aos crentes de Filipos que o acompanhavam desde o início de sua segunda viagem missionária. Décadas já se tinham passado, mas os crentes filipenses viam no testemunho de Paulo a prova de que realmente se tratava de um apóstolo de Cristo Jesus, de alguém que realmente tinha se encontrado com o Senhor e que não mais vivia para si, mas cuja vida se dava na fé do Filho de Deus (Gl.2:20).
– Paulo podia mandar os filipenses a seguirem a mesma regra e o mesmo sentimento porque ele próprio estava a seguir à risca o mandamento de Cristo e a ter o mesmo sentimento que havia no Senhor Jesus, estando, inclusive, como já observamos ao longo deste trimestre, de estar disposto a dar sua vida em prol do Evangelho.
– O exemplo, o bom testemunho são fundamentais e essenciais para que tenhamos autoridade espiritual diante dos crentes e dos incrédulos. Através da nossa frutificação espiritual, teremos condição de levar os outros homens a glorificar ao nosso Pai que está nos céus (Mt.5:16), mesmo que tal glorificação se dê por intermédio de calúnias e difamações (I Pe.2:12).
– Quando assim fazemos, estamos imitando o próprio Jesus Cristo, cuja autoridade com que ensinava advinha, precisamente, do Seu exemplo, o que O diferençava dos escribas e fariseus, que ensinavam mas não praticavam aquilo que ensinavam (Mt.7:28,29; 23:2-4).
– Advém daí a grande diferença entre a justiça que vem pela lei e a justiça que vem pela fé. A lei contentava-se com o exterior, com a aparência externa, enquanto que a graça exige uma mudança interior, de dentro para fora, sem o que não terá qualquer validade.
– Este andar conforme a regra e o sentimento de Jesus Cristo não é uma caminhada fácil. O próprio Paulo manda aos filipenses que tivessem cuidado neste caminhar (Fp.3:17), prova de que se trata de um caminho que, para ser trilhado, exige muita dedicação e muito cuidado.
– Este caminho conduz à salvação, mas, como afirma o próprio Senhor Jesus, é um caminho apertado (Mt.7:14), cheio de percalços e perigos, como, aliás, de forma muito elucidativa, descreveu o pregador e escritor inglês John Bunyan (1628-1688) em sua obra “O Peregrino”.
– Este cuidado que temos de ter ao trilhar este caminho é o de nos aproximarmos cada vez mais do Senhor, a santificação progressiva de que falam os estudiosos das Escrituras, este contínuo andar em direção ao Senhor, que Se nos revelará cada vez mais, fazendo-nos depender d’Ele mais e mais, até que atinjamos, naquele dia, a estatura de Cristo, de varão perfeito (Ef.4:13), ocasião em que se alcançará a “unidade da fé” e o “conhecimento do Filho de Deus”.
– Assim, ainda que tenhamos de avançar, não possamos nos prender ao que já passou, o fato é que o passado tem, sim, um papel a desempenhar em nossa vida cristã, que é o de nos dar referências, paradigmas, modelos a serem imitados. Paulo mandava que os filipenses o observassem e, diante de tudo que haviam vivenciado com o apóstolo todos aqueles anos, seguissem seu exemplo, repetindo os gestos, atitudes e ações do apóstolo.
– Por isso, o escritor aos hebreus manda que lembrássemos dos nossos pastores que tenham nos falado a palavra de Deus, imitando a sua fé, atentando para a sua maneira de viver (Hb.13:7). Eis, portanto, a importância de sermos conhecedores da história da Igreja, para que, através dela, tenhamos modelos a seguir.
OBS: Esta circunstância fica mais clara pela versão de Fp.3:17 na Bíblia de Jerusalém, que ora transcrevemos: “Sede meus imitadores, irmãos, e observai os que andam segundo o modelo que tendes em nós”. A propósito, eis o que diz a nota a respeito deste versículo naquela versão bíblica: “Paulo espera que os indivíduos dentro da comunidade mostrem iniciativa e responsabilidade, e os recomenda como líderes II Ts.5:12s; I Co.16:15s)” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, nota m, p.2051).
– Esta imitação, contudo, tinha um critério, a saber: a regra e o sentimento de Cristo Jesus. Tais pessoas devem ser imitadas, devem ser seguidas em seu exemplo na exata medida em que reflitam o que está nas Escrituras Sagradas, na medida em que suas vidas demonstrem a mesma humildade que houve em Cristo Jesus, o despojamento da glória, a obediência até a morte, o cumprimento da vontade de Deus.
– Tais pessoas devem ser imitadas, devem ter seu exemplo seguido, mas porque foram, antes de mais nada, imitadoras de Cristo Jesus (I Co.11:1). Assim fazendo, tais pessoas estarão, na verdade, seguindo a Cristo, tendo no exemplo daquelas pessoas, um incentivo, um estímulo a imitar o Senhor Jesus.
II – OS INIMIGOS DA CRUZ DE CRISTO
– Por que o apóstolo Paulo estabelece este critério para os crentes de Filipos? Por que não poderiam ser imitados todos aqueles que se diziam cristãos e que, inclusive, conviviam na igreja de Filipos?
– O apóstolo Paulo responde a esta indagação, dizendo que “muitos há, dos quais muitas vezes vos disse, e agora também digo, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo” (Fp.3:18).
– O apóstolo Paulo era realista, como, aliás, deve ser todo o servo de Cristo Jesus. Desde os primórdios da evangelização em Filipos e, ao longo de seu ministério apostólico, o apóstolo dos gentios jamais escondeu dos crentes filipenses a realidade de que há pessoas infiltradas, que se introduzem encobertamente no meio dos cristãos (II Pe.2:1) mas que são, na verdade, “inimigos da cruz de Cristo”.
– Paulo faz questão de dizer que já havia dito isto aos filipenses “muitas vezes” e repetia mais uma vez, dentro, aliás, da sua linha de “não se esquecer de escrever-lhes as mesmas coisas” (Fp.3:1).
– Enquanto havia aqueles que tinham o mesmo sentimento do Senhor Jesus, sendo obedientes até a morte, e morte de cruz, que não titubeavam em fazer a vontade de Deus, mesmo que isto significasse a abnegação, ou seja, a negação de si mesmos, tomando a sua cruz e seguindo ao Senhor (Mc.8:34; Lc.9:23), havia aqueles que seguiam o caminho contrário, que eram inimigos da cruz de Cristo.
– “…No Novo Testamento, a Cruz é símbolo da virtude da penitência, domínio das paixões desregradas e do sofrer por amor de Cristo e da Igreja pela salvação do mundo…” (AQUINO, Felipe. Por que a Cruz é o sinal do cristão? Disponível em: http://blog.cancaonova.com/felipeaquino/2013/04/15/por-que-a-cruz-e-sinal-do-cristao/#more-6241 Acesso em 25 jun. 2013). Como mostra o apóstolo Paulo, foi na cruz que o Senhor Jesus demonstrou de forma excelente a Sua obediência ao Pai (Fp.2:8) e é na “cruz de cada dia” (Lc.9:23) que provamos nossa obediência e comunhão com o Senhor.
– A cruz é o símbolo da vontade de Deus e da negação de nós mesmos, da nossa própria vontade. É o símbolo da submissão. Não é por outro motivo que o apóstolo Paulo diz que sua velha natureza estava crucificada com Cristo (Gl.2:20), bem como que somente se gloriava na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu, para o mundo (Gl.6:14).
– A cruz, portanto, é o sinal que nos permite vislumbrar o sentido de nossa vida neste mundo após o encontro que tivemos com o Senhor Jesus. Por meio deste sinal, percebemos, claramente, que não podemos fazer mais o que queremos, mas, sim, aquilo que o Senhor quer de nós.
– Por este sinal, percebemos que não mais vivemos para nós mesmos, mas única e exclusivamente para o Senhor, para fazer-Lhe a vontade, para nos mantermos separados do mundo e do pecado, sabendo que, quem levar a sua cruz, como fez nosso Salvador, também obterá a glorificação naquele dia, como o Senhor Jesus a obteve.
– No entanto, mesmo entre os que cristãos se dizem ser, há aqueles que são “inimigos da cruz de Cristo”, constatação que não trazia alegria ao apóstolo Paulo, que isto falava “chorando”, ou seja, com tristeza, pois, por ter o mesmo sentimento de Cristo Jesus, era alguém que queria que todos os homens se salvassem e viessem ao conhecimento da verdade (I Tm.2:4).
– Os “inimigos da cruz de Cristo” caracterizavam-se por ser pessoas “cujo Deus é o ventre”, “cuja glória é para confusão deles” e que “só pensam nas coisas terrenas” (Fp.3:19).
– Por primeiro, temos que os “inimigos da cruz de Cristo” são pessoas “cujo Deus é o ventre”. Os comentadores da Bíblia de Jerusalém interpretam esta expressão paulina como sendo uma “alusão às observâncias alimentares que ocupavam lugar importante na religião judaica” (nota o, p. 2051). Já Russell Shedd, ao comentar a passagem, entende que, além dos judaizantes, estavam também envolvidos aqui os “antinomistas”, ou seja, aqueles que defendiam “o abuso da liberdade na graça livre de Deus” (BÍBLIA SHEDD, com. a Fp.3:18, pp.1668-9).
– Quando se afirma que “o Deus era o ventre”, está-se, mesmo, a ir além das meras prescrições alimentares que caracterizavam o judaísmo e que eram uma das observâncias prioritárias por parte dos judaizantes. O “ventre”, no sentido hebraico, refletia o próprio interior da pessoa (Pv.20:27,30; Hc.3:16; Jo.7:38), o seu “eu”, ou seja, a “velha natureza”, o “velho homem”, que tem de ser crucificado com Cristo.
– Portanto, o “inimigo da cruz de Cristo” é aquela pessoa que não abre mão de sua “velha natureza”, que não se nega a si mesmo, mas que faz prevalecer, em sua maneira de viver, a sua própria vontade em detrimento da vontade do Senhor. É aquela pessoa que, embora diga servir a Cristo, não se submete à Sua vontade, mas, antes, faz o que lhe aprouver, o que lhe agradar.
– Paulo já mencionara estes “inimigos da cruz de Cristo” quando escreveu aos romanos, quando afirmou que aqueles que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina são pessoas que não servem a Cristo, mas, sim, ao seu próprio ventre (Rm.16:17,18). São pessoas que, como afirma Judas, não têm o Espírito (Jd.19).
– Quantos há que assim se comportam em nossos dias! São pessoas que não creem nas Escrituras, desdizem o que está escrito, trazem novas “interpretações”, apresentam “argumentos críticos” para desconsiderar tudo quanto está escrito, única e exclusivamente para fazerem o que bem querem, para viver de acordo com os seus instintos pecaminosos, de acordo com as suas próprias vontades.
– É por este motivo que eles são chamados de “antinomistas”, ou seja, “contrários a qualquer regra, a qualquer mandamento”. Defendem, de forma completamente equivocada e distorcida, que a “liberdade” é a “ausência de regras”, que na “graça, tudo é permitido”. Nada mais falso, amados irmãos!
– Trata-se de pessoas que somente fazem aquilo que a Bíblia manda quando estão com vontade de fazê-lo, ou seja, quando há uma coincidência entre o que a Bíblia diz e o que estão querendo fazer. Isto não é sinal nem prova de obediência, mas uma fortuita e mera coincidência.
– A obediência demonstra-se, precisamente, no momento em que não há esta coincidência, este encontro entre as vontades de Deus e a do homem. Somos obedientes precisamente quando temos de negar o nosso “eu” e fazer aquilo que Deus manda. É aí que provamos nosso amor para com o Senhor (Jo.15:14).
– Os “inimigos da cruz de Cristo” são pessoas que seguem a sua própria vontade, que têm como deus o seu interior, pouco se importando com a vontade de Deus. São “donas do seu nariz”, querem ser “iguais a Deus”, fracassando por crerem na mentira satânica contada ao primeiro casal (Gn.3:5). São pessoas que simplesmente não consideram a Deus, vivem como se Deus não existisse.
– São muitos os que se dizem cristãos mas estão a viver deste modo. Não dominam as suas paixões, não possuem autodomínio e fazem tudo quanto querem fazer, buscando, então, doutores conforme as suas próprias concupiscências que “atestem” a sua “correção” (II Tm.4:3,4).
– Todavia, os verdadeiros e genuínos servos de Cristo Jesus não procuram agradar a si mesmos, mas única e exclusivamente ao Senhor, mortificando a carne e a mantendo crucificada com Cristo (Rm.8:13; Gl.2:20).
– Por segundo, os “inimigos da cruz de Cristo” são pessoas “cuja glória é para confusão deles”, ou, na versão da Bíblia de Jerusalém, “sua glória está no que é vergonhoso”, que a Bíblia de Jerusalém insiste, uma vez mais, em fazer correlação apenas aos judaizantes, visto que entende nesta expressão, uma “alusão provável ao membro que recebe a circuncisão” (nota p, p.2051).
– Aqui também nos perfilhamos à linha que vê uma alusão aos “antinomistas” que já existiam na Igreja e que o Senhor Jesus denominará de “nicolaítas” nas cartas que mandou João escrever às igrejas da Ásia Menor, no Apocalipse (Ap.2:6,15).
– Os “inimigos da cruz de Cristo” são pessoas que se gloriam não na cruz de Cristo, mas em si mesmo, naquilo que fazem, naquilo que praticam. São, portanto, amantes da vanglória,da glória vã e passageira deste mundo, da glória dos homens, gostam de ser o centro das atenções, de demonstrar uma superioridade espiritual, que procuram comprovar através de seus gestos.
– Já naquele tempo havia, entre os que cristãos se diziam ser, aqueles que entendiam que o corpo para nada aproveitava, que o Senhor estava interessado tão somente na parte interior do homem, no resgate da alma e do espírito. Eram os gnósticos, aqueles que, influenciados por um pensamento forjado na filosofia grega, viam no material algo ruim e pecaminoso.
– Deste modo, estes “inimigos da cruz de Cristo” entendiam que Deus não tinha qualquer interesse no corpo e, portanto, pouco se importava com o que era feito por meio do corpo. Por isso mesmo, tais pessoas não viam mal algum na prostituição, na impureza sexual, na glutonaria, na embriaguez, visto que o que faziam por meio do corpo não tinha qualquer importância no relacionamento com o Senhor.
– Eram pessoas libertinas, de uma vida moral completamente desregrada, que não viam qualquer problema nisto, pois, como se diz hoje em dia, “Deus só quer o coração”. Assim, viviam desregradamente e se gabavam disto, querendo mostrar, com suas imoralidades, uma “superioridade espiritual”.
– Infelizmente, muitos agem deste modo em nossos dias. Vivem como mundanos, imitando e fazendo tudo quanto os incrédulos fazem, querendo, porém, dizer que tais práticas não fazem mal algum, pois “Deus só quer o coração”. São pessoas que se moldaram à maneira de viver dos demais e que ainda querem se chamar de “cristãs”, única e exclusivamente porque pertencem a uma igreja local, a uma denominação.
– Assim é que temos, em nossos dias, cristãos que se gabam de se portar como os incrédulos, com práticas como uma vida sexual completamente desregrada, como o uso de vestimentas indecentes e sensuais, a adoção de práticas como tatuagens, piercings e outros comportamentos próprios daqueles que não servem a Deus, querendo, com isso, dizer que são “crentes modernos, crentes livres”, quando, na verdade, como diz o apóstolo Paulo, não passam de “inimigos da cruz de Cristo”.
– São pessoas que abandonaram, por completo, a “regra”, os mandamentos bíblicos, querendo, apenas, o “sentir”, a “emoção”, a chamada “adoração extravagante”, que nada mais é que reflexo da concupiscência da carne, da concupiscência dos olhos e da soberba da vida (I Jo.2:16) que o dominam, pois, na verdade, são falsos cristãos, são pessoas mundanas, dominadas pelo pecado que se denominam de “cristãs”, mas que não aceitam a mortificação da carne, que recusam se submeter ao Senhor Jesus, que são “inimigas da cruz de Cristo”.
– Por terceiro, os “inimigos da cruz de Cristo” são pessoas “que só pensam nas coisas terrenas”. Esta é a terceira característica desta gente, pessoas que não pensam nas “coisas de cima” (Cl.3:1), pois não morreram para o mundo, mas estão completamente atraídas e voltadas para as coisas passageiras desta vida.
– O alvo, o objetivo destas pessoas é terem uma vida regalada aqui neste mundo, terem dinheiro, muito dinheiro; terem fama, muita fama; terem posição social (inclusive dentro da igreja local); terem o desfrute dos prazeres desta vida.
– Tais pessoas são as mais miseráveis de todos os homens (I Co.15:19), porque sabendo quem é Cristo e porque Ele veio ao mundo, querem do Senhor Jesus somente as coisas desta vida. Buscam a Cristo para terem proeminência entre os homens, para aqui serem os maiorais, em total desconsideração para com a eternidade que está reservada a todo ser humano.
– Como são numerosos os “inimigos da cruz de Cristo” em nossos dias, amados irmãos! Quantos que estão a frequentar uma igreja apenas para terem “status” dentro e fora da igreja local. Quantos que estão correndo atrás de Cristo para terem um “meio de vida”, para ganharem fortunas, para gastarem nos seus deleites e prazeres!
– Sua vi$ão é totalmente voltada para esta terra, estão na igreja para amealhar tesouros neste mundo e, por causa disto, por correm atrás de tesouros nesta terra, não irão para o céu, pois seus corações estão nas coisas vis deste mundo (Mt.6:19-21).
– Tais pessoas buscam apenas os seus interesses e não os de Cristo Jesus, sendo, pois, aqui totalmente contrários ao que o apóstolo havia dito a respeito de Timóteo (Fp.2:21), bem como de Epafrodito (Fp.2:29,30), outros exemplos que deveriam ser imitados pelos crentes de Filipos.
– Em nossos dias, muitos, ao contemplarem estes “inimigos da cruz de Cristo”, tendem a se arrefecer na fé, são tentados a mudar o seu procedimento, porquanto tais “inimigos da cruz de Cristo”, apesar de terem um destino triste (II Pe.2:3), aparentemente levam vantagem em sua peregrinação terrena, fazendo com que muitos os sigam em suas dissoluções (II Pe.2:2,18-22).
– Muitos destes “inimigos da cruz de Cristo” aparentam um sucesso, um êxito em suas jornadas. Com efeito, alguns deles, apesar de uma vida dissoluta e imoral, conseguem amealhar fama, prestígio, popularidade, riquezas materiais, bem como ostentar a posição de referências religiosas, tendo diversos seguidores e, muitas vezes mesmo, aparentando ter sobre si a bênção divina.
– Sua “libertinagem” parece não trazer qualquer mal-estar ou problema na sua comunhão com o Senhor e, por preconizarem um “evangelho light”, um “evangelho simpático”, passam a ter muitos seguidores.
– Contudo, o apóstolo Paulo não nos deixa qualquer margem para sermos engodados ou atraídos por este tipo de gente. Paulo chora por eles, pois sabe que tudo quanto estão a amealhar são vaidades, são enganos, são ilusões que, mais cedo ou mais tarde, se desvanecerão e, então, exsurgirá a verdade nua e crua da perdição deles. O fim desta gente, diz o apóstolo, é a perdição (Fp.3:19 “in initio”), pois o caminho espaçoso conduz inevitavelmente à perdição (Mt.7:13).
– Como bem disse o Senhor Jesus, que adianta ganharmos o mundo inteiro e perdermos a nossa alma (Mt.16:26; Mc.8:36)? É muito melhor perdermos a nossa vida para ganhá-la, através da mortificação do nosso “eu”, através da crucifixão de nossa “velha natureza” com Cristo, pois somente quem perde a sua vida, achá-la-á (Mt.10:39; 16:25).
III – A CIDADE CELESTIAL – O ALVO DO VERDADEIRO CRISTÃO
– Em contraposição aos “inimigos da cruz de Cristo”, que só pensavam nas coisas terrenas, o apóstolo Paulo diz que o verdadeiro cristão, como ele, estava a pensar em outra cidade, “que está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o Seu corpo glorioso, segundo o Seu eficaz poder de sujeitar também a Si todas as coisas” (Fp.2:20,21).
– Ao contrário dos “inimigos da cruz de Cristo”, o verdadeiro crente, aquele que é “amigo da cruz de Cristo” não se importa em sofrer as aflições deste mundo, em ter de combater dia após dia no seu próprio interior contra a carne, isto é, a sua natureza pecaminosa, que se encontra crucificada com o Senhor, pois sabe que, a exemplo do Senhor, deve tudo suportar pelo gozo que lhe está proposto (Hb.12:2).
– O cristão passa por muitas aflições, participa do sofrimento de Cristo sobre a face da Terra, porque não tem como alvo, nem como objetivo alcançar alguma posição neste mundo, mas, sim, chegar a cidade celestial, que é a nossa cidade, a nova Jerusalém mencionada por João no livro do Apocalipse.
– Enquanto aqui no mundo, o cristão glorifica ao Pai através de boas obras (Mt.5:16), prega o Evangelho e ama o próximo, de tal sorte que consegue melhorar as condições de vida existentes, como, de resto, está a mostrar a história da humanidade, que, de modo insofismável, mostra como o Cristianismo trouxe uma real melhoria nas condições de vida e no respeito à pessoa humana.
– Todavia, por mais que faça para que este mundo seja menos injusto e melhor, o cristão não deposita aqui a sua esperança. Ele sabe que esta nossa terra está maldita por causa do pecado e que não há como fazer aqui habitar a justiça, algo que virá apenas quando houver novos céus e nova terra (II Pe.3:13).
– Imitando o seu Senhor, o cristão, recebendo a virtude do Espírito Santo, busca fazer o bem e curar a todos os oprimidos do diabo (At.10:38), mas sabendo que isto não poderá ser feito de modo cabal. Seu alvo não é esta terra que está a ajudar a melhorar, que tem o dever de ajudar a melhorar, mas seu objetivo, seu fim não é este mundo, mas, sim, a cidade celestial, onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo.
– Há alguns estudiosos das Escrituras que, inadvertidamente, vêm procurando tirar da mente dos cristãos este alvo celestial, esta cidade. Dizem que tal cidade seria apenas um “horizonte inatingível”, que se apresentaria apenas como um estímulo, um ideal, um “mito” para nos levar a lutar por um mundo melhor, onde, aí sim, residiria a missão do cristão.
– Tais pensadores não creem na cidade celestial, acham que o cristão deve tão somente lutar para o estabelecimento do reino de Deus aqui mesmo na Terra, pois seria esta a sua missão, a sua função.
– Todavia, não é isto que nos ensina o apóstolo Paulo. Os verdadeiros cristãos não pensam apenas nas coisas terrenas, mas, sim, têm como alvo a cidade celeste e, por isso, não cessam de aguardar a vinda do Senhor Jesus, quando, então, obterão a glorificação, último ato do processo da salvação.
– Aqui o apóstolo Paulo retoma o tema que já havia apresentado neste capítulo, qual seja, a de que a suprema aspiração do crente era a “ressurreição dos mortos”. Tal ressurreição dar-se-á com a volta de Cristo Jesus, que transformará o nosso corpo abatido conforme o Seu corpo glorioso (Fp.2:21).
– Paulo, deste modo, desmente os gnósticos, os “antinomistas”, ao mostrar que o nosso corpo é, sim, importante para Deus, que Deus com ele se importa, tanto que o transformará num corpo glorioso para que, com ele, adentremos nas mansões celestiais.
– O corpo que temos, hoje em dia, é, sim, um corpo abatido, que se corrompe por causa do pecado, visto que é pó e ao pó tende a tornar (Gn.3:19). Este processo de corrupção do corpo não significa, entretanto, que tal corpo seja mau em si, seja ruim. Este corpo foi criado por Deus e, como tal, é algo bom, muito bom (Gn.1:31).
– Todavia, em virtude do pecado, o corpo passa por um processo de degeneração, sendo, ainda mais, um instrumento de iniquidade, um instrumento de injustiça, visto que se encontra sob o domínio do pecado (Rm.6:12,13).
– Entretanto, para podermos entrar no céu, este corpo abatido será transformado num corpo glorioso, assim como o Senhor Jesus recebeu um corpo glorioso quando de Sua ressurreição (Lc.24:37-43).
– Assim, não é verdade que Deus “queira somente o coração”, mas devemos manter nosso corpo, ainda que abatido, como instrumento de justiça para santificação (Rm.6:19; I Ts.5:23), visto ser ele templo do Espírito Santo (I Co.6:19).
– Se mantivermos o nosso corpo, ainda que abatido, como templo do Espírito Santo, este corpo será glorificado, quando da vinda do Senhor Jesus e, assim, completaremos nossa salvação, alcançaremos o fim de nossa fé (I Pe.1:9).
– Para isso, precisamos ter o nosso tesouro no céu e não nesta Terra (Mt.6:19-21). Para isso, precisamos mortificar a carne e fazer única e exclusivamente a vontade do Senhor. Para isto, precisamos tomar a nossa
cruz, fazermo-nos “amigos da cruz de Cristo”, deixando o pecado, dominando as nossas paixões e sofrendo pelo amor a Cristo e pela Igreja na salvação do mundo.
– Como temos vivido, amados irmãos? Temos sido autênticos e genuínos servos do Senhor Jesus? Temos amado a cruz? Pensemos nisto!
Caramuru Afonso Francisco
Site: http://www.portalebd.org.br/files/3T2013_L9_caramuru.pdf