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Lição 10- Precisamos de Vigilância Espiritual

INTRODUÇÃO

– Na sequência do estudo das parábolas, estudaremos a parábola dos dois servos, registrada em Mt.24:45-52.

 – A vigilância é primordial para alcançarmos a glorificação.

 I – AS CIRCUNSTÂNCIAS DA PARÁBOLA E A PARÁBOLA PROPRIAMENTE DITA

 – Na sequência do estudo das parábolas, estudaremos a parábola dos dois servos, registrada em Mt.24:45-51, uma das parábolas exclusivas do evangelho segundo Mateus.

 – Esta parábola foi proferida no sermão escatológico ou profético de Jesus, sermão proferido logo após os discípulos terem provocado o Senhor a respeito da beleza e majestade do templo de Jerusalém, quando Cristo lhes disse, para espanto deles, que não ficaria pedra sobre pedra que não fosse derribada daquela edificação que tanto orgulho dava aos judeus (Mt.24:1,2).

 – Diante de tal declaração, o Senhor, então, é indagado pelos discípulos, quando já se encontrava no monte das Oliveiras, quando aconteceria o que Ele havia profetizado e que sinal haveria da vinda d’Ele e do fim do mundo (Mt.24:3), ocasião, então, em que Jesus começa a revelar os fatos que ocorreriam no final dos tempos.

 – Depois de dizer que coisas deveriam ocorrer, o Senhor Jesus fez questão de deixar duas coisas bem claras aos Seus discípulos: primeiro, de que ninguém poderia dizer a data da Sua volta; segundo, que era necessário ser vigilante para não ser surpreendido com este episódio.

 – Jesus rememorou o episódio do dilúvio, onde, apesar de Noé ter pregado por pelo menos cem anos, toda aquela geração ficou indiferente ao aviso divino, tendo ficado despercebidos, o que resultou na morte de toda aquela gente (Mt.24:37-39).

 – Assim, é necessário estar preparado, pois ninguém sabe quando o Senhor voltará e há um grande risco de se estar na mesma situação de despercepção que resultou na perdição da geração antediluviana.

Por isso, o Senhor enfatizou a necessidade de vigiar e estar apercebidos, porque o Filho do homem haveria de vir à hora em que não se pensar (Mt.24:42-44).

 – É neste contexto da necessidade da vigilância para obtenção da salvação, para a recepção da graça de Deus oferecida a todos quantos crerem, que o Senhor, então, conta a parábola dos dois servos, que mostra, assim, a partir de um fato corriqueiro do cotidiano, a verdade espiritual de se estar vigilante.

Portanto, com esta parábola, estamos a aprender sobre a indispensabilidade da vigilância em nossa vida espiritual.

 II – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA

(I): O SERVO FIEL E PRUDENTE

– Ao falar que é necessário vigiar e estar apercebido, o Senhor traz, então, a primeira personagem da parábola, que é o servo fiel e prudente. 

“Servo” é a palavra grega “doulos” (δουλος), que significa “escravo”, seja voluntário, seja involuntário, alguém que é sujeito e obediente.

Quando empregado em sentido analógico, como é o caso do texto, pois Jesus está a fazer uma comparação, dizendo, “quem é como o servo”, sempre se refere a um serviço voluntário, a um servo que implique obediência e devoção, como nos dá conta a Bíblia de Estudo Palavras Chave, no verbete 1401 do Dicionário do Novo Testamento (p.2156).

 – Tal circunstância faz-nos remeter à legislação mosaica a respeito da escravidão, uma das primeiras normas ditadas por Deus a Moisés.

O escravo hebreu somente poderia ficar nesta condição durante seis anos, devendo, ao sétimo ano, ser libertado (Ex.21:2).

No entanto, se quisesse, de livre e espontânea vontade, permanecer nesta condição, por amar o seu senhor, seria levado à presença dos juízes e, externada diante de todos esta sua vontade de permanecer servindo, tinha a sua orelha furada e, dali por diante, deveria servir ao seu senhor para sempre (Ex.21:6).

O escravo voluntário era, pois, o “servo da orelha furada”, o “servo voluntário”, aquele que “por amar o seu senhor decidiu servi-lo para sempre”.

 – Este tipo de serviço foi o serviço assumido pelo Senhor Jesus, o “Servo do Senhor” apresentado profeticamente pelo profeta Isaías em algumas passagens, como os chamados “cânticos do servo” (Is.42:1-4; 49:1-6; 50:4-9; 52:13-53:12).

Cristo Jesus foi um “servo da orelha furada”, pois assim se identificou o servo no Sl.40:6, texto que foi vinculado ao Senhor Jesus em Hb.10:8,9, onde, inclusive, fica bem claro que o “servo da orelha furada” é aquele que faz a vontade do seu senhor.

 – Este primeiro servo é dito “fiel” e “prudente”. “Fiel” é a palavra grega “pistos” (πιστός), cujo significado é “digno de confiança, confiável, verdadeiro, fiel”, sendo adjetivo do verbo “peitho”, cujo significado é “conquistar, persuadir”, sendo, pois, “digno de crédito, confiança, fiel, verdadeiro”.

 – A primeira qualidade desta personagem, portanto, é esta dignidade de confiança, este crédito.

Se este servo é digno de confiança, possui crédito diante do senhor, é porque lhe foram dadas tarefas e missões aos quais ele correspondeu.

Trata-se de uma pessoa que está realizando a vontade do senhor, que correspondeu aos desejos e anseios do senhor, que atende aos interesses do senhor.

 – Trata-se, pois, de um servo que atende às ordens do seu senhor, que tem um relacionamento que agrada a seu senhor.

É este servo a que Jesus está se referindo, alguém que tenha uma “folha de serviços prestados”, não pelo que tenha feito, mas por ter agradado ao senhor, alguém que alcançou a “dignidade da confiança”, alguém que demonstrou comprometimento com o seu senhor.

 – Lembremos que o Senhor Jesus havia dado o exemplo de Noé antes de proferir esta parábola, tendo sido Noé e sua família os únicos que escaparam do dilúvio. O texto bíblico diz que Noé havia achado graça aos olhos do Senhor (Gn.6:8). E por que tinha esta condição?

Porque, em meio a toda a prática desenfreada do pecado por parte dos seus contemporâneos, que faziam a sua própria vontade, tanto que “comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento” (Mt.24:38), Noé se mantinha com sua única mulher, não se dedicava à luta desenfreada pela satisfação de sua concupiscência e, ainda, durante cem anos, cumpriu exatamente o que Deus lhe mandara fazer, que era a construção da arca.

 – O servo fiel é, portanto, aquele que, agradando a Deus, é alvo da Sua graça e que corresponde a este cuidado divino, obedecendo ao Senhor em tudo quanto for chamado a fazer.

Afinal de contas, é um servo e, como tal, está ali para fazer a vontade do seu Senhor e o faz de forma espontânea, voluntária, pois, como já se disse, se está fazendo uma analogia. É alguém que voluntariamente abre mão de seus desejos e de suas vontades para fazer aquilo que lhe é mandado pelo senhor.

– O servo fiel é dedicado e “dedicação” significa “consagração aos deuses, proclamação ou dito em público o destinatário de”.

Assim sendo, o servo fiel é aquele que demonstra publicamente que todas as suas atitudes são destinadas à glória do Senhor, que tudo faz para a glória de Deus (I Co.10:31). O servo está consagrado a Deus, vive em função do Senhor.

 – O servo também é dito ser “prudente”, que é a palavra grega “phronimos” (φρόνιμος), cujo significado é “ponderado, considerado, i.e., sagaz ou cuidadoso, indicando um caráter cauteloso”.

Este servo é uma pessoa cuidadosa, que toma atitudes ou ações que revelam cautela, passos dados visando sempre atingir objetivos bem delineados na sua vida.

 – Esta cautela, esta prudência só é possível porque o servo tem o conhecimento do Santo, pois a prudência nada mais é que a “ciência do Santo” (Pv.9:10).

Não se pode conduzir com cautela nos termos da vida se não tivermos conhecimento do Santo, se não conhecermos ao Senhor Deus, pois Ele é proclamado como santo ininterruptamente nos céus pelos serafins (Is.6:3), alguém que tenha comunhão com o Senhor Jesus, que é o Santo (Lc.1:35).

– Este servo fiel e prudente foi constituído pelo Senhor sobre a Sua casa, ou seja, não estava ali por poder próprio, por merecimento.

Muito pelo contrário, ele foi constituído pelo Senhor. Ser “servo” é um privilégio, não é algo automático, nem que decorra da existência da pessoa. Para se tornar servo, é preciso ser “constituído pelo Senhor”.

 – “Constituído” é a palavra grega “kathistemi” (καθίστημι), que significa “designado, nomeado, conduzido, ordenado”. 

Somente podemos nos tornar servos do Senhor se Ele nos nomear, se Ele nos designar para tanto. Cristo diz ter nos nomeado para que vamos e produzamos fruto permanente (Jo.15:16).

 – O servo é designado para a casa do Senhor, ou seja, deve servir na casa do Senhor, a nos mostrar, portanto, que não se pode ser servo do Senhor sem que se esteja na casa d’Ele, casa que somos nós, ou seja, o corpo de Cristo (Hb.3:6; I Co.12:27).

Precisamos, portanto, no servir a Deus, estar na igreja, exercendo a função para a qual fomos vocacionais em prol dos conservos.

 – A constituição na casa tinha uma finalidade, um objetivo, qual seja, o de “dar sustento a seu tempo”. O servo deve dar “sustento”, que é a palavra grega “trophe” (τροφή), cujo significado é “alimento, rações, comida”.

O servo tem de alimentar os seus conservos, manter a alimentação na casa do Senhor e tal alimentação tem como elemento primordial a “palavra que sai da boca de Deus” (Lc.4:4; Mt.4:4). 

 – É sinal de prudência, portanto, dar o devido valor à Palavra do Senhor, às Escrituras Sagradas. Quem conhece a verdade é liberto (Jo.8:32) e a verdade outra coisa não é senão a Palavra de Deus (Jo.17:17).

Quem é liberto permanece na Palavra e só os que assim se portam são verdadeiramente discípulos do Senhor (Jo.8:31).

 – Mas esta alimentação não é tão somente a observância da Palavra de Deus ou até a sua distribuição aos conservos.

 É também a execução de ações que confirmam esta observância da Palavra, o que Nosso Senhor e Salvador denominou de “dar fruto permanente” (Jo.15:16).

 – O propósito da nomeação do Senhor Jesus é o de “dar fruto permanente” e sabemos que este fruto é o “fruto do Espírito” (Gl.5:22), “fruto de justiça” (Fp.1:11), o fruto que nos faz ser conhecidos como servos do Senhor (Mt.7:16-20).

 – A permanência e a constância são características deste servo, por isso, quando o Senhor vier, achálo-á servindo e, por estar servindo, e de modo agradável ao Senhor, será bem-aventurado.

 – Este servo, diz o Senhor Jesus, é o que agrada a Deus, pois Nosso Senhor diz que este servo é bem aventurado pois, quando o Senhor vier, achá-lo-á servindo assim (Mt.24:46).

– O servo que corresponde aos interesses do Senhor, que atende ao chamado divino, que procura alimentar os conservos na casa do Senhor, este é bem-aventurado, porque, quando o Senhor vier e o achar servindo assim, terá a condição de viver para sempre com o Senhor.

 – A fidelidade e a prudência são elementos que mantêm a pessoa na constância do serviço, no comprometimento ininterrupto com o seu Senhor e, por isso mesmo, quando o Senhor vier, será encontrado “servindo”.

O serviço é, portanto, a melhor forma de estar apercebido, de não ser surpreendido com a volta do Senhor.

 – Entendamos, pois, porque o inimigo de nossas almas sempre nos tenta a abandonarmos as tarefas e missões que nos foram dadas por Cristo para a executarmos em Sua casa.

O descomprometimento com nossa missão é o primeiro passo para que nos desmobilizemos, para que abandonemos nosso estado de alerta e, por conseguinte, não sejamos achados percebidos quando o Senhor vier, seja através do arrebatamento da Igreja, seja através da nossa chamada para a eternidade.

 – O apóstolo Paulo é um exemplo deste servo fiel e prudente. Mesmo lhe tendo sido revelado de que seria morto, tanto que, escrevendo a Timóteo, dizia que estava próximo o instante em que seria oferecido por libação em sacrifício (II Tm.4:6);

mesmo admitindo ter combatido o bom combate e ter acabado a carreira, tendo guardado a fé (II Tm.4:7), permanecia envolvido com a sua missão, de sorte que pedia a Timóteo que lhe trouxesse os pergaminhos, ou seja, as Escrituras Sagradas, para que continuasse a meditar nelas até que chegasse o final de sua vida (II Tm.4:13),

porque, preso, podia continuar a meditar nas Escrituras, a orar, enfim, a fazer tudo quanto lhe havia sido designado pelo Senhor, pois, na sua prisão anterior, não cessava de ganhar almas para o reino dos céus (Fp.1:12-14), o que, certamente, estava a fazer novamente nesta sua segunda e derradeira prisão.

 – O serviço é uma forma de vigilância, serviço feito com fidelidade e prudência, ou seja, um serviço dirigido pelo Espírito Santo, resultado e consequência de uma vida de intimidade e comunhão com Deus, onde se tem “ciência do Santo” e onde se faz a vontade d’Aquele que nomeou, onde se produz fruto permanente.

 – Mas o que é esta bem-aventurança decorrente deste serviço fiel e prudente? É pôr o servo sobre todos os seus bens (Mt.24:47).

 – O servo é um escravo, como já foi demonstrado e, como tal, à evidência, nada tem, sedo, na verdade, uma propriedade do seu senhor.

Quando muito, pela sua proeminência ou confiança que nele tem o senhor, podia ser posto como mordomo, ou seja, administrador das coisas de seu senhor, como foi, por exemplo, o caso de José na casa de Potifar (Gn.39:6).

 – No entanto, o que nos diz o Senhor Jesus sobre os Seus servos fiéis e prudentes, aqueles que, por terem correspondido à confiança nele depositada e bem administrado tudo quanto lhe foi dado por Deus na sua peregrinação terrena? Que ele será posto sobre todos os seus bens.

 – É sabido que o servo, quando obtinha extraordinária afeição de seu senhor, era transformado em filho, mediante o processo de adoção. Assim, deixava de ser escravo, para passar a pertencer à família do senhor, na qualidade de filho.

É precisamente isto que acontece com os servos fiéis e prudentes de Nosso Senhor. Jesus não os trata mais como servos, mas, sim, como amigos, porque lhes faz conhecer tudo quanto do Pai foi ouvido (Jo.15:15).

 – Estamos, à evidência, numa parábola e, como tal, sabemos que nenhuma doutrina pode ser fundamentada em parábolas, daí porque não devamos desconhecer que, no processo da salvação, todos quantos creem em Cristo são adotados, desde já, como filhos de Deus (Jo.1:12; Rm.8:14-17),

mas a parábola traz-nos importante elucidação: a filiação somente se tornará irreversível, definitiva se a adoção for acompanhada de um serviço fiel e prudente.

 – Neste passo, é importante salientar que, desde o Código de Hamurábi, o mais antigo texto legislativo conhecido, que vigorou na Mesopotâmia, em Ur dos caldeus, de onde veio Abraão, a adoção poderia ser revogada se houvesse algum tipo de ingratidão por parte do adotado e, por vezes, o adotado era, inclusive, punido por conta disso.

OBS: Eis o que diz o Código de Hamurábi a respeito: 186º – Se alguém adota como filho um menino e depois que o adotou ele se revolta contra seu pai adotivo e  sua mãe, este adotado deverá voltar à sua casa paterna.(…) 192º

– Se o filho de um dissoluto ou de uma meretriz diz a seu pai adotivo ou a sua mãe adotiva: “tu não és meu pai ou minha mãe”, dever-se-á cortar-lhe a língua. 193º

– Se o filho de um dissoluto ou de uma meretriz aspira voltar à casa paterna, se afasta do pai adotivo e da mãe adotiva e volta à sua casa paterna, se lhe deverão arrancar os olhos.”

 – Assim, a parábola, em nada, contradiz a doutrina da adoção como filhos dos que creem em Cristo Jesus, mas apenas indica que a filiação somente se mantém até a glorificação se houver um serviço constante, fiel e prudente,

o que somente se pode alcançar mediante a vigilância espiritual, pois só então se poderá apropriar dos “bens do Senhor”, da “herança incorruptível, incontaminável e que se não pode murchar, guardada nos céus” para os que perseverarem até o fim (I Pe.1:4).

 – A propósito, a palavra grega empregada para “pôr” é a mesma “kathistemi” há pouco mencionada, para falar da “constituição” do servo.

“Kathistemi”, segundo a Bíblia de Estudo Palavras-Chave, metaforicamente, significa “permanecer, ser estabelecido, i.e., ser” (verbete 2525 do Dicionário do Novo Testamento, p.2246), a indicar, portanto, a instituição de um estado permanente de filiação, uma filiação que se torna irrevogável e irretratável, até porque, lembremos, com a glorificação, passaremos para a dimensão eterna, onde não há tempo e, portanto, onde os estados espirituais passam a ser imutáveis.

 – O que são estes bens? A palavra grega utilizada é “hupachonta” (υπάρχοντα), cujo significado é “…coisas existentes ou à mão, i.e., propriedade ou possessões: – bens, aquilo que a pessoa possui” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave, verbete 5224 do Dicionário do Novo Testamento, p.2436).

Isto nos faz lembrar o que Nosso Senhor disse aos discípulos sobre a “casa do Seu Pai”, onde havia muitas moradas, onde Cristo nos prepararia lugar e para onde nos levará (Jo.14:1-3). Mas só o servo fiel e prudente poderá desfrutar desta circunstância.

 III – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA

(II) : O MAU SERVO

 – Mas o Senhor Jesus, nesta parábola narrada em Seu sermão escatológico, apresenta uma outra personagem, a quem chama de “mau servo”.

A palavra empregada é “kakos” (κακός), cujo significado é “sem valor intrínseco; depravado ou ofensivo, mau, perverso”.

 – Era servo tanto o outro, tanto que a palavra é a mesma. Trata-se, portanto, de alguém que, voluntariamente, resolveu se submeter ao senhor, de mais um “servo da orelha furada”.

 – No entanto, a diferença entre os servos já se inicia no fato de que Cristo diz que este “mau servo” “disse consigo” (Mt.24:48).

Ora, este servo é “mau” porque, por primeiro, manteve uma “dimensão individual”, “pensou em si mesmo”, como se tivesse ainda algo que não o vinculasse a seu senhor.

Havia voluntariamente abrido mão de sua individualidade, de seu ego e agora “dizia consigo”, numa clara indicação de que construíra uma “vida independente” de seu senhor.

 – Vivemos dias de individualismo e tal postura do “mau servo” é, lamentavelmente, até corriqueira entre muitos que cristãos se dizem ser.

Querem “construir” uma vida independente de Deus, uma vida “secular”, que “nada tem a ver com o Evangelho ou com igreja”. Querem ter um “naco de vida” descomprometido com a Palavra de Deus e acham isso “perfeitamente normal”. Triste ilusão!

 – Observemos que o Senhor Jesus chama tais pessoas de “maus servos”, de pessoas que são “sem valor” espiritualmente falando, porque não é possível que possamos viver independentemente de Deus, sem ter como foco a razão de ser da nossa peregrinação terrena, que é a de glorificar o nome do Senhor, assim como Jesus Cristo glorificou o nome do Pai (Jo.17:4).

 – Nesta sua “dimensão independente”, o “mau servo” chega a uma conclusão: “o meu senhor tarde virá” (Mt.25:48).

A “dimensão independente” faz com que o “mau servo” deixe de estar focado nas “coisas de cima” (Cl.3:1-3) para passar a pensar nas coisas terrenas, nos seus próprios interesses e, desta maneira, acaba por entender que o “senhor tarde virá”, ou seja, não vislumbra mais a volta do Senhor por estar totalmente envolvido com as coisas deste mundo,.

 – O apóstolo Pedro também trata desta questão ao dizer que, nos últimos dias, viriam escarnecedores, andando segundo as suas próprias concupiscências e questionando a promessa da vinda de Cristo, já que longo tempo se passou desde que ela foi prometida (II Pe.3:3,4).

O apóstolo faz questão de apontar que um dos fatores que leva a esta crença do caráter tardio da promessa da vinda é o “andar segundo as próprias concupiscências”, ou seja, é o andar segundo a carne, o andar, o viver segundo a pecaminosidade, uma vida voltada única e exclusivamente para as coisas desta vida, fruto da “dimensão independente”.

 – Esta “dimensão independente” é a aceitação da mentira satânica contada ao primeiro casal, de que poderiam “ser iguais a Deus, sabendo o bem e o mal”, é o despertamento para a busca da concupiscência da carne, da concupiscência dos olhos e da soberba da vida, que são precisamente os elementos que existem no mundo (I Jo.2:16) e, quando amamos o mundo, deixamos de amar a Deus (I Jo.2:15).

 – É por isso que este servo é chamado de “mau servo”, porque, ao amar o mundo, deixa de amar a Deus e havia se tornado “servo da orelha furada” pelo fato de que havia amado o seu senhor (Ex.21:5,6).

Deixa de amar o Senhor para amar a si mesmo, passa a se achar referência, tanto que cria uma “dimensão independente” em torno de si. Vai na contramão dos verdadeiros e genuínos servos do Senhor.

 – Jesus disse que quem quiser segui-l’O precisa, antes de mais, negar a si mesmo (Mt.16:24; Mc.8:34: Lc.9:23), pois na renúncia de si que se tem a caracterização de um discípulo de Cristo (Lc.14:33).

É, portanto, “mau servo” aquele que deixa de abrir mão de si mesmo para servir a Cristo, pois não é servo do Senhor Jesus quem quiser agradar os homens, a começar de si mesmo (Gl.1:10).

 – A primeira consequência da “dimensão independente” é a desconsideração da volta de Cristo: “o meu senhor tarde virá”.

Assim, não é surpresa alguma que, nos dias difíceis em que vivemos, tenham desaparecido de nossos púlpitos as mensagens escatológicas, as pregações e ensinos concernentes aos últimos tempos, ainda que estejamos claramente no “princípio das dores” (Mt.24:8), na iminência do arrebatamento da Igreja.

Pululam em nosso meio, lamentavelmente, os escarnecedores que andam segundo as suas próprias concupiscências mencionados por Pedro; os inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição, cujo deus é o ventre, que só pensam nas coisas terrenas, como disse o apóstolo Paulo (Fp.3:18,19).

 – A segunda consequência da “dimensão independente” é o desprezo ao próximo. Jesus disse que o “mau servo”, achando que o servo tarde viria, começa a espancar os seus conservos (Mt.24:49). 

– Mais que natural e lógico que quem passa a pensar apenas em si, passa a ter uma dimensão individualista, a ponto de abandonar o próprio amor que tinha ao senhor, não vá levar em conta nem em consideração os outros conservos.

Se não respeita nem teme ao senhor, temerá ou respeitará os conservos, que estão no seu mesmo nível? Certamente que não.

 – Esta desconsideração e desrespeito são crescentes e chegam mesmo à intensidade da violação da integridade física.

“Espancar” é a palavra grega “typto” (τύπτω), cujo significado é de “…socar, i.e., espancar ou surrar (a rigor, com uma varão ou um bastão), mas, de qualquer forma, por golpes repetidos…” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave, verbere 51’80 do Dicionário do Novo Testamento, p.2432).

 – Este “mau servo” não tinha a menor condescendência com os conservos, procurava única e exclusivamente ter a sua vontade prevalecente em relação aos outros e, para tanto, não titubeava em atacá-los até fisicamente.

Aqui o Senhor Jesus deixa bem claro que a falta de amor a Deus leva necessariamente à falta do amor ao próximo, o que seria, posteriormente, confirmado pelo apóstolo João em I Jo.4:19-21. 

– Este comportamento é verificado em relação aos conservos, ou seja, aos servos do mesmo senhor.

Temos aqui a apresentação de uma triste realidade: os “maus servos” são particularmente cruéis para com os verdadeiros servos de Deus.

Os que abandonam a Cristo e deixam de ter comunhão com o Senhor mas se mantêm nas igrejas locais são particularmente violentos em relação a membresia, gerando um sem-número de “espancamentos”.

 – A terceira consequência da “dimensão independente” é a comunhão com os pecadores. Se o “mau servo” espanca os conservos, com relação aos “temulentos”, o comportamento é totalmente diverso. O “mau servo” come e bebe com eles (Mt.24:49).

 – “Temulento” é a palavra grega “methyo” (μεθύω), cujo significado é os que bebem até a intoxicação, i.e., que ficam embriagados, os que bebem muito (Bíblia de Estudo Palavras-Chave, verbete 3184 do Dicionário do Novo Testamento, p.2296), ou seja, aqueles que estão completamente envolvidos com as coisas deste mundo, aqueles que nada veem nem sentem a respeito das realidades espirituais, os homens naturais, para se utilizar da expressão do apóstolo Paulo em I Co.2:14.

 – O “mau servo” é “mau no coração”, ou seja, não tem comunhão mais com os servos de Deus, a quem agride, mas passa a ter comunhão com os “temulentos”, aqueles que não têm qualquer compromisso com o Senhor, que vivem única e exclusivamente para as coisas terrenas, os que não creem, os que não compreendem tudo quanto é revelado e trazido pelo Espírito Santo. 

– Comer e beber significa ter comunhão, estar comprometido, compartilhar de valores e de interesses.

A “dimensão independente” gera uma comunhão entre o “mau servo” e os homens naturais. Ele passa a ter os mesmos valores, os mesmos interesses e o mesmo comportamento daqueles que nunca creram em Cristo Jesus.

 – O “mau servo” passa a ser um “temulento”, alguém que está voltado única e exclusivamente para as coisas desta vida, alguém que pensa nas coisas terrenas, alguém que deixou de estar morto para o mundo, passando a ser morto para Deus.

 – Não há comunhão entre a luz e as trevas (II Co.6:14), não sendo possível, também, que andem juntos quem não estiver de acordo (Am.3:3).

Se o “mau servo” espanca os conservos e come e bebe com os temulentos, é porque deixou de ser luz do mundo (Mt.5:14), deixou de ser filho do dia (I Ts.5:5), para ser trevas, andar em trevas, estar sob o domínio do maligno.

 – A falta da perspectiva da volta de Cristo é fatal para a vida espiritual, não sendo surpresa que, a partir do momento em que a mensagem da volta do Senhor perdeu força na igreja, tenha se iniciado a apostasia espiritual que gradativamente foi tomando conta da Cristandade.

Todos os avivamentos da história da Igreja estão direta ou indiretamente ligado à retomada da esperança da vinda do Senhor.

 – A esperança da volta do Senhor é o fator que desencadeia a santificação (I Jo.3:1-3) e também não é surpresa que os dias de apostasia espiritual que estamos a viver esteja vinculada a esta falta de perspectiva da volta de Cristo,

com muitos sedizentes cristãos interessados apenas em Cristo para obter prosperidade material, saúde física, completamente esquecidos de que estamos neste mundo apenas de passagem e que Jesus veio a este mundo para nos salvar e dar a vida eterna.

– O “mau servo” está completamente envolvido com os “temulentos”, vivendo uma vida de busca incessante da felicidade nas coisas desta vida, na mesma caminhada que teve  o sábio Salomão em seu desvio espiritual, Salomão, porém, que, no livro de Eclesiastes, faz uma vigorosa pregação para dizer que a vida debaixo do sol, a vida focada pelo “mau servo” e pelos “temulentos” é “vaidade de vaidades” (Ec.1:2).

 – Na sequência da parábola, o Senhor Jesus observa que o “mau servo” cometeu um grave equívoco: acreditou saber quando o senhor voltaria.

Disse que ele “tarde viria” e, diante desta sua percepção, meramente subjetiva, sem qualquer respaldo, passou a ter a vida desregrada e pecaminosa.

 – Entretanto, o Senhor disse que o “mau servo” será surpreendido pelo retorno do senhor, que voltará num dia que ele não esperava, numa hora em que ele não sabia (Mt.24:50).

Quem pensa que o “senhor virá tarde”, sempre será surpreendido pelo Senhor, porque sempre posterga algo sobre o que, evidentemente, não tem controle algum. 

– A quarta consequência da “dimensão independente” é a autossuficiência. O “mau servo” achava ter controle sobre o tempo e ter como determinar o momento do retorno do senhor.

No entanto, tal controle não está sob a sua alçada e o senhor, que disse que virá, virá sem dúvida e num momento que não é o esperado nem aguardado pelo “mau servo”.

 – A volta do Senhor trará, em primeiro lugar, a separação do “mau servo”. De quem ele será separado?

Será separado dos conservos, a quem estava a espancar, cujo ambiente estava indevidamente a compartilhar. Será também separado do seu senhor, porque foi infiel, deixou de amá-lo e de corresponder a sua confiança em virtude de sua má conduta.

 – Esta separação faz-nos lembrar do que disse o Senhor Jesus ao anjo da igreja em Laodiceia, quando disse que o vomitaria da Sua boca porque não era ele nem frio nem quente, mas morno, ou seja, porque estava misturado com os incrédulos, porque havia, assim como o “mau servo”, passado a ter comunhão com os “temulentos”.

O vômito nada mais é que a separação de algo que estava no interior do nosso corpo do restante do corpo.

 – Mas, além de separado, o destino do “mau servo” seria compartilhar da mesma parte reservada aos hipócritas.

A palavra “destinará” é a palavra grega “tithemi” (τίθημι), cujo significado, entre outros, é o de “colocar no local apropriado, atribuir um lugar”. O “mau servo” estava entre os servos do Senhor, mas sua conduta revela não ser este o seu lugar apropriado.

Na verdade, embora estivesse entre os servos do Senhor, tinha comunhão com os temulentos e estava a espancar os servos.

– O Senhor, então, porá este mau servo no lugar apropriado, que é juntamente com os hipócritas, que são os enganadores, os mentirosos, aqueles que buscam enganar as pessoas, fingem ser quem não são.

É, sem dúvida, o lugar apropriado para o mau servo, que fingia servir ao senhor, mas não Lhe obedecia mais, não mais fazia a Sua vontade, estando a agir como se o Senhor não voltasse, como disse que voltaria.

 – O lugar destinado aos hipócritas é um lugar onde haverá pranto e ranger de dentes (Mt.24:51).

Tratase, pois, de um lugar onde as pessoas estarão permanentemente a sofrer. Não se trata, pois, de mera destruição, de mero aniquilamento, como alguns equivocadamente ensinam, mas, sim, de um lugar em que a ousadia da “dimensão independente” traz a perdição eterna, a eterna separação de Deus.

 – No lugar há pranto e ranger de dentes, ou seja, há sofrimento. A separação realizada entre o mau servo e os demais conservos, a sua união com os hipócritas é o significado da “morte eterna” e não o fim de uma existência.

Por ter querido viver à parte de Deus, o mau servo terá o que almejou: existirá, para todo o sempre, separado do Senhor.

 IV – OS ENSINAMENTOS DA PARÁBOLA

 – Jesus conta esta parábola para mostrar que a esperança da Sua vinda é uma necessidade na vida espiritual dos Seus servos.

Se não estivermos a esperar o Senhor, se não crermos na Sua promessa de uma nova vinda, acabaremos por sucumbir em nossa jornada espiritual rumo aos céus.

 – A esperança da volta de Cristo não é uma utopia, como estão alguns a pregar por aí, mas uma demonstração de confiança em Deus, de fé no Senhor e que nos anima a prosseguir em nossa peregrinação terrena.

 – Quem espera o Senhor, age com fidelidade e prudência e alcançará a bem-aventurança. O servo fiel e prudente mencionado na parábola é aquele que está a aguardar o arrebatamento da Igreja, a volta do Senhor Jesus. 

 – Graças a esta esperança, purifica-se a si mesmo, cumpre as tarefas que lhe são dadas pelo Senhor, é cauteloso em suas atitudes, a fim de não perder a comunhão com Deus e, por isso, quando o Senhor viver, achá-lo-á servindo e, por estar a servir, será bem-aventurado, tomando posse de tudo quanto está reservado aos discípulos na eternidade.

 – Entretanto, quem não está a esperar o Senhor, fatalmente descuidará da sua santificação, pois se envolverá com as coisas desta vida, deixando de lado seu amor pelo Senhor, pois passará a amar o mundo.

Amando o mundo, voltar-se-á para si e desprezará o próximo, a começar pelos próprios conservos de Deus.

 – Em seguida, totalmente envolvido com o mundo e o pecado, este mau servo passará a ter comunhão com os incrédulos e, por ter optado viver com eles, terá o mesmo seu destino, sendo surpreendido pela volta de Cristo e padecendo eternamente. 

 – Que esta parábola nos ajude a tomar uma atitude diante da volta do Senhor e que sejamos como o apóstolo Paulo, que sempre ansiava pelo retorno de Cristo, clamando “Maranata” e que, juntamente com o Espírito Santo, reproduzamos do fundo do nosso coração o clamor da Igreja genuína e autêntica do Senhor: “Ora vem, Senhor Jesus!”

 Ev.  Caramuru Afonso Francisco

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