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Lição 1 – O que é a mordomia cristã

TEMPO, BENS E TALENTOS

ESBOÇO Nº 1

A) INTRODUÇÃO AO TRIMESTRE

Neste trimestre, abordaremos um importante tema das Escrituras Sagradas, qual seja o da doutrina da mordomia cristã.  

Nos dias em que vivemos, é de grande importância meditarmos sobre esta questão, que diz respeito à própria consciência do lugar que é ocupado pelo homem no universo e como é a natureza de seu relacionamento com Deus.  

O homem é um ser especial para Deus, que, ao contrário dos outros seres, não criou o homem pelo simples poder da Sua Palavra, mas fez questão de formá-lo do pó da terra e soprado em seus narizes (Gn.2:7), expressões bíblicas que revelam o cuidado, o zelo e o caráter especial da criação do homem em relação aos demais seres existentes na Terra.  

Não bastasse esse caráter diferenciado da criação do homem em relação aos demais seres da Terra, Deus, ainda, fez questão de deixar registrado que o homem foi feito à Sua imagem e semelhança (Gn.1:26,27), aspecto este importantíssimo para também mostrar que o homem é um ser singular, peculiar em nosso planeta, pois é o único dotado de uma estrutura similar ao do Criador.  

Pois bem, todos estes predicados particulares e próprios do homem explicam porque Deus o constituiu como dominador sobre a criação da Terra (Gn.1:26), mostram porque, dentre todos os seres viventes em nosso planeta, é o ser humano aquele dotado de capacidade de prevalecer sobre os demais, apesar de não ser o maior, o mais longevo ou o mais forte.

 Sua estrutura diferenciada, sua qualidade de alma vivente o faz superior a todos os demais seres.  

Entretanto, por causa mesmo desta superioridade, o homem foi, de pronto, advertido pelo Criador, de que somente alcançaria a plenitude de sua existência, somente atingiria o propósito de sua criação, se vivesse em plena comunhão com Deus, se estivesse a Ele sujeito e se se comportasse, dentro do domínio que lhe fora dado, como um perfeito administrador.  

Sim, embora tenha sido dotado de capacidade e de domínio sobre os demais seres na Terra, o homem jamais deveria se esquecer de que este domínio era derivado, ou seja, de que toda a superioridade de que foi revestido vinha de Deus e que deveria, sempre, prestar contas a este Deus do que estava fazendo da posição que lhe foi confiada pelo Senhor.

É exatamente esta posição de superioridade mas de simultânea sujeição a Deus que se constitui na própria essência da chamada doutrina da mordomia .  

O homem é um ser feito à imagem e semelhança de Deus e tem superioridade sobre os demais seres da Terra, mas isto não significa que seja senhor de si ou dos demais seres do planeta. 

O homem é um “mordomo”, ou seja, é uma pessoa que, embora seja superior às demais criaturas terras na casa  (“major” indica superioridade, “domus” quer dizer casa, ambas são palavras latinas; “majordomu”- o criador maior da casa), não é o dono da casa, pois o dono da Terra é o Senhor, que a criou (Sl.24:1).  

Como “mordomo”, o homem deve administrar esta casa, ou seja, cuidar dela, gerenciá-la, fazer com que sejam executadas as atividades e tarefas conforme os mandamentos e as ordens dadas pelo Senhor.  

Por isso, a doutrina da mordomia é tão importante, pois nos lembra que a soberania de todas as coisas encontra-se com Deus, que Ele é o Senhor de todas as coisas e que não há outro Dominador nos céus e na terra.   

A Ele devemos prestar contas e, portanto, toda a nossa capacidade, todas as nossas habilidades, todas as coisas que dizermos ter ou possuir nada mais são que elementos que Deus nos deu para que administrássemos. Somos, simplesmente, despenseiros de Deus e, como tal, devemos nos comportar (cfr. I Co.4:1,2; Tt.1:7).  

Quando chegamos à consciência de que a posição do homem na Terra é a de mordomo de Deus, passamos a ter um comportamento totalmente diferente, pois, quando reconhecemos que Deus tem o senhorio, portamo-nos como servos de Deus e, mormente nos nossos dias, poucos reconhecem esta circunstância, mesmo entre aqueles que se dizem cristãos.  

Contagiados por um sentimento, um verdadeiro espírito de autossuficiência, o mesmo que levou o primeiro casal à queda (Gn.3:5,6), muitos crentes têm se esquecido de que são apenas mordomos, administradores do Senhor e se intitulam como “supercrentes”, capazes e poderosos para satisfazer os mais diversos caprichos, tratando o Senhor como se fosse um servo qualificado, pronto a cumprir-lhes todos os desejos.

A capa da revista do trimestre mostra precisamente esta realidade de que estamos a tratar. Nela se vê u’a mão que está a sustentar uma Bíblia, que, por sua vez, sustenta um relógio, uma planta e uma casa, tendo ao fundo uma grande cidade, uma metrópole, como a indicar o mundo.  

Esta mão que sustenta todas as coisas remete-nos ao texto de Hb.1:3, quando o escritor nos dá conta de que o Senhor Jesus sustenta todas as coisas pela palavra do Seu poder, fazendo-nos lembrar que o Criador não só criou, mas mantém tudo quanto tem criado, sendo, assim, o verdadeiro e único Senhor de tudo o que existe.  

Deste modo, tudo quanto nos vem à mão, seja o tempo (representado pelo relógio), seja a natureza (representado pela planta), sejam os bens modificados pela ação humana  (representado pela casa),

tudo se deve única e exclusivamente ao sustento divino, devendo nós usufruirmos de tudo isto com esta consciência de que nada é nosso, que somos apenas administradores, consciência esta que nos virá através da revelação divina que são as Sagradas Escrituras.  

Após uma lição introdutória em que aprenderemos o que é a mordomia cristã, o trimestre se desenvolverá em quatro blocos.  

O primeiro bloco fala da mordomia em relação a nós mesmos, a consciência de que não nos pertencemos, mas somos de Deus (cfr. I Co.1:30) e estudaremos a respeito da mordomia do corpo, da alma e do espírito (lições 2 e 3).  

O segundo bloco fala da mordomia em nosso relacionamento com Deus e estudaremos a respeito da mordomia da família, igreja local, adoração e dízimos e ofertas (lições 4 a 7).

O terceiro bloco fala da mordomia em nosso relacionamento com os bens materiais e com o próximo e estudaremos a respeito da mordomia do tempo, trabalho, finanças, obras de misericórdia e do cuidado com a terra (lições 8 a 12).  

Por fim, teremos uma lição conclusiva em que abordaremos sobre a necessidade de sermos mordomos fiéis.  

O comentarista deste trimestre é o pastor Elinaldo Renovato de Lima, pastor presidente das Assembleias de Deus em Parnamirim, no estado do Rio Grande do Norte, que há muitos anos tem sido um dos autores das Lições Bíblicas.  

Que Deus possa nos ensinar, neste trimestre, através da Sua Palavra, a sermos Seus fiéis despenseiros durante nossa peregrinação aqui na Terra.  

  1. B) LIÇÃO Nº 1 – O QUE É A MORDOMIA CRISTÃ

Deus é o dono de todas as coisas. O homem é apenas um administrador e deve prestar contas de todas suas ações ao Senhor.  

INTRODUÇÃO   

– “Mordomia” é uma palavra de origem latina que significa “o ofício do mordomo”.   

– “Mordomo”, por sua vez, vem do latim “majordomu”, que significa “o criado maior da casa”, o administrador dos bens de uma casa, de uma irmandade, de uma confraria, o serviçal encarregado da administração de uma casa, o administrador de uma casa ou de um estabelecimento por conta de outrem. O homem foi colocado por Deus, na Terra, como o responsável pela sua administração (Gn.1:27).   

– A doutrina da mordomia cristã, portanto, nada mais é que o estudo desta posição do homem frente a Deus e ao mundo em que ele habita e como deve ser o comportamento humano diante disto.  

–  Como bem definiu o Pr. Eber S. Jamil, mordomia “é o reconhecimento da soberania de Deus, a aceitação do nosso cargo de depositários da vida e das possessões, e administração das mesmas de acordo com a vontade de Deus”(Mordomia cristã. Disponível em: https://www.estudosgospel.com.br/estudo-biblicoevangelico-diversos/mordomia-crista.html Acesso em 13 maio 2019).

Por isso mesmo, como bem afirmou o pastor Alexandre Coelho, atual diretor de Publicações da CPAD: ” …a doutrina da mordomia traz-nos a ideia de que há um Senhor, um servo desse Senhor e entre eles um relacionamento.…”(Subsídios para Mordomia Cristã. Ensinador Cristão, ano 4, nº 16, p.36).  

 I – O QUE É UM MORDOMO  

– Como vimos supra, mordomo é um administrador de algo alheio, ou seja, é uma pessoa que foi posta para governar bens que não são seus e que, portanto, deverá prestar contas destes bens ao seu legítimo proprietário.

É alguém que está à frente de um patrimônio, de um conjunto de bens, que está encarregado de realizar tarefas para que este patrimônio seja conservado, seja mantido, seja melhorado, mas que, em virtude de ser um simples administrador, não tem domínio, senhorio sobre este mesmo patrimônio.

Temos um bom exemplo de mordomo na Bíblia quando verificamos José na casa de Potifar. Ali, José tinha à sua disposição todos os bens de seu senhor (Gn.39:3-6), mas nada daquilo era seu. Esta é a posição do mordomo.  

 – Quando falamos, portanto, de mordomia, estamos falando desta posição de administrador, de encarregado, de responsável pela gerência de bens alheios.

É preciso termos isto em mente pois, particularmente entre os brasileiros, a palavra “mordomia” acabou ganhando um outro significado.

Como o administrador, o mordomo tem uma posição de superioridade, tem uma posição de mando em relação a outros servos, naturalmente que, ao longo da história da humanidade, tivesse direito a certas vantagens e benefícios.   

– Assim, por exemplo, é comum, na área rural, que o administrador de fazendas (que é um mordomo) tenha uma casa diferente e melhor da dos outros empregados.

Por isso, estas vantagens que se dão a tais administradores, por causa de sua posição, passaram a ser chamadas de “mordomias” e, por isso, a palavra passou a ter como significado “vantagens, benefícios”, mas não é este o significado próprio da palavra “mordomia”.  

II – A BASE BÍBLICA DA DOUTRINA DA MORDOMIA   

– A Bíblia Sagrada, ao narrar a própria criação do mundo, já nos dá os parâmetros a respeito da doutrina da mordomia cristã.

 As Escrituras demonstram, em primeiro lugar, que o mundo foi criado pelo próprio Deus. Esta é a primeira afirmativa bíblica:

“No princípio criou Deus os céus e a terra”(Gn.1:1). Assim fazendo, as Escrituras deixam bem claro que todo o universo pertence a Deus, já que foi Deus quem o criou.  

– Tendo criado o mundo, portanto, Deus tem, por direito de criação, o senhorio, o domínio sobre todo o universo (Sl.24:1).

Esta é a primeira ideia que temos de ter ao analisarmos a doutrina da mordomia cristã, a de que Deus é o Senhor de todas as coisas, inclusive dos seres criados, o que inclui o homem.  

– A segunda ideia que temos é de que o homem é o ser superior entre todas as criaturas terrenas.

A Bíblia é clara ao afirmar que Deus, ao criar o homem, fê-lo de modo especial. Enquanto as demais criaturas foram feitas pelo poder da Sua Palavra (Gn.1:11,20-25), ao criar o homem, Deus fez de modo diverso, revelando um cuidado diferente em relação aos demais seres.

A Bíblia afirma-nos que Deus formou o homem do pó da terra e soprou em seus narizes (Gn.2:7), bem como que dotou o homem da imagem e semelhança de Deus (Gn.1:27,28), expressões bíblicas que devem ser compreendidas como reveladoras da diferença do homem com relação aos demais seres.  

– Ao dizer que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, a Bíblia mostra-nos que o homem, ao contrário de todos os demais seres terrestres, seria o único que seria dotado de caráter, ou seja, capacidade de discernir o que é certo ou o que é errado, bem assim a estrutura tricotômica (corpo-alma-espírito), estrutura que é semelhante e nos faz lembrar da triunidade divina.   

– Ao criar o homem, Deus disse que ele “dominaria sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre o gado, sobre toda a terra e sobre todo réptil que se move sobre a terra”(Gn.1:27), ou seja, seria o homem o ser superior entre as criaturas na Terra.

Dizemos na Terra, porque assim afirmou o Senhor, ao afirmar que o homem (homem e mulher) teria de sujeitar a terra (Gn.1:28).

Tal expressão bíblica mostra-nos que o homem é inferior aos seres celestiais, como nos dá conta o próprio salmista no Sl.8:5, que, neste ponto, foi confirmado pelo próprio Jesus que, ao falar sobre João Batista, ao considerá-lo o maior de todos os homens, fez questão de relembrar que o menor no reino dos céus, ou seja, a mais inferior das criaturas celestiais, era superior ao maior de todos os homens (Mt.11:11).  

– Assim, ao lado da ideia de que Deus é o Senhor de todas as coisas, é o Criador e, como tal, o único que tem o domínio e a soberania sobre tudo, temos, também, a ideia escriturística de que o homem é a mais superior de todas as criaturas terrenas.  

– Diante desta circunstância, vemos, portanto, que a posição que a Bíblia dá ao homem na ordem universal, mais precisamente na Terra, é a de mordomo, ou seja, daquele servo superior que está encarregado da administração, daquele que é responsável pela manutenção da casa e das regras estabelecidas pelo seu dono.  

– Esta doutrina bíblica é, portanto, muito importante, porquanto nos permite observar que a Terra foi dotada de uma certa ordem, de uma certa organização, que foi estabelecida por Deus e que cumpre ao homem, como sua tarefa primordial, fazer com que esta norma, esta ordem seja preservada.

O homem só atinge o propósito divino para a sua existência quando vive para isto, ou seja, para que os mandamentos do Senhor sejam observados, para que o nome de Deus seja glorificado através da realização dos Seus propósitos neste mundo.  

– Ora, é precisamente neste ponto que observamos como se faz necessário sabermos o devido lugar do homem na ordem criada por Deus, uma vez que é a partir da distorção deste princípio que vemos a atuação do adversário do homem e todas as nefastas consequências com o ingresso do pecado através do primeiro casal na humanidade.

Foi, precisamente, porque foi convencido pelo inimigo de que poderia assumir uma outra posição em relação ao “cosmos”(ou seja, a ordem do universo), que o primeiro casal desobedeceu a Deus e acabou por pecar.   

– Quando o homem perde a noção de que é um mero administrador das dádivas divinas resultantes da sua criação, torna-se um rebelde e desobediente e busca os seus próprios interesses, desviando-se do propósito divino e este desvio, esta distorção, esta tortuosidade nada mais é do que o pecado (palavra que, em grego, é “hamarthia”, que indica exatamente isto, tortuosidade, desvio de alvo, desvio de rota).  

– Estudar a mordomia, portanto, é ter consciência de qual é o lugar que Deus planejou para o homem e, por conseguinte, termos a certeza do que devemos, ou não, fazer para agradar a Deus e, assim, podermos fazer de nossa vida um fator para a glorificação de Deus (Mt.5:16).  

– A vida cristã tem, sim, algumas responsabilidades que devem ser assumidas por quem aceita a salvação em Cristo Jesus. Devemos nos lembrar, em primeiro lugar, que quando aceitamos a Cristo, aceitamo-l’O como Senhor e Salvador.

Falamos muito em salvação, mas devemos observar que, nas Escrituras, Jesus é chamado de Salvador apenas 13 vezes, mas é chamado de Senhor, 120 vezes.

Percebe-se, pois, que ênfase bíblica é muito mais pelo senhorio de Cristo do que pelo Seu caráter salvador, a mostrar, com clareza, que a principal tarefa do evangelho é fazer com que Deus volte a ser Aquele que nos domina, que faz a Sua vontade em nós.   

– Apesar de sermos Seus servos por livre e espontânea vontade, trata-se de uma servidão, trata-se de uma atitude de submissão.

Por isso o salmista faz questão de dizer que teve as suas orelhas furadas pelo Senhor (Sl.40:6), lembrando, em seu poema, o ritual pelo qual um escravo alforriado, por livre e espontânea vontade, ao término dos seis anos de trabalho, decidia ficar para sempre com aquele senhor e, como sinal desta sua decisão, permitia que suas orelhas fossem furadas (Ex.21:8; Dt.15:17).   

– Quando decidimos servir a Deus, adotamo-n’O como nosso Senhor e, portanto, temos de fazer, doravante, a Sua vontade. Admitimos que passamos, simplesmente, a ser administradores de nossas vidas, de nossas habilidades, de nossos bens, de nosso corpo, enfim, passamos a ser mordomos de Deus.  

– A doutrina da mordomia cristã, portanto, está no cerne, ou seja, na própria essência de nossa vida com Deus.

Quem não tem consciência de que é um mordomo ao decidir servir a Cristo, efetivamente ainda não O está seguindo, pois é este o sentido das palavras do Mestre ao dizer quem quiser segui-l’O deve renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz para só então segui-l’O (Mt.16:24).  

– É preocupante verificarmos que muitos crentes, hoje em dia, não tem esta consciência de que Jesus deve ser o Senhor e Salvador de nossas vidas e não apenas Salvador.

Aliás, nas poucas vezes em que a Bíblia menciona ambos os títulos do Senhor, sempre vem, em primeiro lugar, o de Senhor, como a demonstrar que o senhorio precede sobre o caráter salvador (At.5:31; II Pe.1:11; 2:20 e 3:2).   

– A falta desta consciência é trágica para a vida espiritual, pois não conseguimos ter a visão que o Senhor quer que tenhamos, qual seja, a de que estamos aqui para servi-l’O e não para sermos servidos por Ele (Mt.20:28; Jo.13:12-17).

É por isso que muitos têm se embaraçado com doutrinas sem qualquer respaldo bíblico, nos dias de hoje, doutrinas que têm dado ao homem um papel que não é, absolutamente, o que lhe foi confiado por Deus, um papel de “pequenos deuses”, diante dos quais Deus teria obrigações e compromissos inadiáveis, numa pregação de poder e de autossuficiência que nada diferencia do esoterismo e da ideologia propugnada pelo movimento Nova Era.   

– É momento de meditarmos na Palavra do Senhor e vermos qual é o justo lugar do homem na ordem estabelecida por Deus e isto faremos ao estudarmos a doutrina da mordomia cristã.  

– Isto também retira a ideia de que, ao falarmos sobre mordomia cristã, estaremos falando de finanças e, mais propriamente, da questão do dízimo.

Muitos têm confundido a discussão a respeito da mordomia cristã com estes aspectos. Não resta dúvida de que a questão da administração financeira de nossa vida e, dentro dela, o papel do dízimo, é matéria que está incluída na doutrina da mordomia cristã, mas é apenas um dos muitos aspectos desta doutrina, que é muito mais ampla e mais profunda, como temos visto neste estudo.  

III- A RELAÇÃO ENTRE O CRIADOR E O HOMEM  

– Como vimos, a doutrina da mordomia cristã parte de duas ideias bíblicas centrais: a de que Deus é o Criador e Senhor de todas as coisas e a de que o homem é, na Terra, a criatura superior, aquele que foi incumbido por Deus de administrar todas as coisas que foram criadas aqui. Vemos, pois, que um ponto primeiro fundamental desta doutrina é, precisamente, discutir qual é a relação que existe entre Deus e o homem.  

– Em primeiro lugar, como já vimos supra, Deus é o Criador do homem. Ora, como é bem sabido, o criador de algo é seu legítimo proprietário, é o seu dono.

Trata-se de um princípio básico e que consta de todas as legislações da humanidade desde as mais priscas eras.

Até mesmo pensadores e filósofos contrários ao direito de propriedade, como Karl Marx, Friedrich Engels e Pierre Joseph Proudhon admitem que o criador de algo é seu legítimo proprietário.

Por isso, Proudhon, por exemplo, dizia que “a propriedade era um roubo”, exatamente porque achava que, quando as pessoas se apropriam das coisas da natureza, que não haviam feito, estariam se tornando indevidamente proprietárias daquilo, porque não a tinham feito, ou seja, quem faz algo, até mesmo para os inimigos da propriedade, é seu legítimo dono.  

– Pois bem, se quem faz algo, é seu legítimo dono, temos que, como Deus criou o homem e a mulher (Gn.1:28), é seu legítimo dono, é o seu legítimo proprietário, é o seu legítimo senhor. Portanto, por direito de criação, Deus é o Senhor de todos os homens, como, aliás, reconhece em seu poema o salmista no Sl.24:1.

Se Deus é o proprietário e senhor dos homens, nós, como simples criaturas, não somos donos de nós mesmos, pois o direito de propriedade é um direito exclusivo, um direito que não comporta divisão, até porque Deus foi o único a nos criar, como fica bem claro em Gn.1:27, quando há uma determinação exclusiva da Trindade para que houvesse a criação do homem.

Sendo assim, se Deus é o único dono dos homens, nós, homens, somos tão somente administradores do que pertence a Deus, somos, portanto, mordomos.  

– Neste aspecto da criação, pois, Deus é Senhor de todos os homens, estejam eles servindo, ou não, a Deus, tenham eles aceitado a Cristo, ou não, sejam justos ou ímpios, santos ou pecadores. Trata-se de um direito divino por força da criação e, desta forma, quando é concebido um ser humano, já é ele legítima propriedade de nosso Deus.   

– Eis a razão pela qual devem responder, perante Deus, após o término da existência física nesta Terra, todos os homens, que, por isso, são levados a um primeiro juízo de definição do seu estado intermediário (Hb.9:27) e porque todos serão levados a julgamento, independentemente de sua condição espiritual (Rm.14:10-igreja; Rm.11:9,10-judeus; Ap.20:11-15-gentios).  

– Deus, ademais, não deixa o homem na ignorância, mas a ele Se revela através das coisas criadas, para mostrar-lhe que é o Senhor de todas as coisas criadas, de modo que homem algum poderá desculpar-se, alegando não ter tido esta conscientização de que deveria se comportar como verdadeiro mordomo do Senhor Criador (Rm.1:19,20).

– Mas não é apenas pela criação que Deus manifesta o Seu senhorio sobre todas as coisas, inclusive sobre o homem.

Deus também manifesta Seu senhorio através da preservação do homem, através da sustentação de toda a ordem que permite a vida humana.

É outra regra encontrada nas legislações humanas, desde as mais antigas eras, que o abandono da coisa por parte do seu dono motiva a perda do domínio, da propriedade sobre esta coisa.

O abandono, assim, dá causa para que a pessoa não mais seja considerada proprietária de um bem.

 Assim, por exemplo, o Código Civil brasileiro, em seu artigo 1276, determina que o imóvel abandonado por seu dono seja arrecadado, ao final de três anos, pelo Município, para que seja incorporado ao patrimônio público.  

– Pois bem, se Deus fosse o Criador de todas as coisas, entre as quais o homem e tivesse, após o ato da criação, abandonado o homem à sua própria sorte, à mercê de leis naturais que tivessem sido estabelecidas pelo próprio Deus, como defendem os chamados “deístas”, que, embora creiam em Deus,

acham que Ele abandonou o universo, que funciona como uma máquina, sem qualquer intervenção divina, poderíamos dar razão àqueles que defendem que o homem seja um “pequeno deus”,  uma criatura que tem de obter a sua “evolução espiritual” ou ” iluminação” por conta própria, pois Deus não teria como reivindicar o Seu direito de domínio, de soberania, pois, embora tivesse criado o homem, tê-lo-ia abandonado logo após a criação.  

– Entretanto, não é isto que a Bíblia nos mostra. Muito pelo contrário, a Bíblia diz que, após ter Deus criado o homem, providenciou para ele um lugar de delícias, onde pudesse satisfazer todas as suas necessidades, sem sofrimento ou qualquer dificuldade.

As Escrituras informam-nos que Deus, após ter criado o homem, pô-lo no jardim do Éden (Gn.2:8), dotando-o de todo o necessário para a sobrevivência e prazer do homem que havia criado (Gn.2:9).

Como se não bastasse, também providenciou uma atividade e uma tarefa para o homem, qual seja, o de lavrar e guardar o jardim (Gn.2:15), o que, aliás, mostra que, ao contrário do que muita gente diz, o trabalho não é consequência do pecado, mas algo que é inerente à própria natureza humana.  

– Mas o cuidado de Deus não se limitou a isto. Percebendo que Adão estava só, Deus providenciou-lhe uma companheira (Gn.2:18,21,22), bem como deu plena consciência da posição superior do homem em relação aos demais seres, ao permitir-lhe que desse nome a todos os outros seres criados (Gn.2:19,20).

Como se isso ainda fosse pouco, pela própria narrativa bíblica, chegamos à conclusão de que, diariamente, Deus vinha ao encontro do primeiro casal, numa demonstração de que jamais o deixava (Gn.3:8).

– Notamos, assim, que, desde a criação do homem, Deus jamais o deixou, sempre estava suprindo suas necessidades e tinha prazer em fazer-lhe companhia. Com a queda, apesar da separação proporcionada pelo pecado, isto não se alterou.

Mesmo tendo lançado sobre o casal pecador juízos, Deus providenciou-lhes vestes adequadas (Gn.3:21), bem como tratou de impedir que a desgraça proveniente do pecado se perpetuasse, seja vedando o acesso do primeiro casal à árvore da vida (Gn.3:22-24), seja anunciando a boa nova de que providenciaria a salvação do homem através da semente da mulher (Gn.3:15).

 

– Desde então, Deus sempre tem sustentado a ordem cósmica, isto é, o universo e tudo o que criou (Hb.1:3), para que o homem possa viver, ainda que com dificuldades, sobre a face da Terra, permitindo-lhe, assim, que, pela revelação de Deus através da natureza, das Escrituras e de Jesus Cristo,

o homem possa se arrepender de seus pecados e, aceitando a Jesus, obter a salvação e a vida eterna. Deus tem sustentado todas as coisas, desde as estações do ano (Gn.8:21,22) até o plano da salvação da humanidade (Jo.3:16; Tt.2:11,12), nas mínimas coisas, desde os mais importantes aos mais insignificantes seres (Jó 38-40; Mt.6:25-30).  

– Como Deus não tem abandonado o homem, mas, pelo contrário, o tem sustentado a todo instante, não só a ele mas a tudo o que criou, vemos que, por direito de preservação, é o legítimo dono, o legítimo proprietário de todas as coisas e, também por este aspecto, é o legítimo Senhor de todas as coisas e, nós, como alvo de Seu cuidado, de Seu sustento, nada mais somos senão administradores, mordomos, servos deste atuante Senhor.

– Enquanto preservador e sustentador, Deus é legítimo Senhor de todas as criaturas, sejam elas quais forem, inclusive os homens, sejam estes homens fiéis ou não, justos ou ímpios, santos ou pecadores.

Este direito divino estende-se a todos, pois é a todos que Ele sustenta e preserva. Vemos, portanto, que, também sob este aspecto, não há quem possa dizer-se independente de Deus, não há quem possa dizer-se capaz de obter uma evolução espiritual ou uma iluminação ao largo deste Senhor.   

– Deus não é apenas o Grande Arquiteto do Universo, impassível e que deixou o homem à própria sorte, mas o Arquiteto que permanece sendo o Atuante, Incansável e Sempre Presente Construtor e Sustentador do Universo, Aquele em quem, com exclusividade, podemos crescer espiritualmente.  

– Mas, poderá alguém dizer, quando o homem pecou, distanciou-se deste Deus, utilizando mal da liberdade, do livre-arbítrio que Deus lhe havia conferido, deixou-se dominar pelo pecado e, numa distorção de sua primitiva natureza, passou o homem a ser dominado pelo mal e a satisfazer-lhe o desejo (Gn.4:7).

Em sendo assim, o homem, escravizado pelo pecado, passou a obedecer ao maligno e ao sistema contrário à vontade de Deus (Ef.2:1-3).

Em sendo assim, não teria Deus perdido o seu direito de propriedade por força da apropriação indevida por parte de outrem? Não estaria, assim, reduzida a soberania divina apenas àqueles que O aceitarem como Senhor e Salvador?  

– Como já falamos supra, numa demonstração de que Deus não abandonou o homem, o Senhor, no mesmo ato do juízo ao primeiro casal em virtude de seu pecado, prometeu que Se encarregaria de executar um plano para que o homem pudesse retornar à comunhão com Deus (Gn.3:15).

Em Seu papel de preservador e sustentador de todas as coisas, Deus avisou o homem de que providenciaria uma forma de o pecado ser extirpado da humanidade e de a comunhão entre Deus e o homem ser restabelecida.

Desde então, Deus mostrou ao homem o Seu amor e a Sua fidelidade, construindo, passo a passo, a restauração espiritual do homem, o que se fez, de forma plena e completa, através da pessoa do Filho, Jesus Cristo (Hb.1:1; I Jo.2:2), a semente da mulher prometida desde o Éden, que salvou o homem, morrendo por nós (Rm.5:8) e, através do Seu sangue, alcançando o perdão dos nossos pecados (I Jo.1:7-10).   

– A realização do plano de Deus para a salvação do homem, usando da própria humanidade, mediante a fidelidade dos patriarcas, da formação e preservação do povo de Israel, da encarnação e vitória de Cristo sobre o mal e da formação da Igreja para a divulgação da mensagem de Jesus,

é a maior comprovação de que, apesar do pecado e do mundo, Deus está no controle de todas as coisas e que nada pode impedi-l’O de operar (Is.43:13), ou seja, de que Deus é o Senhor de todas as coisas, Soberano e que não pode ser, em absoluto, atingido pelo mal e pelo pecado, que, para Ele, nada representam.   

– Tendo obtido a redenção do homem, através da humanização de Seu Filho e da vitória sobre o pecado e o mal, na cruz do Calvário, Deus deu ao Filho todo o poder no céu e na terra (Mt.28:18: Ap.1:18), de modo que, também por causa da redenção do homem, o Senhor reafirmou Seu domínio sobre toda a humanidade, pois, como sabemos, quem paga o preço da dívida de resgate de alguém, torna-se seu legítimo dono e proprietário.   

– Com efeito, nas legislações antigas, onde o devedor respondia com a sua própria pessoa, caso alguém não tivesse dinheiro ou patrimônio para pagar as suas dívidas, era escravizado, perdia a sua liberdade.

Se alguém, entretanto, pagasse as dívidas do devedor, o devedor, automaticamente, passava a servir a este alguém, que o tinha redimido, que o tinha resgatado, pois o pagamento do preço conferia ao pagador o direito de se tornar senhor do devedor escravizado.   

– Atualmente, o devedor não responde mais com sua liberdade por dívidas que tenha (salvo no caso de pensão alimentícia), mas, sim, com o seu patrimônio.

No entanto, a lei ainda prevê que parentes do devedor ou qualquer interessado, logo após ter sido vendido em leilão bens do devedor para que um credor seu seja satisfeito, façam o que se denomina de “remição da dívida”, que nada mais é do que a possibilidade de esta pessoa pagar a dívida e,

com este pagamento, impedir que o bem vendido seja entregue a quem comprou, passando a pertencer à pessoa que pagou, que, pelo ato do pagamento, passa a ser seu legítimo proprietário. Como se percebe, até hoje, quem resgata a dívida de alguém, pela lei dos homens, é considerado como seu proprietário.

– Pois bem, é exatamente o que ocorreu conosco. No momento em que Jesus morreu por nós, quando nós ainda éramos pecadores, foi pago o preço da nossa dívida para com Deus, pois somente a morte de um justo, de alguém que jamais tinha pecado, poderia satisfazer a justiça divina.

Mediante este alto preço (I Pe.1:18,19), nossas almas foram redimidas (Sl.49:6-8) e, assim, pertencem ao remidor, ou seja, ao próprio Deus, que, na pessoa de Seu Filho, operou a redenção (I Co.1:30; 6:20).

Então, o pecado, ao em vez de ser um fator que pudesse ter obscurecido, diminuído ou reduzido a soberania de Deus sobre a humanidade, foi um elemento que, mais uma vez, reafirmou o Seu domínio sobre todas as coisas!  

– Enquanto no aspecto da redenção, Deus confirma o Seu senhorio sobre todos os homens, tenham eles aceitado, ou não, a obra de Seu Filho na cruz do Calvário,  há quem ache que somente passa a ser do Senhor, pelo menos por direito de redenção, a pessoa que tenha aceitado a Jesus como Senhor e Salvador.

O pecador resistente, que rejeitar a salvação, não estaria sob o senhorio de Cristo, pois não teria sido alvo da redenção. Tal pensamento, entretanto, não tem respaldo bíblico e deve ser afastado.  

– Diz a Bíblia que Cristo morreu por todos os homens (Rm.5:8), que o Seu sangue nos purifica de todo o pecado (I Jo.1:7), que Deus quer que todos os homens se salvem (I Tm.2:4), que Jesus é a propiciação dos pecados de todo o mundo (I Jo.2:2).

 Ora, não vemos, diante de tais afirmativas bíblicas, como dizer que Cristo é Redentor apenas daqueles que O aceitarem, que resolverem a Ele se submeter.

Cristo é Redentor de todos os homens, tem poder para salvar a todos, mas nem por isso todos serão salvos, pois, para que a salvação opere é necessário que o homem creia no sacrifício de Cristo e na Sua Palavra.

 Aliás, exatamente porque Deus é o Redentor de todos os homens, poderá, legitimamente, condenar aqueles que rejeitarem a redenção, que não se arrependerem de seus pecados e os lançar no inferno.

Caso não fosse, pela redenção, legítimo Senhor dos pecadores que não se converterem, não poderia dar-lhes qualquer destino, pois estaria cuidando do que não é Seu, do que não Lhe pertenceria, o que é absolutamente impossível ocorrer com Deus, cujo caráter moral o impede de cuidar do alheio, algo que é próprio e adequado de um ladrão.  

– Para bem entendermos a situação, observemos que, quando alguém resgata um bem que foi leiloado e vendido, ao pagar o preço, impede que a coisa seja entregue ao estranho e, ao mesmo tempo, torna-se seu legítimo proprietário.

Como legítimo dono, tem todo o direito de tomar posse daquele bem. Entretanto, ao tomar posse do bem, observa que ele não tem condições de uso, que não servirá para coisa alguma e, diante disto, certamente, jogará este bem fora, pois para nada mais presta. É exatamente o que ocorrerá com os pecadores que não se arrependerem. Resgatados que foram pelo Senhor na cruz, estamos sob Seu domínio, são Seus. Deus deles já tomou posse ao vencer o mal e o mundo na cruz do Calvário.

Entretanto, quando o pecador parte para a eternidade rejeitando a Cristo, é como o objeto que não tem condições de uso, estará morto em seus delito e pecados, para nada mais prestando a não ser para ser lançado, após o julgamento, no lago de fogo e enxofre, que é a segunda morte.

Esta é a triste e lamentável situação daqueles que, enganados pelo diabo e resistentes à verdade do Evangelho, achando-se “donos de seus narizes”, perceberem, na eternidade, que o único Senhor é Deus e que o resultado de não se Lhe ter submetido é a eterna separação, numa existência mórbida e cruel para todo o sempre, pois “Só o Senhor é Deus!” (I Rs.18:39).

– Vemos, portanto, que o estudo da doutrina da mordomia é de fundamental importância para quem quer servir a Deus, pois nos permitirá saber qual é o nosso lugar no plano de Deus e como podemos, como verdadeiros servos, agradar ao único Senhor, a quem devemos dar glória para todo o sempre. Temos sido mordomos fiéis?   

IV – MORDOMIA DO PONTO-DE-VISTA CRISTÃO  

– A primeira certeza, portanto, que advém da doutrina da mordomia é que, embora seja dominador sobre os demais seres da Terra, o homem é servo de Deus, ou seja, está sujeito a Deus, que é seu Senhor.

Esta é uma das principais verdades bíblicas e que tem sido negligenciada por muitos, inclusive supostos pregadores evangélicos, nos nossos dias.

A doutrina da mordomia traz-se a certeza de que existe um Senhor e que este Senhor é Deus e não o homem, mesmo o salvo, mesmo aquele que aceita a Cristo como seu Senhor e Salvador.  

– As primeiras palavras de Deus dirigidas ao homem registradas nas Escrituras encontram-se em Gn.2:15,16 e são qualificadas de ordem pelo escritor sagrado.  Isto nos mostra, claramente, que o homem deve estar sujeito ao comando do Senhor, que o homem é um servo e que o relacionamento entre Deus e o homem deve ser pautado pela obediência.

Esta realidade não se alterou durante a história da humanidade, encontrando em Jesus o supremo exemplo. Como disse o apóstolo Paulo, Cristo, ao assumir a forma de servo, fez-se semelhante aos homens e, como servo, caracterizou-se por uma obediência até a morte (Fp.2:58), obediência, aliás, que foi uma característica na vida de Cristo desde a própria encarnação, como nos dá conta o escritor da epístola aos hebreus (Hb.10:7).   

– Esta exigência de submissão, de obediência é uma nota característica de quem serve a Deus, tanto que foi, com base nela, que o próprio Jesus identificou a presença, ou não, do amor do Pai em nós. “Vós sereis Meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando” (Jo.15:14).

Não é por outro motivo que, após serem revestidos do poder, os apóstolos, mesmo diante do Sinédrio que havia mandado matar Cristo, não têm mais dúvida do que devem realizar na terra, dizendo que mais importava obedecer a Deus do que aos homens (At.5:29). A noção de que é necessário obedecermos a Deus, portanto, é a primeira demonstração da importância da doutrina da mordomia para o cristão.

OBS: Neste aspecto é importante salientar a visão muçulmana, segundo a qual, a nota marcante do relacionamento entre o homem e Deus está, precisamente, na submissão.

A importância dada à submissão é tão grande entre os maometanos que a própria religião deles é denominada de “Islam”, que, em árabe, significa, precisamente, “submissão”.

Aliás, para eles, o primeiro islâmico foi Abraão, exatamente porque teria sido o primeiro homem a, deliberadamente, dizer-se sujeito e submisso a Deus, como consta no Corão:

 “E quando o seu Senhor lhe disse: Submete-te a Mim!, respondeu: Eis que me submeto ao Senhor do Universo! Abraão legou esta crença aos seus filhos, e Jacó aos seus, dizendo-lhes: Ó filhos meus, Deus vos legou esta religião; apegai-nos a ela, e não morrais sem serdes submissos (a Deus)”. (2:130,131).  

– A noção de que é necessário obedecermos a Deus não é, entretanto, o único fator que denota a importância de o crente ser consciente da doutrina da mordomia.

Quando temos consciência de que devemos obedecer a Deus, também nos conscientizamos de que a vida com Deus é algo distinto de uma religião, é algo muito mais intenso e amplo do que ter uma vida religiosa.

Servir a Deus, ter de obedecer-Lhe é viver com Ele, é estar Lhe agradando a cada momento, a cada instante, é ter a consciência de que, como diz a poetisa Mary Whittle Moody (1870- ?), “cada momento sou Teu, ó Senhor” (verso final do refrão do hino 354, “Cada momento”, do Cantor Cristão).

– Mas, por que a doutrina da mordomia dá-nos esta noção de que o serviço a Deus é algo diferente da religião? 

Simplesmente porque, quando tomamos consciência de que devemos servir a Deus, de que devemos obedecer-Lhe, passamos a perceber que obedecer a um Ser onipresente implica em obedecer-Lhe em todo lugar; obedecer a um Ser onisciente implica em obedecer-Lhe em todo o tempo, pois Ele sabe de todas as coisas; obedecer a um Ser onipotente implica em obedecer-Lhe de todo o nosso ser, pois não podemos resistir-Lhe.

Ora, a partir do instante em que tomamos consciência de que temos de ter uma integra submissão, nossa vida não passa mais a ser nossa, mas do Senhor, pois não haverá instante, aspecto ou prisma de nossas vidas em que poderemos dispensar a necessidade de agradar e de obedecer a Deus.

Foi esta situação que o apóstolo Paulo percebeu ao afirmar que não mais vivia, mas, sim, Cristo vivia nele (Gl.2:20).

– Bem diferente desta realidade é termos uma religião. Religião, como diz o termo, é uma religação, ou seja, o retorno de um contacto entre o homem e uma divindade ou uma entidade superior. Quando se tem uma religião, tem-se o direcionamento de uma vida para amoldá-la a certos princípios, a certas regras, a certas ideias preconcebidas e que explicam o mundo de acordo com o ponto-de-vista do fundador da religião e de seus seguidores.

Embora a religião seja a mais totalizante de todas as formas de manifestação do intelecto humano, porquanto atinge a maior gama de atividades do ser humano, como têm demonstrado os sociólogos e antropólogos, o fato é que amoldar a vida a certos princípios e regras não significa, em absoluto, assumir um compromisso integral, profundo e diuturno como o serviço a Deus.

 Alguém pode ser religioso, extremamente religioso, fiel a princípios e regras, sem que tenha qualquer compromisso com Deus e com os Seus mandamentos.   

– Um exemplo claro de que a religiosidade não significa compromisso em obedecer a Deus vemos no farisaísmo dos tempos de Jesus.

Os fariseus eram extremamente religiosos, obedeciam a todos os preceitos da lei mosaica, aos quais, ainda, acrescentaram muitos outros mandamentos (cfr. Mt.23:4), mas todo este conjunto de regras e de práticas não se traduziam em compromisso com Deus.

Era apenas uma aparência exterior de piedade, de santidade, pois o interior estava totalmente corrompido e distante de Deus.

A religião caracteriza-se por um formalismo, por uma aparência exterior, por um ritualismo, pela observância de regras e de cerimônias que, entretanto, buscam esconder um comprometimento da pessoa com Deus.

Embora religiosa, a pessoa não está comprometida com a obediência a Deus, com o serviço a Deus, pensa que, com sua religiosidade, poderá conquistar, por seus méritos, a salvação e a vida eterna, ou seja, de que, do seu modo, da sua maneira,

angariará recompensas na eternidade. Nada mais contrário, portanto, ao serviço a Deus, nada mais adverso a uma submissão ao Senhor. Jesus atacou durante este tipo pensamento, como vemos em Mt.23.  

– É com preocupação que temos percebido que, cada vez mais intensamente, estão se criando entre nós evangélicos religiosos. Crente passou a ser uma religião, não mais uma pessoa diferente, um modo de vida diferente na sociedade.

Há algumas décadas atrás, era fácil identificarmos quem era crente, evangélico, protestante, “bíblia” ou “aleluia”, como éramos chamados pelas pessoas da sociedade. Um crente era uma pessoa que vivia uma vida exclusivamente voltada a agradar a Deus, uma vida diferente, uma vida preenchida com a busca do reino de Deus e da sua justiça.

As demais pessoas eram apenas religiosas (quando o eram), tanto que era comum ouvirmos a expressão: “sou católico, mas não sou praticante”, a indicar que se tratava de pessoa que era apenas religiosa por tradição, sem qualquer vida religiosa ou comprometida com a igreja então (e ainda) predominante em nosso país.

Hoje em dia, entretanto, também temos os “evangélicos por tradição, não praticantes”, aqueles que se dizem crentes, mas que não frequentam regularmente uma igreja ou, ainda, frequentam-na uma vez por semana, mas restringem sua vida cristã a estas idas ao culto, vivendo, no restante de suas vidas, uma vida idêntica a qualquer outra pessoa, sem qualquer compromisso com Deus.

São apenas religiosos, que entendem estar num alto nível de vida, numa abundância espiritual, quando, na verdade, não passam de pessoas sem a graça de Deus, pessoas totalmente equivocadas quanto à própria razão de ser da vida com Cristo.

São os crentes representados, no Apocalipse, pelas igrejas de Sardo (Ap.3:1) e de Laodiceia (Ap.3:17). A religiosidade tem invadido as igrejas, mais um prenúncio da volta do Senhor.  

– A doutrina da mordomia, portanto, impede que o crente seja envolvido por uma falsa religiosidade, vez que, ao ter consciência de que se deve servir a Deus a todo o tempo, o cristão não tem a ilusão de que uma vida de aparência exterior, de cerimônias, de rituais e de regras poderá fazer com que Deus Se agrade ou que se esteja servindo a Deus.  

– Quando tomamos consciência de que o serviço a Deus envolve todo o nosso ser, a todo instante, não somos iludidos pela ideia de que podemos ter uma vida com vários departamentos, de que podemos ter áreas de nossa vida que não precisam estar submetidas ao senhorio de Cristo.

A vida material e espiritual são uma única realidade e, como tal, devemos servir a Deus a todo tempo, seja quando estamos adorando a Deus, em oração ou na meditação da Palavra de Deus, seja quando estamos efetuando alguma tarefa da vida secular.

Aliás, disto nos dá conta a própria Bíblia Sagrada, que, por exemplo, recomenda-nos a ter esta consciência quando estamos trabalhando secularmente, pois devemos fazê-lo como a Deus e não como a nosso patrão (cfr. Ef.6:5-8), ou na nossa vida familiar (Ef.5:24,25).  

– Não há, portanto, qualquer diferença entre a vida espiritual e a vida material. Somos um só ser e, como tal, devemos servir em toda a inteireza a Deus, procurando agradá-l’O e obedecer-Lhe a cada instante, a cada momento.

É um engano acharmos que devemos servir a Deus apenas quando estamos na igreja ou quando estamos efetuando uma tarefa dita religiosa ou sagrada. Devemos dar testemunho de que servimos a Deus em todas as nossas atitudes, em todas as nossas ações.

Jesus disse que as pessoas precisam ver as nossas boas obras para que glorifiquem ao nosso Deus (Mt.5:16), bem como que nossa justiça deve exceder a das pessoas religiosas (Mt.5:20), residindo aí a grande diferença entre o cristão e as demais pessoas.

 O Cristianismo, disse, certa feita um pregador, não é uma religião, mas um modo de vida, uma forma de viver  e isto faz toda a diferença.

– A doutrina da mordomia permite-nos compreender que a vida com Deus é um relacionamento com uma pessoa, com um ser, não uma forma de se acomodar o nosso ego, de trazer uma amenização para a nossa consciência, não uma forma de equilíbrio interior, de uma autojustificação, como vemos em outros movimentos religiosos.

Temos de manter um relacionamento contínuo com um Ser que nos é superior, que nos criou e a quem devemos obediência, bem como a quem devemos glorificar.  

– A doutrina da mordomia cristã, além de nos dar uma nova visão sobre o significado da vida humana, bem como do verdadeiro papel e valor do ser humano (o que será desenvolvido no tópico seguinte deste estudo), também nos conscientiza de que somos responsáveis e que, portanto, deveremos responder a Deus por tudo aquilo que fazemos, seja bem, seja mal.

É esta conscientização que levou o sábio Salomão, no término de sua vida, a perceber a vaidade de toda a glória humana, ou seja, a falta de sentido de todos os benefícios que se possa amealhar durante a existência física, como se percebe das suas últimas palavras registradas nas Escrituras:

 “Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau” ( Ec.12:14).

(Aliás, segundo a tradição judaica, o livro de Eclesiastes teria sido lido publicamente a uma assembleia convocada por Salomão, no final de sua vida, numa espécie de confissão pública pelos desvios cometidos a partir de certa altura de sua vida). Notamos como Deus é maravilhoso e como Seus caminhos são perfeitos.

Ninguém mais do que Salomão seria o símbolo de uma pessoa que poderia afirmar que a vida sobre a Terra teria valido a pena, diante das grandes benesses que lhe foram dadas pelo próprio Deus, mas é precisamente este homem tão abençoado com tudo o que a vida física poderia oferecer de bom e de melhor (riqueza, fama, poder, prazer, erudição) que nos lembra de que tudo isto é sem sentido, é vazio de significação e que teremos de prestar contas diante de Deus de todas as nossas ações.  

– A consciência de que iremos prestar contas diante de Deus de tudo o que fazemos é consequência imediata de sabermos que somos administradores de bens alheios. Ora, se tudo o que “temos” não é nosso, mas de Deus, é natural que tenhamos de prestar contas a Deus da nossa administração, visto que tudo é do Senhor (Sl.24:1). 

Jesus deixou-nos bem claro, em mais de uma passagem, que deveremos, na qualidade de seres humanos, prestar contas a Deus (Mt.25:19; Mc.12:2; Lc.12:42,43; 16:1,2; 19:15).  

– Muitos crentes equivocam-se, quando falamos em prestação de contas, achando que este assunto é reservado apenas aos ímpios, aos pecadores, pois, quando aceitamos a Cristo, ganhamos a vida eterna e não temos mais qualquer condenação, como está escrito, por exemplo, em Rm.8:1.

Entretanto, embora seja verdade que o crente fiel não pode ser condenado por estar em Cristo Jesus, isto não quer dizer, em absoluto, que esteja isento de ser julgado pelo Senhor.

A salvação do homem não retira a soberania de Deus, antes, como já vimos, é mais uma demonstração do poder supremo do Senhor.

 

– O homem, por ser homem, como também já vimos, ou seja, por ato de criação, é um mordomo, é um administrador de coisas que lhe foram confiadas por Deus.

Assim, por ser homem, seja salvo ou perdido, seja justo ou ímpio, seja fiel ou não, deverá prestar contas a Deus. A prestação de contas não é consequência do pecado, mas consequência da mordomia.

Por isso, o crente que tem consciência da doutrina da mordomia sabe que deverá prestar contas a Deus pelo que tiver feito.  

– A Bíblia afirma que todos os homens são sujeitos a julgamento, a prestação de contas. Um primeiro julgamento, de natureza provisória, é descrito pelo Senhor na história do rico e de Lázaro (Lc.16:19-31).

Ali vemos que o homem, após sofrer a morte física, é encaminhado a um estado intermediário, onde aguardará ou o arrebatamento da Igreja (os que se encontram no seio de Abraão), ou o juízo do trono branco (os que se encontram no Hades). É este o juízo mencionado pelo escritor da epístola aos hebreus (Hb.9:27).

– Sobrevindo o arrebatamento da Igreja, os crentes que estiverem vivos naquela ocasião juntar-se-ão aos que já tiverem morrido, que serão ressuscitados (cfr. I Ts.4:16,17), encontrando-se com o Senhor nos ares e serão encaminhados para um julgamento, que é denominado de Tribunal de Cristo (Rm.14:10-12; II Co.5:10).

Este julgamento não será para salvação ou perdição, pois nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que andaram segundo o espírito e não segundo a carne (Rm.8:1), mas será a oportunidade em que os crentes dedicados e frutíferos receberão seus galardões, enquanto que “os crentes de mãos vazias”,

para se utilizar de expressão do autor do hino 16 da Harpa Cristã, serão como que salvos pelo fogo, visto que suas obras em nada contribuíram para o engrandecimento do reino de Deus (I Co.3:12-15).

 Só depois deste julgamento é que virão as bodas do Cordeiro, que ocorrerão quando a Esposa estiver pronta, ou seja, devidamente adornada com os seus galardões (Ap.19:7).  

– Sobrevindo o juízo do trono branco, serão ressuscitados todos aqueles que não estiverem na companhia do Senhor (estarão na companhia do Senhor, nesta altura da história, os arrebatados, os salvos durante a grande tribulação, o remanescente de Israel,

os fiéis durante o milênio que não se rebelaram), que serão submetidos a julgamento pelo Senhor, conforme a reação que tiveram pela revelação divina que receberam durante suas vidas físicas, julgamento este que é possível a condenação, que será a segunda morte, a morte eterna (Ap.20:11-15).  

– Quando sabemos e não nos esquecemos de que devemos prestar contas ao Senhor de nossos atos, naturalmente que nossas atitudes passam a ser diferentes, temos uma verdadeira modificação em nossos gestos e intenções, pois, não por medo, pois não devemos ter medo de Deus, mas por amor e gratidão, sabemos que, um dia, deveremos nos encontrar com o Senhor e com ele acertamos nossas contas (Hb.4:13).

V  –  A MORDOMIA CRISTÃ VALORIZA A VIDA HUMANA  

– Mas, além da noção de que a vida é uma unidade e que não é possível termos áreas de nossa vida sem o controle e o senhorio de Cristo, a doutrina da mordomia também nos permite verificar que somente uma consciência de que devemos servir a Deus é capaz de dar o devido valor ao ser humano e à vida humana, seu bem mais precioso.

Uma das principais características do mundo onde vivemos, mundo este dominado pelo inimigo (Ef.2:2,3) e que tem como objetivo a destruição e morte deste mesmo homem (Jo.10:10), que se encontra escravizado pelo mal (II Co.4:4; I Jo.5:19), é o da total desvalorização do ser humano, gerando o que, muito propriamente, já se denominou de verdadeira “cultura da morte”, de um humanismo desumanizador.  

– A civilização que se constrói ao largo de Deus e da Sua vontade é uma civilização que se caracteriza pela desvalorização do homem e, por conseguinte, de seu mais precioso bem, que é a vida. Por isso, Jesus disse que tinha vindo para trazer vida e vida com abundância (Jo.10:10), pois somente em Cristo se encontra a vida (Jo.1:4).

Desde Caim, que a sociedade humana que se aparta de Deus é reconhecida pelo desprezo que dá ao homem e à vida humana (Gn.4:8,23,24;6:11,12).  

– Buscando tornar-se igual a Deus, o primeiro casal acabou sendo vítima do engano do inimigo e acabou sendo por ele subjugado, num sistema que tem por objetivo a destruição e a morte do homem. O homem, no mundo, está morto em seus delitos e pecados (Ef.2:1) e é reduzido a uma condição de menosprezo e de vileza.

Com seus ardis, o inimigo monta um sistema que desmerece a figura do homem e que coloca o homem numa condição indigna, miserável, muito longe daquela posição que Deus lhe confiara, de servo maior da casa.

Jesus bem ilustrou isto ao dissertar sobre a parábola do filho pródigo, pois este filho, que tinha uma posição de superioridade na casa de seu pai, foi reduzido a um verdadeiro escravo (visto que trabalhava e não recebia qualquer salário), que nem sequer tinha o direito de se alimentar como os porcos de seu senhor, ou seja, estava numa situação inferior ao animal mais indigno da cultura judaica.

– O mundo caracteriza-se pela total desconsideração para com o homem e a vida humana. Cada vez mais percebemos isto ao verificarmos o espaço que condutas contrárias à vida e ao homem têm encontrado na chamada “civilização”.

O incentivo e estímulo a práticas como o aborto, a eutanásia, a pena de morte, atitudes como o materialismo, o consumismo cada vez mais arraigados em nossas culturas, que, aliás, estão se uniformizando dentro destes parâmetros com o desenvolvimento tecnológico, são provas vivas do contínuo processo de degeneração e declínio espiritual por que passa a humanidade, numa clara indicação de que caminhamos, a passos largos, para o estabelecimento do domínio do espírito do anticristo, que terá, como suas principais características, a redução do homem a uma simples mercadoria (Ap.18:11-19).

OBS: Ninguém, na atualidade, como o Papa João Paulo II, morto em 2005, estudou esta questão tão bem e consoante os princípios bíblicos, motivo pelo qual devemos aqui reproduzir parte de seu pensamento:

 “…A contradição é a falsificação da verdade e a simulação do amor. A contradição  é o esquecimento da linha demarcatória entre o bem e o mal, é chamar de humanismo aquilo que é ‘pecado’.

Facilmente demais, infelizmente, poderíamos citar muitos exemplos disso: com razão hoje se condena o terrorismo, como atentado e violação de elementares direitos do homem; condena-se a pena de morte, como coisa evidentemente contrária ao próprio ser do homem; mas privar da vida o homem ainda não nascido se chama de ‘humanismo’, considera-se ‘prova de progresso’, de emancipação que seria até conforme à dignidade humana ! Não nos iludamos!

Nós todos devemos chamar a atenção, denunciar e superar essas contradições. Lembrem-se do que diz o Evangelho: somente ‘a verdade vos fará livres'(cf. Jo. 8,32)…” (JOÃO PAULO II. Meditações e orações, p.208).  

– A doutrina da mordomia faz-nos perceber que o homem, apesar de ter pecado, apesar de ser indigno por sua desobediência, não foi abandonado pelo seu Criador mas, muito pelo contrário, o amor de Deus continua o mesmo e, por isso, o homem,

ainda que tenha deformado a imagem e semelhança de Deus que recebeu por causa do pecado, ainda é dotado de uma dignidade, pois Deus não o destruiu e quer restaurá-lo e a maior prova disto é que mandou o que tinha de mais precioso, Seu próprio Filho, para salvar o homem.

Podemos ser servos deste Deus, este Deus quer ser nosso Senhor e, mais do que nosso Senhor, quer ser o nosso Pai, quer conosco habitar para todo o sempre e, ao tomarmos consciência disto, passamos a dar o devido valor ao ser humano e a priorizar o homem em detrimento das coisas ou de quaisquer outros seres que existam em nosso planeta.  

– Jesus foi o maior defensor do homem e de sua dignidade em toda a história. Fez-nos ver que todo o sistema de regras e mandamentos existe por causa do homem e não o homem por causa dele (Mc.2:27), algo, aliás, que os religiosos não conseguem compreender.

Por causa do homem, Deus permitiu que um inocente padecesse em nosso lugar na cruz do Calvário. Por causa do homem, Deus Se humanizou e tomou a nossa culpa.

O homem tem um grande valor para Deus e nós, como Seus servos, também devemos valorizar o homem.

 

– Ora, a valorização do homem impõe-se uma conduta totalmente diferente da do mundo, pois, no mundo, o homem é desprezado, é posto em último plano, é vilipendiado.

 Valorizar o homem e a vida humana exige do servo de Deus uma postura diversa da do mundo, uma ética que nos levará, certamente, a que entremos em conflito com o pensamento dominante no mundo.

Mas, se realmente somos mordomos de Deus, se somos administradores de sua casa, jamais poderemos ter outra conduta senão a de valorizar o homem e a vida humana.  

– Será que temos privilegiado o ser humano em nosso cotidiano? Será que temos reconhecido em cada indivíduo, em cada próximo alguém que é a imagem e semelhança de Deus e que, por isso, merece ser tratado com dignidade ?

Ou será que temos nos comportado como as pessoas sem Deus e sem salvação, para quem os seres humanos não têm qualquer valor, são meros instrumentos de suas ambições e desejos, simples trampolins para a realização de seus sonhos?

Vemos cada ser humano como alguém dotado de dignidade ou apenas como um competidor, uma fonte de satisfação de nossos objetivos ou desejos?

Agimos de modo a promover o engrandecimento e o crescimento espiritual e material do próximo? Preocupamo-nos com o outro (o que se denomina de altruísmo) ou apenas conosco mesmos (que é o egoísmo)? Será que podemos dizer que servimos aos outros por amor a Jesus (II Co.4:5)?  

– O verdadeiro servo de Deus sabe que os demais homens são o seu próximo e que devemos amá-los como a nós mesmos (Lc.10:25-37).

O saudoso pastor Severino Pedro da Silva certa vez comentou que devemos dar prioridade às pessoas e não às coisas. Disse que, em uma das igrejas locais que dirigiu, uma criança foi mexer em um belo vaso que é umas das peças mais bonitas de ornamentação do templo e que houve duas diferentes reações entre os membros da igreja.

Alguns se preocuparam que o vaso poderia quebrar, ou seja, estavam preocupados mais com as coisas do que com as pessoas, enquanto outras, inclusive este pastor, preocuparam-se com a criança, que poderia se machucar, eram mais preocupados com as pessoas do que com as coisas.

Qual teria sido a nossa reação? Um servo de Deus consciente da doutrina da mordomia não pode ter outro comportamento senão o de se preocupar primeiro com o homem mortal que, apesar de ser insignificante, comparado com o seu Deus, foi feito pouco menor do que os anjos e coroado de honra e de glória pelo seu Criador (Sl.8:5).  

– Quando falamos em valorização da vida humana, logo notamos que o homem é caro a Deus e que, por isso, Deus, ao criar o homem, tinha um propósito, ou seja, um objetivo para o homem.

 Tudo quanto Deus faz é dotado de um propósito, pois Deus é um Ser moral, um Ser onde não existe o acaso, o acidente, o “sem-querer”. Deus tudo faz com objetivo, com finalidade e o homem, que é sua imagem e semelhança, também não pode ser diferente, deve fazer as coisas com planejamento e com finalidades precisas.

A doutrina da mordomia permite-nos vislumbrar, portanto, que há um propósito de Deus na vida de cada pessoa e que, se somos Seus servos, devemos nos conformar a este propósito.  

– Ao tomarmos consciência de que travamos um relacionamento com um Ser que tem propósito e que somos Seus servos, passamos a querer saber qual é o propósito de Deus para nossas vidas, qual é o Seu objetivo para nós, o que é fundamental para que sirvamos a Deus correta e plenamente.

Quando observamos os grandes servos de Deus nas Escrituras, vemos que todos tinham consciência do que Deus queria deles, do que Deus tencionava fazer com eles. Deus, embora seja superior aos homens em Seus pensamentos e caminhos, não nos deixa ao léu, na ignorância, nada faz sem antes revelar aos Seus servos (Am.3:7).

Embora não possamos saber a magnitude de tudo aquilo que Deus pretende fazer conosco, Deus não nos permite ser servos ignorantes, meros cumpridores de ordens, mas Seus amigos, que desfrutam da intimidade do Senhor, que têm conhecimento, ainda que limitado por sermos homens, do que Deus pretende fazer com nossas vidas, para que estamos neste mundo e com que objetivos Ele nos têm agraciado com a Sua graça (Jo.15:15,16).  

– Temos muita dificuldade em observar que muitas pessoas se dizem servas de Deus mas não têm qualquer noção do propósito de Deus nas suas vidas, que estão servindo a Deus negligentemente, sem qualquer alvo, sem qualquer objetivo, sem qualquer finalidade.

São crentes que não têm qualquer ideia do que devem fazer para Deus nesta vida, como se isto fosse possível, como se nosso Deus fosse um Ser anárquico, um Ser que não tivesse um fim, um objetivo na salvação de cada um dos homens que a Ele se chegam.

Deus não é um Senhor de desocupados, um Senhor de paralíticos espirituais, de pessoas que não tenham qualquer compromisso com o reino dos céus, que reduzem sua vida espiritual a uma mesmice, a um simples frequentar habitual e rotineiro a reuniões, a cultos, sem que se esteja fazendo coisa alguma para a propagação do evangelho, para a edificação espiritual da igreja, para a glorificação de Deus por parte dos homens que estão à nossa volta.

Não é este o papel do mordomo de Deus, não é esta a figura de um sincero e verdadeiro servo de Deus. Deus tem um propósito, estabelece um alvo para cada um de nós e, desta forma, precisamos ter um relacionamento íntimo com Ele, para que nos indique o que devemos fazer e para que estamos aqui.  

– Jesus tinha plena consciência de Seu ministério (Jo.13:1; 17:4) e quer que também a tenhamos, mas, para que isto ocorra, é preciso que tenhamos consciência da mordomia, ou seja, de que aqui estamos, nesta vida física, para sermos instrumentos da glória de Deus e que há, para nós, um propósito divino, ao qual devemos nos conformar.  

 

VI – A MORDOMIA CRISTÃ HUMANA SEGUNDO A VONTADE DIVINA  

– Ao falarmos em propósito divino, entramos num ponto delicado e importantíssimo da doutrina da mordomia, que diz respeito, exatamente, à vontade de Deus, pois a mordomia ensina-nos que há um relacionamento entre Deus e o homem, que é um relacionamento de duas pessoas, em que Deus é o Senhor e o homem, Seu servo.

Sendo assim, temos duas pessoas, pessoas que, por serem pessoas, tem vontades e, como o homem é o servo, deverá fazer a vontade do Senhor. Por conseguinte, a doutrina da mordomia permite-nos vislumbrar que devemos, sempre, fazer a vontade de Deus. Mas o que é a vontade de Deus ?  

– “… elemento essencial na personalidade é a vontade, e da vontade de Deus muita coisa pode ser observada.

A vontade é aquilo em Deus que põe em ação tudo o que Ele designou. A evidência de que a vontade pertence a Deus é estabelecida pelo fato de que ela pertence à personalidade, que pertence à perfeição, que pertence à independência, que foi exercida na criação, e que é diretamente atribuída a Deus nas Escrituras ( João 1.13; Rm.8.27; 12.2; 1 Co.1.1; Ef.1.5).

A vontade de Deus pode ser considerada como livre e onipotente.” (CHAFER, Lewis Sperry. Teologia sistemática, t.1, v.1, p.232). Como vimos nesta sucinta mas profunda descrição do teólogo norte-americano Lewis Chafer, a vontade de Deus é um dos elementos que demonstram que Deus é uma pessoa, pois uma pessoa tem de ter vontade e Deus, é demonstrado nas Escrituras, é dotado de querer, aliás de um pleno querer, pois em Deus há tanto o querer como o efetuar (Fp.2:13).  

– Deus é o Senhor, é o Soberano e, portanto, o Seu querer é supremo, não encontra qualquer obstáculo ou força superior que o possa impedir.

Isto, entretanto, não quer dizer, em absoluto, que Deus seja um Ser anárquico ou caprichoso. Deus é imutável (Tg.1:17), pois é eterno, de modo que Seu querer é uma constante e o que permite haja uma ordem e uma mantença de valores, regras, mandamentos e leis em todo o Universo. Daí porque a Sua vontade, que está revelada aos homens por Sua Palavra, não passa e permanece para sempre (Mt.24:35; I Pe.1:25).

OBS:  A ideia de o que Deus quer é correto e que Deus pode querer qualquer coisa, sem qualquer ordem ou regra é a doutrina que os teólogos conhecem como “voluntarismo”, segundo a qual “…Deus pode fazer o que bem entender mesmo se contradisser as nossas ideias de moralidade(…).

Porém, precisamos confiar em Deus de que Ele faz todas as coisas segundo a razão e a justiça, e não meramente de forma caprichosa e arbitrária. Outrossim, precisamos crer que Deus não pratica aquilo que Ele mesmo proibiu aos homens fazerem.

Por conseguinte, o ponto de vista do ‘voluntarismo’, acerca da personalidade de Deus, dentro ou fora das Escrituras, sob qualquer forma que esse ponto de vista assume, é errôneo, e deve ser peremptoriamente rejeitado.”(CHAMPLIN, Russell Norman. Voluntarismo. In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.6, p.685).

– Se assim é, podemos confiar na imutabilidade do Senhor e na Sua fidelidade, sabendo, precisamente, o que Deus quer de nós, pois este querer, como temos visto, não se alterará.

Podemos, tendo consciência disto, saber que Deus jamais mudará Seus planos para conosco e que, mesmo em meio às maiores adversidades e tribulações, tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus e que são chamados pelo Seu decreto (Rm.8:28).  

– Entretanto, ao mesmo tempo em que Deus é soberano e imutável, sabemos que criou o homem à Sua imagem e semelhança (Gn.1:27,28), algo que, igualmente, faz parte dos propósitos eternos e imutáveis do Senhor. Sendo o homem um ser à imagem e semelhança de Deus, o homem também é livre, podendo escolher entre o bem e o mal (Gn.2:16,17).

Por causa deste livre-arbítrio, Deus permite ao homem que faça as suas escolhas, sem interferir no exercício da vontade do homem, pois o homem não é um autômato, um ser despido de vontade, mas, muito pelo contrário, na Terra é uma criatura excelente, a única dotada deste discernimento, desta liberdade.

Como assinala Russell Norman Champlin, “… sem essa vontade, e sem a liberdade que dela depende, o homem deixaria de ser homem, pois não compartilharia da imagem de Deus. Seria reduzido a outra coisa qualquer, e a criação seria anulada.”(Vontade divina. In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.6, p.688).

– Temos, assim, que Deus possui, aos olhos do homem, duas vontades: a primeira, denominada pelos estudiosos de “vontade absoluta, vontade perfeita, vontade decretiva, vontade operativa” e a segunda, chamada de “vontade preceptiva, vontade permissiva”.  

– A “vontade absoluta, perfeita, decretiva ou operativa de Deus” é “…o propósito [de Deus, observação nossa] eficaz a respeito de tudo o que existe, ou que ainda acontecerá, na criação que Ele fez ” (CHAFER, op.cit., p.232), ou seja, é a realização do propósito de Deus, de Seus planos. Como vimos, Deus tem um pleno querer, pois o Seu querer sempre se realiza, sempre se torna realidade, nada pode impedir que a vontade de Deus Se cumpra.

Como dizia o saudoso pastor Severino Pedro da Silva, nem sempre os homens cumprem a Palavra de Deus, mas a Palavra de Deus se cumprirá em todos os homens, pois ela é a própria vontade de Deus e nada poderá impedir que a vontade de Deus se cumpra. 

OBS: “…(1) A vontade de Deus é outra maneira de se identificar a Lei de Deus(…). Noutras palavras; como em Sua Lei o Senhor nos instrui no caminho que Ele traçou, ela pode ser apropriadamente chamada ‘a vontade de Deus’.

‘Lei’ significa essencialmente ‘instrução’ e inclui a totalidade da Palavra de Deus.

(2) Também se emprega a expressão ‘a vontade de Deus’ para designar qualquer coisa que Ele explicitamente quer. Pode ser corretamente designada de ‘a perfeita vontade’ de Deus. …” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL. A vontade de Deus, p.1056)

 

– A vontade perfeita de Deus é imutável, é constante e nos é revelada apenas em parte. Paulo dela menciona em Rm.12:2, que foi a passagem escolhida como texto áureo desta lição.

A vontade decretiva de Deus precisa ser revelada ao homem, pois nós não temos condição de a atingirmos, vez que os desígnios do Senhor estão além da nossa capacidade de entendimento (Is.55:9) e tal conhecimento depende de uma vida de comunhão com Deus, de intimidade com o Senhor (Jo.15:15), pois somente quando nos apresentarmos em sacrifício vivo ao Senhor, entregarmo-nos a Ele, poderemos saber qual é a Sua vontade perfeita.  

– Parte da vontade decretiva de Deus encontra-se revelada nas Escrituras Sagradas, onde está o depósito de tudo aquilo que necessitamos saber a respeito do querer de Deus para Lhe servirmos.

As coisas que são para os homens estão reveladas nas Escrituras e os desígnios divinos que não nos cabem saber ficaram reservada para o Senhor, para o Soberano, como bem podemos observar da leitura de Dt.29:29 ou de Rm.11:33-36.  

– A vontade perfeita de Deus é, portanto, uma marca da soberania divina, uma demonstração de Sua qualidade de Ser Supremo, de Rei dos reis e de Senhor dos Senhores.

De modo algum podemos conceber a chamada vontade perfeita de Deus como um compromisso divino com o homem, como uma obrigação assumida pelo Senhor junto a Seus servos.

A vontade decretiva de Deus é livre, soberana e não deve prestar contas a ninguém. Dizemos isto porque temos observado que muitos têm se valido da vontade perfeita de Deus para defender a ideia de que Deus é obrigado a satisfazer os caprichos e desejos dos homens, uma vez que tem de cumprir a Sua Palavra.

Assim, v.g., entendem que se um crente adoece, isto é contra a vontade perfeita de Deus, que quer que todos os homens tenham saúde e, portanto, o crente pode determinar a Deus, decretar que fique sarado e isto infalivelmente ocorrerá, pois é da vontade perfeita de Deus, da vontade soberana do Senhor que o crente não fique doente.  

– Tal ensinamento, entretanto, está completamente equivocado. A vontade perfeita de Deus é o propósito de Deus realizado e este propósito sempre se realiza e jamais é atingido, pois Deus mantém absoluto controle sobre todas as coisas.

 Assim sendo, o fato de um crente ter ficado doente em nada abala a vontade operativa de Deus, pois nada ocorre no Universo se não estiver de acordo com esta vontade perfeita do Senhor.

Assim, a doença do crente não é uma ofensa à vontade operativa de Deus e, portanto, não há que se falar em necessidade de o homem lembrar a Deus que Ele tem de curar o doente, até porque não há obrigação alguma de Deus em não permitir que Seus servos nunca fiquem doentes, muito pelo contrário as Escrituras revelam-nos casos de fiéis servos do Senhor que ficaram e até morreram doentes, como é o caso do profeta Eliseu (II Rs.13:14).

OBS: ” … 12.A oração significa concordar com a vontade de Deus (1 Jo.5.14-15). A fé imatura tenta manipular Deus; a fé madura tenta mover-se sob e de acordo com a vontade de Deus…” (LEA, Larry. Oração e desenvolvimento espiritual. In: Bíblia de Estudo Plenitude, p.XVII).

– A vontade perfeita de Deus é o cumprimento de Seus propósitos e, para tanto, o próprio Deus, e mais ninguém, vela para que tudo o que está contido nesta vontade, seja cumprido (Jr.1:12), parte do que é conhecido do homem, por causa da revelação das Escrituras (Dt.29:29).  

– A “vontade preceptiva ou permissiva” de Deus “…é aquilo que meramente Ele prescreve, mas que não compele Suas criaturas.(…). A vontade preceptiva pode ser resistida, como acontece frequentemente.

Cada rejeição de um Seu mandamento, embora pré-conhecida, não é aprovada por Ele. A vontade preceptiva apresenta um preceito que os homens podem receber ou rejeitar.” (CHAFER, op.cit., p.232).

Tendo criado os homens com livre-arbítrio, Deus fez com que o homem pudesse ter poder de escolha e, portanto, permite que o homem cumpra o seu querer, o seu desejo, mesmo que este querer seja contrariar a ordem dada por Deus, seja o pecar.

Já no Éden, disse Deus que o homem poderia, livremente, comer de todo e qualquer fruto, mas que, se comesse da árvore da ciência do bem e do mal, certamente morreria. Vemos, portanto, que Deus não impediu que o homem quisesse comer desta árvore, como realmente ocorreu (Gn.3:6), tendo Deus permitido que isto acontecesse, embora soubesse de antemão que isto iria acontecer.

Aqui está um dos pontos em que Deus revela Sua sublimidade: ao dar liberdade ao homem, demonstra todo o Seu amor, pois não quer uma adoração forçada e automática, mas uma adoração voluntária, racional e consciente.

OBS: ” …(3) Finalmente, a ‘vontade de Deus’ pode referir-se àquilo que Deus permite, ou deixa acontecer, embora Ele não deseje especificamente que ocorra. Tal coisa pode ser corretamente chamada  ‘a vontade permissiva de Deus’.

De fato, muita coisa que acontece no mundo é contrária à perfeita vontade de Deus (e.g., o pecado, a concupiscência, a violência, o ódio e a dureza de coração), mas Ele permite que o mal continue por enquanto.

A chamada de Jonas para ir a Nínive fazia parte da perfeita vontade de Deus, mas sua viagem na direção oposta estava dentro de Sua vontade permissiva (ver Jn.1). Além disso, a decisão de muitas pessoas permanecerem sem salvação é permitida por Deus.

Ele não impõe a fé aos que recusam a salvação mediante o Seu Filho. Semelhantemente, muitas aflições e males que nos acometem são permitidos por Deus ( 1 Pe.3.17; 4.19), mas não é desejo Seu que soframos…” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL. A vontade de Deus, p.1056).

 

– Deus, em Sua vontade permissiva, faz com que o homem possa traçar o seu próprio caminho, possa satisfazer a sua vontade, mas, como vimos supra, todas as escolhas e opções não significam que Deus não tenha o controle da situação, pois de tudo o que homem fizer, terá de prestar contas ao Senhor, pois o fato de ter recebido liberdade não significa que tenha se tornado dono de qualquer coisa, sendo, tão somente, um administrador de bens alheios.

A vontade permissiva de Deus, portanto, em nada diminui o senhorio de Deus, mas antes o ressalta, revela que nosso Deus não é um Senhor medroso, que tenha tornado impossível qualquer atitude de rebeldia contra Si.

OBS: “… Por que Deus não evitou o mal?. Eis duas ideias fundamentais. Primeiro – era mais importante para Deus que o homem fosse dotado de capacidade de desenvolver sua personalidade espiritual do que a prevenção do mal.

Para o homem, foi mais importante ser dotado de consciência do que viver eternamente na inocência.(…).

À luz da filosofia, entendemos que aquele mal foi para o bem, ainda que a intenção não tenha sido. Entretanto, o Senhor providenciou para a restauração do homem algo bem melhor do que viver eternamente no paraíso do Éden, na inocência.

Segundo – nunca teríamos uma revelação tão grande do amor de Deus, se o homem não tivesse caído no mal.

Foi necessário que o homem caísse para Deus poder levantá-lo.(…) Deus, através da queda do homem, teve como mostrar o quanto o amava, e como seria capaz de tudo fazer para perdoá-lo e restabelecer plena comunhão com ele.…” (SILVA, Osmar José da. Reflexões filosóficas de eternidade a eternidade, v.2, p.89-90).  

– Por fim, temos, também, a “vontade preventiva de Deus”, ou seja, Deus, dentro de Sua condição de um Deus participante, de um Deus que não deixa a Sua criação abandonada, faz questão de sempre lembrar ao homem o que Lhe é agradável e o que não o é.

Desta maneira, sempre alerta e avisa o homem a respeito de sua posição no universo e anuncia que é o Soberano, revelando-Se a ele a cada instante, a fim de que o homem não se dê por ignorante, a fim de que o homem não tenha desculpas diante do Senhor no momento do julgamento. Assim, Deus Se revela seja pela natureza (Rm.1:18-20), seja pela consciência dos homens (Rm.2:14,15), seja por Israel (Ex.19;5,6) e, finalmente, através da pessoa de Seu Filho Jesus Cristo (Hb.1:1).  

– Um verdadeiro servo de Deus, consciente da doutrina da mordomia, procura seguir a vontade de Deus, seja através da Palavra de Deus, que nos revela a Sua vontade perfeita; seja através de uma vida de santidade,

que nos permite discernir como devemos exercitar nossa liberdade a fim de que sempre agrademos a Deus nas decisões que tomemos, de modo que, mesmo diante da vontade permissiva de Deus, sempre façamos aquilo de que Ele Se agrada e possamos sempre estar, como Samuel, atentos a ouvir a voz de Deus, quando Ele nos adverte na nossa caminhada. Sempre em submissão, sempre em compenetrada devoção, jamais deixando que nosso ego venha a querer determinar ou dizer o que Deus deve fazer por nós, pois devemos experimentar a vontade boa, perfeita e agradável de Deus e não construí-la, como pretendem os pregadores da doutrina da confissão positiva.   

– Experimentamos algo que já está pronto, algo que está para ser descoberto, não algo que iremos fazer, algo que iremos criar. Somos experimentadores, não criadores. Somos criaturas, somos servos, só Deus é o Senhor!

OBS: ” …O ensino bíblico a respeito da vontade de Deus não expressa apenas uma doutrina. Afeta a nossa vida diária como crentes.

(1) Primeiro, devemos descobrir qual é a vontade de Deus, conforme revelada nas Escrituras. Como os dias em que vivemos são maus, temos de entender qual a perfeita e agradável vontade de Deus (Ef.5.17).

(2) Uma vez que já sabemos como ele deseja que vivamos como crentes, precisamos dedicar-nos ao cumprimento da Sua vontade.(…).

(3) Os crentes são exortados a orarem para que a vontade de Deus seja feita(…). Devemos desejar, com sinceridade, a perfeita vontade de Deus, e ter o propósito de cumpri-la em nossa vida e na vida de nossa família(…).

Se essa for a nossa oração e compromisso, teremos total confiança de que o nosso presente e futuro estarão sob os cuidados do Pai.(…). Não poderemos esperar que a vontade divina seja feita na terra como no céu, a não ser que nós mesmos procuremos cumprir a Sua vontade em nossa própria vida.

(4) Finalmente, não podemos usar a vontade de Deus como desculpa pela passividade, ou irresponsabilidade, no tocante à Sua chamada para lutarmos contra o pecado e a mornidão espiritual.(…).

Assim como Jesus veio para destruir as obras do diabo ( 1 Jo.3.8), assim também é da vontade explícita de Deus que batalhemos contra as hostes espirituais da maldade por meio do Espírito Santo…”(BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL. A vontade de Deus, p.1056-7).  

Ev.  Caramuru Afonso Francisco

Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/4156-licao-1-o-que-e-a-mordomia-crista-i

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