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APÊNDICE Nº 2 – AS FORMAS DE GOVERNO NA IGREJA

A Igreja tem tido, ao longo da história, basicamente três formas de governo, a confirmar a multiforme graça de Deus.

Texto áureo

“Cada um administre aos outros o dom como o recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (I Pe.4:10).

INTRODUÇÃO

– Em apêndice ao trimestre, que trata dos dons espirituais e ministeriais, estudaremos a respeito das formas de governo na Igreja.

– A Igreja tem tido, ao longo da história, basicamente três formas de governo, a confirmar a multiforme graça de Deus.

I – A IGREJA TEM GOVERNO

– Ao longo deste trimestre letivo, temos estudado a respeito dos dons espirituais e ministeriais, que são “ferramentas” que o Senhor põe à disposição da Sua Igreja a fim de que ela possa cumprir, a contento, as tarefas que lhe foram comissionadas por Cristo Jesus.

– Um dos propósitos dos dons é promover a unidade da Igreja enquanto corpo de Cristo, ou seja, ante a diversidade de membros, garantir que todos se unam e, suprindo a deficiência de cada um, cumpram não só o propósito de Deus para o Seu povo, como também cresçam espiritualmente, atingindo o pleno conhecimento de Cristo, o nível de varão perfeito e da estatura completa de Cristo (Ef.4:12,13).

– A igreja, como ensina o apóstolo Paulo, é o corpo de Cristo (I Co.12:27) e, como tal, é algo ordenado, organizado, que comporta um governo, uma direção. Para tanto, o Senhor tomou o cuidado de distribuir dons que fomentem este governo, a ponto de o próprio apóstolo ter dito que um dos dons que o Senhor confere ao Seu povo é o de “governos” (I Co.12:28).

– Jesus, ao revelar o Seu mistério, isto é, a Igreja, disse que a edificaria. Assim, logo após a revelação deste novo povo de Deus, Jesus nos indica que se tratava de algo que era organizado, ordenado, de algo que tinha uma estrutura, sem o que não se trataria de uma “edificação”.

A Igreja é o “edifício de Deus”, é a “lavoura de Deus” (I Co.3:9), “a coluna e firmeza da verdade” (I Tm.3:15), a “nação santa” (I Pe.2:9), expressões todas que indicam haver uma ordenação, uma estrutura, uma ordem nesta entidade criada pelo próprio Deus, que, como sabemos, é um Deus de ordem, não de confusão (I Co.14:33).

– A primeira coisa que observamos com relação à ordem, à estrutura da Igreja é de que o edificador é o próprio Jesus. “Edificarei a Minha Igreja”, disse o Senhor Jesus.

Vemos, pois, que a igreja não é algo que deva ser estruturado e moldado segundo os caprichos, as habilidades, palpites, experiências ou sabedoria humanos, mas, sim, segundo o modelo traçado pelas Escrituras Sagradas.

– Nos dias em que vivemos, onde tem tido grande avanço a ciência da administração, muitos têm sido tentados a implantar e criar “modelos”, “visões”, “estratégias” e tantas outras “inovações” para que se tenha uma igreja bem sucedida, exitosa e que sempre cresça.

Tenhamos muito cuidado com tudo isto, pois a Bíblia nos ensina que a Igreja tem como edificador a Jesus Cristo e a Ele só. Ele não disse que a igreja era d’Ele e de todos os Seus discípulos. Sua expressão é bem clara: “Edificarei a Minha igreja”.

Por isso, muito atual e oportuna a consideração feita pelo pastor Ariovaldo Ramos num artigo que deve ser lido por todos, onde afirma que muitos têm “tomado” a igreja de Jesus para si e que, por isso, o Senhor bem pode exclamar a tais líderes: “Devolvam a Minha igreja”.

OBS: “…Ouvi, certa feita, que um preletor, convidado para falar a pastores, começou sua pregação dizendo ter um recado diretamente de Cristo, e que o recado era: Devolvam a minha Igreja! difícil julgar algo assim, teria mesmo o recado vindo do Senhor?

Pode ser que não, porém, para mim, faz todo o sentido ter vindo dele, pois, é assim que eu sinto a igreja hoje, como usurpada de Cristo Jesus.

 Talvez isso não tenha nada a ver com você, em princípio, mas pense na Igreja que está no Brasil como um todo. É a sua igreja.…” (RAMOS, Ariovaldo. Devolvam a Minha igreja. Disponível em: http://www.invsc.org.br/Artigos/devolvam_minha_igreja.htm Acesso em 19 out. 2006).

– A segunda observação a ser feita é a de que, além de ser o Edificador, Jesus é o fundamento da Igreja. Na própria “declaração de Cesareia”, Jesus nos mostra que Ele é o fundamento da Igreja, ao dizer que “sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja” (Mt.16:18). Quem é esta pedra? Esta pedra é o próprio Cristo, como nos indicam o texto, o contexto interno e a correlação com os demais textos bíblicos. Senão vejamos.

– O texto refere-se a um diálogo entre Jesus e Pedro, logo após Pedro ter dito que Jesus era o Cristo, o Filho do Deus vivo.

 Diante desta declaração, Jesus disse que aquilo havia sido uma revelação do Pai a Pedro e, acrescentando a revelação, disse que Seu discípulo era Pedro, ou seja, o nome que Jesus havia dado a Pedro tinha como significado “pedra”, mas que sobre “esta” pedra, ou seja, Jesus Se refere a Si próprio, pois usa o pronome demonstrativo “esta”, que indica a coisa ou a pessoa mais próxima da pessoa que fala (e a pessoa mais próxima de Jesus naquele instante, que era quem estava a falar, não era ninguém a não ser o próprio Jesus).

Assim, o próprio texto indica-nos que Jesus Se referia a Si mesmo quando indica qual seria a pedra fundamental da Igreja.

– Mas, fora a interpretação gramatical do versículo, temos o próprio contexto interno, ou seja, a relação com os demais versículos da passagem bíblica.

 Toda a passagem gira em torno da identidade de Jesus. Jesus pergunta a Seus discípulos quem os homens dizem ser o Filho do homem.

 Depois dos relatos advindos da população contemporânea de Jesus, o Senhor quer saber a opinião dos discípulos e Pedro, então, declara que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo.

 Jesus, então, adverte que aquilo não era algo que Pedro tivesse obtido pela sua própria inteligência, mas uma revelação divina e a complementa dizendo que o nome “Pedro” que Ele mesmo havia dado ao Seu discípulo era também um símbolo, uma indicação, revelando, então, que a verdadeira pedra, que era Ele próprio, além de ser o Cristo, seria o fundamento de um novo povo, a Igreja, “o mistério de Cristo”.

 O contexto fala-nos da identidade de Cristo e, portanto, esta pedra só pode ser o próprio Jesus, pois é este o assunto que está sendo tratado na passagem bíblica.

– Mas não bastassem estas evidências textuais, o fato é que as Escrituras, mesmo, em outros textos, mostram que o fundamento da Igreja é Jesus Cristo e nunca o apóstolo Pedro.

O primeiro a nos indicar isto é o próprio Pedro, que, por ser quem estava dialogando com Jesus, é o mais apropriado intérprete das palavras do Mestre. Pedro, bem ao contrário dos romanistas, tendo ouvido o que Jesus falou, ensinou, anos depois, que o fundamento da Igreja é Jesus:

“E chegando-vos para Ele — pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, vós, também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo…” (I Pe.2:4,5). Pedro, portanto, confirma que a pedra, o fundamento da Igreja é Jesus.

– O apóstolo Paulo também caminha no mesmo sentido, ao mostrar que o fundamento da Igreja é Jesus: “Porque ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo.” (I Co.3:11).

 Dúvida alguma, pois, pode haver quanto ao verdadeiro fundamento da Igreja. A verdadeira Igreja, pois, não tem outro fundamento a não ser Jesus Cristo.

– Mas, além de fundamento, Jesus é, também, a cabeça da Igreja, ou seja, o Seu governante, o Seu rei, o Seu comandante (Ef.1:22; 5:23). Jesus foi constituído Senhor sobre todas as coisas (Mt.28:18; Rm.14:9) e não deixaria de sê-lo com relação à Sua Igreja, que Ele comprou com o Seu próprio sangue (At.20:28).

Tendo criado a Igreja, nada mais natural que seja o seu Senhor, o seu Rei, o seu Governante. Por isso, todos os membros da Igreja, por maior autoridade que tenham, não passam de ministros de Jesus, ou seja, de Seus servidores (Mt.20:25-28; Mc.10:34-37; Jo.13:13-17;Ef.3:7).

OBS: As versões mais novas das Escrituras em língua portuguesa têm utilizado a expressão “o cabeça da Igreja” ao invés da expressão “a cabeça da Igreja” que constava das versões mais antigas.

Deploramos esta modificação, pois não corresponde a uma correta tradução. A expressão “o cabeça” tem a conotação de “líder rebelde”, de “líder de revolta” e, evidentemente, não é este o significado que as Escrituras trazem a respeito de Jesus diante da Igreja. Ele é o líder legítimo e natural da Igreja.

Além do mais, a expressão “a cabeça” está em perfeita consonância com a figura da Igreja como “corpo”, que é encontradiça e predominante na epístola aos efésios, onde aparecem as duas referências de Cristo como “cabeça da Igreja”.

– Por ser a cabeça da Igreja, é nas mãos do Senhor Jesus que está o governo da Igreja, o comando, a palavra final. Por isso mesmo a Bíblia nos diz que é Ele quem constitui os ministros na Igreja (Ef.3:7; 4:11), sendo este, aliás, o sentido do ensinamento de que os ministros são “chamados por Deus”, constituídos por “vocação” e não por “formação acadêmica”, ensino este, aliás, que foi deturpado para um anti-intelectualismo que, durante muitos anos, foi o principal e equivocado “diferencial” entre os pentecostais e os evangélicos ditos tradicionais.

Evidentemente que não tem qualquer respaldo bíblico o ensino de que o ministro é fruto de uma formação acadêmica, de que os “seminários teológicos formam ministros”, mas, também, não há qualquer amparo bíblico para se dizer que o ministro não deve ter formação alguma, pois é um “chamado de Deus”.

Quando alguém tem chamada de Deus, é vocacionado para o ministério, deve, sim, aprimorar seus conhecimentos e melhor se preparar para exercer o ministério. Deus não só chamou como bem preparou Moisés e Paulo, por exemplo.

– Jesus não delegou a pessoa alguma a liderança da Igreja. Diz a Escritura que Ele é a cabeça da Igreja. Mandou-nos o Espírito Santo, Deus como Ele, para estar conosco e em nós, sendo esta Divina Pessoa responsável pela importante tarefa de não nos deixar esquecer o que foi anunciado pelo Senhor Jesus (Jo.16:13,14).

É, pois, na condição de Revelador de tudo quanto o Filho quer fazer na Sua Igreja, que o Espírito seleciona homens para o ministério (At.13:2) ou prescreve orientações para a Igreja (At.15:28).

Assim, se nem a uma Pessoa Divina é dada autonomia para dirigir a Igreja do Filho do Deus vivo, como ousam alguns homens querer arrogar para si a liderança da Igreja?

OBS: Não falemos do Papado, que se arroga o direito de ser “a cabeça visível da Igreja”, como se fosse possível a Igreja ter mais de uma cabeça, ou dos Presidentes mórmons, que se arrogam o título de Profetas e detentores atuais do Sumo Sacerdócio, ou, ainda, do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová.

Falemos dos “pastores-presidentes”, “apóstolos”, “querubins”, “anjos de fogo” e “bispos” que têm querido dominar o rebanho de Deus em os nossos dias, misturando suas vaidades, lascívias, ambições políticas e tantas outras coisas com a Palavra de Deus e buscando uma autoridade sobrenatural para impor suas sandices por sobre os servos do Senhor.

Vigiemos, estamos nos últimos dias, onde proliferam estes falsos cristos, falsos apóstolos e falsos profetas a tentar nos levar com eles para o fogo do inferno.

– Jesus estabeleceu na Igreja um governo, de modo que a existência de um governo na igreja (e tal governo só pode ser na igreja local) não se constitui em invenção humana nem em distorção doutrinária, mas no estrito cumprimento do modelo bíblico prescrito pela cabeça da Igreja.

Por isso, se o “mandonismo humano” não tem respaldo das Escrituras, também não tem guarida na Palavra de Deus outras iniciativas dos nossos tempos de um verdadeiro “anarquismo cristão”, que defende um modelo de igreja onde não haja governo algum, onde “todos são iguais”, onde “não haja ministério” nem qualquer disciplina ou ordem de qualquer natureza. Isto nada mais é que afronta à Palavra de Deus, verdadeira rebeldia, rebeldia esta que as Escrituras dizem ser do mesmo valor que o pecado de feitiçaria (I Sm.15:23).

OBS: Por isso, sem qualquer sentido o “localismo” defendido por Watchmann Nee, que tem angariado tantos adeptos na atualidade e cuja literatura perniciosa tem encontrado guarida em nossas livrarias e editoras. T

ambém se encontram dentro desta distorção iniciativas como o gedozismo e suas variações no movimento celular.

– Todo governo é constituído não só do governante, mas também de uma Administração, palavra que vem do latim “administratio”, cujo significado é “direção”, “gerência”.

A Administração “…pressupõe a existência de uma instituição a ser gerida, ou seja, uma organização constituída de pessoas e recursos que se relacionem num determinado ambiente, orientadas para objetivos comuns.…” (Administração. In: WIKIPEDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Administra%C3%A7%C3%A3o Acesso em 05 abr. 2014).

– Para seguir a direção dada por Ele próprio, que é a cabeça da Igreja, o Senhor Jesus, como temos visto neste trimestre letivo, distribui na Igreja dons ministeriais ou ministérios, ou seja, serviços que deverão ser efetuados para que se atinjam os objetivos traçados pelo Senhor Jesus.

Tais ministérios, conforme já temos visto, são os cinco dons elencados em Ef.4:11 — apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres — , que, na igreja local, são desempenhados nas funções eclesiásticas, mencionadas em Fp.1:1 — presbíteros e diáconos —, que constituem o que o saudoso pastor Severino Pedro da Silva chamava de “as sete colunas da Sabedoria”, baseado em Pv.9:1.

– No entanto, ao longo da história da Igreja, este governo, que é único, ou seja, liderado por Cristo Jesus, que é auxiliado pelos ministros chamados por Ele mesmo, que, na igreja local, assumem as funções eclesiásticas criadas pelo próprio Senhor, através da inspiração do Espírito Santo dadas aos apóstolos, tem assumido, basicamente, três formas.

– Mas, como admitir que haja mais de uma forma para o exercício do governo na Igreja? Não se teria de haver apenas uma forma, já que a Igreja é una, tendo um só corpo, um só Espírito, uma só esperança de vocação, um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos (Ef.4:4-6)?

– Não resta dúvida de que as Escrituras demonstram que a Igreja é uma, forma uma unidade, unidade do Espírito pelo vínculo da paz (Ef.4:3), unidade esta que é um dos fatores a ser alcançados pelo exercício dos dons ministeriais.

– No entanto, não podemos fugir de uma realidade, qual seja, a de que os homens são diferentes uns dos outros, não há um homem igual ao outro, pois o Senhor, ao criar um ser humano, como costuma dizer o pastor Rick Warren, joga fora a fôrma. Cada ser humano é distinto do outro, é uma singularidade, é um indivíduo.

– Diante desta realidade, é evidente que Deus não poderia construir uma igreja, que é formada por seres humanos, que fosse uniforme, ou seja, que tivesse uma única forma. Pelo contrário, o apóstolo Paulo é bem claro ao dizer que, pela Igreja, fosse conhecida a “multiforme sabedoria de Deus”.

– Conhecendo a estrutura do ser humano que criou (Sl.103:14), o Senhor sabe das diferenças que há em cada ser humano e, por isso, permite que o governo na Sua Igreja assuma diversas formas, consoante a cultura de cada povo, as peculiaridades de cada local, sem que estas formas alterem a essência do governo da Igreja, que tem a Cristo como cabeça e aos Seus ministros como auxiliares incumbidos de promover o aperfeiçoamento dos santos para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo.

– Não é por acaso que o apóstolo Paulo vai dizer que há diversidade de operações, ministérios e dons, mas que o mesmo Senhor opera todas as coisas, repartindo os dons particularmente como quer, mas mantendo, com isso mesmo, a unidade do Seu corpo (I Co.12:4-6).

– O apóstolo Pedro, também, afirma que é através dos vários dons, da diversidade que se constrói a unidade, manifestando-se, assim, a multiforme graça de Deus (I Pe.4:10).

– Não foi apenas na Igreja que o Senhor agiu na multiformidade. O escritor aos hebreus mostra-nos que, antigamente, aos pais, Deus falou de muitas maneiras pelos profetas, ou seja, já Se utilizava de muitas formas para falar e agir com o Seu povo antes da vinda do Senhor Jesus (Hb.1:1).

– Por isso, não podemos afirmar que esta ou aquela forma de governo é a correta, porquanto as próprias Escrituras são neutras quanto a este tema, havendo base para se entender que qualquer das três formas basicamente utilizadas encontram respaldo bíblico, até porque, como temos analisado, o ensino bíblico é a da multiformidade.

– Ao longo da história da Igreja, três têm sido as formas de governo utilizadas, o que nos faz rememorar o ensino do filósofo grego Aristóteles sobre as formas de governo. Aquele filósofo, ao se deparar sobre as sociedades humanas, verificou que, basicamente, três eram as formas de governo empregadas: a monarquia, a aristocracia e a politeia.

“Mutatis mutandi”, são essas as formas que se construíram na Igreja ao longo dos séculos: a forma episcopal, a forma presbiterial ou presbiteriana e a forma congregacional. Tal simetria serve como mais uma confirmação de que a multiformidade existente corresponde, precisamente, à necessidade de se adaptar ao patamar da diversidade humana o necessário fomento da unidade de gentios e judeus sob o comando de Cristo neste novo povo surgido sobre a face da Terra que é a Igreja.

– Vejamos, portanto, ainda que sucintamente, cada uma das formas de governo, mostrando que o formato distinto não altera a essência que deve ter o governo eclesiástico.

II- A FORMA EPISCOPAL DE GOVERNO

– Antes de adentrarmos propriamente no estudo de cada forma de governo eclesiástico, é oportuno lembrar que o governo na Igreja, como já vimos, é teocrático, ou seja, quem governa a Igreja é Cristo Jesus, a cabeça da Igreja, tendo como “primeiro-ministro” o Espírito Santo.

Esta função divina é indelegável. Mas, para que se executem as orientações e direções dadas pelo Senhor Jesus e pelo Espírito Santo, mister se faz que haja um conjunto de ministros, que formam a Administração da Igreja.

– Assim sendo, o formato adotado por uma determinada igreja local, por um determinado segmento da Igreja universal, por uma denominação, tem em vista apenas a Administração, ou seja, o conjunto de órgãos, serviços e agentes que asseguram o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo.

– Esclarecido este ponto, uma primeira forma de governo que existe na Igreja é a chamada “forma episcopal de governo”, que, na classificação aristotélica, corresponde à monarquia, porque a Administração, nesta forma de governo, está centralizada em uma só pessoa, a saber, o bispo.

– Como afirma o pastor Altair Germano, nesta forma de governo, “…o governo é centralizado num líder acima de todos os demais líderes ou oficiais, tendo por base a ideia da sucessão apostólica…” (Eclesiologia: o governo eclesiástico na perspectiva bíblica, histórica e denominacional assembleiana. Disponível em: http://www.altairgermano.net/2014/01/eclesiologia-o-governo-eclesiastico-na.html Acesso em 05 abr. 2014).

– Conforme analisado na lição 11 deste trimestre, a ideia do “bispo” como um “supervisor”, alguém que é superior aos demais, não tem respaldo nas Escrituras, mas é inegável que passou a ser o sentido dado à palavra “bispo” logo no século II, ou seja, uma ideia presente logo em seguida aos tempos apostólicos.

– Inácio, que foi bispo de Antioquia e que chegou a ser discípulo dos apóstolos, em cinco de suas sete epístolas, faz uma distinção entre bispos, presbíteros e diáconos. Assim, por exemplo, na epístola que escreveu aos crentes da igreja de Filadélfia, ele assim se expressa:

“…Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo, que está em Filadélfia, na Ásia, Igreja que obteve misericórdia e foi consolidada na concórdia de Deus, e repleta de inabalável alegria na paixão de nosso Senhor e, em toda misericórdia, plenamente consciente da ressurreição dele.

Eu a saúdo no sangue de Jesus Cristo. Ela é minha alegria eterna e duradoura, sobretudo se os seus fiéis permanecerem unidos com o bispo, com os presbíteros e os diáconos que estão com ele, estabelecidos conforme o pensamento de Jesus Cristo, o qual, segundo sua própria vontade, os fortificou e confirmou com o seu Espírito Santo.…” (Epístola de Inácio aos de Filadélfia. Disponível em: http://www.e-cristianismo.com.br/apostolicos/59-inacio-de-antioquia-epistola-aos-de-filadelfia Acesso em 05 abr. 2014).

– “…O Bispo é, para Inácio, o centro da unidade da Igreja em qualquer lugar ou comunidade e, como tal, Inácio espera que o bispo seja obedecido.

Devemos estar “sujeitos ao bispo como a Jesus Cristo” afirma ele, e “devemos enxergar no bispo o próprio Senhor” (Tralarianos 2, Efésios 6).

O bispo preside “no lugar de Deus” (Magnésio 6) e, por isso, sem o bispo não pode haver Eucaristia e a Igreja.

Ele escreve: “evitem divisões como fontes do maligno. Que todos sigam ao bispo como Jesus Cristo seguiu ao pai…

Que ninguém realize o que diz respeito à Igreja sem o bispo. Que a Eucaristia seja considerada válida, aquela que é realizada sob a orientação do bispo ou por quem designado pelo bispo.

Onde o bispo está presente, ai deixe o povo estar assim como onde Jesus Cristo está presente está a Igreja católica.

Não é legítimo batizar ou celebrar o “ágape” sem o bispo. O que ele aprova agrada a Deus… Quem honra o bispo é honrado por Deus.

Quem realiza as coisas sem o conhecimento do bispo está servindo o demônio” (Smirna 8).…” (CALVANI, Carlos Eduardo B. O dom do episcopado. Disponível em: http://www.dasp.org.br/codigos/artigos/O_dom_do_Episcopado.pdf Acesso em 05 abr. 2014).

– Percebe-se, portanto, que, desde os primeiros tempos da igreja, houve uma forma de governo segundo a qual havia um líder maior, denominado “bispo”, que era auxiliado por presbíteros e diáconos.

Esta organização disseminou-se, principalmente diante das heresias que começaram a tumultuar a vida da igreja e que forçaram os líderes genuínos a demonstrar que suas lideranças remontavam ao tempo dos apóstolos.

– Foi, então, que surgiu a ideia da sucessão apostólica, que, longe de confirmar uma ideia de Papado, teve em vista apenas confirmar que os “bispos”, ou seja, os líderes maiores de cada igreja local, tinham a sua autoridade derivada dos próprios apóstolos, pois eram sucessores de pessoas postas pelos próprios apóstolos na condução de cada igreja local.

– Quem bem explica isto é o professor Judson Canto, em trecho que vale a pena reproduzir:

“…A igreja, que alegava possuir o verdadeiro evangelho, ou seja, os ensinos originais de Jesus, expresso nas doutrinas dos apóstolos, que não estavam mais entre eles, era questionada por não poder comprovar a origem do evangelho que pregavam.

Além disso, os líderes das várias igrejas então existentes negavam ter recebido alguma tradição secreta.

Por esse motivo, entre a possibilidade de dividir a igreja e de entregar o ensino doutrinário nas mãos dos gnósticos, a igreja tratou de provar o seu vínculo com os apóstolos na pessoa dos bispos da época.

As igrejas então passaram a elaborar listas que provavam a conexão de seus líderes do passado e do presente com os apóstolos de Cristo. A ideia era mostrar uma corrente ininterrupta até o colégio apostólico e Paulo.(…).

Portanto, a ideia da sucessão apostólica não teve relação alguma com o papado. Só mais tarde veio a adquirir esse sentido. Em sua proposta original, visava à manutenção da unidade da igreja.…” (A sucessão apostólica não surgiu para confirmar o papado. Disponível em: http://judsoncanto.wordpress.com/2014/04/03/a-sucessao-apostolica-nao-surgiu-para-confirmar-o-papado/ Acesso em 05 abr. 2014).

– Esta forma de governo realmente prevaleceu nos primeiros séculos da Igreja, tendo, inclusive, diante do surgimento da ideia de “Papado”, sido adotada como uma confirmação desta doutrina, passando-se, então, a entender que os bispos eram os “sucessores dos apóstolos” e que o bispo de Roma, o “Papa”, era o “sucessor de Pedro”, que teria um “primado” no colégio apostólico e que, portanto, teria o poder de nomear os bispos das igrejas locais.

– Segundo a forma episcopal de governo, o “bispo” é o administrador maior da Igreja, devendo a ele se unir os presbíteros e diáconos.

A administração é centralizada na figura do bispo, que é o único canal entre Cristo e aquela igreja local.

 Acima do bispo, só o conjunto dos bispos (chamado de sínodo, conselho etc.) ou, então, uma liderança máxima que o tenha nomeado como bispo (caso do Papa, na Igreja Romana ou dos Patriarcas, nas igrejas ortodoxas).

– A forma episcopal de governo é adotada, entre outras, pelas igrejas Católica Romana, Ortodoxas, Anglicana, Episcopal norte-americana (cujo nome, aliás, revela a adoção desta forma de governo), Metodista e Universal do Reino de Deus.

– A existência de uma pessoa a administrar, centralizadamente, uma determinada igreja local não pode ser considerada antibíblica, já que, por exemplo, é nítida a presença de uma liderança maior nas igrejas da Ásia Menor já nas cartas que o Senhor Jesus manda João enviar a sete delas no livro de Apocalipse.

Seria o “anjo da igreja”, o bispo a que se refere Inácio, que, inclusive, escreveu cartas a algumas dessas igrejas ali mencionadas (como Esmirna e Filadélfia, v.g.)?

– O que não pode ser admitido, entretanto, é que a forma episcopal de governo leve à conclusão de que existe uma “cabeça visível da Igreja universal”, a quem incumbe suprir de bispos todas as igrejas locais, como entende o Romanismo.

Como acima se expôs, a ideia da “sucessão apostólica”, embora esteja ligada à forma episcopal de governo, não teve como origem a justificação de uma liderança máxima, substitutiva da do Senhor Jesus e este aspecto da forma episcopal de governo há de ser, sim, rechaçado, por ser antibíblica.

– No entanto, ressalte-se, há forma episcopal de governo sem que haja Papado e, portanto, esta é a prova de que tal forma de governo deve ser admitida como legítima, ante a multiformidade tanto da graça quanto da sabedoria divinas.

III – A FORMA PRESBITERIAL DE GOVERNO

– Embora a forma episcopal de governo fosse predominante e a forma oficial ao longo dos primeiros séculos da Igreja, é inegável que sempre houve movimentos que defendiam a forma presbiterial de governo, sendo certo que muitos movimentos considerados “heréticos” pela Igreja oficial a adotaram.

– Conforme ensina o pastor Altair Germano, nesta forma, “…o governo é centralizado num conselho representativo ou presbitério, eleito pela igreja local.…” (end.cit.).

– Os defensores desta forma de governo partem da constatação de que, no texto bíblico, não há uma distinção na figura de “presbíteros”, “anciãos” e “bispos” e que estes eram constituídos por eleição para administrarem a igreja, consoante se verifica de textos como At.14:23 e Tt.1:5, sendo certo que eles não eram únicos em cada igreja local, mas compunham um colégio, um conjunto de pessoas, como se verifica em At.20:17 e 28.

– Esta forma de governo corresponde, na classificação aristotélica, à “aristocracia”, ou seja, o “governo dos melhores”, um governo conjunto, de um corpo de obreiros que tomam as decisões, o chamado “presbitério”, que é expressamente mencionado em I Tm.4:14.

– Alguns defensores da forma episcopal de governo chegam a admitir que, nos tempos apostólicos, o modelo de governo seria o presbiterial. É a tese “…defendida pelo bispo anglicano J. B. Lightfoot, e afirma que, originalmente “bispos” e “presbíteros” (ou anciãos) eram termos sinônimos.

O episcopado teria surgido do presbiterado pela “elevação” para uma ordem mais elevada e, por conseguinte, por implicação, o ministério “original” da Igreja era presbiteral e não episcopal. Harnack e B. H. Streeter (anglicano) mostraram-se inclinados a esta interpretação.…” (CALVANI, Carlos Eduardo B. end.cit.).

– Esta forma passou a ser difundida com a Reforma Protestante, pois foi a forma que passou a ser adotada notadamente pelos calvinistas, tendo sido, aliás, a forma adotada pela Assembleia de Westminster, um concílio convocado para reestruturar a Igreja da Inglaterra entre 1643 e 1649, que, inclusive, chegou a editar um documento denominado “A Forma Presbiterial de Governo da Igreja”.

– Por isso mesmo, as igrejas calvinistas passaram a ser chamadas de “igrejas presbiterianas”, precisamente por adotarem a forma de governo presbiterial ou presbiteriana.

– Segundo o referido documento aprovado pela Assembleia de Westminster, “…As Escrituras estabeleceram uma presbitério em cada igreja.

O Presbitério consiste de ministros da palavra e outros oficiais enquanto conformes e garantidos pela Palavra de Deus para serem governantes da igreja, para se unir aos ministros no governo da igreja.

As Escrituras também estabelecem que muitas congregações particulares possam estar sob o governo de um presbitério…” (A Forma Presbiterial de Governo da Igreja. Das assembleias clássicas. Disponível em: http://www.reformed.org/documents/wcf_standards/index.html?mainframe=/documents/wcf_standards/p395-form_presby_gov.html Acesso em 05 abr. 2014) (tradução nossa de texto em inglês).

– Percebe-se, portanto, que, na forma presbiterial de governo, os pastores participam do governo, juntamente com o presbitério, havendo, pois, um governo colegiado, em que se tomam as devidas decisões.

– Em que pese a base bíblica invocada para este tipo de governo, é importante observar que não se extrai claramente das Escrituras que o presbitério fosse um órgão representativo de toda a congregação e que os ministros estivessem, de certo modo, submissos a este presbitério, como ocorre na forma presbiteriana tal qual se apresenta a partir da Assembleia de Westminster.

Se é claro, no texto bíblico, que os presbíteros ou anciãos eram eleitos, não é claro que eles tivessem o poder de destituir ministros da palavra, como se encontra na forma presbiteriana.

– Passagens como I Tm.5:19, por exemplo, parecem indicar que, nos dias apostólicos, os presbíteros estavam submetidos à congregação, de sorte que esta autonomia do presbitério é, no mínimo, questionável.

– No entanto, é inegável que há, sim, respaldo bíblico para se considerar a forma presbiterial como uma forma de governo possível dentro da multiformidade da graça e sabedoria divinas.

– Como foi dito, tal espécie de forma de governo é adotada pelas igrejas calvinistas e outros segmentos de igrejas protestantes.

IV – A FORMA CONGREGACIONAL DE GOVERNO

– A terceira forma de governo surgida na Igreja foi a forma congregacional, que corresponde, na classificação aristotélica, à politeia, ou seja, o governo de todos, que, posteriormente, se denominou de “democracia”.

– Esta forma de governo começa a surgir em alguns movimentos ditos como “heréticos” pela Igreja “oficial”, como, por exemplo, o movimento dos lolardos, inspirado em John Wycliff, e um dos movimentos precursores da Reforma Protestante, tendo, também, se desenvolvido entre os grupos da chamada “Reforma radical”, notadamente os “anabatistas”, que, em plena Reforma Protestante, dissentiram de alguns postulados seja de Lutero, seja de Calvino, em especial, ao negarem a existência do “batismo infantil”.

– Esta forma de governo, ensina-nos o pastor Altair Germano, é aquele em que “…o governo é centralizado nos membros da igreja.

Os oficiais são meros empregados para a função de ensino, e para atenderem as necessidades administrativas estabelecidas pelos membros…” (end.cit.).

– Esta forma de governo disseminou-se na Inglaterra principalmente através do chamado movimento dos “não-conformistas”, grupo que não aceitou o restabelecimento do episcopado e o Ato da Uniformidade de 1662, que significou a intervenção do governo inglês na Igreja da Inglaterra.

– Os não-conformistas não aceitavam a intervenção governamental nos assuntos religiosos e no governo das igrejas, tendo, então, defendido que cada igreja local deveria ser autônoma, devendo ser governada pela própria “congregação”, ou seja, pela membresia, entendendo que este era o modelo da igreja primitiva, que elegia os presbíteros e anciãos, como se verifica de textos como At.14:23 e Tt.1:5. A congregação, inclusive, era superior aos próprios presbíteros, como se vê de I Tm.5:19,20.

– Os não-conformistas se reuniram no palácio de Savoy, em Londres, em 1658, onde elaboraram a Declaração de Savoy, que, na parte referente ao governo da igreja assim afirma:

“…A cada uma dessas igrejas assim reunidas, de acordo com a sua vontade declarada em sua Palavra, ele deu todo aquele poder e autoridade, que são de qualquer maneira necessários para levar adiante a ordem no culto e na disciplina, que instituiu para que observem com mandamentos e normas para o devido e correto emprego e exercício desse poder.

Essas igrejas locais assim estabelecidas pela autoridade de Cristo, e dotadas de poder por ele para os fins anteriormente expressos, são, cada uma delas, no que concerne a esses fins, a sede desse poder que lhe agrada comunicar a seus santos ou súditos neste mundo, de modo que eles o recebem diretamente dele.

Além dessas igrejas locais, não foi instituída por Cristo nenhuma igreja mais extensa ou católica dotada de poder para a administração de suas ordenanças [Batismo e Ceia do Senhor] ou a execução de qualquer autoridade em seu nome.…” (A instituição das igrejas e a ordem apontada nelas por Jesus Cristo, nn. 4 a 6. Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/credos/anexo_confissao_savoy.htm Acesso em 10 abr. 2014).

– Os ministros e oficiais, portanto, existem para servir à igreja e somente são legítimos na medida em que atendem aos interesses da congregação, sendo, pois, servidores da congregação.

– Esta forma de governo é característica das igrejas batistas, sendo também adotada pelas chamadas igrejas congregacionais, cujo nome, aliás, denota a adoção desta forma de governo.

– Do mesmo modo que ocorre nas outras formas de governo, é inegável que a interpretação dada aos textos bíblicos invocados é plenamente possível, mas não parece haver esta supremacia absoluta da congregação sobre presbíteros e diáconos.

As Escrituras parecem revelar que tais figuras, embora dependessem do consentimento da congregação, estavam numa situação de reconhecimento superior ao da congregação.

Tanto assim é que Paulo manda Tito estabelecer presbíteros em Creta, a mostrar que as congregações não ousavam nem se atreviam a simplesmente eleger tais ministros e oficiais por conta própria, reconhecendo uma autoridade que lhes era superior.

– Trata-se, pois, de mais uma forma de governo que se torna possível ante a multiformidade da graça e sabedoria divinas.

IV – A FORMA DE GOVERNO NAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL

– Observadas, ainda que sucintamente, as três formas de governo existentes ao longo da história da Igreja, resta-nos fazer uma análise da forma adotada nas Assembleias de Deus no Brasil.

– Consoante assevera o pastor Altair Germano no artigo que temos trazido ao longo desta exposição, em 1937, com base em um estudo do missionário sueco Nils Kastberg, a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), decidiu fazer uma distinção entre presbíteros, compreendendo que o texto bíblico fazia diferença entre os presbíteros que trabalhavam na palavra e na doutrina e os demais, que apenas auxiliavam aqueles, como se verifica em I Tm.5:17.

– Ora, diante desta diferenciação, as Assembleias de Deus passaram a reconhecer que havia ministros (pastores e evangelistas), que seriam de reconhecimento nacional, podendo, inclusive, participar das convenções, e oficiais locais (presbíteros e diáconos), que seriam reconhecidos tão somente no âmbito de cada igreja local.

– Ao lado desta distinção, temos que a própria história das Assembleias de Deus fez com que as primeiras igrejas locais, fundadas pelos missionários, fossem deixadas à liderança de pastores devidamente separados pelos próprios missionários para delas cuidar, circunstância que acabou gerando um certo conflito, ao longo do tempo, entre obreiros nacionais e os próprios missionários, igualmente resolvido no âmbito da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), quando se percebeu a entrega do comando das igrejas locais aos obreiros nacionais, mantendo-se os missionários como “desbravadores”, ainda que alguns deles, ao longo dos anos, tenham assumido a liderança de alguma igreja local.

– Este estado de coisas fez com que algumas igrejas locais, no processo de expansão da obra de Deus, ao contrário do que haviam feito os missionários, não providenciassem a imediata autonomia das novas igrejas surgidas, vinculando-as à igreja que havia enviado os obreiros que deram início ao trabalho de evangelização, fazendo surgir os chamados “ministérios”, ou seja, um grupo de igrejas que estavam vinculadas a uma determinada igreja local, que realizara o trabalho de evangelização que dera origem às demais igrejas.

– Estes “ministérios” funcionam sob a forma episcopal de governo, pois, na verdade, o que se tem são um grupo de ministros e de oficiais que estão ligados a um “presidente”, que é, na realidade, um “bispo”, pois é o líder eclesiástico máximo onde se centraliza toda a administração.

– Com o crescimento da obra, muitas vezes, estes “ministérios” dão autonomia a uma ou outra igreja local, mas esta autonomia, muitas vezes, é apenas relativa e a igreja local passa a ser um “campo”, que está, de certo modo, ainda ligado ao “ministério” que lhe deu autonomia.

Muitos destes “ministérios”, aliás, com o tempo, constituíram em “convenções estaduais”, reunindo os ministros (pastores e evangelistas), através das quais se filiam à Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB).

– A criação de “campos”, portanto, não passa de uma relativa descentralização, sem descaracterizar a forma episcopal de governo, algo que, por exemplo, também se fez na Igreja Romana, onde há as chamadas “províncias eclesiásticas”, normalmente dirigidas por um “arcebispo”, que é uma espécie de coordenador dos “bispos” da referida província, bispos que são autônomos e se reportam diretamente ao Papado em Roma, mas que não deixam de ser observados pelos ditos arcebispos.

– Na estrutura assembleiana, aliás, há até menos descentralização que no sistema romanista, pois os “presidentes de campo” são, de certo modo, submissos e não apenas observados pelos “presidentes do ministério”, que, no mais das vezes, são, também, “presidentes das convenções estaduais”, podendo ser por eles removidos em certos casos.

– No entanto, até por força das determinações estatutárias, o que se verifica é que a congregação não é deixada à mercê do governo da Igreja, o que desnatura da forma episcopal de governo, uma vez que os presidentes de igrejas locais, normalmente, são eleitos pela própria congregação, ainda que, às vezes, por indicação dos presidentes de convenção ou de ministério.

– Tem-se, portanto, uma característica, a eletividade, que foge à forma episcopal de governo, mas que faz com que o sistema se aproxime tanto da forma presbiterial, quanto da forma congregacional, até porque, dependendo da igreja local e do estatuto, esta eleição é feita somente por ministros e oficiais, ou por toda a congregação.

– Tem-se, portanto, um sistema misto, que é de difícil caracterização, diante da diversidade de fórmulas em cada igreja local, ministério ou convenção estadual, a revelar uma indefinição na forma de governo adotada.

– O resultado de tudo isto tem sido extremamente danoso para as Assembleias de Deus no Brasil, a gerar um sem-número de ministérios e de convenções estaduais (raros são os Estados que possuem uma convenção apenas).

Diante desta indefinição, não há disciplina, pois algum obreiro ou membro que não se sinta bem ou tenha cometido alguma infração rapidamente passa para outro ministério ou convenção (se não abrir o seu próprio), podendo, mesmo assim, manter-se legitimamente filiado ao órgão maior da denominação.

– Esta falta de disciplina permite, inclusive, uma diversidade de procedimentos, costumes, entendimentos, posicionamentos e, até mesmo, de doutrinas, o que, à evidência, compromete a unidade da Igreja, o que é totalmente contrário ao próprio objetivo da existência do governo no meio do povo de Deus.

– A própria Declaração de Fé das Assembleias de Deus não superou este impasse. Com efeito, vemos a descrição da atual situação, sem que se tenha enfrentado a questão. Senão vejamos.

– “…Nossa estrutura constitui-se de pastores, evangelistas, presbíteros, diáconos e cooperadores, estes últimos identificados também como auxiliares ou trabalhadores de acordo com a região.

O termo ‘obreiro’ é genérico e usamos praticamente para todos os cargos e funções na Igreja. Nosso modelo de governo de Igreja tem por base as Escrituras Sagradas…” (DFAD XIV, p.135).

– Logo se verifica que a Declaração de Fé, já no seu introito sobre as formas de governo, permite uma estrutura local diferenciada e diversa para as várias igrejas, a começar pela existência dos “cooperadores”, “auxiliares” ou “trabalhadores”.

– Ao tratar dos pastores e evangelistas, assim afirma a Declaração de Fé: “…Pastores e evangelistas são indicados por ministérios locais em convenções e ordenados perante a Igreja.

O pastor-presidente é geralmente indicado por seu antecessor, mas há também eleição por aclamação ou por voto secreto, tudo depende das normas estatutárias de cada igreja, pois sua autoridade espiritual e administrativa é interna.

O papel das convenções é promover a moderação, a paz, a harmonia, a união e o intercâmbio entre as igrejas, bem como zelar pela observância da doutrina bíblica e incentivar a pregação do evangelho. Os pastores auxiliares e os evangelistas cooperam com o pastor-presidente nas igrejas e congregações.…” (DFAD XIV.5, p.137).

– Como se pode observar, esta situação mista é cristalizada na Declaração de Fé. Admitem-se os “ministérios locais”, que são a verdadeira base da organização das Assembleias de Deus, tendo o “pastor-presidente” como a principal autoridade, mas uma autoridade que se faz questão de dizer que é interna, o que nos aproxima do sistema episcopal, até porque, em outro trecho, é dito literalmente:

“…Embora seja comum haver muitos pastores numa mesma igreja, apenas um dele é o que preside [I Ts.5:19]…” (DFAD XIV.5, p.137).

– No entanto, ao mesmo tempo, diz que pastores e evangelistas precisam ser filiados a convenções, convenções que, embora não possam eliminar a autonomia das igrejas locais, têm um importante papel moderador e harmonizador, o que faz com que se aproxime do sistema presbiteriano.

– E, para concluir a opção pelo sistema misto e “sui generis”, é dito que o pastor-presidente é escolhido segundo a norma de cada igreja, prevendo até mesmo a eleição, o que aproxima o governo do sistema congregacional.

– Tal assunto precisa ser muito bem pensado pelas lideranças das Assembleias de Deus. Se a forma como as Assembleias de Deus surgiram e cresceram em nosso país foi realmente peculiar e demonstra o mover do Espírito Santo dentro do avivamento pentecostal, também é certo que a confusão e a desordem não são coisas advindas deste mover do Espírito Santo e, por isso mesmo, devemos nos esforçar para construir um modelo de governo que permita que atinjamos o objetivo bíblico deste governo, qual seja, o do aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo, o que, à evidência, não tem sido alcançado com o modelo misto atualmente vigente.

Ev. Caramuru Afonso Francisco

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