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LIÇÃO Nº 11 – A TEOLOGIA DE ELIÚ: O SOFRIMENTO É UMA CORREÇÃO DIVINA?

INTRODUÇÃO

– Na sequência do estudo do livro de Jó, analisaremos o discurso de Eliú.

– Eliú suaviza, mas não afasta o “dogma da retribuição”.

I – QUEM FOI ELIÚ

– Depois da réplica de Jó ao terceiro discurso de Bildade, exsurge um silêncio, pois os amigos de Jó não encontram meios para convencer o patriarca, que segue convicto de sua inocência.

– Aparece, então, Eliú, um quarto amigo de Jó, mais jovem, cuja presença não fora até então mencionada no livro. Em seu longo discurso, sem réplica, será apresentada uma versão mais suave a respeito do chamado “dogma da retribuição”, uma evolução que, no entanto, também não solucionará a questão.

– Eliú não é mencionado no livro de Jó a não ser no capítulo 32, quando começa a sua fala, fala esta que não terá resposta por parte do patriarca Jó.

– Eliú ingressa no debate procurando ser um meio-termo entre o discurso dos amigos e o do patriarca, disto resultando uma visão de Deus mais real que a dos amigos de Jó, mas igualmente insuficiente para desmentir a forte convicção do patriarca.

– Embora ainda ache que Jó seja um pecador, Eliú consegue, em seu discurso, ter uma visão da graça de Deus, algo que fora completamente ignorado pelos outros amigos do patriarca, e, por isso, vê que o sofrimento pode ser resultado do amor de Deus, não apenas fruto de uma punição.

– Ao contrário dos outros amigos de Jó, Eliú, cuja existência somente nos é revelada no capítulo 32 do livro, quando ele toma a palavra ante o impasse existente nos debates entre Jó e seus outros três amigos, tem apresentada até uma pequena genealogia a seu respeito.

– É dito que ele é filho de Baraquel e tem como ancestral Rão, sendo natural de Buzi. A existência desta genealogia fez com que alguns estudiosos da Bíblia, entre eles o bispo Lighfoot e Myer Pearlmann, achem ter sido Eliú o autor do livro de Jó.

Entretanto, alguns outros entendem que o fato de Eliú não ter sido mencionado no início do livro e de ser uma pessoa jovem e, portanto, não ser um renomado e conhecido estudioso sobre Deus, explica a necessidade de que tivesse uma apresentação que justificasse a sua intervenção no debate.

– O nome “Eliú” quer dizer “Meu Deus é ele”, lembrando-se que “El” era um nome costumeiro para Deus na região do Oriente Médio.

Buzi é identificado como sendo uma tribo que ocupava a região da península da Arábia, a demonstrar, portanto, que Eliú, tal qual Elifaz, pertencia a uma família que, desde a tenra idade, orientara Eliú pela crença em Deus.

– Alguns identificam Eliú como sendo descendente de Naor, já que um dos filhos de Naor é Buz (Gn.22:21). Entretanto, entendemos que este Buz não seja o mesmo pai da tribo a que Eliú pertencia, pois isto faria com que Jó fosse bem posterior a Abraão, o que não parece ser o caso.

Aliás, a presença de uma genealogia faz-nos rejeitar o pensamento de que Eliú seria uma manifestação teofânica, ou seja, seria uma aparição de Cristo antes de Sua encarnação, ideia que deve ser, evidentemente, rejeitada.

– Apesar de ser o mais jovem de todos os debatedores de Jó, Eliú é o que apresenta o discurso mais desenvolvido e mais amplo a respeito de Deus, tanto que não é recriminado pelo Senhor no final do livro (Jó 42:8).

– Aliás, não é também citado no epílogo do livro, o que levou alguns a imaginarem que os discursos de Eliú tenham sido acrescentados ao livro de Jó, o que, entretanto, não passa de mera hipótese, sem nenhuma comprovação, sendo uma versão que devemos receber com muita reserva pois corrobora o pensamento que se opõe ao reconhecimento da integridade da Bíblia Sagrada.

– A omissão de Eliú no prólogo deve-se, muito mais, ao fato de Eliú não ser, como já dissemos, um renomado e reconhecido estudioso de Deus.

Mas como se explicaria a sua omissão no epílogo do livro? Ora, isto se dá porque o discurso de Eliú, embora ainda parta do pressuposto de que Jó havia pecado, não foi incorreto a respeito de Deus, razão pela qual não foi recriminado pelo Senhor.

II – OS DISCURSOS DE ELIÚ

– Após a série de debates entre Jó e seus amigos, todos eles escritos em forma de verso e de conteúdo poético, o capítulo 32 do livro de Jó inicia-se em prosa, com a apresentação de Eliú, personagem cuja existência, até então, não havia sido anunciada.

– Diz-nos o texto sagrado que o jovem Eliú resolveu abrir a boca porque entendeu que os amigos de Jó não tinham argumentos para que Jó se arrependesse, bem como que Jó declarava uma inocência com a qual Eliú não podia concordar.

Como houvesse um impasse, Eliú, apesar de sua pouca idade, resolve tomar a palavra e fará, praticamente, quatro discursos, discursos que não serão objeto de resposta por parte do patriarca Jó, mas que revelarão uma visão mais ampla de Deus, ainda que, uma vez mais, Jó seja considerado um pecador.

– Eliú, por ser jovem, não poderia invocar o argumento da autoridade e da tradição, que tanto havia sido base para a argumentação de seus amigos. Sem como apelar à tradição ou à experiência, Eliú vai trazer como argumento o da inspiração divina, ou seja, dirá que seus argumentos são fruto de uma revelação sobrenatural do próprio Deus (Jó 32:8-10).

– Segundo Eliú, somente a inspiração do Todo-Poderoso pode fazer o homem entendido nas coisas de Deus.

Parte, portanto, Eliú de um ponto de partida totalmente diverso do dos demais amigos de Jó, um ponto correto, qual seja, o que procura entender Deus através da revelação e não fazer com que Deus caiba dentro de nossos conceitos, ou melhor, preconceitos.

– Esta afirmativa de Eliú encontra plena guarida nas Escrituras Sagradas, que não se cansam de nos ensinar que somente podemos conhecer a Deus através de Sua revelação para nós, pois não temos condições de querermos entendê-l’O por nós mesmos (Is.55:8,9; I Co.2:9-16; Hb.1:1-3).

Eis, aliás, um dos principais motivos pelos quais o discurso de Eliú teve mais correção do que os dos outros três amigos de Jó.

– Eliú apresenta, ainda, uma outra virtude: a de saber ouvir. Apesar de ser jovem e, por natureza, os jovens sejam mais afoitos, conteve-se até perceber que os seus amigos, mais idosos, haviam se calado.

Neste ponto, Eliú demonstra ter mais sabedoria do que seus amigos e se assemelha a Jó, que também só replicava quando seus amigos encerravam seus argumentos.

– Devemos sempre saber mais ouvir do que falar, sabendo que a palavra dita a seu tempo é a que tem validade e eficácia (Pv.15:23; 25:11; Is.50:4). Observemos que Eliú não dava valor à tradição nem à autoridade com base exclusiva na idade, mas, mesmo assim, esperou o momento oportuno para se manifestar.

Será que temos agido assim, ou, na nossa ânsia ou razão, temos feito tudo a perder? Aprendamos com Eliú que “o ouvido prova as palavras, como o paladar prova a comida” (Jó 34:3) e saibamos ouvir tanto quanto sabemos experimentar as iguarias que nos põem à mesa nas refeições.

– Eliú apresenta, também, um desejo: o de ser imparcial. Ante os argumentos contraditórios e que haviam levado a um impasse nos debates entre Jó e seus amigos, o jovem Eliú pretende ser imparcial, ou seja, não tender nem para um lado, nem para o outro.

Não deseja usar de lisonjas para com o homem, não deseja fazer acepção de pessoas, ou seja, não quer ser preconceituoso, não quer que suas concepções prevaleçam na discussão, não quer, como fizeram os outros amigos de Jó, apenas confirmar suas opiniões a respeito dos fatos, mas também não pretende beneficiar Jó, tratá-lo, “a priori”, como alguém inocente e sem culpa.

– Este deve ser o verdadeiro comportamento de um servo de Deus: o da imparcialidade, o do tratamento com isenção e com absoluto propósito de buscar a verdade, quando estiver diante de contendas e problemas a resolver. Deus não faz acepção de pessoas (Dt.10:17; At.10:34) e nós devemos seguir-Lhe o exemplo.

– No estudo das Escrituras, devemos todos agir sem preconceitos. A Bíblia não deve ser estudada para ali nós encontrarmos a confirmação de nossas ideias ou conceitos, mas, bem ao contrário, devemos examiná-las para dela aprendermos sobre Deus e Seu amor para conosco.

Não cometamos o mesmo erro dos escribas que, mesmo sabendo que nelas (Escrituras) estava a vida eterna, não puderam nela ver revelado o próprio Jesus por causa de seus dogmas (Jo.5:38-40).

– Até por ter este comportamento, Eliú revela ter maior proximidade a Deus do que os outros amigos de Jó, tanto que o chama de “meu Criador” (Jó 32:22), uma intimidade menor do que a do patriarca com Deus, mas bem maior do que a de seus outros amigos.

– Ao contrário dos seus amigos, verdadeiros deístas, que viam um Deus absolutamente distante e inacessível, Eliú, embora somente o veja como o Criador (enquanto que Jó, v.g., vê n’Ele o Redentor- Jó 19:25, a Sua esperança- Jó 13:15), pelo menos o chama de “meu Criador” (Jó 32:22; 36:3), a demonstrar uma maior intimidade, bem como a crença de que, caso fosse parcial, em breve, Deus determinaria a prestação de contas por força deste comportamento inadequado.

– Após este discurso primeiro, meramente introdutório, Eliú inicia o segundo discurso, onde vai expor suas razões a Jó e, uma vez mais, invoca a inspiração divina como fundamento para seu ponto-de-vista (Jó 33:4), negando, porém, que isto lhe fizesse melhor do que Jó, porque tem a mesma origem que a do patriarca (Jó 33:6).

– Acusa Jó de ter sido injusto para com Deus, pois não poderia considerar o Senhor como seu inimigo em virtude do sofrimento que estava passando, ainda que fosse alguém inocente, como afirmava ser (Jó 33:8-13).

– Eliú afirma que, ao considerar Deus como seu inimigo, Jó está, indevidamente, colocando-se numa posição de superioridade em relação a Deus, pois está julgando a Deus, o que é inadmissível ao homem.

– Ainda que Jó tivesse moderado, durante suas respostas a seus amigos, este ponto-de-vista, não resta dúvida de que considerar a Deus como seu inimigo era uma atitude inadequada que Jó tomava, não em relação a Deus, mas em relação a si próprio, uma posição que, efetivamente, não era a sua, qual seja, a de querer questionar os propósitos divinos.

Vemos aqui bem identificada a “pontinha de autossuficiência” que a prova estava eliminando da vida de Jó. Não devemos contender com Deus, mas nos submetermos à Sua vontade, crendo que tudo que acontece é o melhor para nós (Rm.8:28).

– Eliú insiste que Deus é soberano e não tem que prestar contas do que faz para ninguém (Jó 33:13,14), mas, mesmo assim, por obra de Sua vontade apenas, ainda se dá ao trabalho de revelar ao homem o que está a fazer, quando Lhe convém fazê-lo (Jó 33:14-14-18).

O Deus de Eliú, ao contrário do dos demais amigos de Jó, é um Deus participante, um Deus que não deixa Sua criação à própria sorte, mas um Deus que não está obrigado a prestar contas, pois é Senhor e Soberano.

– Vemos aqui, sem dúvida alguma, um Deus bem diferente do apregoado pelos arautos da confissão positiva e da teologia da prosperidade. É um Deus que quer, sim, o bem do homem (Jó 33:17,18), mas que, para tanto, muitas vezes, dá ao homem coisas que, aparentemente são más, como a enfermidade (Jó 33:19-22).

É um Deus que fala de muitas maneiras (Jó 33:15,16) e que não está sujeito aos caprichos humanos, um Deus cujo propósito é trazer bem ao homem, mesmo que por caminhos que ao homem sejam estranhos e incompreensíveis (Jó 33:29-33).

– Entretanto, Eliú, apesar de ter progredido na sua visão de Deus, em relação a seus amigos, ainda não se desprendeu da ideia do merecimento e da retribuição, pois, embora afirme que Deus quer o bem do homem e que, para tanto, pode, inclusive fazê-lo sofrer, ainda alia o sofrimento ao pecado, dizendo que se houver alguém que possa ajudar o homem e levá-lo ao arrependimento, certamente o mal ocasionado tornar-se-á em vida saudável e abundante (Jó 33:23-30).

– Assim, Eliú vê na falta de saúde de Jó a presença de um pecado que deve ser confessado e abandonado, algo que, efetivamente, como sabemos, não correspondia à realidade. A Eliú, podemos, aliás, aplicar o que foi escrito milênios depois pelo apóstolo Paulo aos gálatas:”corríeis bem, quem vos impediu, para que não obedeçais à verdade? ” (Gl.5:7).

OBS: “Esta abertura mostra a intenção de Eliú: salvar o dogma da retribuição. Por isso, critica a Jó, porque este pretende ter razão contra Deus. Critica também os tr6es amigos, porque, incapazes de encontrar argumentos contra Jó, acabam deixando Deus na situação de culpado.

Por aí se percebe que a situação de Jó é um fato que estoura a teologia vigente e exige resposta nova, que Eliú procura dar, mostrando que a sabedoria não depende nem da experiência, nem da tradição, e sim da abertura para a novidade de Deus.”(BÍBLIA SAGRADA, Edição Pastoral, com. Jó 32, p.662)

– Em continuação a seus discursos, Eliú, no seu terceiro discurso (capítulo 34), analisa a declaração de inocência de Jó, declaração na qual, como vimos, não acredita, pois, apesar de sua melhor visão e amplidão em relação aos seus amigos, Eliú ainda continua compartilhando da ideia do dogma da retribuição e comete, neste ponto, o mesmo erro de Elifaz, Bildade e Zofar.

– Para Eliú, ainda há como discernir o que é bom e o que é mau, algo que, conforme vimos em lições anteriores, é fruto de um julgamento que não pode ser feito pelo homem e, aqui, Eliú comete o mesmo erro que aponta em Jó no primeiro discurso, o de se fazer juiz, algo que somente compete a Deus (Cf. Tg.4:11,12).

OBS: ” Eliú declarou, falsamente, que Jó dizia ter perfeição moral, i.e., que não falhara em toda a sua vida. Jó nunca afirmou que era impecável (ver 13.26), mas tão-somente que tinha seguido os caminhos do Senhor de todo o coração, e que não se recordava de ter cometido uma transgressão tão grave que merecesse um castigo tão severo (27.5,6; 31.1-40)” (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, com. a Jó 33.9, p.802). 

– Eliú afirma que Jó se diz justo e que Deus lhe havia tirado o seu direito, mas não aceita este argumento, voltando a insistir na tese da superioridade de Deus em relação ao homem (Jó 34:12-15), diz que Jó advoga a tese de que não adianta ser direito e que Jó é um homem que caminha em companhia dos que obram a iniquidade e que anda com homens ímpios, algo que, sabemos, não corresponde à realidade(Jó 34:5-10).

– Apesar de invocar a inspiração divina, Eliú não se desprendeu, totalmente, do dogma da retribuição e continua, como seus outros amigos, a defender a tese de que “segundo a obra do homem, Deus lhe paga, e faz que cada um ache segundo o seu caminho” (Jó 34:11).

– Eliú entende ser uma ousadia inadmissível Jó querer contender com Deus, diante da superioridade do Senhor (Jó 34:16-22) e entende que, diante de Deus, ao contrário do que alega Jó, o homem não terá qualquer chance num julgamento (Jó 34:23-32), uma visão, que conforme já vimos nas lições anteriores, despreza a graça de Deus e que não corresponde à realidade do caráter do Senhor, mas que, dentro da argumentação de Eliú, fica extremamente enfraquecida, já que Deus não é um ser distante e que não se importa com o homem.

– Não é sem razão que alguns comentadores bíblicos entendem que Eliú, ao tentar estabelecer um meio-termo entre as visões dos contendores, acaba produzindo um discurso incapaz de superar o impasse.

OBS: ” Eliú julgava que Jó, ao levantar questionamentos e queixumes contra Deus (19.6; 27.2), demonstrava rebelião aberta contra Deus. Apesar de Jó ter errado gravemente nas suas queixas contra Deus, seu coração estava firme nEle como seu Senhor (19.25-27; 23.8-12; 27.1-6).

No seu zelo de isentar a Deus de qualquer culpa, Eliú não compreendeu plenamente a necessidade de Jó expressar seus sentimentos mais profundos diante de Deus (cf. Sl.42.9; 43.2).”(BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, com. a Jó 34.37, p.803).

– Dentro deste seu raciocínio, Eliú encerra o terceiro discurso dizendo que Jó, ao querer contender com

Deus e a dizer que o Senhor se fez seu inimigo sem razão, cometeu um pecado além dos pecados pelos quais está sofrendo: o pecado de se rebelar contra Deus. Por isso, diz Eliú, deve ser, mesmo, provado até o fim, pois é um homem mau, pecador, pois se rebelou contra o Senhor (Jó 34:34-37).

– Todavia, bem sabemos que tais argumentos de Eliú não têm qualquer respaldo, pois, se é certo que Jó foi imprudente em amaldiçoar o dia de seu nascimento, como também em achar que Deus Se tornara seu inimigo, não é menos verdadeiro que era um homem inocente, sem culpa e, portanto, podia, sim, declarar-se inocente.

– Ao não se desprender do dogma da retribuição, Eliú chega ao mesmo ponto dos amigos que, segundo ele próprio, não tinham tido êxito em seu propósito de fazer Jó se arrepender dos seus supostos pecados.

– Ao chegar a este ponto, porém, o sábio Eliú, ao invés de começar a caluniar o patriarca e, com isto, obter sua confissão, parte para uma outra atitude, uma atitude que dará ao discurso de Eliú um colorido diferente e que preparará terreno para a própria intervenção divina neste drama vivido pelo seu excelente servo.

– No seu quarto discurso, Eliú apresenta uma análise da suposta afirmação de Jó de que ele era mais justo do que Deus.

– Jó, efetivamente, não afirmara ser mais justo do que Deus, mas queria que Deus lhe explicasse porque estava sofrendo daquela maneira se era inocente. Mas, para Eliú, Jó estava querendo ser mais justo do que Deus e, para tanto, procura demonstrar a grandeza de Deus em relação ao homem.

– Neste seu discurso, Eliú também recrimina a visão deísta dos seus amigos, motivo por que também se dirige contra eles (Jó 35:4).

Diz que Deus, embora seja superior ao homem e por isso Jó não poderia com Ele contender, nem por isso é um Deus distante ou inacessível, como defenderam Elifaz, Bildade e Zofar (Jó 35:5-16), mas um Deus participante, que não despreza o homem (Jó 36:5), um Deus que não é só um ser grande, mas que também tem um grande coração (Jó 36:5),

um Deus que Se compadece dos justos e que olha tanto os ímpios quanto os justos (Jó 36:6-12). É um Deus participante, um Deus que fala, um Deus que se interessa pelo homem, mas, ainda, um Deus que fará bem aos que merecerem e mal aos que transgredirem.

– Deus, na visão de Eliú, é um Deus que livra o aflito da aflição (Jó 36:15), mas continua sendo um Deus que castiga inevitavelmente o ímpio e o hipócrita, inclusive fazendo-o morrer ainda na mocidade (Jó 36:13-16).

– Apesar de vislumbrar compaixão, graça e amor em Deus, Eliú ainda não consegue ver a possibilidade de um justo sofrer para seu aprimoramento espiritual e, portanto, entende que Jó tem sido orgulhoso, presunçoso e que, por isso, está sofrendo (Jó 36:17-19).

Para Eliú, antes de desejar a morte, Jó deveria arrepender-se para obter este favor de Deus, um Deus que não está distante e que está pronto a perdoar (Jó 36:20-33).

– Entretanto, apesar de estar ainda preso ao dogma da retribuição, Eliú alerta-nos de que não temos como compreender a Deus (Jó 36:36) e, portanto, se assim é, o próprio Eliú desmente-se ao querer estabelecer a ideia do sofrimento como consequência inevitável do pecado, pois, assim agindo, estaria delineando, “a priori”, a ação divina, o que, sem dúvida alguma, é uma contradição frente à incompreensibilidade de Deus.

– Assim, além de ver em Deus um amor que os outros amigos não enxergavam, acaba por denunciar uma grandeza que torna impraticável o dogma da retribuição, ainda que ainda compartilhe deste dogma com os demais amigos.

– Ao afirmar a Jó que não há como querer compreender a Deus, Eliú adianta uma parte do discurso que o próprio Deus fará ao Se dirigir ao patriarca, pois, neste ponto, Eliú estava correto.

– Jó não deveria contender com Deus, mas submeter-se a Ele sem reclamações ou queixas, sabendo, por conhecê-l’O bem, que aquilo era o melhor que lhe podia acontecer na sua vida de comunhão com Deus.

– Num longo discurso, Eliú apresenta as maravilhosas obras de Deus em três estações do ano (outono – Jó 36:26-37:5; inverno-Jó 37:6-13; verão – Jó 37:14-22), a fim de demonstrar que Deus está muito acima da compreensão humana (Jó 37:23).

– Assim, dentro de sua sabedoria (Cf. Jó 37:24), Eliú acaba por concluir que, mesmo crendo que Jó fosse um pecador e por isso estava sofrendo, Deus era muito superior aos homens e, por isso, não poderíamos estar discutindo ou contendendo com Deus o que estava se passando.

– Somente Deus poderia discutir a questão e, como que aprovando esta conclusão do jovem mas sábio Eliú, será o próprio Deus, em pessoa, que desatará a perplexidade e a incompreensão que toma conta dos debatedores, inclusive do patriarca Jó, interrompendo o debate.

OBS: “Esse texto final prepara imediatamente a grande manifestação divina que virá logo a seguir. Quando os argumentos se esgotam, é melhor calar e ficar à espera da novidade de Deus.” (BÍBLIA SAGRADA, Edição Pastoral, com. Jó 37:14-24, p.666).

“Eliú continua falando. Ele não é um amigo que procura confortar, mas é um jovem desenvolvendo sabedoria na tentativa de oferecer uma nova percepção, enquanto os outros esperam ouvir de Deus. Aqui Eliú defende o reto procedimento de Deus e suplica que Jó não endureça o seu coração à disciplina educacional de Deus.…

A principal contribuição de Eliú consiste em desviar o foco do propósito compensatório do sofrimento e direcioná-lo para o propósito educacional.(BÍBLIA DE ESTUDO PLENITUDE, com. Jó 34.1-37, 36.1-37.24, p.528,529)

III – TODOS SOMOS PROVADOS POR DEUS

– Eliú, apesar de não ter se livrado do preconceito do dogma da retribuição, apresenta-nos uma nova realidade, qual seja, a de que Deus tem interesse no homem e, por isso, para seu aprimoramento, prova-nos e permite o nosso sofrimento.

O sofrimento não vem apenas como punição, mas também como disciplina, como fonte de aperfeiçoamento, sendo esta uma das principais lições do discurso de Eliú segundo o comentador bíblico Mark Copeland (“O jovem Eliú fala”. ccel.org/contrib/exec_outlines/job/job_07.htm).

OBS: 1. Torna-nos mais conscientes do fato de que somos criaturas dependentes. Somente Deus é independente de uma lei para Si mesmo.

Todos os demais seres dependem de Sua bondade e poder. Enfermidades severas, choques severos, tristezas avassaladoras, angústias, desapontamentos – todas essas coisas ensinam-nos a depender de nosso Deus, e não de nós mesmos.

2. As tribulações também nos aproximam mais dos outros seres humanos, em grau maior do que qualquer outra experiência humana. As tribulações unem as igrejas e as famílias, e até mesmo as comunidades e as nações assumem unidade de propósitos em meio à tribulação.

3. As tribulações ajudam-nos tanto a compreender como a ajudar a outras pessoas que também estejam em tribulação. Tais dificuldades tornam-nos melhores e mais sábios conselheiros e guias.

4. As tribulações e perseguições podem servir-nos de excelente disciplina, ensinando-nos os valores espirituais que nos convêm, pois, em meio a essas aflições, aprendemos a reconhecer o que é importante e vital, distinguindo-o do que não se reveste dessas qualidades.

Por igual modo, quando estamos sofrendo tribulações profundas, podemos aprender lições de humanidade, e assim somos espiritualmente fortalecidos…”(R.N. CHAMPLIN. Necessidade de sofrimento. In: Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.6, p.259).

– Com efeito, este pensamento de Eliú, ainda embrionário e de certa forma obnubilado pelo dogma da retribuição, é uma realidade que verificamos na Bíblia Sagrada nas mais diversas dispensações.

Deus tem provado continuamente a fé dos Seus servos e, ao serem provados, estes servos sempre saem fortalecidos e melhor preparados para servir ao Senhor.

– Deus garante-nos, inclusive, que as provações jamais serão superiores ao que possamos suportar (I Co.10:13) e, embora pareça, às vezes, que a prova por que estamos a passar esteja além das nossas forças, lembremo-nos que só o Senhor é que conhece a nossa estrutura (Sl.103:14), pois foi Ele quem nos fez desde a nossa concepção (Sl.139:13-16), de modo que, antes que tivéssemos consciência de nós mesmos, o Senhor nos conhece.

– Como, então, poderemos querer contender com Deus se Ele nos conhece melhor do que nós mesmos? Como dizer ao Senhor que estamos passando por dificuldades superiores à nossa estrutura? Lembremo-nos das palavras do Senhor a Ananias a respeito de Paulo: ” e Eu lhe mostrarei quanto deve padecer pelo Meu nome” (At.9:16).

– Antes que o apóstolo soubesse o que era o sofrimento, o Senhor já indicava que era o Senhor quem mostraria ao Seu servo o quanto ele poderia suportar e, durante o seu ministério, Paulo pôde dizer que tais sofrimentos eram os sinais de seu apostolado, a própria fonte de sua autoridade no meio do povo de Deus (II Co.6:3-10; 12:16-33; Gl.6:17).

– Se Deus assim agiu com o apóstolo Paulo, um dos maiores, senão o maior missionário cristão de todos os tempos, um vaso escolhido do Senhor (Cf. At.9:15), por que agiria diferentemente com relação a cada um de nós?

Deus quer nos provar e quer que saiamos refinados como o ouro (Jó 23:10). Deus tem grandes planos para conosco e estes planos precisam passar pelo cadinho da prova, pelo crisol, pelo sofrimento.

– Não estamos dizendo aqui que o cristão deve ser um masoquista, que deve sofrer para, assim, penitenciar-se diante de Deus.

Não confundamos o que estamos a dizer com a ideia de que o sofrimento é uma necessidade para que venhamos a nos purificar e alcançar a salvação, outro pensamento herético que tem grassado mundo afora.

– O sofrimento do crente não tem em vista a sua salvação, pois este sofrimento foi feito única e exclusivamente por Cristo na cruz do Calvário.

Não, o sofrimento não tem em vista a salvação ou o perdão de pecados, como ensinam erroneamente budistas, kardecistas, hinduístas ou católicos romanos, mas, muitas vezes, o sofrimento advém para que possamos ser melhor preparados na obra do Senhor.

– O sofrimento não é uma necessidade, mas uma realidade no aprimoramento espiritual de muitos servos do Senhor.

Portanto, não queiramos sofrer, mas saibamos que o sofrimento não é algo que não ocorra na vida do crente e que, quando ele vier, não será por causa de algum pecado que tenhamos cometido, mas uma forma escolhida por Deus, que conhece o nosso interior, para que sejamos melhores a cada dia que passa no nosso relacionamento com Deus.

OBS: A ideia da penitência teve origem nos primeiros séculos da Igreja, sendo tida como um meio de disciplina e provação, usada como medida purificadora pelos oficiais da Igreja, ideia que acabou gerando o sacramento da penitência, adotado pela Igreja Romana e que levou à ideia de que o pecado confessado somente é perdoado se o for por meio de um sacerdote, ideia totalmente contrária aos princípios bíblicos. Não há que existir um sofrimento complementar para que se alcance o perdão dos pecados.

 

Ev. Caramuru Afonso Francisco

Fonte: https://www.portalebd.org.br/classes/adultos/6025-licao-11-a-teologia-de-eliu-o-sofrimento-e-uma-correcao-divina-ii

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