LIÇÃO Nº 8 – NOSSA LUTA NÃO É CONTRA CARNE E SANGUE
A batalha contra o mal é espiritual.
INTRODUÇÃO
– Na sequência do estudo sobre a batalha espiritual, começaremos a analisar a passagem mais explícita a respeito dela, constante de Ef.6:10-18.
– A primeira afirmação que o apóstolo Paulo faz de tal batalha é que ela é espiritual, ou seja, não é “contra carne e sangue”.
I – O CONTEXTO DA EXPLICITAÇÃO DA BATALHA ESPIRITUAL
– Desde o início do trimestre, estamos a dizer que o texto mais explícito a respeito da batalha espiritual se encontra em Ef.6:10-18, quando o apóstolo Paulo nos fala de uma luta que o salvo terá contra as hostes espirituais da maldade e, inclusive, descreve qual a armadura de Deus com a qual temos de nos revestir para sermos vencedores nesta guerra.
– Torna-se, então, necessário saber em que contexto exsurge este tema na epístola aos efésios, porquanto sabemos, claramente, que não se pode interpretar o texto bíblico fora do contexto.
– A perícope, ou seja, o texto completo, com começo, meio e fim, retirado das Escrituras começa com a expressão “no demais, irmãos meus”, expressão que revela que o apóstolo iniciava a conclusão da sua epístola.
– A epístola aos efésios é uma das chamadas “epístolas da prisão”, pois foi escrita pelo apóstolo enquanto ele se encontrava preso em Roma, a sua primeira prisão, da qual ele saiu livre (cfr. Fp.2:24).
Éfeso era a principal cidade do Império Romano depois de Roma, naquela época, e o apóstolo tinha ali feito um trabalho extraordinário, que durou cerca de três anos (At.20:31), tendo sempre um cuidado com esta igreja, a ponto de, na sua viagem a Jerusalém, onde viria a ser preso, ter feito questão de se encontrar com os obreiros de lá (At.20:17).
– Nesta carta, o apóstolo procura fazer um retrato do que é a Igreja, para que os efésios bem soubessem o que significava ser cristão e, depois de uma exposição doutrinária, fala da prática cristã, demonstrando que o comportamento do salvo é diferente daquele do incrédulo.
– Assim, depois de discorrer sobre esta parte prática, o apóstolo inicia a conclusão da epístola, dizendo que, “no demais, irmãos meus, fortalecei-vos no Senhor e na força do Seu poder” (Ef.6:10).
– De pronto, vemos aqui uma importante lembrança que nos faz o apóstolo.
A vida cristã não tem sentido algum se não tiver como base, como fundamento, como alicerce o Senhor. É nEle que podemos nos fortalecer.
O próprio apóstolo já havia dito que a salvação era proveniente da graça e que não vinha de nós mesmos (Ef.2:8).
– Não podemos, de modo algum, encontrar fortalecimento em nossa vida espiritual se não for no Senhor e é bem por isso que todos os meios de santificação, que promovem o nosso crescimento,
nada mais são que ações que nos aproximam do Senhor, que nos levam a buscá-l’O, como é a meditação nas Escrituras, a oração, que pode ser reforçada pelo jejum, o temor a Deus e a participação digna na ceia do Senhor.
– A meditação nas Escrituras e a oração são diálogos que mantemos com o Senhor, através dos quais passamos a conhecer a Sua voz, a ter cada vez maior intimidade com Ele, sabendo a Sua vontade e, assim, tendo amplas condições de agradá-l’O.
É um processo que nos leva a renunciarmos a nós mesmos e isto nos torna discípulos de Cristo (Lc.14:33), formando a almejada unidade entre nós e Ele (Jo.17:21).
– O temor a Deus nada mais é que o reconhecimento da soberania divina, a voluntária decisão de levar em conta a vontade de Deus em todas as nossas decisões e ações, uma consideração singular do Senhor em nossas vidas, passando Ele a ocupar o lugar de proeminência.
Tal circunstância, igualmente, aproxima-nos do Senhor, pois sempre o temos como centro de nossas vidas.
– A participação digna na ceia do Senhor é a declaração de que estamos em comunhão com o Senhor e com a Sua Igreja, é uma solene demonstração de que estamos diante de Cristo cumprindo o seu mandamento de nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou e de estarmos, assim, em plenas condições de adentrar aos portões celestiais quando Ele vier, vinda que é anunciada na ceia. É a celebração da unidade de Cristo com o Seu corpo.
– Temos de nos fortalecer no Senhor e, para tanto, temos de nos aproximar a cada dia d’Ele, pois, como diz Asafe, bom é nos aproximarmos de Deus (Sl.73:28) e, quando nos distanciamos d’Ele, diz este mesmo salmista, estamos nos arriscando a nos destruir espiritualmente (Sl.73:27).
– Quando nos aproximamos de Deus, alcançamos fortalecimento. Muitos se queixam, em nossos dias, da fragilidade espiritual de muitos que cristãos se dizem ser, de como tem havido muitos fracassos nesta batalha contra as hostes espirituais da maldade e tudo isto nada mais é que decorrência da falta de fortalecimento no Senhor.
Estamos, muitas vezes, adotando evangelhos que põem o homem no centro, esquecendo-nos de que somente poderemos ter alguma chance de vitória na batalha espiritual se nos fortalecermos no Senhor.
– Uma das armadilhas lançadas pelo inimigo nesta guerra é, precisamente, o chamado “antropocentrismo”, ou seja, a colocação do homem no centro das preocupações e das atitudes de cada ser humano.
Tudo tem sido feito segundo a lógica humana e para agradar aos homens e, quando enveredamos por este caminho, estaremos fadados ao fracasso, pois quem buscar agradar aos homens não pode agradar a Deus (Gl.1:10).
– O Pacto de Lausanne, que foi um documento que muito bem retratou a batalha espiritual, já dizia que esta colocação do homem no centro é uma terrível arma satânica, “in verbis”:
“…percebemos a atividade no nosso inimigo, não somente nas falsas ideologias fora da igreja, mas também dentro dela em falsos evangelhos que torcem as Escrituras e colocam o homem no lugar de Deus. …” (item 12).
– Paulo bem mostra a limitação do homem e a impossibilidade de nos firmarmos nele para termos alguma salvação, ao afirmar peremptoriamente: “sempre seja Deus verdadeiro e todo o homem mentiroso” (Rm.3:4).
Davi já afirmara que “os homens de classe baixa são vaidade e os homens de ordem elevada são mentira, pesados em balanças, eles juntos são mais leves do que a vaidade” (Sl.62:9).
– Como podemos, então, pôr o homem no centro de nossas atenções e procurar construir uma vida espiritual estribada num ser que “é mais leve do que a vaidade”?
Além do mais, lembremos que nenhuma batalha, nenhuma guerra pode ser vencida se não estivermos devidamente armados e tivermos mais força do que o adversário, como deixou o Senhor Jesus bem claro ao falar que um rei que sabe que seu inimigo é mais poderoso, em vez de fazer guerra, prudentemente busca a paz (Lc.14:31,32).
– No entanto, esta hipótese da trégua, da busca da paz inexiste na batalha espiritual, pois o diabo, cujo interior é de violência (Ez.28:16), é irrecuperável e mentiroso, o pai da mentira, homicida desde o princípio (Jo.8:44) e, deste modo, jamais aceita poupar o ser humano da destruição que lhe deseja.
– Ora, o homem é inferior a Satanás (Sl.8:5), pois os seres humanos foram feitos pouco menores do que os anjos e o diabo tem o poder de enganar o homem (Ap.12:9; 20:8,10), de sorte que, se formos tentar nos fortalecer espiritualmente buscando agradar ao homem, estaremos à mercê do inimigo, com força menor e, como a alternativa da paz inexiste, seremos fragorosamente derrotados na batalha espiritual.
– Por isso mesmo, o apóstolo João foi claro ao afirmar que maior é o que está conosco do que o que está no mundo (I Jo.4:4), a nos mostrar que o segredo de nossa vitória sobre as hostes espirituais da maldade é o fato de sermos morada de Deus no Espírito (Ef.2:22), de sermos morada do Pai e do Filho (Jo.14:23) e templo do Espírito Santo (I Co.6:19).
Só Deus é superior aos anjos e, portanto, sem nos fortalecermos no Senhor, estaremos a assinar nossa sentença de morte espiritual nesta batalha.
– Nosso comentarista faz questão de reforçar que a expressão “fortalecei-vos” está na voz passiva no texto grego, a demonstrar, portanto, que o agente do fortalecimento não é o salvo, mas o próprio Senhor que transmite esta força, este poder àqueles que O buscam, àqueles que reconhecem a sua própria pequenez.
Por isso mesmo, o apóstolo, ao falar deste fortalecimento, utiliza-se da expressão “força do Seu poder”, que é uma repetição da ideia de fortalecimento que demonstra que o poderio, a força e o domínio estão com o Senhor e não com os Seus servos.
– Isto já basta para verificarmos quão equivocados são os ensinamentos da “teologia da batalha espiritual” que reforçam o papel humano nesta guerra contra as hostes espirituais da maldade, criando mecanismos, subterfúgios pelos quais o homem poderia superar os demônios. Nada mais falso! Dependemos inteiramente do Senhor e da “força do Seu poder”.
– Por isso mesmo, o apóstolo, então, mostra a necessidade que temos de nos revestir da armadura de Deus. É Deus quem nos fornece as armas e sem elas nossa luta será inútil.
Assim como o soldado romano, embora pertencesse a uma força invencível no seu tempo, nada poderia contra o inimigo se não estivesse devidamente armado, também nós nada conseguiremos em nosso embate contra as hostes espirituais da maldade se não estivermos revestidos da armadura de Deus.
Note que o texto fala de “revestimento”, a nos ensinar, portanto, que, antes de mais nada, temos de estar vestidos e estas vestes outras não são senão as vestes de salvação (Is.61:10), de justiça dos santos (Ap.19:8).
– Não discorreremos sobre a armadura de Deus, pois há uma lição exclusiva para dela tratarmos, mas o seu revestimento é absolutamente necessário para que sejamos vencedores.
Entretanto, são armas fornecidas por Deus, não criadas ou planejadas pelo homem. Lembremos sempre disto!
– Sem a armadura de Deus, diz o apóstolo, não poderemos estar firmes contra as astutas ciladas do diabo. E aqui advém mais um fator que nos impede de nos utilizarmos do homem como base de nossa luta: o diabo é astuto e está sempre a armar ciladas contra os homens.
– Ora, Satanás bem conhece as coisas que são dos homens (Mt.16:23) e, por isso, quando quisermos lutar contra ele usando de argumentos racionais, de estratégias humanas, seremos sempre envolvidos por ele em suas armadilhas, em suas ciladas.
Assim como os caçadores capturam suas presas fazendo uso das necessidades já sabidamente existentes nelas, de igual maneira o diabo, conhecendo como conhece o ser humano, faz uso de suas necessidades para engodá-los e obter a sua destruição espiritual.
– Por isso, raciocinar humanamente e montar estratégias com base na lógica humana para enfrentar o diabo, nada mais será do que se tornar presa fácil do inimigo, que é astuto, o mais astuto dos seres criados por Deus (Gn.3:1) e certamente nos enganará e nos fará desviar do caminho da salvação.
– A firmeza contra as astutas ciladas do diabo depende de, primeiramente, termos estas vestes de salvação e de justiça;
segundamente, estarmos revestidos da armadura de Deus e, terceiramente, estarmos em “plena forma espiritual” para saber lutar devidamente armados, “forma espiritual” que se conquista pela oração e pela vigilância (Ef.6:18).
II – O SIGNIFICADO DE “CARNE E SANGUE”
– O apóstolo, então, faz questão de mostrar aos efésios que “não temos que lutar contra a carne e o sangue” (Ef.6:12).
– A expressão “a carne e o sangue” aparece por cinco vezes nas Escrituras Sagradas, ao menos na Versão Almeida Revista e Corrigida (ARC).
A primeira delas é em Dt.12:27, quando Moisés está a tratar a respeito dos sacrifícios, quando é dito que os holocaustos deveriam ser oferecidos, devendo a carne e o sangue serem oferecidos no altar do Senhor, com o derramamento do sangue no altar e a carne, comida, quando se tratar de voto.
– Nesta primeira menção de “carne” e de “sangue”, temos o significado próprio, literal das expressões, pois se está a falar do sangue e da carne dos animais.
O sangue, que não poderia jamais ser alimento, deveria ser derramado, enquanto a carne, por se tratar de voto, poderia servir de alimento.
– Já aqui, porém, vemos que a utilização da expressão “carne e sangue” está a se referir ao aspecto puramente físico e material do sacrifício.
Para fazer o que é reto aos olhos do Senhor (Dt.12:25), o ofertante deveria levar o animal ao altar e ali se faria uma distinção entre o sangue e a carne da vítima, com o sangue sendo derramado no altar e a carne consumida.
Fala-se, pois, de uma dimensão física, que tinha significado espiritual, mas de uma atitude puramente material a ser tomada pelo ofertante.
– A segunda vez que temos “carne e sangue” é em Mt.16:17, quando estamos diante da famosa “declaração de Cesareia”, quando Pedro, por revelação do Pai, disse que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus vivo.
Quando Pedro fez esta declaração, o Senhor Jesus disse que tal revelação não era da “carne e do sangue”, mas do Pai.
– Vemos aqui, mais uma vez, que a expressão “carne e sangue” tem o sentido de algo físico, material, humano.
Cristo quis deixar bem claro a Pedro que aquilo não tinha sido produto de sua inteligência, de seu raciocínio, de sua lógica, mas, sim, algo sobrenatural, vindo diretamente do Pai, pois somente de modo sobrenatural se poderia reconhecer que Cristo era o Filho de Deus vivo.
– Tanto assim é que, depois, o mesmo Pedro, querendo compreender o fato de Cristo ser o Filho de Deus vivo à luz da lógica humana, repudiou o que Jesus começou a falar a respeito de Sua missão, de como haveria de ser morto e como ressuscitaria, fazendo-se, então, presa fácil de Satanás que, de forma episódica, usou de Pedro para tentar demover o Senhor de Seu propósito.
– “Carne e sangue”, portanto, representa aqui algo físico, material, humano, terreno, natural, algo muito aquém da dimensão espiritual.
– A terceira ocorrência da expressão “carne e sangue” encontra-se em I Co.15:50, quando o apóstolo Paulo está a falar a respeito da ressurreição e do arrebatamento da Igreja.
Aqui o apóstolo diz que “a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herda a incorrupção”.
– Paulo está a fazer um paralelo entre o terreno e o celestial, entre o espiritual e o animal.
Neste paralelo, “carne e sangue” aparecem, então, como algo relacionado ao terreno e ao animal, algo que corresponde ao que é corruptível, ao que se desfaz, ou seja, à dimensão do Universo físico, que é algo que irá, um dia, desaparecer, que é passageiro, efêmero e temporário, ao contrário do que é celestial e espiritual, que é incorruptível, que é eterno e duradouro.
– Mais uma vez, portanto, vemos que “carne e sangue” designa aquilo que é terreno, material, aquilo que não tem relação com o espiritual, que é físico, que é da dimensão humana, algo que nada tem que ver com a eternidade ou a espiritualidade de alguém.
– A quarta ocorrência da expressão “carne e sangue” nas Escrituras é a do texto que está explicitamente ligada com a temática da batalha espiritual, ou seja, Ef.6:12, onde o apóstolo diz que não lutamos contra “a carne e o sangue”, mas, sim, contra os principados, as potestades, os príncipes das trevas destes séculos, as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais”.
– Tem-se, aqui, de novo, uma distinção entre o que é terreno e puramente humano e o que é espiritual e sobrenatural, algo que está além da dimensão destas coisas desta vida, daquilo que está “debaixo do céu”, para se utilizar da expressão corriqueira no livro de Eclesiastes que trata exatamente desta dimensão aqui representada como “carne e sangue”.
– A quinta ocorrência em que se tem a expressão “carne e sangue” é Hb.2:14, onde o autor da epístola diz que “como os filhos participam da carne e do sangue, também Ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo”.
– O escritor está a falar, nesta passagem, a respeito da encarnação de Jesus Cristo, mostrando que Ele escolheu Se fazer homem para em tudo se fazer semelhante aos homens que iria salvar, já aludindo aqui à compaixão que é uma condição “sine qua non” para se exercer o sumo sacerdócio, como anunciará na sequência da epístola.
– “Participar da carne e do sangue”, portanto, significa “humanizar-se”, “submeter-se à dimensão terrena”, o que inclui, inclusive, a morte física, uma marca do caráter efêmero desta dimensão, da sua temporariedade, um caráter distintivo com o que é espiritual e permanente.
– Mais uma vez temos, portanto, a ideia de “carne e sangue” como algo distinto do espiritual, do eterno e do perene.
III – A LUTA É ESPIRITUAL
– O apóstolo Paulo deixa bem claro, portanto, que a luta que se denomina “batalha espiritual” não é algo que esteja na dimensão puramente terrena, um conflito que se explique ou siga parâmetros humanos, que seja entendido com base em dados científicos ou filosóficos, é uma “batalha sobrenatural” que, deste modo, não pode ser compreendida ou travada com as “coisas dos homens”, mas tão somente com as “coisas de Deus”.
– Paulo, ao escrever a segunda carta aos coríntios, já havia enfrentado esta temática, ao defender a sua autoridade apostólica, lembrando aos crentes de Corinto que ele
“…não militava segundo a carne, porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus, para destruição das fortalezas, destruindo os conselhos e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo” (II Co.10:3,4).
– O apóstolo dizia que sua militância cristã, ou seja, seu ministério, sua luta diária em prol do Evangelho, não era algo que se baseava em conceitos humanos, mas, sim, algo que era empreendido de forma sobrenatural, com “armas poderosas em Deus para destruição das fortalezas”.
– Como afirma o comentarista bíblico Matthew Henry:
“…A obra do ministério é uma batalha, não segundo a carne, porque é uma batalha espiritual, com inimigos espirituais e com propósitos espirituais.
E embora os ministros caminhem na carne, ou vivam no corpo, e nos afazeres normais da vida ajam como outros homens, no entanto, no seu trabalho e batalha não devem agir de acordo com os axiomas da carne, nem devem intentar agradar a carne: ela deve ser crucificada com suas paixões e desejos.
Ela deve ser mortificada e reprimida(…) O método do evangelho não é a força externa, mas a forte persuasão, pelo poder da verdade e a brandura da sabedoria” (Comentário bíblico Novo Testamento – Atos a Apocalipse. Trad. de Luis Aron, Valdemar Kroker e Haroldo Janzen, p.535).
– Paulo tinha consciência que, ao pregar o Evangelho, o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm.1:16), ele estava a incomodar forças espirituais, que ele denomina de “fortalezas”.
Que é uma “fortaleza”? A palavra grega aqui envolvida é “ochyroma” (οχύρωμα), que significa “um castelo”, “um lugar forte”, ou seja, uma estrutura feita para trazer proteção a um lugar, a uma cidade, contra os ataques dos inimigos.
– O apóstolo, então, dá-nos a ideia de que existem, no mundo, “fortalezas”, ou seja, estruturas espirituais criadas pelo diabo e seus anjos que pretendem deixar as pessoas “protegidas” da pregação do Evangelho, ou seja, são criados obstáculos de origem espiritual para que as pessoas não acolham a mensagem da salvação na pessoa de Cristo Jesus.
– Partindo desta afirmação do apóstolo, a “teologia da batalha espiritual” passou a entender que estas “fortalezas” seriam seres angelicais malignos que impediriam a pregação do Evangelho em um determinado lugar, um “espírito territorial” que, então, deveria ser desalojado para que a obra de Deus tenha seguimento, não tenha oposição.
– Não é disto que fala o apóstolo. Ele diz que há, sim, “fortalezas”, mas não se pode dizer que tais “fortalezas” sejam “seres espirituais”, podendo ser, por exemplo, estruturas sociais, culturais, políticas criadas pelo maligno para tornar difícil a penetração do Evangelho, os chamados “elementos pecaminosos” de uma determinada cultura.
– Uma vez mais recorremos ao comentarista bíblico Matthew Henry:
“…[1] A oposição que é feita contra o evangelho pelos poderes do pecado e de Satanás nos corações dos homens.
Ignorância, preconceitos, desejos luxuriosos são fortalezas de Satanás na alma de alguns; imaginações vãs, raciocínios carnais e pensamentos elevados ou conceitos orgulhosos se levantam “…contra o conhecimento de Deus”.
Ou seja: Por esses caminhos é que o Diabo se empenha em manter os homens afastados da fé e obediência ao evangelho e assegura a posse do coração dos homens, como sua casa ou propriedade.
Mas, então, observe: [2] A conquista que a Palavra de Deus alcança. Essas fortalezas são destruídas pelo evangelho como o meio, sendo que a graça e o poder de Deus a acompanham como a causa eficiente principal. Observe: A conversão da alma é a subjugação de Satanás nessa alma.…” (ibid.).
– Quando sabemos que a luta não é contra a carne nem contra o sangue, temos de ter consciência que a origem destas estruturas encontradas e que prejudicam a disseminação do Evangelho não são fruto de leis ou fenômenos que podem ser explicados pela ciência ou discutidos pela filosofia, mas elementos de ordem espiritual que assim devem ser considerados.
– O apóstolo tinha este conhecimento, tanto que, ainda falando aos coríntios, fez questão de dizer que, na sua pregação, não usava dos muitos conhecimentos filosóficos e científicos que possuía, pois era pessoa de grande erudição, mas fazia questão de pregar com o poder do Espírito Santo (I Co.2:4-10).
– Por isso, devemos dar o devido contexto a afirmações como a do item 18 do Manifesto de Manila de 1989, “in verbis”:
“Afirmamos que é nosso dever estudar a sociedade na qual vivemos a fim de entender suas estruturas, seus valores e suas necessidades, e desta maneira, desenvolver uma estratégia apropriada para a missão”.
Não se está aqui defendendo o anti-intelectualismo, mas apenas se deve entender que a compreensão humana destes fenômenos é insuficiente, pois é preciso, antes, compreender que tudo quanto impede a evangelização tem origem espiritual, pois não se luta contra “carne e sangue”, mas, sim, contra as “fortalezas”.
– Estas armas mencionadas pelo apóstolo, além de destruir as fortalezas, também destroem os “conselhos e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus”.
“Conselhos” aqui é a palavra grega “logismos” (λογισμός), cujo significado é de “cálculo, raciocínio, imaginação, pensamento, recursos contra Deus”.
– Aqui já temos uma ação maligna mediata, ou seja, as forças espirituais fazem surgir “estudiosos”, “especialistas”, “pensadores” que justificam, por meio de raciocínios lógicos, tudo quanto é contrário à Palavra de Deus, tudo quanto é contrário à vontade divina.
Tem-se aqui o que o apóstolo chama de “falsa ciência” em I Tm.6:20, algo que temos contemplado claramente em nossos dias, com um mundo acadêmico impregnado de um sentimento anticristão e antibíblico.
– Quando enfrentamos este tipo de atitude, não devemos, também, querer lutar puramente no campo do debate acadêmico, ainda que saibamos que, no mais das vezes, as posições tomadas por estes “conselhos” sejam deficientes do ponto-de-vista científico e filosófico, já que não se pode querer defender a falsidade com argumentos relacionados à busca da verdade.
O fato é que tais “conselhos” são provenientes de uma influência espiritual maligna, tem nascedouro neste domínio das hostes espirituais da maldade, de sorte que o enfrentamento de tais pensamentos não pode jamais se limitar ao ambiente terreno ou humano, mas tem de fazer uso das “armas espirituais”, como fazia o próprio apóstolo.
– Mas, além dos conselhos, também estas armas destroem a “altivez”, que é palavra grega “hypsoma” (ύψωμα), “uma coisa elevada, “uma barreira”.
Temos aqui mais um obstáculo levantado com origem maligna para a propagação do Evangelho numa dada sociedade, que é uma “barreira contra o conhecimento de Deus”, barreira esta que é o resultado seja dos “elementos pecaminosos culturais” que são as “fortalezas”, sejam os “conselhos”, que é a produção intelectual avessa às coisas de Deus.
– Precisamos, assim, de ter o poder de Deus para poder entender tais estruturas e sua origem sobrenatural para, então, orientados pelo Espírito Santo, em demonstração do Espírito e de poder, usarmos as armas espirituais e destruirmos todas estas construções edificadas pelas hostes espirituais da maldade junto aos homens, homens que estão sob o domínio de Satanás e que fazem parte do mundo, este sistema organizado espiritual que representa um empecilho para a instalação do reino de Deus.
– As armas espirituais utilizadas pelo apóstolo fazem com que “todo entendimento seja levado cativo à obediência de Cristo” (II Co.10:5), ou seja, a pregação do Evangelho tem de ter como alvo a mente, o pensamento do ouvinte, é preciso que rompamos a “cegueira espiritual” que o deus deste século impôs aos homens, os “propósitos, os planejamentos e as idealizações em sentido negativo”, pois é este o significado da palavra grega aqui empregada, “noema” (νόημα).
– Faz-se preciso fazer surgir um “novo homem”, um homem nascido de novo, que possa enxergar a realidade espiritual (Jo.3:3),
alguém nascido do Espírito (Jo.3:6),
gerado pela semente incorruptível da Palavra de Deus (I Pe.1:23),
nascido de Deus (I Jo.3:9),
alguém liberto do pecado por Cristo (Jo.8:36) e que, então, transformado, poderá gerar uma nova sociedade, uma sociedade mais consentânea aos ditames divinos.
– A pregação do Evangelho tem como objetivo levar este “entendimento cativo à obediência de Cristo” e o que é esta “obediência”? É a submissão, o ouvir com atenção, i.e., o atendimento, o cumprimento da vontade de Cristo em nossas vidas.
Quando cremos no Evangelho, passamos a fazer a vontade de Deus, passamos a agir como os anjos fiéis, que, nos céus, cumprem as ordens do Senhor, obedecem à voz da Sua Palavra e executam Seu beneplácito (Sl.103:20,21).
– Em outras palavras, as armas espirituais utilizadas na pregação do Evangelho libertam os “oprimidos do diabo” (At.10:38), fá-los receber uma nova natureza, que os torna com as mesmas atitudes dos anjos de Deus, implantando, desde já, o reino de Deus entre nós, o domínio do Senhor no meio dos homens, reino que já foi instaurado, mas ainda não está consumado.
– Notamos, portanto, que são equivocados dois ensinamentos que são dados a respeito deste tema.
O primeiro é de que devemos, primeiro, retirar as “fortalezas” para poder pregar o Evangelho, sejam estas “fortalezas” “espíritos territoriais” ou “estruturas sociais injustas”, o chamado “pecado social”.
Trata-se de um pensamento que é, como diz o povo, “colocar os carros adiante dos bois”, uma inversão inadmissível. É o evangelho, poder de Deus para salvação de todo aquele que crê, que destruirá as “fortalezas”, que são consequência de um estado de pecaminosidade.
Enfrenta-se a causa, que é o pecado, e, libertando-se o homem do pecado (e quem liberta é Cristo, a ser anunciado pela proclamação do Evangelho – At.8:5; I Co.1:2), haveremos de também derrubar tais estruturas instaladas pelo mundo, mundo este que está no maligno ( I Jo.5:19).
– O segundo falso ensinamento é o de que podemos prescindir do revestimento de poder para efetuar a evangelização.
A evangelização é um ataque frontal a estruturas espirituais que estão por detrás de toda uma cultura, de toda uma organização social, de modo que não se pode evangelizar sem que se esteja de posse de armas espirituais, de modo que dados científicos, conhecimentos humanos são, sim, importantes para que possamos saber em que ambiente estamos, mas absolutamente insuficientes para realizarmos a contento a obra que nos foi confiada.
– Por isso, o Senhor Jesus vivia em constante oração, sempre cuidando de Sua espiritualidade para poder empreender a Sua missão e, também, mandou que os Seus discípulos ficassem em Jerusalém até que fossem revestidos de poder para dar continuidade a tal tarefa e isto não se limitou aos tempos apostólicos, mas é uma necessidade que prossegue até o dia em que o Senhor vier nos buscar.
– Tomás de Aquino resume este texto afirmando que as armas espirituais têm um triplo efeito: a confusão dos rebeldes, que tem seus planos astutos destruídos bem como são humilhados em sua soberba; a conversão dos infiéis à fé, que é a redução ao cativeiro do entendimento à obediência de Cristo e, por fim, a correção dos pecadores, que é a “vingança de toda a desobediência quando for cumprida a obediência (II Co.10:6), ou seja, a destruição da desobediência.
OBS: Eis a interpretação de Tomás de Aquino do texto em comento: “O primeiro efeito é que os rebeldes são confundidos com as mesmas armas. E quanto a isso ele diz: destruir fortalezas, como se dissesse:
Felizmente, os poderes em Deus são para destruir os rebeldes. Para que ele seja capaz de instruir na sã doutrina e repreensão, etc. (Tt. 1:9).
Eu te dou autoridade para destruir e derribar (Jr.1:10). Agora, alguns são fortalecidos contra Deus de duas maneiras. Alguns com planos inteligentes, como são os tiranos, que, com seus planos malignos de destruir as coisas que são de Deus para prevalecer sobre elas.
E quanto a isso, ele diz: destruindo planos, os planos dos tiranos. Quem pega o sábio com suas próprias redes (Jó 5:13).
Outros pelo orgulho ou excelência de seu próprio talento. E quanto a isso diz: e toda a arrogância de seu orgulho. Não ambicioneis coisas altas (Rm.12:6), isto é, soberba.
Ou melhor, a profundidade da compreensão de juristas e filósofos. Nem o que é mais alto nem mais profundo (Rm.8:39).
(Ai de vós, que são sábios aos vossos olhos) (Is.5:21) É a altivez, eu digo, que se revolta contra a ciência de Deus, isto é, contra a fé, que é a ciência de Deus, porque impugnam as coisas que são de Deus, ou seja, o parto da Virgem e outras coisas admiráveis de Deus.
Cheia está a terra da ciência de Deus (Is.11:9). Eles não têm conhecido as profundezas de Satanás (Ap.2:4) Não queira saber mais profundamente, mas teme (Rm.11:20).
O segundo efeito é a conversão dos infiéis à fé. E quanto a isso ele diz: e reduzimos todo entendimento ao cativeiro: o que ele certamente faz quando o homem sabe que se subordina totalmente ao serviço de Cristo e da fé. Prender com os cadeias os seus reis e os seus nobres com grilhões de ferro (Sl.149:8).
Coloque seus pés em seus grilhões e seu pescoço em seus arcos, isto é, nos ensinamentos da fé (Eclo. 6.25). O terceiro efeito é a correção dos pecadores.
E quanto a isso, ele diz: E estamos dispostos, isto é, com um espírito resoluto e livre para punir toda a desobediência. Espadas de dois gumes vibrarão em suas mãos (Sl.149:6).
E isso será quando a vossa obediência for perfeita, quando vós fordes perfeitamente obedientes, porque se vós quiserdes obedecer, não haverá lugar para punirmos a desobediência dos outros ou de vós.
Ou então nós vos puniremos em obediência quando vossa desobediência estiver completa, isto é, então vossa desobediência será destruída; porque os opostos se curam com os opostos.…” (Segunda aos Coríntios, capítulo 10. Lectio 1: II Co.10:1-6. n.35. Citações de Ii Co.10:1-18. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/index.htm Acesso em 16 nov. 2018) (tradução de texto em espanhol pelo Tradutor Google, com adaptações nossas).
– O apóstolo Paulo implantou igrejas em lugares impregnados de idolatria e de feitiçaria, como Corinto e Éfeso, por exemplo, e, em momento algum, em sua constante batalha espiritual, utilizou-se de subterfúgios para “afugentar espíritos territoriais” ou se preocupou em “transformar a sociedade antes de anunciar o reino de Deus”.
Muito pelo contrário, dirigido pelo Espírito Santo, começou a pregar Cristo, e Este crucificado, em demonstração do Espírito e de poder e, com isto, fez com que multidões fossem libertas do pecado, que as ações demoníacas cessassem e que mudanças ocorressem nas cidades onde estava a evangelizar.
– É isto que devemos fazer na obra do ministério. Pregar a Cristo, saber que esta pregação deve ser feita com demonstração do Espírito e de poder, estando preparado para enfrentar as hostes espirituais da maldade, pois tais atitudes levarão, sim, à libertação das almas e, posteriormente, à mudança da sociedade.
Nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra as hostes espirituais da maldade, que são enfrentadas não com estratégias humanas, mirabolantes, mas com a plenitude do Espírito Santo em nossas vidas.
Ev. Caramuru Afonso Francisco
Fonte: http://www.portalebd.org.br/classes/adultos/3590-licao-8-nossa-luta-nao-e-contra-carne-e-sangue-i