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APÊNDICE Nº 1 – OUTRAS LINHAS DE INTERPRETAÇÃO SOBRE AS PROFECIAS DE DANIEL E SUA REFUTAÇÃO

apêndice 01

As profecias de Daniel devem ser interpretadas como sendo dirigidas a Israel e a sua redenção.    

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Texto áureo “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para extinguir a transgressão, e dar fim aos pecados, e para expiar a iniquidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santo dos santos.” (Dn.9:24).

INTRODUÇÃO

– Em complemento a este trimestre letivo em que estamos a estudar o livro de Daniel, apresentaremos outras linhas de interpretação das profecias daquele livro, que tantos equívocos têm trazido aos estudiosos da Bíblia Sagrada.

– As profecias de Daniel devem ser interpretadas como sendo dirigidas a Israel e a sua redenção.

I – O SIGNIFICADO DO MINISTÉRIO DO PROFETA DANIEL E A REPERCUSSÃO NA INTERPRETAÇÃO DE SUAS PROFECIAS  

– Em complemento a este trimestre letivo em que estamos a estudar o livro do profeta Daniel, entendemos ser oportuno verificarmos algumas linhas de interpretação que, ao longo da história da Igreja, têm sido criadas para que se entendam as profecias ali contidas.

– Esta diversidade de interpretação do livro de Daniel, que se compreende pela própria diversidade de entendimento que há com relação à escatologia bíblica (doutrina das últimas coisas), tem causado muita confusão doutrinária, motivo pelo qual, de bom alvitre, apresenta-las e refutá-las biblicamente, para que não venhamos, por conta disto, a sermos enganados por falsas doutrinas.

– Conforme temos visto ao longo deste trimestre letivo, o livro do profeta Daniel deve ser entendido como uma ação divina não só em relação a Daniel mas a todo o povo de Judá, no sentido de que os judaítas não perdessem a esperança messiânica, não achassem que, com o cativeiro da Babilônia, Deus tivesse perdido o controle da história ou não houvesse mais condição de se cumprirem as promessas e profecias atinentes à redenção de Israel e à vinda do Messias.

– A perda da Terra Prometida, a destruição de Jerusalém e do templo eram, sem dúvida, episódios que poderiam abalar a esperança de Israel na vinda do Messias e no estabelecimento do reino de justiça e paz que eram vaticinados por profetas como Isaías e Miqueias, entre outros. Além do mais, o juízo divino lançado sobre Judá veio logo após a tentativa de reforma religiosa de Josias, no meio da qual surgiu um remanescente fiel ao Senhor, de que Daniel e seus amigos foram os principais representantes.

– Precisamente para que não houvesse, diante de tantas adversidades e da aplicação da máxima punição prevista para o povo de Israel na lei de Moisés, qual seja, o exílio (Dt.28:64,65), um desânimo a respeito das promessas de Deus para Israel, o Senhor levanta Daniel e Ezequiel no exílio para, através deles, manter viva a esperança messiânica, revelando o futuro do povo de Israel, não só para reafirmar o quanto já fora profetizado anteriormente, mas, também, para mostrar que Deus tem o absoluto controle da história da humanidade.

– Assim, é elucidativo que, logo no início de seu livro, Daniel tenha deixado bem claro que fora o Senhor quem entregara o rei Jeoiaquim nas mãos de Nabucodonosor (Dn.1:2), querendo, com isso, deixar o leitor bem certo de que, apesar da catástrofe que fora o cativeiro, nada havia sido feito sem a permissão do Senhor, tudo continuava sobre o controle do único e verdadeiro Deus.

– Este ponto é fundamental pois a perspectiva do livro do profeta Daniel é, portanto, a revelação ao povo de Israel do seu futuro, a fim de demonstrar que, apesar da perda da Terra Prometida e, o que é talvez mais relevante, o término do reino de Judá e a consequente perda de poder da casa de Davi, de onde sairia o Messias, não era algo que se tivesse feito fora do controle divino e não significaria a impossibilitação do cumprimento das promessas e profecias existentes.

– Para tanto, o Senhor levantou Daniel para que, na condição de estadista e profeta, ele próprio vivenciasse o início do cumprimento das próprias revelações que teria a respeito do futuro de Israel, bem como deixasse registrado o que estava ainda por vir, a fim de que, ao longo dos séculos, o povo judeu mantivesse a esperança na vinda do Messias, ainda que não mais desfrutando de independência política.

– O livro do profeta Daniel, pois, deve ser tratado sob esta perspectiva, a saber, a da revelação do futuro de Israel à luz do sistema mundial de poder, diante das nações existentes no globo terrestre, nações estas que estavam, assim como Israel, sob pleno domínio do Senhor e que teria um desenvolvimento tal que levaria ao estabelecimento do reino messiânico, que, ao contrário do que pensavam os israelitas, não só abrangeria Israel mas todo o mundo.

– Dentro desta perspectiva, vemos que, no livro de Daniel, temos o envolvimento de dois dos três povos existentes sobre a face da Terra, ou seja, o envolvimento dos gentios, que são as nações surgidas da dispersão gerada com o episódio da torre de Babel (Gn.11:1-9), e dos judeus, povo formado a partir da chamada de Abrão e que, mesmo perdendo a Terra Prometida, ainda que momentaneamente, não havia sido abandonado por Deus, mantendo a sua condição de “propriedade peculiar de Deus dentre os povos” (Ex.19:5).

– No livro de Daniel, portanto, não temos, apesar de ser um livro voltado para o futuro, qualquer presença da Igreja, que seria o terceiro povo a surgir sobre a face da Terra, como resultado da obra expiatória de Cristo na cruz do Calvário (Mt.16:18). A Igreja não foi revelada a Daniel e os fatos que cercam suas profecias não a compreendem.

– Este é um elemento importantíssimo para que haja a refutação de algumas linhas de interpretação que surgiram ao longo da história a respeito do livro de Daniel. Todas estas linhas de interpretação incluem a Igreja nas profecias constantes deste livro, gerando a confusão doutrinária de que já falamos supra.

– A revelação das setenta semanas (Dn.9:24-27), que é considerada como a chave da escatologia bíblica, bem demonstra esta característica do livro de Daniel. Esta revelação é uma resposta à oração de Daniel, em que o profeta, após ler as profecias de Jeremias, entendeu que o tempo do cativeiro da Babilônia seria de setenta anos e, portanto, estava na iminência de se encerrar.

OBS: O reverendo Hernandes Dias Lopes entende, em seu livro sobre Daniel, que Daniel fez a oração quando já haviam decorrido 68 anos do cativeiro, “in verbis”: “…Em 586 a.C., Nabucodonozor havia levado Judá para o cativeiro. Daniel foi levado para a Babilônia aos 14 anos. Agora ele tem 82 anos.

Encontramo-nos no ano 536 a.C., o primeiro de Dario, o medo. Daniel orou quando era adolescente (Dn 1), orou com seus amigos (Dn 2.17,18), orava três vezes aodia com as janelas abertas para Jerusalém. Daniel aqui, no capítulo 9, ora. O decreto de Deus era que o cativeiro seria de setenta anos, mas a determinação de Deus passaria pela oração de quebrantamento do Seu povo. Aqueles anos de cativeiro ainda não tinham trazido quebrantamento ao povo.

O sofrimento não o fizera voltar-se para Deus. Daniel não se sentiu desanimado de orar por causa do decreto, ao contrário, ficou mais encorajado para fazê-lo. Daniel permaneceu firme naqueles 68 anos de cativeiro. Foi provado, mas nunca sucumbiu ao pecado. Algumas vezes, preferiu a morte a pecar contra Deus, e Deus o honrou.

 A Babilônia caiu, mas Daniel continuou em pé. Agora, no império medo-persa é o segundo homem mais importante. Nem as provações nem a promoção o corromperam.…” (LOPES, Hernandes Dias. Daniel: um homem amado no céu, p.110).

– Em sua oração, Daniel mostra, com absoluta clareza, que sua preocupação estava voltada com a redenção do seu povo. Pede a Deus perdão pelos pecados do povo, reconhece a justiça divina na determinação do cativeiro, em cumprimento à lei de Moisés, mas pede a misericórdia do Senhor para Israel (Dn.9:4-19).

– Portanto, quando o anjo Gabriel vem trazer a resposta à oração de Daniel, o que está em jogo é o futuro do povo de Israel, era sobre isto que pedia Daniel, tanto que, ao revelar-se que estavam determinadas setenta semanas, o ser angelical é bem claro ao dizer que estas setenta semanas estavam determinadas para o povo de Israel, para a cidade de Jerusalém e que, ao término deste período, se daria a redenção de Israel (Dn.9:24).

– Em sendo assim, tal revelação diz respeito tão somente a Israel, ao plano de Deus para a sua redenção, não se podendo, portanto, daí extrair coisa alguma a não ser isto, motivo pelo qual deve ser refutada toda e qualquer interpretação que, em tal revelação, inserir a Igreja.

– É este o principal e fundamental equívoco que cometem três linhas de interpretação que têm sido utilizadas para o livro do profeta Daniel e que serão, ainda que sucintamente, analisadas neste apêndice, a saber: a linha milerita ou historicista, adotada pelos adventistas; a linha preterista, adotada pelos amilenistas e a linha futurista orientalista, já existente no final da Idade Média e início da Idade Moderna, mas que ressurgiu recentemente, notadamente nos Estados Unidos da América, tendo à frente o estudioso bíblico Joel Richardson.

II – A LINHA DE INTERPRETAÇÃO MILERITA OU HISTORICISTA  

– A primeira linha de interpretação que analisaremos é a chamada “milerita” ou historicista. É chamada de “milerita” porque foi apresentada ao mundo por William Miller (1782-1849). Miller foi o fundador da Igreja Adventista e promoveu um grande avivamento espiritual nos Estados Unidos, precisamente após entender que Jesus voltaria para buscar a Sua Igreja (daí a expressão “adventista”, pois passou a pregar o “Advento”, ou seja, a vinda de Jesus), vinda esta que, segundo ele, se daria no ano de 1843.

– Um dos pontos principais para William Miller “marcar a data da volta de Cristo” foi ter entendido que, nas profecias bíblicas, havia o princípio “dia-ano”, ou seja, cada dia em uma profecia corresponderia a um ano, sendo crucial para ele tal entendimento a revelação das setenta semanas de Daniel, bem como as “duas mil e trezentas tardes e manhãs” mencionadas pelos santos quando da visão do carneiro e do bode (Dn.8:14).

– Temos, pois, que todo o adventismo se desenvolveu a partir de uma interpretação dada a revelações do livro de Daniel, sendo, pois, crucial a este movimento a linha de interpretação adotada por Miller que não foi abandonada pelos adventistas mesmo depois do fracasso de suas teorias, uma vez que o Senhor Jesus não retornou em 1843, nem em 1844, nova data marcada após a correção de “erros de cálculo”.

– Na verdade, o movimento adventista sobreviveu apesar deste fracasso das teorias de Miller graças à “reinterpretação” operada por Ellen Gould White, que considerou que o que Miller considerara ser a volta de Cristo teria sido o ingresso de Jesus no santuário celestial. Ao lado desta “reinterpretação”, Ellen White também inseriu a guarda do sábado como dogma do movimento, dando origem, então, à versão atual da Igreja Adventista, que passou a ser conhecida como Igreja Adventista do Sétimo Dia.

– Mas, retornando ao ponto que nos interessa, a linha de interpretação adotada por William Miller, e até hoje seguida pelos adventistas, foi no sentido de entender que, dentro do princípio “dia-ano” das profecias de Daniel, dever-se-ia entender que as “duas mil e trezentas tardes e manhãs” para a “purificação do santuário” corresponderiam a “dois mil e trezentos anos”, quando, então, seria purificada a Terra, que Miller entendeu ser o santuário, já que, neste período de tempo, não haveria de se cogitar do templo de Jerusalém.

– É por isso que se chama a presente linha de interpretação também de “historicista” ou “histórico continuado”, pois “…aceita o conceito de que as profecias de Daniel e Apocalipse destinam-se a ser reveladas e cumpridas no tempo histórico, isto é, no período decorrido entre os profetas Daniel e João respectivamente, e o estabelecimento final do reino eterno de Deus.

O princípio de dia/ano (um dia simbólico = um ano literal) é parte integral deste método, desde que ele sirva para revelar os períodos de tempo simbólico para que possamos localizar os eventos preditos ao longo da História.…” (INSTITUTO DE PESQUISAS BÍBLICAS DA ASSOCIAÇÃO GERAL DOS ADVENTISTAS. Ellen White e a interpretação de Daniel e Apocalipse. Disponível em: http://centrowhite.org.br/pesquisa/artigos/ellen-g-white-e-ainterpretacao-de-daniel-e-apocalipse-2/ Acesso em 10 out. 2014).

– Pelo que podemos, pois, observar esta linha de interpretação entende que as profecias de Daniel se cumprem ao longo da história, de forma continuada, o que, necessariamente, inclui nas profecias o tempo da Igreja.

– Foi, precisamente, o que fez William Miller ao interpretar a profecia das “duas mil e trezentas tardes e manhãs”, como sendo dois mil e trezentos anos, a terem início nas “setenta semanas”. Miller entendeu que a visão das duas mil e trezentas tardes e manhãs, que Daniel “não teria entendido”, foi explicitada na revelação das “setenta semanas”, que seriam, então, o marco inicial para a “purificação do santuário”.

– Miller, então, viu os 490 anos da revelação das setenta semanas como sendo o início dos “dois mil e trezentos anos”, uma parte que se referiria apenas ao povo judeu e considerou como marco inicial deste período a ordem de Artaxerxes para a reedificação de Jerusalém, que foi datada em 457 a.C., de modo que, segundo o “método histórico contínuo”, as sessenta e nove semanas teriam se cumprido no ano 27 d.C., quando Jesus teria sido batizado por João e recebeu a unção do Espírito Santo, apresentando-se como o Messias.

– Dentro do “método histórico contínuo”, Miller, então, identificou a última semana como sendo o período do ministério terreno de Cristo e a sua continuidade pelos Seus discípulos, até o ano 34 a.C., quando, com o apedrejamento de Estêvão, se teria encerrado a pregação do Evangelho aos judeus, pois este gesto teria representado a rejeição de Cristo pelos judeus. No meio desta última semana, que teria sido o ano 31 d.C., Jesus teria sido crucificado, o que representaria, para Miller, “a cessação do sacrifício e da oferta de manjares”.

– Miller, então, entendia que continuavam a decorrer os 1.810 anos restantes para a “purificação do santuário”, o que levava ao ano de 1844 a data da volta de Cristo que, posteriormente, Ellen White interpretou como sendo a “entrada de Cristo no santuário celestial” e o início do “juízo investigativo” antes da volta de Cristo.

– Como se pode perceber, portanto, este método adotado por William Miller envolve a Igreja nas profecias de Daniel, o que é inadmissível. Como se não bastasse isso, há uma nítida confusão entre a visão do carneiro e do bode e a revelação das setenta semanas, como se esta última fosse a explicação daquela primeira. Daniel, evidentemente, não entendeu o que significava a visão destas tardes e manhãs, mas o anjo mandou que ele cerrasse a visão, que se cumpriria apenas no futuro (Dn.8:26).

– A revelação das setenta semanas foi uma resposta à oração de Daniel atinente à redenção do seu povo, nada tendo que ver com a visão do carneiro e do bode. Será em outra visão, constante dos capítulos 11 e 12, que será revelado ao profeta a questão atinente a estas tardes e manhãs, não na revelação das setenta semanas e, mesmo assim, ainda de forma enigmática, pois o completo desvelar disto estaria a cargo de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo na revelação que daria a João na ilha de Patmos.

– A linha historicista não pode ser acolhida porque confunde o plano de Deus para a redenção de Israel com a Igreja. A adoção do princípio “dia/ano” foi feito de forma equivocada, uma vez que nem sempre “dias” nas Escrituras significam “anos”, mesmo em escritos proféticos. As “duas mil e trezentas tardes e manhãs”, como bem explica o pastor Antonio Gilberto, “…Literalmente, são 1.150 tardes mais 1.150 manhãs, o que equivale há 1.150 dias, porque uma tarde e uma manhã eram um dia no sistema judaico de contar os dias (Gn 1.5).

(…) 1.150 dias são três anos e meses, isto é, o tempo decorrido entre a profanação do templo por Antíoco, e sua purificação por Judas Macabeu, em 165 a.C.…” (Daniel e Apocalipse: como entender o plano de Deus para os últimos dias, p.42) e que representa o período futuro em que perdurará a “abominação da desolação”  a ser efetuada pelo Anticristo no terceiro templo.

– A revelação das setenta semanas diz respeito à redenção de Israel e este período foi interrompido com a rejeição de Cristo pelos judeus, o que se deu não no apedrejamento de Estêvão, supostamente no ano 34 a.C. (data que não tem como ser confirmada pelas Escrituras), mas, sim, na própria reação adversa à entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, motivo por que o Senhor Jesus chorou sobre a cidade, dizendo que não conhecera ela “o tempo da sua visitação” (Lc.19:44).

– Como se não bastasse isso, o fato é que a data em que foi dada a ordem para a reedificação de Jerusalém foi 1º de Nisã de 445 a.C. e não de 457 a.C., como pensou William Miller, o que faz com que a 69ª semana tenha ocorrido em 10 de Nisã no ano 32 d.C., o que, por si só, desmonta completamente a sequência da linha de interpretação milerita, consoante nos demonstra, com muita precisão, Gavin Finley, em estudo que podemos encontrar em http://endtimepilgrim.org/70wks1.htm, em inglês, inclusive com vídeos a respeito no YouTube.

– A linha de interpretação historicista ou milerita, portanto, confunde as profecias de Daniel com a sequência histórica da humanidade, visando uma suposta “purificação do santuário”, retirando o contexto do livro de Daniel, que é o de manter viva a esperança messiânica e de informar a Israel o seu futuro, num período em que haveria de viver sob governo dos gentios por causa de sua desobediência.

– Os judeus tinham plena consciência de que viveriam servos até a vinda do Messias e, por isso mesmo, esperavam um Messias que os libertasse politicamente. Isto era bem entendido pelos judeus desde o início do cumprimento das setenta semanas, como podemos verificar na oração de Neemias, “in verbis”: “Eis que hoje somos servos, e até na terra que deste a nossos pais, para comerem o seu fruto e o seu bem, eis que somos servos nela. E ela multiplica os seus produtos para os reis, que puseste sobre nós, por causa dos nossos pecados, e conforme a Sua vontade, dominam sobre os nossos corpos e sobre o nosso gado, e estamos numa grande angústia” (Ne.9:36,37).

– Este entendimento, aliás, explica a própria ansiedade dos discípulos de Jesus, após a ressurreição, para a restauração do reino de Israel (At.1:6), ocasião em que o Senhor Jesus deixou bem claro que estas circunstâncias nada tinham que ver com o período da Igreja sobre a face da Terra (At.1:7,8).

– O próprio “desapontamento”, como ficou conhecida a decepção com os cálculos de Miller com o não retorno de Cristo em 1843 ou 1844, bem como a própria criação de doutrinas como a “purificação do santuário celestial”, do “juízo investigativo” e, sobretudo, do próprio sabatismo, são mais do que suficientes para mostrar a total impropriedade desta linha de interpretação das profecias de Daniel.

– É bom observarmos, ademais, que a linha de interpretação milerita não é a única linha de interpretação historicista que se teve notícia. Na verdade, antes mesmo de Miller, houve outras interpretações que cometeram o mesmo equívoco de traçar uma linha contínua histórica nas profecias de Daniel, adentrando no tempo da Igreja, interpretações estas, aliás, que foram parcialmente acolhidas pelos adventistas.

– É o que vemos, por exemplo, nos estudos do físico inglês Sir Isaac Newton (1643-1727), que nos deixou um comentário sobre Daniel e Apocalipse, para o qual a “ponta pequena” da visão do carneiro e do bode é a Roma Papal, que teria exsurgido com poder absoluto após dominar os “dez reinos” em que se dividiu o Império Romano do Ocidente, identificados como sendo os “reinos bárbaros”, interpretação que foi acolhida pelos adventistas, que enxergam no Papado uma das “bestas do Apocalipse”.

OBS: Newton assim identificou os dez reinos: “…Pelas guerras anteriormente discutidas, o Império Romano do Ocidente, ao tempo em que Roma foi cercada e tomada pelos Godos, dividiu-se nos seguintes reinos: 1. dos Vândalos e Alanos, na Espanha e África; 2. dos Suevos, na Espanha; 3. dos Visigodos; 4. dos Alanos, na Gália; 5. dos Burgúndios; 6. dos Francos; 7. dos Bretões; 8. dos Hunos; 9. dos Lombardos;  10. de Ravenos, na Ravena…” (Daniel e Apocalipse, p.46).

 “…Os reis representam os reinos, como já foi dito. Portanto, o pequeno chifre é um pequeno reino. Era um chifre da quarta Besta e arrancou três dos primitivos. Por isso devemos procurá-los entre as nações do Império Latino, depois do aparecimento dos dez chifres. Mas era um reino com um rei diferente dos outros, tendo uma vida ou alma que lhe era peculiar, caracterizada com tendo olhos e boca.

Por seus olhos era, portanto, um Vidente, e por sua boca, falando insolências e mudando os tempos e as leis, era ao mesmo tempo um profeta e um rei. Tal vidente, profeta e rei é a Igreja de Roma.…” (op.cit., p.68).

– Nesta linha de interpretação, que foi tão popular durante a Reforma Protestante (ainda que Calvino, em seu livro sobre Daniel a repudie veementemente), tem-se o mesmo equívoco de se introduzir nas profecias de Daniel o período relativo à Igreja, desconsiderando totalmente a circunstância de que as profecias dizem respeito ao futuro de Israel e dos gentios, na medida em que os judeus estariam sob o domínio gentílico a partir do término do cativeiro da Babilônia.

III – LINHA DE INTERPRETAÇÃO PRETERISTA  

– Outra linha de interpretação adotada para as profecias de Daniel, anterior mesmo à milerita ou historicista, é a chamada “linha preterista”, que foi adotada pelos chamados “amilenistas”, ou seja, aqueles que entendem que não haverá um reino milenial de Cristo e que o “milênio” previsto nas Escrituras Sagradas é um “tempo simbólico” e que se confunde com a própria dispensação da graça, com o tempo da Igreja.

– Esta linha de pensamento, que se cristalizou logo nos primeiros séculos da história da Igreja e que teve em Agostinho uma das suas principais sistematizações, é a linha predominante não só na Igreja Romana ou na Igreja Ortodoxa, mas, também, nas denominações surgidas na Reforma Protestante.

– Para esta linha de interpretação, as profecias de Daniel já tiveram seu cumprimento, pois diziam respeito à história de Israel até a vinda de Cristo, entendida aqui como sendo a Sua primeira vinda, quando o Verbo Se fez carne e habitou entre nós cheio de graça e de verdade (Jo.1:14).

– É o que diz, por exemplo, João Calvino, quando trata da visão dos quatro animais simbólicos, “in verbis”: “…enquanto Deus queria simplesmente declarar a seu Profeta [Daniel, observação nossa] o que sucederia até o primeiro advento de Cristo.(…) E assim esta visão foi apresentada ao Profeta para que todos os filhos de Deus viessem a entender que graves tribulações os aguardavam antes do advento de Cristo.…” (Daniel, v.2, p.32).

– Ainda em outra passagem, Calvino mostra bem esta compreensão, ao dizer, ainda em referência à visão dos quatro animais simbólicos: “…Assim o Profeta com grande propriedade diz: o animal foi morto logo depois da promulgação do evangelho.

Então o pretenso discurso do pequeno chifre chegou ao fim, e o quarto animal foi concomitantemente extinto. Desde então nenhum romano se fez imperador que reivindicasse para si alguma participação de poder; Roma mesma, porém, caiu em desditosa escravidão, e não só ali reinaram estrangeiros da forma mais vergonhosa, mas até mesmo bárbaros, criadores de suínos e de bovinos!

Tudo isso ocorreu em cumprimento do que Deus mostrara a seu Profeta, ou, seja, após a vinda de Cristo e a abertura dos livros, isto é, depois do conhecimento que resplandeceu sobre o mundo inteiro através da proclamação do evangelho – a destruição do quarto animal do império romano que estava próxima.…” (op.cit., v.2, pp.44-5).

– Na revelação das setenta semanas, Calvino entende que o termo inicial é o decreto de Ciro que autorizou o povo judeu retornar a Canaã (Ed.1:1-3), quando foi dada a ordem de reedificação do templo, que teria demorado 49 anos para ser cumprida, estando aí as sete primeiras semanas. As sessenta e duas semanas, segundo Calvino, decorreram desde o sexto ano de Dario, quando se inaugurou o templo até o batismo de Cristo, quando o evangelho começou a ser proclamado, terminando com a morte de Jesus, morte esta que seria vingada pela destruição da cidade e do santuário.

– Para Calvino, é Cristo quem confirma o pacto mencionado na última semana, pois “…pois ele congregou os filhos de Deus de seu estado de dispersão, quando a devastação da Igreja assumiu um caráter extremamente terrível e miserável. Embora o evangelho não fosse instantaneamente promulgado entre as nações estrangeiras, todavia somos corretamente informados que Cristo confirmou o pacto com muitos, visto que as nações foram diretamente chamadas à esperança da salvação [Mt 10.5].…” (op.cit. v.2, p.268) e a cessação do sacrifício e da oferta de manjares ocorre com a crucificação de Cristo, quando, então, o véu do templo se rasga e não há mais valor nos sacrifícios oferecidos em consonância com a lei. Os “muitos” mencionados no pacto seriam os gentios e judeus que cressem no Senhor Jesus.

– Assim como a linha de interpretação historicista, a linha de interpretação preterista confunde o povo judeu com a Igreja, entendendo tudo ter se cumprido com a primeira vinda de Cristo. Tal linha de pensamento, aliás, é coerente com a ideia de que Israel foi substituído pela Igreja e que já não mais resta qualquer profecia a se cumprir da parte de Deus com relação aos judeus, o que sabemos, não é uma correta interpretação.

– Joel Richardson, que, veremos infra, é o principal nome da atual defesa da linha de interpretação futurista orientalista, apresenta ótimos argumentos para o afastamento da linha preterista.

Antes, porém, de ver tais argumentos, cumpre observar que o Senhor Jesus afasta por completo esta linha de interpretação quando, em Seu sermão profético, situa a “abominação da desolação” de que falou o profeta Daniel, no futuro, quando estava no final de Seu ministério terreno (Mt.24:15), prova de que tal “abominação” não seria seja a Sua morte, seja a própria profanação do templo por Antíoco IV Epifânio, como defendem os preteristas, fato já ocorrido quando dito o sermão profético do Senhor.

– Voltando aos argumentos de Joel Richardson, em seu artigo “Uma interpretação crítica da interpretação preterista de Daniel 2 e 7”, disponível em língua inglesa em http://www.joelstrumpet.com/?p=4115 (Acesso em 10 out. 2014), vemos, claramente, que a linha preterista não percebe que, na interpretação do sonho de Nabucodonosor, fala-se de “quatro reinos”, mas a estátua é dividida em “cinco partes”, a mostrar, portanto, que, ao contrário do que dizem os preteristas, este “quarto reino” há de ter “duas partes” e isto se percebe claramente ao se ver que as pernas da estátua são de ferro mas os pés e os dedos são de “ferro e de barro”, a mostrar uma distinção entre elas, precisamente mandando para o futuro esta “segunda parte” do “quarto reino”.

– Outro ponto importante assinalado por Richardson e que traz à linha preterista uma grande dificuldade é a circunstância histórica de que o Império Romano continuou a existir depois da vinda de Cristo e, portanto, como se poderia dizer que tudo teria se cumprido até a vinda do Senhor? O “reino eterno” constante das profecias de Daniel não pode coexistir com qualquer dos impérios mundiais e a sobrevivência do Império Romano séculos e até milênios depois da vinda de Cristo mostra claramente que a linha de interpretação não se coaduna com as profecias.

– Diante de tais dificuldades, não há, mesmo, como concordar com tal linha de interpretação, que deve ser repudiada, pois.

IV – A LINHA DE INTERPRETAÇÃO FUTURISTA ORIENTALISTA

– Esta linha de interpretação, embora concorde que as profecias de Daniel somente se cumprirão cabalmente no futuro, daí porque ser chamada de “futurista”, também comete o equívoco de confundir a história do povo judeu com a Igreja, na medida em que identifica o “quarto reino” não com o Império Romano, mas, sim, com o Império Otomano, ou, mais, precisamente, com o Califado Islâmico.

Por isso, denominamos tal linha de “futurista orientalista”, na medida em que considera que o quarto reino tem sede no Oriente e não no Ocidente, ou seja, não aceita que o Império Romano seja este quarto reino.

– Embora a presente linha de interpretação tenha se notabilizado, nos últimos anos, pelos escritos do estudioso norte-americano Joel Richardson, na verdade não se trata de uma novidade na história da Igreja. Com efeito, João Calvino, ao analisar a visão dos quatro animais simbólicos, em seu comentário de Daniel, já aludia a intérpretes que viam a “ponta pequena” do quarto animal como sendo o Império Turco, ou seja, o Império Otomano, “in verbis”: “…A dificuldade com esta Quarta Monarquia é ainda maior.

 Os que se revestem de juízo moderado confessam que esta visão se concretizou no império romano; mas depois discordam, uma vez que o que aqui se diz do quarto animal muitos transferem para o papa. ao acrescentar-se o surgimento de um Pequeno Chifre; outros, porém, acreditam que o que está aqui compreendido é o reino turco sob o romano.

Os judeus em sua maioria se inclinam nesta direção, e são necessariamente compelidos a agir assim, visto que Daniel mais adiante acrescentará: Vi o trono do Filho do Homem; visto ser evidente, à luz desta predição, que o reino de Cristo foi erigido pela subversão do domínio romano, os judeus retrocedem e, como já disse, reúnem a monarquia turca com a romana, uma vez que não descobrem seu Cristo em conformidade com sua imaginação. E há entre nossos escritores quem pense dever esta imagem restringir-se ao império romano, mas que deve incluir o turco.…” (Daniel, v.2, p.26).

– Portanto, tem-se aqui que não se trata de uma novidade, mas da retomada de um pensamento que havia sido deixado de lado na história da Igreja.

– Segundo esta linha de interpretação, as profecias de Daniel devem ser entendidas dentro do contexto do Oriente Médio, visto que a Bíblia Sagrada sempre teve como palco de seus acontecimentos esta porção do globo terrestre, de modo que não teria sentido uma visão “ocidentalista” das profecias, entendida esta visão como a consideração de que o quarto reino do sonho da estátua de Nabucodonosor, o quarto animal simbólico da visão de Daniel 7 seria o Império Romano, mas, sim, tratar-se-ia do Islão, cuja força política seria o Califado, que foi exercido pelo Império Otomano até a sua extinção em 1918, com o final da Primeira Guerra Mundial.

– Dentro desta linha de interpretação, portanto, as pernas de ferro da estátua de Nabucodonosor é o Islão em suas duas vertentes, sunitas e xiitas, e os pés e artelhos representam dez reinos islâmicos que, no final dos tempos, iriam se insurgir contra os judeus, sendo que a “ponta pequena” do quarto animal simbólico seria o “califa” (líder político sucessor de Maomé), pois o Califado será restaurado, califa este que, depois de fazer um acordo com Israel em que permitirá a reconstrução do templo de Jerusalém, profanará este templo e o tornará a nova sede da Kaaba (o local mais sagrado do islamismo), uma vez que este califa invadirá e destruirá Meca, o atual centro de adoração dos muçulmanos.

– Embora se verifique, à primeira vista, muito bem elaborada esta hipótese, tal linha de interpretação também não pode ser acolhida, pois incorre na mesma confusão entre povo judeu e Igreja, na medida em que, ao identificar o “quarto reino” como sendo o Islão, invariavelmente ingressa na dispensação da graça, uma vez que o islamismo foi fundado por Maomé no século VII, mais precisamente em 622, o primeiro ano do calendário muçulmano.

– Esta linha de interpretação procura basear-se, entre outros fatores, na circunstância de que a Babilônia nunca fez parte do Império Romano e, portanto, a estátua de Nabucodonosor jamais poderia abarcar como “quarto reino” um império que jamais dominara Babilônia. No entanto, o sonho não tinha em conta a cidade de Babilônia, mas, sim, a redenção do povo judeu, o cumprimento das profecias messiânicas, tendo sido apenas uma circunstância ter sido Nabucodonosor o que recebeu o sonho, pois o objetivo do Senhor era revelar o fato a Daniel, tanto que, posteriormente, em mais três revelações, ter confirmado tal sonho para o profeta.

– Assim, pouco importa se Babilônia foi, ou não, dominada pelos romanos. O importante era que os judeus passariam pelo domínio romano, domínio este que será restaurado no final dos tempos, como temos visto claramente na formação da União Europeia, um fato histórico que não pode ser negligenciado, como bem assevera o teólogo norte-americano David Reagan, autor de uma das mais importantes críticas à linha futurista orientalista, em seu artigo “Anticristo: será ele um muçulmano?” (Disponível em: http://www.lamblion.com/articles/articles_islam4.php Acesso em 10 out. 2014), que se encontra em inglês.

– É interessante anotar, também, que esta linha de interpretação entende que a visão de que o Império Romano seria o quarto reino teria um viés “etnocêntrico”, ou seja, seria mais uma evidência dos ocidentais como que se considerando o “centro do mundo”, esquecidos de que a Bíblia não leva em conta o Ocidente.

– Tal crítica, entretanto, não pode ser considerada. Não se nega que muita escatologia foi feita dentro desta perspectiva “etnocêntrica”, notadamente entre os norte-americanos, que se põem como uma nação proeminente nos últimos tempos, tendência que se exacerbou durante a Guerra Fria. Todavia, deste mesmo mal padece esta “visão futurista orientalista”, que exsurgiu como uma reação ao 11 de setembro de 2001, quando os Estados Unidos foram sensivelmente abalados pelo terrorismo islâmico.

– Parece-nos ver, pois, que esta visão padece do mesmo “etnocentrismo” que desencadeou a identificação da então União Soviética e do comunismo como sendo o “berço do Anticristo” durante a Guerra Fria, União Soviética e comunismo que são, agora, substituídos pelo Islão e pelo Califado.

– Não há como explicar que as profecias de Daniel tenham como ponto básico Babilônia e não, Israel. Não há como explicar convincentemente que o quarto reino seja um império que exsurgiria cerca de 600 anos depois da morte, ressurreição e ascensão de Jesus, num incompreensível intervalo entre o Império Grego e o Império Otomano.

– Por fim, não há como compreender que se tenha como o quarto reino um império que se formou em plena época da Igreja, que, como sabemos, não foi incluídas nas profecias de Daniel.

– Verdade é que seria possível uma vertente, já mencionada por Calvino, de se considerar o Império Otomano como continuidade do Império Romano, já que, em 1453, com a queda de Constantinopla, o Império Romano do Oriente ou Império Bizantino sucumbiu diante do Império Otomano, mas tal pensamento também não se livraria da inserção do tempo da Igreja nas profecias de Daniel, o que, à evidência, não salvaria tal linha de interpretação.

– Vemos, pois, que não se pode inserir o tempo da Igreja nas profecias de Daniel e que, assim procedendo, estaremos nos livrando de falsas interpretações que podem obliterar nossa esperança no arrebatamento da Igreja. Que, sabendo o que ocorrerá com judeus e gentios, como profetizado por Daniel, tenhamos nossa firme convicção de que não mais aqui estaremos quando isto ocorrer, pois, para a Igreja, o que temos de aguardar é a vinda do Senhor. Digamos com o Espírito Santo: “Ora vem, Senhor Jesus”!

Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco 

Site: http://www.portalebd.org.br/files/4T2014_AP1_caramuru.pdf

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