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LIÇÃO Nº 4 – A DEGENERAÇÃO DA LIDERANÇA SACERDOTAL  

 

O fracasso da casa de Eli alerta-nos para a necessidade da perseverança. 

INTRODUÇÃO

– Na sequência do estudo dos livros de Samuel, estudaremos sobre a degeneração da liderança sacerdotal. 

– O fracasso da casa de Eli alerta-nos para a necessidade da perseverança. 

I – A INSTITUIÇÃO DO SACERDÓCIO LEVÍTICO 

– Na sequência do estudo dos livros de Samuel, vamos analisar o lamentável estado em que se encontrava a liderança sacerdotal nos dias de Eli, o que fez, aliás, que o Senhor levantasse Samuel como profeta e sacerdote para iniciar uma modificação neste estado de coisas. 

– Deus havia proposto a Israel que fosse Seu reino sacerdotal e povo santo dentre todas as nações da Terra (Ex.19:5,6), proposta que foi aceita por Israel (Ex.19:8). 

 

– No entanto, Israel, no momento da entrega da lei, recuou, não quis subir ao monte (Ex.19:13), retirou-se e se pôs de longe (Ex.20:18), tendo preferido que Moisés falasse com Deus e depois lhe transmitisse o que haveria de fazer (Ex.20:19), demonstrando, assim,

que a incredulidade que lhe havia impedido de receber a promessa de Abraão, também havia impedido que recebesse a lei em seus corações, lei esta que acabou sendo escrita em pedras (II Co.3:3), a indicar a necessidade de um novo concerto para o futuro. 

– Quando da promulgação da lei, esta realidade ficou bem patente, na medida em que o povo teve de sacrificar a Deus ao pé do monte Sinai, a nos mostrar que o pecado ainda fazia divisão entre Deus e Israel e que o acesso a Deus era limitado, diante do relacionamento estatuído com o pacto do Sinai, um relacionamento inferior ao que havia sido feito entre Deus e Abraão (Ex.24:3,4). 

– Neste dia, porém, em que o povo, após ouvir as palavras que Moisés lhes transmitira e aceitar assumir o compromisso de cumpri-las, o texto sagrado nos mostra que Moisés escolheu mancebos de todas as tribos de Israel que, então, ofereceram sacrifícios pacíficos de bezerros, cujo sangue serviu para a consagração da lei (Ex.24:5-8). 

– Notamos, pois, que, no momento da promulgação da lei, todo o povo israelita era formado de sacerdotes, uma vez que Moisés não só levantou doze monumentos, representando as doze tribos de Israel, como também convocou jovens de todas as tribos para oferecer sacrifícios. 

– Tinha sido esta a proposta de Deus para Israel, ou seja, a de que eles se tornassem “reino sacerdotal e povo santo do Senhor” (Ex.19:6).

Assim, todo o povo havia sido constituído para exercer o sacerdócio, ou seja, para interceder em favor de toda a humanidade diante de Deus.

Israel fora constituído pelo Senhor para ser Sua propriedade peculiar dentre os povos, para anunciar o Senhor a todas as nações, a fim de que, por intermédio de Israel, descendência de Abraão, todas as nações fossem benditas (Gn.12:3). 

– Se Israel havia falhado em receber a promessa de Abraão, tendo, em seu lugar, recebido a lei, ainda havia sido mantida como nação sacerdotal e deveria se manter separada do pecado, ainda que,

por força da aliança firmada no Sinai, não estivesse livre do pecado, que fora apenas coberto pelo sangue dos animais que havia sido derramado quando da promulgação da lei. 

– Logo após a promulgação da lei, Moisés é chamado a subir ao monte novamente, agora na companhia de Arão, Nadabe, Abiú e setenta anciãos de Israel,

onde participam de uma refeição sagrada, oportunidade em que aquelas pessoas, os mais proeminentes do povo, têm uma visão de debaixo dos pés do Senhor (Ex.24:10,11), mais uma demonstração da inferioridade do relacionamento estabelecido pela lei. 

– Depois desta visão, Moisés é chamado a subir ao monte, onde Deus iria lhe dar instruções a respeito do culto que se deveria dar ao Senhor ante a aliança estabelecida com Israel, tendo, então, designado Arão e Hur para o substituírem interinamente enquanto estivesse no monte (Ex.24:14). 

– Enquanto Moisés esteve ausente por quarenta dias e quarenta noites, o povo de Israel quebrou a lei, fazendo para si um bezerro de ouro, quebrando, assim, os dois primeiros mandamentos da lei, quais sejam, o de não ter deuses além do Senhor (Ex.20:3) e de não fazer imagens de escultura (Ex.20:4). 

O Senhor, que tudo vê, noticiou a Moisés a quebra da lei por parte de Israel, que chamou, inclusive, de povo de Moisés (Ex.32:7), expressão que mostra que, diante da quebra da lei, Israel havia perdido a sua condição de povo de Deus.

Com isto, aprendemos que, se pecamos, perdemos a condição de povo de Deus, correndo, assim, o risco de, se apanhados pela morte ou pelo arrebatamento da Igreja, nos perdermos eternamente.

Não é por outro motivo que o apóstolo João nos recomenda que, se pecarmos, devemos, de imediato, recorrer a Jesus Cristo, o justo, a propiciação pelos nossos pecados e pelos pecados de todo o mundo (I Jo.2:1,2). 

– Ante o pecado do povo, o Senhor demonstrou Sua intenção de destruir Israel, já que se tratava de um povo obstinado, de dura cerviz (Ex.32:9,10), o que não ocorreu em virtude da intercessão de Moisés (Ex.32:1114). 

– Mesmo o Senhor não tendo destruído o povo, o fato é que o próprio Moisés, ao ver a situação em que o povo se encontrava, indignado, quebrou as tábuas da lei (Ex.32:19), gesto que representou a efetiva quebra da lei por parte de Israel.

– Na sequência, Moisés perguntou ao povo quem estava do lado do Senhor e somente a tribo de Levi se manifestou (Ex.32:26) e, por esta razão, foi a tribo de Levi escolhida para exercer o sacerdócio entre os israelitas porque, com a quebra da lei, Israel perdera a condição de ser “reino sacerdotal” (Dt.10:8). 

– A dispensação da lei não permitiria, mesmo, que se tivesse o sacerdócio de todo Israel. Dentro das limitações estabelecidas nesta aliança, bem como da própria recusa de Israel em subir ao monte,

impossível era que todo o Israel se tornasse sacerdote e o episódio do bezerro de ouro veio apenas revelar a situação espiritual daquele povo, um povo que havia endurecido seu coração para com Deus, que se mantinha incrédulo e incapaz, assim, de desfrutar da promessa de Abraão. 

– Deus, na Sua presciência, já havia, no monte, dito a Moisés que escolhera a Arão e a seus filhos para exercerem o ofício sacerdotal (Ex.28:1).

 Agora, com o episódio do bezerro de ouro, se esclarecia porque todo o Israel não continuaria com o ofício sacerdotal, visto que o sacerdócio universal fazia parte da promessa de Abraão e somente seria possível quando a posteridade de Abraão viesse e o estabelecesse. 

– O sacerdócio de Arão, portanto, é algo umbilicalmente relacionado com a lei, é uma instituição que decorre da aliança firmada entre Deus e Israel.

Ante a limitação existente neste pacto, o povo de Deus somente se poderia chegar à presença do Senhor através de pessoas especialmente designadas para isto.

O sacerdócio veio como uma continuação da mediação que, iniciada por Moisés, deveria prosseguir até que viesse outro profeta como Moisés (Dt.18:15; At.7:37), que, então, estabelecesse uma nova ordem, um novo regime de sacerdócio.

– O sacerdócio de Arão, também chamado de “sacerdócio levítico”, fez-se necessário porque, diante do estabelecimento da lei, o pecado não foi retirado do povo, mas, simplesmente, coberto pelo sangue dos animais que deveriam ser sacrificados para memória dos pecados e adiamento de sua execução, povo que, por não ter cumprido a lei,

não poderia ele próprio efetuar tais sacrifícios, mas tão somente aqueles que haviam sido escolhidos por Deus para fazê-lo, ou seja, a família de Arão, Arão que já fora escolhido para ser o porta-voz de Moisés para o povo e se distinguido para ser o canal de comunicação entre Deus e o povo (Ex.4:15,16). 

– O próprio Arão, antes de iniciar seu ofício sacerdotal, mostrou toda a sua fraqueza no próprio episódio do bezerro de ouro, visto que se deixou levar pelo povo e ele próprio fez a imagem daquele ídolo, embora tenha pedido que o povo fizesse festa ao Senhor no dia seguinte ao da fundição do bezerro (Ex.32:1-5).

Foi necessário que Moisés também intercedesse por Arão para que o Senhor não o matasse (Dt.9:20).

– Este sacerdócio, portanto, foi constituído por homens pecadores, cujo pecado não pôde ser tirado, sendo, assim, um sacerdócio frágil e que necessitava de aperfeiçoamento, tanto que, em todas às vezes em que se ofereceriam sacrifícios, dever-se-ia, antes de mais nada, oferecer sacrifícios pelo próprio sacerdote, sem o que não se poderia interceder em favor do povo (Hb.7:27,28).

– A instituição do sacerdócio levítico era mais um “remédio”, uma medida paliativa que se criava até a vinda do Messias, d’Aquele que redimiria a humanidade e que se tornaria o sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, instituindo, então, um verdadeiro “reino sacerdotal” (I Pe.2:9; Ap.1:5,6), que é a Sua Igreja,

motivo por que não se pode mais admitir a existência de uma “ordem sacerdotal” no meio do povo de Deus, vez que o sacrifício de Jesus na cruz do Calvário aboliu todas as limitações da antiga aliança. 

– Como o povo de Israel havia sido incrédulo e não quisesse subir ao monte Sinai, não poderia, mesmo, constituir-se em “reino sacerdotal” e, por isso, o Senhor acabou por escolher a tribo de Levi,

a única que quis ficar do lado do Senhor no episódio do bezerro de ouro, para servir-lhe no ofício sacerdotal, que foi reservado a Arão e sua família, sendo os demais levitas constituídos para auxiliar-lhes nesta tarefa (Nm.18). 

II – AS VIRTUDES DO SACERDÓCIO LEVÍTICO ATÉ OS DIAS DE ELI 

– No entanto, até por ser um “remédio”, tal sacerdócio tinha o seu valor e era suficiente para manter a presença de Deus no meio do povo de Israel.

É de se verificar que Arão, apesar do erro cometido com o episódio do bezerro de ouro, já demonstra, neste mesmo fato, porque havia sido escolhido pelo Senhor, pois é ele quem faz com que o povo se arrependa, imediatamente, do pecado cometido,

levando todo Israel, ou, pelo menos, boa parte dele, à humilhação (Ex.32:25), o que, de certo modo, significou a manutenção da vida do povo, já que somente três mil homens acabaram mortos naquele episódio (Ex.32:28).

– O sacerdócio levítico, portanto, antes mesmo de seu início formal, com a consagração, já se mostra um importante elemento para a preservação da lei e da comunhão com o Senhor.

Eram os sacerdotes não só os encarregados de fazer a intercessão do povo diante de Deus e de oferecer os necessários e indispensáveis sacrifícios para que houvesse a comunhão entre Deus e Israel, mas também eram os responsáveis pela manutenção da santidade no meio do povo.

– Ao longo da peregrinação no deserto, este papel do sacerdócio vai ser evidenciado. A morte de Nadabe e Abiú (Lv.10:1-11), pouco depois da consagração, revela a extrema seriedade que significava o exercício da função sacerdotal, que era a responsável para ensinar aos israelitas a diferença entre o santo e o profano, entre o imundo e o limpo, para ensinar, enfim, a lei aos israelitas.

– Arão sempre estava ao lado de Moisés em todos os episódios marcantes da jornada no deserto, com exceção do episódio em que acompanhou Miriã em sua rebelião (Nm.12:1-16), ocasião em que, entretanto,

Arão não recebeu nenhuma maldição, ao contrário de sua irmã, em mais uma demonstração divina da seriedade e até uma certa “imunidade” que tinha o sacerdócio em Israel.

– O Senhor fez questão de mostrar que Arão era o escolhido dele para o exercício do sacerdócio, tanto que, mesmo depois do fracasso da rebelião de Datã, Abirão e Coré, fez com que houvesse o florescimento e frutificação da vara com o nome de Arão, vara que se mandou fosse guardada na arca do concerto, para demonstrar a sublimidade do sacerdócio para o povo (Nm.17:1-11). 

– Este papel do sacerdócio foi bem entendido tanto pelo povo como pelos próprios sacerdotes. São eles que assumem o protagonismo no cuidado da santificação do povo, como se verifica, ainda no deserto,

com a iniciativa tomada por Fineias, neto de Arão e filho de Eleazar, no episódio de Baal-Peor, quando o próprio Deus diz a Moisés que foi em virtude de Fineias que Ele havia desviado a ira de sobre os filhos de Israel (Nm.25:1-11). 

– A consequência desta atitude de Fineias em prol da santificação do povo, que representou o desaparecimento de toda a geração incrédula que não haveria de entrar na Terra Prometida, foi a concessão a Fineias e, por extensão, a toda a linhagem sacerdotal do “concerto de paz” (Nm.25:12). 

– O zelo de Fineias pela santidade do povo tanto agradou a Deus que foi confirmada a sua chamada sacerdotal, prometendo o Senhor que tal sacerdócio seria perpétuo por causa deste zelo e da propiciação pelos filhos de Israel (Nm.25:13). 

– A liderança sacerdotal estava consolidada e disto tinha pleno conhecimento a geração que entrou na Terra Prometida, tanto que Eleazar, que sucedeu a seu pai Arão ainda no deserto (Nm.20:24-28),

sempre estava ao lado de Moisés ou de Josué em todas as deliberações importantes relacionadas ao povo de Israel (Nm.26:3,63; 27:2,18-22; 31:12,13,21; 32:2; Js.14:1; 17:4; 19:51). 

– Com a morte de Josué, então, a liderança sacerdotal passou a ser a mais importante do país, já que não havia mais uma liderança única (Josué não deixou sucessor), fazendo cada um o que bem parecia aos seus olhos (Jz.17:6; 21:25). 

– A ausência desta liderança única era, de certo modo, substituída pela liderança sacerdotal, pois o tabernáculo em Siló era o verdadeiro símbolo da unidade de Israel, tanto que as tribos que ficaram do lado de lá do Jordão temeram ser impedidas de poder participar do culto, a ponto de terem construído um altar de testemunho (Js.22:10-34). 

– Neste episódio, aliás, quem assumiu uma vez mais o protagonismo foi Fineias, a mostrar como a liderança sacerdotal era importantíssima para Israel (e, nesta época, Fineias era apenas um sacerdote, o herdeiro do sumo sacerdote, mas, ainda, apenas um sacerdote), notadamente para manter a observância da lei, para manter a santidade no meio do povo. 

– A importância da liderança sacerdotal é sentida no fato de que a morte de Eleazar é noticiada ao término do livro de Josué, a indicar que era ele uma referência para o todo o povo (Js.24:33), sendo que a tradição judaica atribui a autoria de Js.24:29-32 a Eleazar e de Js.24:33 a Fineias, em mais uma demonstração do papel que os sacerdotes passaram a exercer depois da morte de Josué.

OBS: “…Afirma-se na baraita [tradição judaica que não foi reduzida a escrito – observação nossa] que Josué escreveu seu próprio livro.

A Gemara [comentário de rabinos no Talmude – observação nossa] pergunta: Mas não está escrito no final do livro:

“E Josué, filho de Nun, o servo do Senhor, morreu” (Josué 24:29)? É possível que Josué tenha escrito isso?

A Gemara responde: O filho de Arão, Eleazar, completou.

A Gemara pergunta: Mas também não está escrito: “Eleazar, filho de Arão, morreu” (Josué 24:33)?

O Gemara responde: Fineias completou (Talmude da Babilônia, Baba Bathra 15-a. Disponível em: https://www.sefaria.org/Bava_Batra.15a.7?lang=bi Acesso em 08 ago. 2019) (traduzido pelo Google de texto em inglês). 

– Outro episódio onde foi fundamental a liderança sacerdotal foi a guerra civil que houve entre Israel e a tribo de Benjamim (Jz.19-21), quando os israelitas praticamente destruíram a tribo de Benjamim, uma vez que os benjaminitas se negaram a aplicar a lei para um caso de abuso sexual horrendo acontecido.

No relato bíblico, vemos que quem tomou a liderança do povo exigindo a observância da lei foi Fineias, filho de Eleazar, o terceiro sumo sacerdote (Jz.20:28; I Cr.6:4,50).

– Assim, ante a inércia de Josué em promover a sua sucessão, a liderança sacerdotal passou a ser a referência de todo o povo de Israel e, nos primeiros dias, com Eleazar e Fineias, tudo fez para promover a observância da lei e a santidade no meio do povo de Deus,

não temendo até quase que extirpar uma tribo para que o povo se mantivesse na presença de Deus, pois era função dos sacerdotes fazer a diferença entre o santo e o profano, como também ensinar os estatutos divinos a Israel (Lv.10:9-11). 

III – A DEGENERAÇÃO DA LIDERANÇA SACERDOTAL NOS DIAS DE ELI 

– No entanto, apesar deste início bom da liderança sacerdotal, podemos observar que, mesmo nos dias de Eleazar e de Finéias, o sacerdócio deixou de exercer uma de suas funções, a do ensino ao povo.

– Verdade é que os sacerdotes e levitas deveriam ensinar a lei ao povo de forma supletiva, suprindo as brechas de uma eventual omissão dos pais, a quem cabia precipuamente a tarefa de ensinar a lei (Dt.6:6-9; 11:18-20).

Isto se daria a cada sete anos, quando a lei deveria ser lida na Festa dos Tabernáculos a todo o povo e explicada pelos sacerdotes e levitas (Dt.31:9-13), algo que, por exemplo, vimos cumprido nos dias de Esdras e Neemias (Ne.8). 

– Após a morte dos anciãos que viveram sob o governo de Josué e do próprio Eleazar e, bem podemos dizer, de Fineias, seu filho,

disseminou-se a total ausência de educação doutrinária doméstica em Israel e a liderança sacerdotal também não cumpriu o seu papel supletivo e o resultado disto foi que, geração após geração, não se tinha conhecimento da Palavra de Deus entre os israelitas (Jz.2:10-12). 

– Vemos que toda a lástima espiritual que se abateu sobre Israel começou com uma omissão por parte da liderança sacerdotal, com o desleixo de não tomarem a iniciativa de ensinarem a lei para o povo, já que as famílias não o estavam fazendo.

Mas, ao contrário, preferiram os sacerdotes e levitas o automatismo do serviço religioso em Siló, o comodismo de esperarem os israelitas virem adorar a Deus no tabernáculo. 

– Como se isso fosse pouco, o fato é que, até pela inatividade dos sacerdotes e levitas, que se concentraram apenas nos serviços religiosos de Siló, começou a surgir dos levitas migrantes, ou seja,

levitas que passaram a ir morar em cidades que não eram de levitas, numa prova de que o povo estava deixando desamparada a tribo sacerdotal, como era o caso do levita mencionado em Juízes 17 e 18, onde um levita deste, que morava em Belém,

acabou se tornando um sacerdote idólatra para um efrateu chamado Mica e, depois, o sacerdote idólatra de toda a tribo de Dã, a primeira tribo a adotar coletivamente a idolatria.

– E, para piorar a situação, a degeneração chegou até Siló, pois os dois filhos de Eli, Hofni e Fineias (não confundir com o filho de Eleazar), eram filhos de Belial e não conheciam o Senhor (I Sm.2:12). 

– A expressão “filhos de Belial” é muito forte, que aparece poucas vezes no texto sagrado, sempre se referindo a pessoas cruéis e más, pessoas malignas, que se opõem a Deus e à Sua obra.

Em Na.1:11, por exemplo, alguém que pensa mal contra o Senhor é chamado de “conselheiro de Belial”, tendo o apóstolo Paulo dito que não há concórdia entre Cristo e Belial, entre o fiel e o infiel (II Co.6:15).

 – “Belial”, em hebraico, “ ͤblîyaʿal” (֑בליעל), “…sem proveito, inutilidade; (por extensão) destruição, iniquidade (…) mal, perverso, (homens) ímpios, malvados.

Susbstantivo masculino de origem desconhecida que significa inutilidade. Muitas vezes, um forte componente moral no contexto sugere a condição de não servir para nada e, por essa razão, expressa o conceito de iniquidade…” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Dicionário do Antigo Testamento, n. 1100, p.1557). 

– O que se nota é que os filhos de Eli levaram ao limite a irrelevância que a liderança sacerdotal foi adquirindo pouco a pouco, na medida em que deixou de ensinar ao povo a lei do Senhor e a construir uma religiosidade automática em torno do serviço realizado no tabernáculo em Siló,

enquanto o povo, geração após geração, ia se aprofundando no pecado e praticando a idolatria e tudo quanto se lhe seguia (como a imoralidade sexual).

– Agora, com os filhos de Eli, não havia apenas a indiferença e a irrelevância, mas a própria prática do mal.

Como afirma o comentarista bíblico Matthew Henry (1662-1714):

“…Eles não foram servir a outros deuses, como faziam aqueles que moravam longe do altar, porque receberam sua prosperidade e dignidade da casa de Deus;

mas, o que era pior, eles conduziam o serviço de Deus como se Ele fosse um dos deuses miseráveis dos pagãos.

E difícil afirmar o que causa maior desonra para Deus: a idolatria ou a profanação, especialmente, a profanação dos sacerdotes.

Vemos a maldade dos filhos de Eli com muita tristeza.…”(Comentário bíblico – Antigo Testamento: Josué a Ester edição completa. Trad de Waldemar Kroker et alii, p.224). 

– Eles não tinham qualquer valor espiritual, eram inúteis, tornaram-se oponentes da obra da Deus, embora fossem sacerdotes e tivessem sido instruídos em toda a lei.

Não fizeram como o levita Jônatas, que se tornou o sacerdote idólatra dos danitas (Jz.18:30), que abertamente adotou a idolatria para ter vantagens pecuniárias e sociais, mas desvirtuaram o culto a Deus, para atingir o mesmo objetivo. 

– Consideramos que os que se apresentam como servos do Senhor única e exclusivamente para se oporem a Deus são agentes malignos duplamente mais perigosos que os que abertamente combatem o Senhor e Sua obra, porque, a uma, desempenham as duas características do diabo, que é a de homicida e mentiroso (Jo.8:44).

Quem combate abertamente, revela-se apenas homicida, mas quem se faz de servo do Senhor e combate o bem é mentiroso e homicida. 

– Os filhos de Eli, embora tivessem sido formados na lei do Senhor, em razão de sua linhagem sacerdotal, em momento algum demonstraram ser tementes a Deus, tanto que o texto sagrado diz que “não conheciam ao Senhor”.

Tinham tão somente conhecimento teórico, haviam apenas assimilado no intelecto todas as disposições concernentes aos ritos e estatutos, mas não tinham qualquer experiência com Deus.

Lembremos que “conhecer” para os israelitas é “ter intimidade”, “ter experiência”, algo que eles não possuíam, apesar da posição que ocupavam.

– Este é um dos males da hereditariedade como critério para o exercício de uma determinada função.

Muitos acham que o simples fato de pertencerem a uma determinada família, a uma determinada etnia, é suficiente para que gozem das bênçãos de Deus, para que exerçam determinada função no meio do povo do Senhor. 

– Era certo que o sacerdócio era reservado única e exclusivamente aos filhos de Arão, por determinação divina (Ex.28:1),

mas esta condição era necessária, mas não suficiente e, tanto é assim, que, logo no início do exercício da função sacerdotal, Nadabe e Abiú foram mortos por terem profanado o altar com fogo estranho (Nm.3:4;26:61).

O Senhor deixara bem claro que não bastava ser filho de Arão para poder exercer o sacerdócio. 

– De igual modo, nos dias de João Batista, os israelitas estavam completamente equivocados, achando que eram filhos de Abraão única e exclusivamente por causa de sua etnia.

O último profeta do Antigo Testamento fez questão de dizer-lhes que não era assim e que, se eles não se arrependessem de seus pecados, estariam perdidos a despeito de serem descendentes biológicos do pai da fé (Mt.3:7-10; Lc.3:7-9), ensino que, posteriormente, foi repetido pelo próprio Senhor Jesus (Jo.8:33-45). 

– Esta realidade não é diferente em nossos dias. O sacerdócio hoje, que é de toda a Igreja (I Pe.2:9; Ap.1:6; 5:10), se é resultado de nossa salvação, de sermos lavados no sangue de Cristo, depende de nossa perseverança, pois, se deixarmos de ser puros, perderemos, como Nadabe e Abiú, a condição sacerdotal, assim como ocorreu com a casa de Eli. 

– Em nossos dias, em que sabemos que não há sequer qualquer critério biológico ou étnico como condição necessária para o exercício de funções no povo de Deus,

é ainda mais bizarro vermos pessoas se estribarem em tais fatores para galgar e manter posições na igreja e o resultado disto outro não é senão o de termos muitos “filhos de Eli” a causar escândalos e, com os escândalos, receber as duras penas previstas para quem escandaliza os servos do Senhor (Mt.18:6-9).

– Eli preparou seus filhos para o sacerdócio por força da própria determinação divina e, como afirma Matthew Henry,

“…Eli parece ter sido um homem muito bom. Nada parece sugerir o contrário. Sem dúvida, ele havia dado uma boa educação aos filhos, dando- lhes boas instruções, servindo de exemplo e levantando muitas orações em favor deles.

E, mesmo assim, quando adultos, eles se tornaram filhos de Belial, homens maus e profanos e completos libertinos: Eles não conheciam o SENHOR.

Eles somente tinham um conhecimento teórico de Deus e de sua lei, uma forma da ciência (Rm 2.20);

no entanto, visto que sua prática não condizia com a teoria, eles são conhecidos como totalmente ignorantes de Deus. Eles viviam como se não tivessem conhecimento algum de Deus.…” (op.cit., p.224).  

– Eli não cometeu pecado algum, portanto, ao formar seus filhos para o sacerdócio. Seu pecado, como vimos na lição anterior, foi o de não os ter repreendido quando pôde verificar que não conheciam ao Senhor, o que, certamente, dada a sua experiência com Deus,

não foi difícil de ele observar, já que o próprio Samuel, a quem a tradição judaica atribui a autoria do livro, é peremptório em dizer que os filhos de Eli eram filhos de Belial e não conheciam ao Senhor. 

– Hoje em dia, porém, muitos estão a preparar seus descendentes ou parentes por conta própria, sabendo claramente que não há mais critério biológico algum que o respalde, sendo, pois, ao contrário de Eli, culpados desde o momento em que, indevidamente,

começam a imiscuir seus familiares no ministério, num “nepotismo” que é extremamente danoso e que irá, inevitavelmente, gerar escândalos. Tomemos cuidado com isso, pois é algo que é próprio de um “filho de Belial”, não de um servo de Deus.  

– O primeiro crime dos filhos de Eli era o da ganância, a avareza, que continua sendo uma das grandes tentações para quem está à frente do povo de Deus (I Pe.5:2; II Pe.2:3). 

– O texto sagrado diz que os filhos de Eli criaram um costume de se utilizar de um garfo de três dentes para retirada da carne dos sacrifícios pacíficos, quando ainda se estava a cozê-la, tirando para o sacerdote o que o garfo retirava. Tinha aqui, literalmente, uma “garfada” do sacerdote. 

– Assim explica Matthew Henry esta atitude:

“…(1) Eles profanaram as ofertas do Senhor, para proveito próprio ou, melhor, para a gratificação de sua própria luxúria. Deus já tinha estabelecido qual parte do sacrifício cabia a eles.

A oferta queimada ao Senhor era uma parte considerável para o bem-estar deles, mas não o suficiente para agradá-los.

Eles não serviam ao Deus de Israel, mas seus próprios ventres (Rm 16.18), tornando-se como cães gulosos que não se podem fartar (Is 56.11).

[2] Eles roubavam os ofertantes e se apoderavam de uma parte do sacrifício das ofertas pacíficas.

As partes que pertenciam aos sacerdotes eram o peito movido e a espádua alçada (Lv 7.34); mas isso não os satisfazia;

quando a carne era cozida para que o ofertante pudesse celebrar devotamente com seus amigos, eles enviavam um servo com um garfo de três dentes para colocar essa carne numa panela.

Tudo quanto o garfo tirava pertencia ao sacerdote, vv.13,14, e o povo, por causa de sua grande veneração, permitiu que isso se tornasse costume.

[3] Eles se apoderavam daquilo que era de Deus e invadiam o direito dele. Como se fosse pouco afadigar os homens, eles afadigavam também a Deus (Is 7.13).

Precisamos ressaltar para a honra de Israel, que, embora o povo mansamente cedesse às exigências ilegítimas deles, eles foram muito cuidadosos para que Deus não fosse roubado:

Queimem primeiro a gordura de hoje, v. 6. Que o altar receba sua porção devida, porque é isso que mais importa. Caso Deus não receba a gordura, eles têm pouco para celebrar com o restante da carne.

Era uma vergonha para os sacerdotes precisarem ser admoestados pelo povo em relação ao seu dever; mas eles não deram ouvidos à admoestação.

O sacerdote será servido primeiro, e tomará o que achar justo da gordura, mas ele não pode comer carne cozida; ele deve assá-la.

Assim, o povo entregava a carne ainda crua. Caso o ofertante contestasse essa forma de agir dos filhos de Eli, embora não fosse para o seu próprio benefício (que o sacerdote tome o quanto desejar a sua alma),

mas em favor do altar (eles precisavam cuidar para queimar primeiro a gordura), o servo do sacerdote (de forma arrogante) exigia a carne por bem ou a tomava à força.

Certamente, essa era uma afronta indescritível para Deus e um abuso para o povo…” (ibid.). 

– Os filhos de Eli queriam algo mais do que o Senhor lhes havia destinado nos sacrifícios pacíficos, tomavam tanto o que era do povo, quanto o que era de Deus. Hoje em dia, não tem sido diferentes.

Temos muitos “mercenários da fé”, que estão a invadir o que cabe aos fiéis, criando “ofertas”, “sacrifícios”, “trízimos”, “primícias” e tantas outras coisas para transferir para si ilegitimamente o patrimônio dos servos do Senhor, como também estão a tomar posse dos recursos pertencentes à igreja, subtraindo o que deveria ser da obra de Deus. Que Deus nos guarde, amados irmãos! 

– O segundo crime dos filhos de Eli era o de deixar de dar prioridade ao Senhor.

Precisavam ser advertidos pelo povo, que vinha oferecer sacrifícios,

para primeiro queimarem o que era do Senhor,

primeiro dedicarem o que era de Deus, para, então, depois,

se preocuparem com o que seria dos sacerdotes ou dos próprios ofertantes.

Dizia o povo, “queimem primeiro a gordura de hoje” (I Sm.2:16) e a gordura representa aqui o que é de Deus (Lv.3:16). 

– Os filhos de Eli viam o exercício da função sacerdotal apenas como um meio para o seu próprio proveito, para o seu bem-estar.

Não eram submissos a Deus, nem O levavam em consideração. Não tinham temor a Deus. Eram soberbos e, por isso, desprezavam a oferta do Senhor (I Sm.2:17). 

– Hoje não é diferente. Vivemos dias em que muitos não observam o que nos ensinou o Senhor, ou seja, que devemos buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça (Mt.6:33), mas, pelo contrário,

põem como objetivos em sua vida as necessidades deste mundo e vivem em função delas, sendo, pois, espiritualmente como gentios, como incrédulos, como rebeldes contra Deus (Mt.6:32).

São homens naturais, que não têm o Espírito Santo. Quais são os nossos objetivos e finalidades nesta vida? Pensemos nisto! 

– O terceiro crime dos filhos de Eli era a violência. Todos quantos não se submetiam às exigências deles, eram vítimas de violência, pois a parte querida por eles para si era tomada à força.

A violência, muitas vezes, é utilizada para que se consuma a ganância, para que se faça valer a avareza, como nos revela claramente o profeta Miqueias (Mq.2:1,2). 

– O quarto crime dos filhos de Eli era a imoralidade sexual. Observemos que uma das consequências da idolatria assumida pelo povo de Israel no período dos juízes era a imoralidade sexual,

pois os cultos dos habitantes primitivos de Canaã eram particularmente devassos e imorais, já que eram vinculados à fertilidade e, como tal, continham em seus rituais a prática de relações sexuais, normalmente com prostitutas e prostitutos especialmente separados para tais orgias. 

Os filhos de Eli eram também idólatras, pois a avareza, a ganância nada mais é que idolatria (Cl.3:5).

Assim, não é surpresa que o resultado de suas ações fosse a transformação do tabernáculo em um prostíbulo, pois tinham eles uma vida completamente devassa, a ponto de se formarem bandos de mulheres para deitarem com eles à porta da tenda da congregação (I Sm.2:22). 

– Quer nos parecer, aliás, que não eram apenas Hofni e Fineias que ali se prostituíam, mas outros sacerdotes e quiçá até levitas que ali serviam, pois o fato de haver “bandos de mulheres”,  indicam que não eram apenas os dois que se aproveitavam da situação. 

– É muito triste vermos uma profanação como esta que estava acontecendo naquela que devia ser a casa de Deus.

Não é à toa que o salmista Asafe, praticamente um século depois, afirma que eles “tentaram e provocaram o Deus Altíssimo, e não guardaram os seus testemunhos, mas tornaram atrás e portaram-se aleivosamente como seus pais, viraram-se como um arco traiçoeiro,

(…) Deus ouviu isto e Se indignou, e sobremodo aborreceu a Israel, pelo que desamparou o tabernáculo em Siló, a tenda que estabelecera como sua morada entre os homens” (Sl.78:56-60). 

– Hoje não tem sido diferente. Muitos estão a enveredar também pelo caminho da imoralidade sexual e vemos com horror as notícias de adultérios, fornicações, pedofilia e tantas outras coisas no ambiente eclesiástico (II Pe.2:12-14; Jd.10-13).

São circunstâncias nefastas que revelam quanto coisa oculta e alheia à vontade de Deus tem existido entre “filhos de Eli”. Que Deus nos guarde! 

– Somando-se aos crimes dos filhos de Eli, temos, também, o crime de Eli, que é o da omissão.

Como atestou a mensagem profética trazida ao sacerdote por um homem de Deus, Eli preferiu honrar mais a seus filhos a honrar a Deus (I Sm.2:29) e,

por causa disso, perderia a sua condição sacerdotal, como também a sua casa, que havia sido constituída nos dias de Eleazar, como sacerdócio perpétuo, seria retirada do ofício (I Sm.2:30). 

– Eli deixou-se levar pelo temor familiar e, entre Deus e os seus filhos, optou por honrar a seus filhos, permitindo que eles pecassem e prosseguissem pecando, trazendo escândalo ao povo de Israel.

Limitou-se a repreendê-los verbalmente (I Sm.2:23), sem tomar qualquer atitude concreta, e isto significou consentir com o erro deles, passando, então, ao sofrer a mesma penalidade (Rm.1:32). 

– Eli, na qualidade de sumo sacerdote, poderia ter aplicado a lei, impedindo seus filhos de continuarem a ministrar no santuário e até mandar que fossem devidamente punidos segundo a lei, já que eram grandes transgressores.

Mas nada fez, deixou que eles prosseguissem com suas abominações, transformando o tabernáculo, a casa de Deus num verdadeiro prostíbulo. 

– Deus não Se agradou disto e mandou um profeta, algo raro naquele tempo, para transmitir a mensagem a Eli, mensagem esta que representava o juízo sobre ele.

Eli não se arrependeu, continuou inerte e, por isso mesmo, recebeu uma segunda mensagem, agora da parte de Samuel, como vimos na lição passada, em que o Senhor não só reafirmou o que dissera como também anunciou que não haveria mais possibilidade de perdão (I Sm.3:14). 

– Eli, lamentavelmente, caíra no “ministério da cadeira”. Ao verificarmos o texto sagrado, vemos que o velho sacerdote sempre estava sentado em uma cadeira (I Sm.1:9; 4:13,18). 

– Esta imagem reiterada nas Escrituras mostra-nos que Eli era uma pessoa que, em primeiro lugar, gostava da posição que ocupava, dava muito valor à posição e levava em conta mais a posição do que a própria situação espiritual em que se encontrava. 

– Não podemos nos prender à “cadeira”, à posição, pois isto não é próprio de quem serve a Deus, que sabe que nada é seu e tudo é do Senhor (Sl.24:1), principalmente as posições existentes no Seu povo.

Os fariseus é que cobiçavam a “cadeira de Moisés” (Mt.23:2), mas o sentimento dos servos de Cristo nunca está vinculado a posições (Mt.20:20-28). 

– Em segundo lugar, a “cadeira” mostra a inércia, ou seja, a falta de ação, a omissão. Eli, sentado na cadeira, via tudo quanto os seus filhos faziam, mas não tomava qualquer atitude.

Eli estava acomodado na posição que tinha e não fazia questão alguma de promover qualquer mudança, era-lhe mais seguro e confortável deixar as coisas do jeito que estavam, mesmo que estivessem num sentido diametralmente oposto ao da vontade de Deus.

– Mesmo advertido pelo homem de Deus de que estava a honrar mais a seus filhos que a Deus, Eli modificou o seu proceder. Continuou sentado na cadeira.

Mesmo sendo avisado que não mais teria perdão pela sua iniquidade, tomou qualquer atitude de arrependimento, de mudança, apenas dizendo que se aquela era a vontade do Senhor, resignava-se em vê-la cumprida (I Sm.3:18).

E quando o povo resolveu levar a arca da aliança para o campo de batalha, Eli, sentado na cadeira, nada fez para impedir, nem mesmo uma palavra contrária disse (I Sm.4:4), embora soubesse que aquilo era extremamente ruim, tanto que ficou com o coração tremendo por causa daquilo (I Sm.4:13). 

– Em terceiro lugar, a “cadeira” mostra distanciamento do povo, o que faz certamente diminuir a sensibilidade e a comunhão com o povo.

Eli era o sacerdote, tinha de ter compaixão pelo povo, ou seja, sentir as suas misérias, para que pudesse realmente interceder por ele.

Entretanto, ficando sempre na cadeira, não podia ter este contato que era indispensável para que tivesse compaixão. 

– Por estar na cadeira, tomou Ana como uma mulher embriagada (I Sm.1:9,13);

por estar na cadeira, não pôde verificar a gravidade dos fatos que lhe foram relatados pelo povo e, por isso, apenas fez uma tosca e ineficaz repreensão a seus filhos (I Sm.2:23) e

enxergar mais uma “transgressão do povo” do que propriamente a vileza de seus filhos (I Sm.2:24). 

Nos dias hodiernos, muitos estão “na cadeira”, são “ministros de gabinete” e, por isso, estão vivendo em uma verdadeira “bolha”, completamente alheios à realidade espiritual do rebanho que deveriam estar administrando. 

IV – AS CONSEQUÊNCIAS DA DEGENERAÇÃO DA LIDERANÇA SACERDOTAL 

– Deus havia sido sobremaneira provocado e, por conta disso, resolveu desamparar o tabernáculo em Siló (Sl.78:60).

Deus não está numa “cadeira”, não é inerte, Ele, sim, intervém e impede que Seu nome seja vilipendiado. 

– Aliás, foi esta a mensagem que trouxe a Eli por meio do homem de Deus, este profeta anônimo que foi mandado para anunciar o que o Senhor faria diante daquele descalabro: “aos que Me honram honrarei, porém os que Me desprezam serão envilecidos” (I Sm.2:30).

– A primeira providência tomada por Deus foi a retirada do ofício sacerdotal da casa de Eli, mas não da casa de Eleazar.

O “sacerdócio perpétuo” prometido aos descendentes de Eleazar, a começar por Fineias, estabelecido por ocasião do episódio de Baal-Peor (Nm.25:12,13) cessaria num só dia, quando tanto Eli quanto seus filhos morreriam.

OBS: É oportuno aqui deixar registrado que Flávio Josefo diz que Eli era da casa de Itamar e não da casa de Eleazar:

“…Eli, de quem acabamos de falar, foi o primeiro dos descendentes de Itamar, um dos filhos de Arão, que exerceu a suprema sacrificadora, pois antes ela sempre tinha ficado, e passado de pai a filho, na família de Eleazar,

que a tinha deixado a Fineias; Fineias a Abiezer; Abiezer a Boci e Boci a Ozi, ao qual Eli tinha sucedido e em cuja família ficou até o tempo de Salomão, quando voltou à de Eleazar.…” (Antiguidades Judaicas V, cap.12, n. 217. In: JOSEFO, Flávio. História dos hebreus. Trad. de Vicente Pedroso, v.1, p.124). 

– Alguém pode dizer: mas Deus não tinha dito que o sacerdócio da linhagem de Eleazar era perpétuo? Como pois poderia cessar, e num só dia? Deus não estaria sendo contraditório? 

– O sacerdócio perpétuo prometido a Eleazar e seus descendentes era condicional, como, via de regra, são a maior parte das promessas divinas.

Lendo-se o texto de Nm.25, vemos que a promessa foi dada a Eleazar porque Fineias, com o seu gesto de matar o varão que havia dado início à mistura com as filhas dos moabitas e esta atitude havia cessado a praga que já começara entre os filhos de Israel. 

– A casa de Eleazar recebera o sacerdócio porque desviara a ira de Deus sobre os filhos de Israel, porque não tivera receio de extirpar o pecado do meio do povo.

Agora, Eli e seus filhos haviam introduzido o pecado na própria casa do Senhor, ou seja, faziam exatamente o contrário do que lhes havia trazido o sacerdócio e, naturalmente, como Deus não muda, este sacerdócio não poderia perdurar com eles.

Deus, então, longe de ser contraditório, é perfeitamente coerente ao arrancar o ofício das mãos daqueles que, em vez de desviarem a ira de Deus, estavam sendo responsáveis pela manifestação da ira divina sobre o povo.

– A segunda providência tomada por Deus foi a condenação à morte tanto de Eli quanto de seus filhos.

Os pecados cometidos pelos filhos de Eli eram dignos de morte e Eli, em vez de puni-los, consentiu com a sua prática.

Por isso, todos morreriam e o Senhor, para mostrar que era um ato Seu, ainda diz que todos morreriam no mesmo dia. 

– Deus é o dono da vida (Dt.32:39; I Sm.2:6), é soberano e não terá outra sorte senão a morte todos quantos se levantarem contra Ele e, dizemos sem medo de errar, morte em circunstâncias tais que demonstrarão, com absoluta clareza, que foi o Senhor quem agiu.

Conhecido é um vídeo na internet em que se mostra o destino trágico de pessoas que zombaram de Deus, pessoas cujas mortes se deram em circunstâncias que não há como deixar de reconhecer que foram mortes para mostrar o devido castigo divino pela insolência praticada contra Ele.

– A terceira providência foi a promessa de que, apesar da infidelidade da casa de Eli, o Senhor não faria cessar o sacerdócio levítico, mas levantaria um “sacerdote fiel, que procederá segundo o meu coração e a milha alma, e eu lhe edificarei uma casa firme, e andará sempre diante do meu ungido” (I Sm.2:35).

– O pecado jamais pode destruir aquilo que é feito por Deus. A casa de Eli havia comprometido o sacerdócio, não poderia mais seguir existindo, mas o Senhor não ficaria sem sacerdote.

Constituiria uma nova casa sacerdotal para que estivesse diante de Seu ungido, a indicar, inclusive, que, diante do fracasso da liderança sacerdotal, constituiria uma nova liderança única, da qual viria o profeta igual a Moisés, o Messias. 

– Quando parece que o mal está a vencer, que não há como se concretizarem as promessas divinas, o Senhor entra em ação, mostrando que jamais é surpreendido e que Seus planos jamais podem ser frustrados (Jó 42:2 NAA). 

– Não se sabe quanto tempo passou desde a notícia dada por Deus e seu efetivo cumprimento, sendo que o cronologista bíblico Edward Reese entende que, entre as duas profecias e seu cumprimento, decorreu cerca de 9 anos. 

– O fato é que houve uma guerra entre Israel e os filisteus, filisteus que tinham a superioridade sobre a região, algo que havia sido abalado pela ação de Sansão, mas que não havia, de modo algum, sido debelado. 

– Querendo aumentar seu domínio sobre Israel, os filisteus se reuniram para batalhar contra os israelitas e estes foram fragorosamente derrotados, com a morte de quatro mil homens (I Sm.4:1,2). 

– Diante desta derrota, os anciãos de Israel revelaram o ponto baixíssimo em que estava a espiritualidade daquele povo.

Resolveram que, se trouxessem a arca da aliança para o campo de batalha, teriam a vitória sobre os filisteus ( ISm.4:3). 

– A ideia, imediatamente aceita e posta em prática, revelava que os israelitas estavam num lamentável estado espiritual, achando que a arca da aliança, símbolo da presença de Deus, era um amuleto, era o próprio Deus, era um objeto que se podia manipular, que poderia conceder a vitória, independentemente da conduta que mantinham diante do Senhor. 

– Era uma mentalidade puramente idolátrica, que colocava Deus a serviço dos israelitas, que se estribava a fé em objetos e em circunstâncias, exatamente como os gentios faziam em relação aos seus ídolos, aos seus deuses.

Tem-se aqui o obscurecimento e a insensatez do coração de que fala o apóstolo Paulo ao noticiar a corrupção geral da humanidade (Rm.1:21).

OBS: Flávio Josefo bem analisa este ponto:

“…Seu temor de serem completamente desbaratados foi tão grande que mandaram embaixadores ao senado e ao supremo sacrificador para rogar-lhes que mandassem a Arca da aliança;

não duvidavam eles de que, com esse socorro, obteriam a vitória, porque não imaginavam que Deus, que pronunciara a sentença do seu castigo, era mais poderoso do que a Arca, que era reverenciada unicamente por causa d’Ele.…” (Antiguidades Judaicas V, cap.11, n. 216. In: JOSEFO, Flávio. História dos hebreus. Trad. de Vicente Pedroso, p.123). 

– O triste de tudo isto é que isto partia daqueles que deveriam ser os mais sensatos, ou seja, os anciãos do povo, aqueles que lideravam a nação de Israel e, quando chegou tal determinação a Siló,

não houve por parte de Eli qualquer medida mais firme, tendo Hofni e Fineias, bem ao contrário, se apressado a atender ao chamado, tirando a arca do lugar santíssimo, o que era totalmente vedado, e levado até o campo de batalha (I Sm.4:4). 

– Não tem sido diferente em nossos dias. A apostasia espiritual atinge níveis alarmantes e é, muitas vezes, incentivada e estimulada pelas próprias lideranças, que deveriam zelar pelo bem-estar espiritual do povo de Deus.

 Temos hoje também a proliferação de amuletos e outras invencionices, que insistem em chamar de “fé inteligente”, inclusive com a retomada até da figura da arca, a exemplo do que ocorria nos dias que estamos a mencionar.

– Quando a arca chegou ao arraial, o povo jubilou com grande júbilo até que a terra estremeceu, o que fez até os filisteus admirarem e temerem a presença da arca, porque também tinham eles a mentalidade idolátrica (I Sm.4:5-9). 

– Todo o povo estava completamente equivocado a respeito das coisas espirituais, viviam como os gentios.

 A liderança sacerdotal não só não cumprira seu papel de distinguir entre o sagrado e o profano e de ensinar ao povo a lei do Senhor (Lv.10:10,11), como permitira que o povo adotasse a mesma mentalidade dos gentios, perdendo completamente a identidade de “propriedade pecular de Deus dentre os povos”.

 Não é isto que vemos ocorrer com a esmagadora maioria dos que cristãos se dizem ser em nossos dias? Tomemos cuidado, amados irmãos. 

– Entretanto, a ilusão e a fantasia não podem persistir. Ao contrário do que pensavam os próprios filisteus, Israel foi derrotado e a mortandade foi bem maior, trinta mil homens morreram, sete vezes e meia mais do que antes da arca ser mandada ao campo de batalha.

O Senhor não estava com os israelitas, mesmo que a arca estivesse no campo de batalha (I Sm.4:10). 

– Começam a se cumprir as profecias (que foram duas sobre o mesmo assunto para mostrar claramente que vinham da parte de Deus – Gn.41:32; Sl.62:11), pois,além da derrota de Israel, Hofni e Fineias são mortos na batalha.

Pouco depois, quando um sobrevivente chega para avisar Eli do acontecido, o próprio sacerdote cai da cadeira e quebra o pescoço, também morrendo e se cumprindo mais um ponto da profecia. 

– A arca, ademais, é tomada pelos filisteus. Deus desampara o tabernáculo de Siló (Sl.78:60), permitindo que os filisteus levassem a arca para seus domínios.

No entanto, lá o Senhor mostraria aos inimigos do povo de Israel que Ele era Deus de toda a terra (Ex.19:5) e que, ao contrário do que pensaram os filisteus, não havia sido uma vitória do deus Dagom sobre o Deus de Israel. 

– Durante os seis meses em que a arca esteve nas cidades dos filisteus, o Senhor mandou pragas sobre eles, de modo que eles tiveram de reconhecer que Deus é soberano e que deveriam devolver a arca para a terra se Israel (I Sm.5,6). 

– Quando a arca foi devolvida a Israel e de modo a que os filisteus não tivessem dúvida alguma de que Deus é Deus, os israelitas revelaram toda a sua lastimável situação espiritual.

Os moradores de Bete-Semes, onde a arca foi deixada pelo carro dos filisteus que a trouxe de volta, não tiveram a mínima reverência com o objeto sagrado e o viram, inclusive seu interior, o que levou à morte de cinquenta mil e setenta homens (I Sm.6:19). 

– A mentalidade idolátrica continuava a predominar entre os israelitas. Antes achavam que a arca era o próprio Deus, como haviam sido derrotados na guerra, já não tinham qualquer temor com este objeto.

De um extremo para outro, desviando à direita e à esquerda e deixando de observar a Palavra de Deus. Porventura, não é o que vemos em nossos dias? Pensemos nisto. 

– Diante da terrível mortandade, os moradores de Bete-Semes pediram aos seus vizinhos de Quiriate-Jearim que levassem a arca para a sua cidade e estes o fizeram, deixando-a na casa de Abinadabe, tendo separado o seu filho Eleazar para guardá-la (I Sm.7:1) e lá ela ficaria durante 78 anos, segundo Edward Reese. 

– Efetivamente, vemos que a profecia dada pelo homem de Deus anônimo e confirmada depois por Samuel cumpriu-se integralmente. Eli e seus dois filhos morreram no mesmo dia. O tabernáculo, desde a saída da arca para o campo de batalha contra os filisteus, não mais se restabeleceu. 

– O sacerdócio só será plenamente restabelecido com a inauguração do templo por Salomão, oportunidade em que o sumo sacerdote é Zadoque, descendente de Eleazar (I Cr.6:50-53), mas não de Eli, que,

depois de ter se tornado sumo sacerdote em companhia de Abiatar (II Sm.15:35), havia ficado como único sumo sacerdote, após o exílio de Abiatar, o último descendente de Eli a exercer o sumo sacerdócio (I Rs.2:26,27,35; I Cr.29:22).

OBS: É interessante notar que o aconteceu aqui com a linhagem sacerdotal, também aconteceu com a linhagem real, pois a linhagem de Salomão acabou perdendo a realeza por conta do pecado de Jeconias (Jr.22:30), tanto que, na genealogia de Jesus, fica claro que Jesus vem biologicamente do tronco de Natã, irmão de Salomão – Lc.3:31. 

– No Segundo Templo, até a sua profanação por Antíoco Epifânio, o sumo sacerdócio sempre foi exercido por um descendente de Zadoque e, no milênio, também serão os descendentes de Zadoque que exercerão o sacerdócio (Ez.44:15; 48:11).

– Com a morte de Eli e de seus filhos, o sumo sacerdócio passou a Aitube, irmão de Icabô (I Sm.14:3), a criança que nasceu no mesmo dia da morte de Eli e seus filhos (I Sm.4:20-22).  

– No entanto, como a arca não mais estava em Siló, o tabernáculo se desfez, sendo seus objetos levados para Nobe, com exceção da arca, que ficou algum tempo em poder dos filisteus e depois ficou em QuiriateJearim,

onde ficou na casa de Abinadabe (I Sm.6:21-7:1).] e, portanto, a partir de então, o sumo sacerdócio ficou como que defeituoso, pois a principal atividade do sumo sacerdote, que era a do dia da expiação, não mais se realizou. 

– A liderança sacerdotal se degenerara a tal ponto que havia sido como que “suspensa”. Era mister criar as condições para seu reerguimento, juntamente com o ungido, conforme profetizado pelo homem de Deus e confirmado por Samuel. E Samuel haveria de ser o homem que faria tal transição. 

Ev.  Caramuru Afonso Francisco

Fonte: https://portalebd.org.br/classes/adultos/4548-licao-4-a-degeneracao-da-lideranca-sacerdotal-i

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