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LIÇÃO Nº1 – O MUNDO DO APÓSTOLO PAULO

ESBOÇO Nº 1

A) INTRODUÇÃO AO TRIMESTRE

Estamos dando início ao quarto e último trimestre letivo de 2021, quando teremos um trimestre biográfico, pois estudaremos uma personagem das Escrituras: o apóstolo Paulo.

Sem dúvida alguma, depois de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, a personagem mais sobressalente das páginas do Novo Testamento é o apóstolo Paulo, ele próprio autor de mais da metade dos livros desta parte das Escrituras Sagradas, a saber, 14 livros, se se entender ter sido ele o autor da epístola aos hebreus ou, se assim não se considerar, 13 dos 27 livros.

Como se não bastasse a sua participação como autor, em o Novo Testamento tem-se que é efetivamente Paulo, o apóstolo dos gentios (Rm.11:13), quem torna o Cristianismo de uma seita judaica (At.9:2; 24:5,12; 28:22) em uma religião universal, a tal ponto que, ao longo da história, houve quem, ainda que sem qualquer razão, tenha considerado que o verdadeiro fundador do Cristianismo teria sido Paulo e não o próprio Cristo, como, por exemplo, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). O escritor Og Mandino (1923-1996) chegou a considerar o apóstolo como o “maior vendedor do mundo”.

Foi Paulo quem compreendeu o mistério da Igreja em toda a sua plenitude, como sendo um corpo formado tanto por judeus quanto por gentios e que formam um novo povo,

entendimento que não adveio de sua capacidade intelectual, que era tamanha, mas de revelação divina (Ef.2:1-3:12).

Assim, se coube a Moisés levar até o povo de Israel a lei, ensinando-lhe o significado do que é ser povo de Deus, propriedade peculiar de Deus dentre os povos (Jo.1:17; At.7:38; Gl.3:19), e, nesta ação, apontando para o profeta que havia de vir (At.7:37), coube a Paulo, depois que o Senhor Jesus trouxe a graça (Jo.1:17), levar até o povo de Deus, não mais Israel mas a Igreja, o significado desta graça e como devemos viver sobre a face da Terra à luz desta graça.

Como Moisés, para realizar seu papel, foi preparado desde o seu nascimento para realizar esta tarefa, fazendo com que tivesse períodos distintos em sua vida de modo a que aprendesse, na primeira infância, as promessas de Deus,

depois se tornasse filho da filha de Faraó para se tornar instruído em toda a ciência dos egípcios (At.7:22) e, depois, tivesse a experiência da solidão do deserto quando aprendeu a pastorear ovelhas para, então, tornar-se o libertador e líder dos filhos de Israel,

Paulo também foi criado na cultura judaica pelos seus pais, obteve a formação filosófica grega na sua cidade natal, Tarso (At.22:3), depois foi levado até Jerusalém, onde, tornado fariseu (At.26:5), aprendeu aos pés do mestre Gamaliel (At.22:3), tendo se tornado grande perseguidor dos cristãos (At.8:1; 9:1; I Tm.1:12), até ser alcançado pelo Senhor Jesus para se tornar o mais laborioso dos apóstolos (II Co.11:22-33), como também o de maior profundidade doutrinária (II Pe.3:15).

Só por estes fatos, tem-se que é extremamente útil e proveitoso estudarmos a vida desta personagem bíblica, que se identificou como “imitador de Cristo” (I Co.11:1), de modo que, aprendendo como viveu e as lições de vida e de ministério que nos deixou, teremos certamente um bom referencial em nosso peregrinar neste mundo na caminhada para o céu.

Após uma lição introdutória em que teremos uma visão de como era o mundo no tempo do apóstolo Paulo, teremos um primeiro bloco em que analisaremos a biografia do apóstolo, enfocando a fase de sua vida em que ainda não era um cristão, mas, sim, um terrível perseguidor da Igreja (lição 2), a sua conversão (lição 3) e a sua vocação para o apostolado (lição 4).

Em seguida, faremos uma análise de aspectos do ministério do apóstolo: o poder do Espírito (lição 6), a plantação de igrejas (lição 7), o discipulado de vidas (lição 8) e a sua dedicação aos vocacionados (lição 9).

Por fim, faremos uma análise do ânimo do apóstolo, de como submeteu todo o seu ser à vontade de Cristo, mostrando seu amor pela igreja (lição 10), seu zelo pela sã doutrina (lição 11), sua coragem diante da morte (lição 12) e a sua gloriosa esperança (lição 13).

A capa da revista mostra-nos uma pena, utilizada para escrever, ao lado de alguns livros, a nos lembrar que foi o apóstolo Paulo o principal instrumento usado pelo Senhor para redigir o Novo Testamento, a complementação das Escrituras, o vaso escolhido por Deus para nos mostrar o cristocentrismo do Antigo Testamento (I Co.15:3,4), explanando-o à luz da obra salvífica de Cristo.

Paulo que teve a revelação de Cristo nele, após a sua conversão (Gl.1:15,16), inspirado pelo Espírito Santo, transmitiu esta revelação por meio de suas epístolas para toda a Igreja em todos os tempos e todos os lugares.

O comentarista do trimestre é o pastor Elienai Cabral, que dispensa apresentações, ele que é o consultor teológico da Casa Publicadora das Assembleias de Deus.

Que ao término do trimestre sejamos todos imitadores de Paulo, e, assim fazendo, estaremos todos sendo genuínos e autênticos cristãos.

B) LIÇÃO 1 – O MUNDO DO APÓSTOLO PAULO

Paulo foi a pessoa escolhida por Cristo para que o Senhor Jesus fosse perfeitamente revelado e compreendido no mundo do século I da Era Cristã.

INTRODUÇÃO

– Vamos estudar um trimestre biográfico, pois estudaremos a vida e a obra do apóstolo Paulo.

– Paulo foi uma pessoa escolhida por Cristo para que o Senhor Jesus fosse perfeitamente revelado e compreendido no mundo do século I da Era Cristã.

I – O TEMPO DO APÓSTOLO PAULO

– Neste trimestre, estaremos a estudar a vida e o ministério do apóstolo Paulo, este gigante espiritual que se constitui na principal personagem do Novo Testamento depois de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

– Além de ter escrito a maior parte dos livros do Novo Testamento, 13 ou 14 livros, dependendo da posição que se tenha quanto à autoria da epístola aos hebreus, é o apóstolo a figura central do período apostólico, como vemos no livro de Atos dos Apóstolos, por ter sido a peça utilizada pelo Senhor Jesus para transformar a fé cristã de uma seita judaica em uma religião universal.

– Como nos ensina a física, quando falamos do universo em que vivemos e de que nosso mundo faz parte, são duas as variáveis com que temos de lidar: o tempo e o espaço, que Alberto Einstein (1879-1955) entendeu ser, na verdade, uma só grandeza, o espaço-tempo. Então, para falarmos do mundo do apóstolo Paulo, teremos de verificar o tempo e o espaço.

– A Divina Providência já havia preparado o mundo para a chegada do Filho de Deus a este mundo. Como se demonstra pelas próprias profecias bíblicas, notadamente as revelações dada a Daniel, após o fracasso espiritual de Israel, que o levou à perda da Terra Prometida, iniciou-se o que se costuma denominar de “tempo dos gentios”, ou seja,

um período em que o povo de Israel ficaria sob o domínio dos gentios, numa sequência de impérios mundiais, o que somente findará quando o próprio Cristo vier a reinar sobre o povo israelita, ocasião em que Israel se tornará a potência mundial, o que ocorrerá por ocasião do reino milenial.

– A perda da independência política por parte dos israelitas, entretanto, eles próprios já reduzidos em população ante o desaparecimento das dez tribos do antigo reino do norte, o que fez com que, inclusive, os israelitas passassem a ser chamados de “judeus” (II Rs.16:6; 25:5; Et.2:5), não significou, como talvez tenha até pensado o jovem Daniel quando mandado para o exílio em Babilônia, a frustração do cumprimento das promessas messiânicas.

– Muito pelo contrário, a partir da perda da Terra Prometida, inicia-se a sequência dos impérios mundiais, como se verifica na interpretação do sonho dado ao rei Nabucodonosor, interpretado por Daniel (Dn.2), sob o domínio dos quais ficariam os filhos de Israel até a vinda do Messias (Ne.9:36,37).

– A partir de então, Deus começa a preparar o mundo para a chegada do Messias, providenciando uma sequência de impérios mundiais que trouxessem uma uniformização político-econômico-social a fim de facilitar a divulgação da mensagem da salvação da humanidade na pessoa de Cristo Jesus, já que a rebeldia humana na torre de Babel havia causado a proliferação de nações e uma natural dificuldade de disseminação de uma mensagem universal como era o Evangelho.

– Era este o tempo em que nasceu e viveu o apóstolo Paulo, que é, aliás, o mesmo tempo em que o próprio Jesus exerceu o Seu ministério terreno, ministério porém que ficou restrito às ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt.15:24), ovelhas estas que rejeitaram o seu Senhor (Jo.1:11), mas, que apesar de tal rejeição, foi feito Senhor e Cristo (At.2:35), devendo, por isso mesmo, ser anunciado a toda criatura (Mc.16:15), o que, entretanto, só será bem compreendido por Paulo, que foi o vaso escolhido por Deus para iniciar efetivamente esta missão (At.9:15).

– Este tempo era, por primeiro, caracterizado pelo domínio político de Roma. Paulo nasceu e viveu no período da chamada “pax romana”, que é o auge, o apogeu do Império Romano, o quarto império mostrado no sonho dado a Nabucodonosor e interpretado por Daniel (Dn.2:40).

OBS: “…Os romanos governavam o mundo. Conquistaram este direito pela força dos seus exércitos. Eles possuíam o dom da colonização e do governo. Devido ao poder de suas legiões estacionadas em todas as suas colônias, eram os donos do mundo…” ..” (BALL, Charles Ferguson. A vida e a época do apóstolo Paulo. Trad. de Neyd Siqueira. Rio de Janeiro: CPAD, 1998, p.8).

– Este período durou de 27 a.C. até 180 d.C., ou seja, um período de aproximadamente 200 anos em que Roma não encontrou qualquer ameaça ao seu poderio que se estendia por toda a Europa meridional e central, norte da África e Oriente Médio, domínio este que foi fortemente facilitado pela malha viária construída pelos romanos, que muito favoreceu as viagens e deslocamentos de pessoas por dentro do Império.

– Este domínio político fez com que, também, houvesse uma intensificação das comunicações e dos transportes, com a disseminação do idioma grego, que já tinha alcançado grande divulgação desde os tempos de Alexandre, o Grande, e que tinha sido a base da chamada “cultura helenística”, que foi uma simbiose entre a cultura oriental, forjada no Egito, Babilônia e Pérsia, com a cultura grega que teve grande influência sobre a cultura romana, já que o povo romano era bem mais modesto em termos de intelectualidade que os gregos.

– Esta “helenização” não poupou nem os judeus que, apesar de serem um povo diferenciado dos demais, precisamente porque era o povo formado por Deus em contraposição a todas as culturas que se forjaram a partir da rebeldia contra o Senhor na torre de Babel, tiveram nítida influência não só da cultura babilônica, que absorveram durante o cativeiro, mas também da própria cultura grega.

– Prova desta influência encontramos no próprio comprometimento de parcela da população, notadamente a elite, com a mentalidade grega, como, por exemplo, os poderosos Tobíadas, um clã que, durante séculos, cuidou da arrecadação de tributos para os subsequentes dominadores estrangeiros sobre os filhos de Israel e a quem, logicamente, interessava um sincretismo cultural com os gentios e que deram nascimento à própria classe dos publicanos, tão execrados entre os judeus nos dias de Jesus e de Paulo.

– Mas, além disso, temos a própria existência de comunidades judaicas espalhadas pelos quatro cantos da Terra, já que a maior parte do povo judeu não retornou para Canaã ao término do cativeiro da Babilônia, preferindo se manter estabelecidos nas grandes cidades então sob o domínio da Pérsia, espalhando-se, depois, para as cidades gregas e europeias, inclusive Roma.

– Esta realidade de diversos judeus vivendo entre os gentios vamos ter, por exemplo, no dia de Pentecostes, quando judeus de quinze nacionalidades diferentes testemunharam o derramamento do Espírito Santo sobre os discípulos, admirando que os ouvissem falar em suas próprias línguas (At.2:7-11), que eram chamados de “gregos” (Jo.12:20; At.6:1), por terem nascido e viverem fora da terra de Israel.

– Paulo, aliás, era um destes “judeus gregos”, porque era natural da cidade de Tarso (At.9:11; 21:39; 22:3), cidade na região então chamada de Cilícia, que hoje correspondente à província turca de Mersin, que teria sido fundada pelo rei assírio Senaqueribe, logo depois de ele ter expulsado dali os gregos, que haviam invadido o local, e que logo se tornou um importante ponto de parada para comerciantes em viagem.

OBS: “…Apesar de sua grandeza Tarso não se destacava por sua antiguidade(…)A fama lhe sobreveio principalmente de seu entusiasmo pela cultura.

Suas escolas atraíam filósofos e professores de renome internacional. A afirmação de que ofuscava qualquer cidade como central cultural era bem justificada..” (BALL, Charles Ferguson. A vida e a época do apóstolo Paulo. Trad. de Neyd Siqueira. Rio de Janeiro: CPAD, 1998, p.7).

– Com a derrocada da Assíria e, depois, de Babilônia e da Pérsia, não demorou muito para que Tarso voltasse ao controle grego e se tornasse, inclusive, um importante centro filosófico, como veremos infra.

Depois se tornou um ponto estratégico para os romanos, uma espécie de centro militar para as campanhas voltadas para as conquistas orientais do Império, tendo sido, aliás, o local onde se conheceram Marco Antônio e Cleópatra, o que explica porque foi concedida a cidadania romana para todos os naturais de lá, tendo se tornado a capital da província romana da Cilícia.

OBS: Marco Antônio foi um dos membros do chamado “Segundo Triunvirato”, grupo de três governantes que assumiram o poder em Roma em

43 a.C., logo após o assassinato de Júlio César e que depois lutou pelo poder contra Otávio, outro membro do grupo, que, depois de derrotar Marco Antônio, se tornaria o primeiro imperador romano, o César Augusto do texto bíblico (Lc.2:1). Cleópatra foi a última rainha do Egito, que foi conquistado por Otávio e transformado em parte do Império Romano. Enamorou-se com Marco Antônio que manteve a independência do Egito.

– Nascendo em Tarso, Paulo teve, de imediato, contato com este domínio romano, pôde compreender como funcionavam todas as engrenagens do poder político imperial e que não encontravam qualquer obstáculo ou ameaça e, mais do que tudo, por ter nascido em Tarso, era cidadão romano (At.22:25-29; 23:27), desfrutando de todos os privilégios deste domínio político de Roma.

II – O ESPAÇO DO APÓSTOLO PAULO

– Bem compreendendo a situação política existente ao tempo do apóstolo Paulo, podemos agora fazer algumas considerações sobre o espaço em que viveu o doutor dos gentios (II Tm.1:11).

– Como vimos, Paulo nasceu em Tarso, cidade que ficava na Cilícia, fazendo parte da comunidade judaica, sendo da tribo de Benjamim (Fp.3:5), o que pode muito bem explicar o seu nome, pois, em hebraico, seu nome é Saul, precisamente o nome do primeiro rei de Israel, que era da tribo de Benjamim (I Sm.9:1,2).

– Tarso era uma cidade “grega”, que já tinha influência grega desde os dias de Senaqueribe, que a fundou. Com a derrocada do Império Persa, foi uma das primeiras cidades a sofrer o impacto da cultura grega rumo ao Oriente, sendo, pois, um dos primeiros lugares onde se desenvolveu esta simbiose que deu origem à já mencionada “cultura helenística”, não sendo, pois, por acaso, que Paulo seja natural de lá, pois, judeu como era, pôde desde o berço abeberar-se deste caldo cultural que seria o ambiente em que pregaria o Evangelho da graça de Deus (At.20:24).

– Tarso tanto se helenizou que se tornou, inclusive, um centro filosófico, pois ali se formou um importante núcleo do estoicismo, a escola filosófica que rivalizava em importância com os platônicos e os epicureus nos dias de Jesus e de Paulo (At.17:18).

– Em Tarso viveu um dos grandes mestres do estoicismo, Zenão de Tarso, que viveu por volta de 200 a.C. Certamente, Paulo foi formado nesta escola filosófica, tanto que há quem afirme que tenha trocado correspondência com Sêneca (4 a.C.- 65 d.C.),

o grande filósofo estoico romano que foi contemporâneo do apóstolo, sendo inegável a influência que tem o apóstolo desta escola filosófica, quando, por exemplo, disserta a respeito da carne e do espírito em Gálatas e Efésios, por exemplo.

OBS: O primeiro a mencionar a correspondência entre Sêneca e Paulo foi Jerônimo, no capítulo 12 de sua obra “Sobre os homens ilustres”, “in verbis”: “…alguém [Sêneca] que eu não poria numa lista de santos não fosse pelas Epístolas de Paulo para ele e dele de volta, que são lidas por muitos.

Nelas, escritas quando ele era tutor de Nero e o mais poderoso homem de seu tempo, ele diz que ele deveria ter entre os seus compatriotas um lugar como o que Paulo tem entre os cristãos.…”. Há, porém, muitas dúvidas sobre a autenticidade dos manuscritos existentes, até porque os mais antigos são do século IV.

– O estoicismo era uma escola filosófica que dava muito valor à ética, ou seja, à conduta do ser humano e que entendia que se deveria extirpar e controlar as paixões humanas, buscando-se uma vida de imperturbabilidade e de resignação diante do destino, que já estaria traçado de forma inevitável pelo “Logos”, que identificavam como sendo a natureza, o movimento de todas as coisas, sendo imperioso que o homem compreenda esta ordem natural para poder se conformar a ela.

– Ao mesmo tempo, conforme já vimos, Tarso passou a ser uma importante cidade para Roma, de modo que foi dada a todos os moradores dela a cidadania romana, de modo que o apóstolo, que não era de uma família humilde, tudo indica, acabou por gozar também deste privilégio.

– Como cidadão romano, Paulo pôde conhecer quais os direitos e privilégios que tinha em todo o vasto território do Império, podendo, então, enquanto membro de uma minoria étnica (a comunidade judaica), não permitir que fosse tolhido em sua vida por preconceitos ou quaisquer outros fatores que diminuíssem a sua elevada condição diante da lei de Roma.

– O apóstolo era cidadão romano e, como tal, encontrava-se numa situação de proteção máxima no mundo de então, onde Roma era a senhora e dominadora plena.

Esta noção de cidadania que possuía Paulo seria essencial no desempenho futuro de seu ministério, pois, mesmo vivendo em um mundo hostil, e o mundo sempre nos será hostil, porque está ele no maligno (I Jo.5:19), estamos nele mas não somos dele (Jo.17:11, 14-16), mas, mesmo assim, faz-se mister que saibamos quais são os direitos que se nos garantem, pois, mesmo tendo o mundo ódio de nós, há momentos em que terão de fazer valer nossos direitos mesmo contra a sua vontade (At.16:36-40; 25:9-12).

– Assim, o apóstolo foi criado e formado nas três principais culturas da época: a cultura romana (porque nasceu numa cidade onde todos eram cidadãos romanos e, portanto, teve logo contato com a lei romana), a cultura grega (pois Tarso era um centro filosófico) e a cultura judaica, pois, sendo judeu de nascimento,

era de uma família religiosa, tanto que logo o apóstolo vai se afeiçoar à seita dos fariseus e se tornar um fariseu (At.23:6; 26:5; Fp.3:5), devendo sua família, certamente, ter sido uma das “evangelizadas” pelos missionários fariseus que viviam rondando as comunidades judaicas espalhadas pelo mundo (cfr. Mt.23:15), já que o apóstolo diz que era “filho de fariseu” (At.23:6).

– A exemplo de Moisés, pois, Paulo também foi formado em toda a ciência do mundo de então, precisamente para que, mais tarde, pudesse utilizar todo este cabedal a serviço do reino de Deus, pois, como lhe foi revelado posteriormente, havia sido escolhido desde o ventre de sua mãe pelo Senhor (Gl.1:15).

– Economicamente, vemos que Paulo não era de uma família humilde. Por primeiro, pelo fato de ser cidadão romano, já vemos que o apóstolo era livre, ou seja, não era escravo, de modo que, só por isso, se encontrava numa posição privilegiada numa sociedade em que praticamente 90% da população era formada de escravos.

– Como se isto fosse pouco, o próprio apóstolo afirma que foi estudar em Jerusalém aos pés de Gamaliel, um dos grandes mestres do judaísmo do tempo de Paulo e de Jesus. Isto revela que Paulo vinha de uma família que tinha posses suficientes para possibilitar-lhe tal atividade e, ainda por cima, ter como mestre um dos principais rabis daquela época, membro do Sinédrio (At.5:34).

– Alguém dirá que Paulo era pessoa humilde, porque era fazedor de tendas (At.18:3), que seria uma “profissão humilde”. Sem razão, porém, quem assim pensar, isto porque ter um ofício secular era um dever, uma obrigação de todos quantos se dedicavam ao estudo da lei. A tradição judaica “…glorificava o trabalho como o sustentáculo da vida e o preservador dos objetivos ideais da Torah.

Com raras exceções, todos os Sábios Talmúdicos trabalhavam em ofícios e nenhuma profissão era considerada desprezível para eles, contanto que lhes permitisse ser socialmente úteis e honrados. ‘Adquira uma ocupação ao lado da sua dedicação a Torah’, aconselhavam eles.

O Patriarca do século II, Raban Gamaliel, explicou a sabedoria desse conselho da seguinte forma: ‘O estudo da Torah é realmente uma coisa boa quando combinado com uma ocupação, porque o esforço exigido pelos dois não deixa mais tempo nem pensamentos para o pecado.’…” (AUSUBEL, Nathan. Trabalho, dignidade do. In: A JUDAICA, v.6, pp.893-4).

– Paulo foi estudar em Jerusalém e logo se destacou como um dos principais alunos de Gamaliel, tanto que disse que estudou aos pés daquele mestre (At.22:3) e é sabido que, naquele tempo, os mestres ensinavam sentados (Mt.5:1) e os alunos ficavam em pé, mas os melhores alunos, aqueles que se destacavam e se apresentavam como futuros mestres, eram convidados a ficar aos pés do mestre, igualmente sentados, junto do mestre que, normalmente, ficava num lugar mais elevado a fim de que pudesse ser visto por todos os que o ouviam.

– Estudando aos pés de Gamaliel, logo o apóstolo se destacaria entre os fariseus, pois Gamaliel era fariseu (At.5:34), que é conhecido pelos judeus como “raban”, título que recebia aquele era o mestre superior do Sinédrio, o segundo homem daquele órgão, abaixo apenas do sumo sacerdote, o que explica como conseguiu a autorização do sumo sacerdote para prender todos os judeus que fossem cristãos em Damasco (At.9:1,2).

– A formação com Gamaliel, também, explica o zelo religioso que o apóstolo terá, porque a seita dos fariseus era a mais escrupulosa de todas, exigindo não só o cumprimento da lei mas de uma série de mandamentos outros, considerados como a “cerca da Torá” (Mt.23:3,4).

OBS: Esta noção de “cerca da Torá” está no chamado “Tratados do Pais” (Pirkei Avot) do Talmude, o segundo livro sagrado do judaísmo:

“ Moshê (Moisés) recebeu a Torá no Monte Sinai e a transmitiu a Yehoshua (Josué); Yehoshua (Josué) aos Anciãos; os Anciãos aos profetas; e os Profetas transmitiram-na aos Homens da Grande Assembleia. Ele [os Homens da Grande Assembleia] disseram três coisas: Sejam prudentes no julgamento; preparem muitos discípulos; e ergam uma cerca para a Torá.” (Pirkei Avot 1:1).

– A religiosidade dos fariseus será extremamente combatida pelo Senhor Jesus, que fez o Seu mais duro discurso precisamente contra eles (Mt.23) e não se tem surpresa alguma que os fariseus tenham se colocado como vorazes inimigos dos cristãos, que eles chamavam como “a seita dos nazarenos” (At.24:5). Paulo, sendo um fariseu extremamente zeloso (At.26:5), logo irá se colocar radicalmente contra os cristãos, a ponto de liderar a primeira grande perseguição contra a Igreja.

– Enquanto se tinha esta religiosidade exclusivista e orgulhosa dos fariseus, também havia uma tendência de sincretismo religioso, extremamente favorecida pela cultura helenística e que tinha, também, o apoio do governo romano, que estava a incentivar e estimular esta mistura de religiões.

Os romanos eram extremamente tolerantes com as religiões e os cultos dos povos dominados, evitando envolver-se nestas questões (Jo.18:31; At.18:14-16; 25:13-21), ainda mais quando estava iniciando o “culto ao imperador”, que Roma queria que fosse adotado por todos como mais um culto existente.

– Paulo tinha pleno conhecimento disto e, como fariseu, era contrário a tal postura, que era bem própria dos saduceus, a seita judaica rival, mas o apóstolo bem sabia disto e a compreensão deste fenômeno seria crucial no desenvolvimento de seu ministério, inclusive para a retirada deste exclusivismo farisaico que estava bem presente entre os cristãos judeus e que seria a mentalidade que se levantaria contra o apóstolo da parte dos judaizantes, em sua esmagadora maioria formada de antigos fariseus (At.15:5).

– Paulo tem, já na sua formação, um entrelaçamento de todas estas culturas, de todos estes pensamentos, o que lhe dá uma postura universal, uma compreensão intercultural que seria essencial para que pudesse bem compreender a essência da mensagem do evangelho da graça de Deus e, deste modo, superar as barreiras culturais para promover a evangelização que atingiu todo o Império Romano.

– É importante observar, desde já, que, apesar de ter uma boa posição social, uma boa formação intelectual, Paulo demonstrou ter uma grande sede de Deus, tanto que deixa Tarso e vai até Jerusalém para aprender a lei. Ele tinha em mente a necessidade que o ser humano tem de estar em comunhão com o Senhor, de poder desfrutar de um relacionamento com Ele.

– Este sentido de proeminência das coisas espirituais, de busca pelo divino foi fundamental para que o apóstolo pudesse ser quem foi nas mãos de Deus. Verdade é que, num primeiro momento, este seu interesse o levou para o zelo religioso que o fez cometer atrocidades contra os cristãos, como, aliás, acontece com muita gente até os dias de hoje.

– Entretanto, por compreender, desde cedo, a necessidade de se relacionar com Deus, Paulo já deu um grande passo para que viesse a ter um encontro com Cristo e se tornasse o grande nome da Igreja depois do próprio Senhor Jesus.

– Esta sede de Deus, que é ínsita a todo ser humano (Sl.42:2), quando é compreendida como prioritária e leva o homem a querer ir ao encontro do Senhor, é um elemento primordial para que se superem todos os obstáculos naturais e sobrenaturais que há para que entremos em comunhão com o Todo-Poderoso, o que somente se faz possível por intermédio de Jesus Cristo.

– Não é por outro motivo que Paulo se considerava um exemplo da misericórdia divina e uma comprovação de que qualquer um pode ser salvo, se quiser, pois ele, que tanto mal fez à Igreja e, por conseguinte, ao próprio Senhor Jesus (pois não foi o próprio Jesus que disse que era o perseguido por Paulo – At.9:4?), mesmo assim pôde ser alcançado pela salvação (I Tm.1:12-16).

– O Senhor, que conhece os corações, vai até onde estão estes que, mesmo cegos pelo pecado, almejam ter comunhão e relacionamento com o seu Criador. Deus, que quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade (I Tm.2:4), não decepciona nem desampara aqueles que voluntariamente desejam se relacionar com Ele. Creiamos nisso!

– Paulo pôde, mais tarde, compreender que vivia num mundo em que uns buscavam sabedoria (I Co.1:19-22), os gregos, com toda a sua filosofia, filosofia que Paulo havia também estudado; outros, por sua vez, buscavam sinais, criam numa religiosidade, como os judeus (I Co.1:22),ao mesmo tempo em que outros, por serem cidadãos romanos, achavam estar seguros e protegidos pelo exército romano.

No entanto, nem na filosofia grega, nem na religiosidade judaica, muito menos no poderio romano se encontrava o que Paulo buscava.
Somente em Jesus Cristo é que ele encontraria sabedoria, justiça, santificação e redenção (I Co.1:30).

– Nós, também, enquanto estivermos neste mundo, que não é, em essência, diferente do que vivia Paulo (Ec.1:9), temos de ter a mesma compreensão que teve o apóstolo e, desta forma, sabendo utilizar-se de tudo quanto o Senhor nos dá da parte deste mundo, jamais nos esquecermos de que o que é importante é termos a Cristo como Aquele que nos deu o Senhor para podermos aqui peregrinar e, a exemplo do apóstolo, sermos vitoriosos em nosso “bom combate” (II Tm.4:7 ). Temos agido nesta direção? Pensemos nisso!

Ev. Caramuru Afonso Francisco

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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